Você está na página 1de 95

MATRIZES

CULTURAIS
DA ARTE
NO BRASIL
MARIA SILVIA BIGARELI

MATRIZES CULTURAIS DA ARTE


NO BRASIL

Taubaté
Universidade de Taubaté
2017
Copyright©2017. Universidade de Taubaté.
Todos os direitos dessa edição reservados à Universidade de Taubaté. Nenhuma parte desta publicação pode ser
reproduzida por qualquer meio, sem a prévia autorização desta Universidade.
Administração Superior
Reitor Prof. Dr. José Rui Camargo
Vice-reitor Prof. Dr. Isnard de Albuquerque Câmara Neto
Pró-reitor de Administração Prof. Dr. Isnard de Albuquerque Câmara Neto (interino)
Pró-reitor de Economia e Finanças Prof. Dr. Mario Celso Peloggia (interino)
Pró-reitora Estudantil Profa. Ma. Angela Popovici Berbare
Pró-reitor de Extensão e Relações Comunitárias Prof. Dr. Mario Celso Peloggia
Pró-reitora de Graduação Profa. Dra. Nara Lucia Perondi Fortes
Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação Prof. Dr. Francisco José Grandinetti
Coordenação Geral EaD Profa.Dra.Patrícia Ortiz Monteiro
Coordenação Acadêmica Profa.Ma. Rosana Giovanni Pires
Coordenação Pedagógica Profa.Dra.Ana Maria dos Reis Taino
Coordenação de Tecnologias de Informação e Comunicação Wagner Barboza Bertini
Coordenação de Mídias Impressas e Digitais Profa.Ma.Isabel Rosângela dos Santos Ferreira
Coord. de Área: Ciências da Nat. e Matemática Profa. Ma. Maria Cristina Prado Vasques
Coord. de Área: Ciências Humanas Profa. Dra. Suzana Lopes Salgado Ribeiro
Coord. de Área: Linguagens e Códigos Profa. Dra. Juliana Marcondes Bussolotti
Coord. de Curso de Pedagogia Profa. Ma. Ely Soares do Nascimento
Coord. de Cursos de Tecnol. Área de Gestão e Negócios Profa. Ma. Márcia Regina de Oliveira
Coord. de Cursos de Tecnol. Área de Recursos Naturais Profa. Ma. Márcia Regina de Oliveira
Revisão ortográfica-textual Profa. Ma. Isabel Rosângela dos Santos Ferreira
Revisão técnica Profa. Ma. Renata Ap. de Freitas e Profa. Ma. Andréa M. G. Consolino
Projeto Gráfico Me. Benedito Fulvio Manfredini
Diagramação Bruna Paula de Oliveira Silva
Autor Maria Sílvia Bigarelli
Unitau-Reitoria Rua Quatro de Março,432-Centro
Taubaté – São Paulo CEP:12.020-270
Central de Atendimento:0800557255
Polo Taubaté Avenida Marechal Deodoro, 605–Jardim Santa Clara
Taubaté–São Paulo CEP:12.080-000
Telefones: Coordenação Geral: (12)3621-1530
Secretaria: (12) 3622-6050
Polo Ubatuba Av. Castro Alves, 392 – Itaguá – CEP: 11680-000
Tel.: 0800 883 0697
e-mail: nead@unitau.br
Horário de atendimento: 13h às 17h / 18h às 22h
Polo São José dos Campos Av Alfredo Ignácio Nogueira Penido, 678
Parque Residencial Jardim Aquarius
Tel.: 0800 883 0697
e-mail: nead@unitau.br
Horário de atendimento: 8h às 22h
Polo São Bento do Sapucaí EMEF Cel. Ribeiro da Luz. Av. Dr. Rubião Júnior, 416 – São Bento do
Sapucaí – CEP: 12490-000
Tel.:(12) 3971-1230
e-mail: polosaobento@ead.unitau.com.br
Horário de atendimento: das 18h às 21h (de segunda a sexta-feira) / das 8h
às 12h (aos sábados).

Ficha catalográfica elaborada pelo SIBi


Sistema Integrado de Bibliotecas / UNITAU
B592m Bigareli, Maria Silvia
Matrizes culturais da arte no Brasil / Maria Silvia Bigareli. Taubaté: UNITAU, 2010.
81p. : il.

ISBN: 978-85-62326-38-7
Bibliografia

1. Matrizes culturais. 2. Cultura indígena. 3. Cultura afro-brasileira. 4. Museus.


5. Processo museológico. I. Universidade de Taubaté. II. Título.
PALAVRA DO REITOR

Palavra do Reitor
Toda forma de estudo, para que possa dar certo,
carece de relações saudáveis, tanto de ordem
afetiva quanto produtiva. Também, de
estímulos e valorização. Por essa razão,
devemos tirar o máximo proveito das práticas
educativas, visto se apresentarem como
máxima referência frente às mais diversificadas
atividades humanas. Afinal, a obtenção de
conhecimentos é o nosso diferencial de
conquista frente a universo tão competitivo.

Pensando nisso, idealizamos o presente livro-


texto, que aborda conteúdo significativo e
coerente à sua formação acadêmica e ao seu
desenvolvimento social. Cuidadosamente
redigido e ilustrado, sob a supervisão de
doutores e mestres, o resultado aqui
apresentado visa, essencialmente, a orientações
de ordem prático-formativa.

Cientes de que pretendemos construir


conhecimentos que se intercalem na tríade
Graduação, Pesquisa e Extensão, sempre de
forma responsável, porque planejados com
seriedade e pautados no respeito, temos a
certeza de que o presente estudo lhe será de
grande valia.

Portanto, desejamos a você, aluno, proveitosa


leitura.

Bons estudos!

Prof. Dr. José Rui Camargo


Reitor

v
vi
Apresentação
Neste livro-texto estudaremos os traços estéticos culturais de diferentes povos na
formação da nossa arte: sincretismos e hibridismos das matrizes europeia, indígena e
africana, que constituem as características artísticas e culturais brasileiras.
Abordaremos a produção artística relacionada com a temática da cultura afro-brasileira e
indígena como parâmetros referenciais para o ensino de arte.
Apresentaremos também a instituição museológica e sua importância na preservação e
divulgação da arte brasileira, além de como podemos aprender e propor ações junto aos
programas educativos de museus e instituições culturais similares.

vii
viii
Sobre a autora

Maria Sílvia Bigareli é graduada em Artes Plásticas (Faculdade de Belas Artes de São
Paulo / SP), especializada em Arte Educação (ECA / USP/ SP), mestre em Multimeios
(UNICAMP) e doutora em Comunicação e Semiótica (PUC – SP).
Atua na área de Educação e Cultura (Patrimônio e Artes) em instituições formais e
informais de ensino, públicas e privadas e em Instituições Culturais (museus, fundações
culturais, casas de cultura) desde 1991. Principais atividades exercidas: direção do
Departamento de Cultura; ação cultural e educativa; organização, produção, pesquisa,
curadoria e montagem de exposições; elaboração e formatação de projetos culturais; ação
educativa do Museu de Antropologia do Vale do Paraíba; coordenação de programas de
formação cultural; roteirização, direção e produção de vídeos; docência (do infantil ao
terceiro grau); educação patrimonial. Serviços prestados a instituições como Fundação
Cultural de Jacarehy “José Maria de Abreu” – Museu de Antropologia do Vale do Paraíba,
Fundação Cultural Cassiano Ricardo; Fundação Patrimônio Histórico da Energia de São
Paulo, Museu do Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, Universidade do Vale
do Paraíba - UNIVAP, Centro Universitário Claretiano, FAETEC.

ix
x
Caros(as) alunos(as),
Caros( as) alunos( as)

O Programa de Educação a Distância (EAD) da Universidade de Taubaté apresenta-se


como espaço acadêmico de encontros virtuais e presenciais direcionados aos mais
diversos saberes. Além de avançada tecnologia de informação e comunicação, conta com
profissionais capacitados e se apoia em base sólida, que advém da grande experiência
adquirida no campo acadêmico, tanto na graduação como na pós-graduação, ao longo de
mais de 35 anos de História e Tradição.

Nossa proposta se pauta na fusão do ensino a distância e do contato humano-presencial.


Para tanto, apresenta-se em três momentos de formação: presenciais, livros-texto e Web
interativa. Conduzem esta proposta professores/orientadores qualificados em educação a
distância, apoiados por livros-texto produzidos por uma equipe de profissionais preparada
especificamente para este fim, e por conteúdo presente em salas virtuais.

A estrutura interna dos livros-texto é formada por unidades que desenvolvem os temas e
subtemas definidos nas ementas disciplinares aprovadas para os diversos cursos. Como
subsídio ao aluno, durante todo o processo ensino-aprendizagem, além de textos e
atividades aplicadas, cada livro-texto apresenta sínteses das unidades, dicas de leituras e
indicação de filmes, programas televisivos e sites, todos complementares ao conteúdo
estudado.

Os momentos virtuais ocorrem sob a orientação de professores específicos da Web. Para


a resolução dos exercícios, como para as comunicações diversas, os alunos dispõem de
blog, fórum, diários e outras ferramentas tecnológicas. Em curso, poderão ser criados
ainda outros recursos que facilitem a comunicação e a aprendizagem.

Esperamos, caros alunos, que o presente material e outros recursos colocados à sua
disposição possam conduzi-los a novos conhecimentos, porque vocês são os principais
atores desta formação.

Para todos, os nossos desejos de sucesso!

Equipe EAD-UNITAU

xi
xii
Sumário
Palavra do Reitor .............................................................................................................. v
Apresentação .................................................................................................................. vii
Sobre a autora .................................................................................................................. ix
Caros(as) alunos(as) ........................................................................................................ xi
Ementa .............................................................................................................................. 1
Objetivos........................................................................................................................... 2
Introdução ......................................................................................................................... 3
Unidade 1 – Vestígios ancestrais e matriz cultural indígena ...................................... 5
1.1 Arte pré-histórica: pinturas rupestres e outros vestígios arqueológicos ..................... 5
1.2 Arte indígena .............................................................................................................. 8
1.3 O indígena e a representação do imaginário estrangeiro .......................................... 15
1.4 Síntese da Unidade ................................................................................................... 16
1.5 Para saber mais ......................................................................................................... 17
1.6 Atividades ................................................................................................................. 17
Unidade 2 – Matrizes Culturais lusitana, africana e indígena: processos híbridos
na constituição cultural e artística do Brasil ............................................................. 19
2.1 Colonização portuguesa: arte religiosa escultórica .................................................. 19
2.2 Os africanos e os afro-brasileiros ............................................................................. 22
2.3 Hibridismo religioso e manifestações culturais e artísticas ...................................... 26
2.4 Matrizes musicais e suas manifestações culturais e artísticas...................................31
2.5 Síntese da Unidade ................................................................................................. 344
2.6 Para saber mais ....................................................................................................... 344
2.7 Atividades ............................................................................................................... 355
Unidade 3 – A Cultura afro-brasileira e indígena no ensino de arte ..................... 377
3.1 Visualizações do indígena e do afro-brasileiro na arte dos artistas estrangeiros:
Eckhout, Debret, Rugendas .......................................................................................... 388
3.2 Visualizações do indígena e dos afro-brasileiros na arte de Victor Meirelles,
Almeida Júnior, Portinari, Tarsila do Amaral .............................................................. 455
3.3 A Cultura afro-brasileira e indígena na contemporaneidade .................................... 50
3.4 Síntese da Unidade ................................................................................................... 54

xiii
3.5 Para saber mais ......................................................................................................... 54
3.6 Atividades ................................................................................................................. 54
Unidade 4 – O Processo museológico .......................................................................... 55
4.1 Memória e Identidade ............................................................................................... 55
4.2 Documentação, pesquisa, conservação, restauro e curadoria ................................... 58
4.3 Exposição e ação educativa ...................................................................................... 63
4.4 Síntese da Unidade ................................................................................................... 66
4.5 Para saber mais ....................................................................................................... 666
4.6 Atividades ................................................................................................................. 66
Unidade 5 – Aprendendo nos museus ....................................................................... 698
5.1 Aprendendo a aprender nos museus ......................................................................... 69
5.2 Exemplo de atividade: leituras de imagens .............................................................. 72
5.3 Exemplo de atividade: recriando a partir do acervo ................................................. 75
5.4 Brincando de arqueólogo .......................................................................................... 76
5.5 Síntese da Unidade ................................................................................................... 78
5.6 Atividades .............................................................................................................. 787
Referências ..................................................................................................................... 78
Referências Complementares ......................................................................................... 79

xiv
Matrizes Culturais da
Arte no Brasil ORGANIZE-SE!!!
Você deverá dispor
de 3 a 4 horas para
estudar cada Unidade.

Ementa

EMENTA

Estudo dos traços estéticos culturais de diferentes povos na formação da


nossa arte. Sincretismos, retenções, permanência e hibridismos das três
matrizes na arte brasileira. Espaço da cultura afro-brasileira e indígena
no ensino de arte. O papel do museu na preservação e divulgação da arte
brasileira. Conceitos de curadoria, conservação, restauro, pesquisa,
exposição, ação educativa. Apreciação e análises de programas
educativos em museus e instituições culturais similares.

1
Objetivo Geral

Refletir à luz da História acerca da cultura afro-brasileira e indígena, visando à


reconstrução de outra visão sobre as contribuições estéticas desses povos.
Obj etiv os

Objetivos Específicos

▪ Respeitar e valorizar as diferentes manifestações artístico-culturais;


▪ Compreender os aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação
de nossa arte;
▪ Resgatar essas contribuições culturais no ensino de arte;
▪ Reconhecer a importância dos museus na preservação e divulgação da arte
brasileira;
▪ Apreciar e analisar programas educativos em museus e centros culturais.

2
Introdução
O presente Livro-texto, Matrizes culturais da arte no Brasil, busca ampliar o olhar do
aluno sobre as questões envolvidas no processo de formação da nossa arte, tomando a
produção artística relacionada com a temática da cultura afro-brasileira e indígena como
parâmetro referencial para o ensino de arte.

Compõe-se de cinco unidades articuladas que, no conjunto, permitirão ao estudante


organizar seu pensamento e construir conhecimentos solidamente embasados nos
pressupostos teóricos e nas imagens aqui apresentados.

A Unidade 1, Vestígios ancestrais e matriz cultural indígena, tem como objetivo levar
o estudante a refletir sobre nossa cultura material mais remota, por meio dos vestígios
arqueológicos encontrados em nosso país nas suas mais diversas regiões, apresentando
exemplares da produção artística indígena (pré-histórica e histórica) e discutindo a
representação do indígena sob o olhar estrangeiro, revelando um Brasil imaginário.

Na Unidade 2, Matrizes Culturais lusitana, africana e indígena: processos híbridos


na constituição cultura e artística do Brasil, refletiremos sobre os processos híbridos,
a miscigenação das diversas raças que constituem a sociedade brasileira, tratando com
especial vigor a presença e a influência das populações portuguesa e africana nas
manifestações culturais e artísticas do nosso país.

Na Unidade 3, As culturas afro-brasileira e indígena no ensino da arte, veremos que


o ensino da história e das culturas afro-brasileira e indígena como componente curricular
obrigatório é debatido há tempos, existindo legislações específicas desde 1996. Em 2003,
a temática afro-brasileira foi incluída no ensino nacional e, em março de 2008, o mesmo
se deu com a cultura indígena.

A Unidade 4, denominada O Processo museológico, trata os diversos aspectos


pertencentes a este processo que compreende um conjunto de ações interdependentes, que
se movimentam e se retroalimentam constantemente, permitindo que parcelas do

3
patrimônio cultural transformem-se em herança, na medida em que são alvo de
preservação e comunicação.

Por fim, na Unidade 5, Aprendendo nos museus, apresentaremos sugestões de atividades


que podem ser utilizadas em ações educativas em instituições não formais de ensino,
abordando a temática desta disciplina.

4
Unidade 1
Unidade 1 – Vestígios ancestrais e matriz cultural
indígena

Esta primeira unidade da disciplina Matrizes Culturais da Arte no Brasil tem como
objetivo refletir sobre nossa cultura material mais remota, por meio dos vestígios
arqueológicos encontrados em nosso país nas suas mais diversas regiões. Também
analisaremos exemplares da produção artística indígena (pré-histórica e histórica), e, por
fim, analisaremos a representação do indígena sob o olhar estrangeiro, revelando um
Brasil imaginário.

1.1 Arte pré-histórica: pinturas rupestres e outros vestígios


arqueológicos
Como testemunha da cultura de nossos antepassados da história pré-cabralina, do
território que hoje chamamos de Brasil, temos como fontes principais os achados
arqueológicos, os vestígios materiais e imateriais deixados pelos homens, os índices
processuais que indicam dados sobre hábitos, os costumes e as características da
população. Por meio dos grafismos das pinturas e gravuras rupestres, podemos abordar a
presença simbólica da arte e da cultura; pelos utensílios de pedra (materiais líticos), ossos,
cerâmicas, entre outros, podemos conhecer e diferenciar os modos de produção e as
ferramentas tecnológicas de diversos grupos.

A arqueologia estuda os objetos encontrados de forma relacional, ou seja, analisa-os


estabelecendo relação entre eles e sua ocorrência no tempo e no espaço. Os vestígios se
acham em conjuntos denominados territorialmente de sítios arqueológicos. Partindo de
metodologias e técnicas especializadas de pesquisa, a arqueologia separa os objetos

5
segundo a diversidade temporal e também utiliza testes físico-químicos na busca de
datações cronológicas mais precisas.

As pinturas rupestres brasileiras, descobertas há mais de um século, remontam a diversos


períodos; porém, em seu predomínio, datam de aproximadamente 10.000 anos. Os
estudos apontam que provavelmente a finalidade de tais inscrições tenha relação com
afirmações de identidade, de etnicidade, de simbolismo mágico religioso. Os
arqueólogos, reconhecendo conjuntos e complexos temáticos, classificam e definem as
pinturas em “tradições”, conforme a região e a esfera temporal em que foram encontrados.

No Brasil, os principais sítios que apresentam grafismos pré-históricos são localizados


nas Regiões Norte, Nordeste e no Estado de Minas Gerais. Os conjuntos de pinturas
rupestres mais antigos pertencem à região de São Raimundo Nonato (Piauí), no
denominado Parque Nacional da Serra da Capivara. Inseridas na tradição nordeste
(12.000 e 6.000 anos), as pinturas registram representações humanas (por vezes
acompanhadas de animais) em
cenas cotidianas como luta, caça,
dança, sexo e rituais. As pinturas
são geralmente monocromáticas,
com pigmentação avermelhada,
contrastando com a cor da parede
de pedra. Mas também são
presentes pinturas em tons de
preto, branco, amarelo e cinza.

Figura 1.1 – Pintura rupestre – Parque Nacional da Serra da Algumas pinturas do sítio
Capivara. Dominio público. Disponível em:
<https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=29962
Boqueirão da Pedra Furada, no
386>. Acesso em 08.mar.2017. Piauí, foram datadas entre 12.000 e
29.000 anos atrás.

A datação dos sítios do Piauí ainda provoca grandes discussões na área da arqueologia,
pois coloca em questão a chegada da ocupação humana nas Américas, assunto de grande
debate e polêmica.

6
Outro significativo sítio
arqueológico com registros de
pinturas rupestres localiza-se na
região norte (Caverna Pintada –
PA), com cerca de 11.000 anos.

No Brasil Central, as principais


pesquisas foram realizadas em
Minas Gerais. Os grafismos
mais remotos representam
Figura 1.2 – Caverna da Pedra Pintada - Monte Alegre / Pará
animais quadrúpedes, de forma Fonte: Domínio público.
naturalista, geralmente <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/75/Baci-4s.jpg> .
Acesso em 22.ago.2010.
monocromáticos e pertencentes à
denominação de Tradição
Planalto. No sítio Santana do
Riacho (Serra do Cipó - MG), há
representações de peixes,
cervídeos etc. Em Lagoa Santa -
MG, onde se observa a presença
da arte rupestre, são realizadas
pesquisas desde o século XIX. As
representações são diversificadas
conforme os sítios, a região e a
cronologia. Apresentam figuras
(humanos, animais, vegetais)
formalmente naturalistas e Figura 1.3 - Pintura rupestre dos indígenas pré-
também esquematizadas. cabralinos em Cachoeira Resplendor, Pará. Fonte:
Domínio público. Disponível em:<
https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=153
43918>.Acesso em:08.mar.2017.

No norte de Minas Gerais, em Goiás e no noroeste do estado da Bahia, as figurações são


muito diferentes das dos estados do Piauí e de Minas Gerais (região central).

Figura 1.3 – Tradição São Francisco do sudoeste da


Bahia
7
Fonte: PROUS, 2006, p. 79
Algumas vezes, no mesmo sítio, são encontrados mais de um estilo de figuração,
indicando a presença de várias ocupações e populações ocorridas no tempo. No Vale do
Peruaçu (Minas Gerais), os grafismos datam de 7.000 a 9.000 anos e revelam, além do
padrão conhecido, composições não figurativas e figuras humanas extremamente
estilizadas.

São muitos os patrimônios de arte rupestre no Brasil, que tornam nosso país um dos mais
extensos conjuntos do mundo, com aproximadamente 2.000 sítios arqueológicos. Porém,
são quase desconhecidos da grande maioria e muitos estão sofrendo ataques de
vandalismo, fazendo-se, portanto, necessárias ações imediatas de educação e preservação
do nosso patrimônio artístico e cultural, o que potencializará o conhecimento, o turismo
e o desenvolvimento da nação. O Parque Nacional da Serra da Capivara (Piauí), que
recebe anualmente 10.000 visitantes com acompanhamento de guias capacitados é um
exemplo dessa possibilidade.

Outros objetos da cultura material encontrados e pesquisados pela arqueologia são os


instrumentos líticos (pedras lascada e polida), tais como: ferramentas de trabalho, mão de
pilão, armas e objetos cerimoniais, entre outros. Em maior número, são encontrados
artefatos e fragmentos de objetos cerâmicos, tais como: tigelas, vasilhas, bacias, urnas
funerárias etc. Esses testemunhos de ocupação e de tradições indígenas são diversos e
esteticamente compostos, como veremos a seguir.

1.2 Arte indígena


A população existente em nosso território antes da chegada dos portugueses foi
denominada de “indígena” pelos próprios colonizadores, que achavam ter encontrado “as
Índias”, termo este utilizado até então. Em carta ao Rei D. Manuel, Pero Vaz de Caminha
descreve o encontro com os exóticos habitantes. Observe o relato dessa descrição no
fragmento, abaixo, da carta:

[...] A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos


e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem
mais caso de encobrir ou deixar de encobrir suas vergonhas do que de
8
mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ambos traziam o
beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento
de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta
como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que
lhes fica entre o beiço e os dentes é feita a modo de roque de xadrez. E
trazem-no ali encaixado de sorte que não os magoa, nem lhes põe estorvo
no falar, nem no comer e beber.
Os cabelos deles são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta antes
do que sobre-pente, de boa grandeza, rapados todavia por cima das orelhas.
E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte, na parte detrás, uma
espécie de cabeleira, de penas de ave amarela, que seria do comprimento
de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas.
E andava pegada aos cabelos, pena por pena, com uma confeição branda
como, de maneira tal que a cabeleira era mui redonda e mui basta, e mui
igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar.
(Disponível em:<http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/carta.html> Acesso em
15 mar. 2010).

Anteriormente ao encontro com os europeus, como já vimos, existiam sociedades de


grande riqueza e diversidade cultural ocupando grande parte da ilha Brasil. A partir do
século VIII, multiplica-se a quantidade de aldeias, observadas como “um fenômeno
‘repentino’ na escala arqueológica, e não se sabe o que provocou a novidade” (PROUS,
2006, p. 85).

A arte indígena pré-histórica revela extrema variedade de estilos, conforme a relevância


temporal, geográfica e cultural, e novamente é a ciência da arqueologia que nos traz as
testemunhas materiais de variadas tradições e culturas por meio dos objetos encontrados
em escavações. Dentre esses objetos destacam-se os de uso pessoal (adornos), a pintura
corporal, a arte cerâmica (utilitários, cerimoniais etc.), a arte plumária, entre outras, como,
por exemplo, as manifestações culturais nas danças e nos cantos.

Uma das expressões artísticas mais significativas é a cerâmica denominada “marajoara”


(da região amazônica – ilha de Marajó). Dotada de excepcional qualidade técnica, os
objetos indicam a existência de artesãos altamente especializados. Muitos dos vasos
apresentam formas antropomórficas, especialmente os decorados e confeccionados para
abrigarem os ossos dos mortos (urnas funerárias). Dentre as urnas, destacam-se as do tipo
“Joanes pintado”, como explica Prous (2006):

As de tipo “Joanes Pintado” têm forma globular e figuram uma cabeça


humana – aparentemente feminina, com representação de uma face em
9
cada um dos dois lados opostos do pote. Os olhos, grandes e redondos,
evocam por vezes uma coruja e por vezes o deus mesoamericano Tlaloc.
A boca parece descarnada, como a dos seres do inframundo (residência dos
mortos) maia. Entre as orelhas das duas faces se insere um ser fantástico,
com olhos parecidos com escorpiões (PROUS, 2006, p. 114).

A cerâmica marajoara (século V a XIV)


apresenta policromia e grande número de
objetos, tais como: adornos particulares,
utensílios domésticos (colheres, conchas) e, até
mesmo, tangas (tapa sexo).

Policromia
Outra cerâmica excepcional é a “de
Termo utilizado em arte para designar as camadas Santarém”, da cultura tapajônica (região
pictóricas compostas com mais de uma cor.
Construídas com uma cor, são denominadas de amazônica), com objetos datados entre
monocromáticas.
900 e 1.200 anos. Destacam-se os
magníficos vasos cerimoniais, entre eles os
denominados “cariátides”, que têm esse nome
devido ao prato ser suportado por três figuras
Figura 1.4 – Urna marajoara de tipo “joanes femininas. Geralmente, têm decoração
pintado”. Por Marie-Lan Nguyen (2011), CC
BY 2.5. Dominio público. Disponível em: antropomórfica (formas humanas) e
<https://commons.wikimedia.org/w/index.php?
curid=14657612>. Acesso em 13 mar.2017. zoomórfica (formas de animais). A técnica

Fonte: http://parahistorico.blogspot.com/2009 insere a “cerâmica de Santarém (ou


/02/indios-no-para.html
tapajônica)” entre as mais belas do mundo.
Acesso em 22 ago. 2010

Figura 1.5 – Vaso “de Cariátides”. Cerâmica tapajônica, Acervo Cultura de Santarém (Museu Nacional
do Brasil). Foto Dorniche/ Domínio Público.
Disponível em: < https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cultura_Santar%C3%A9m_-
_Vaso_de_cari%C3%A1tides_MN_03.jpg >.
Acesso em 31 mar.2017.
10
É dessa cultura também as conhecidas muirakitãs, adornos (amuletos) em forma de
sapos (rã), feitos predominantemente de pedras verdes.

O museu paraense Emílio Goeldi tem grande


acervo das culturas indígenas da região
amazônica.

Figura 1. 6 - Muirakitã – Acervo Cultura de Santarém


(Museu Nacional do Brasil). Foto Dorniche /Domínio
Público.
Muitos exemplares de cerâmica
Disponível em: pré-colonial <são encontrados em todo o território
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cultura_Santa
brasileiro, não só na região amazônica. Em>. relação
r%C3%A9m_-_Muiraquit%C3%A3_MN_01.jpg às tradições das aldeias, em Minas
Acesso em 20 mar. 2017
Gerais encontramos a tradição chamada sapucaí, na Bahia e em Goiás, a tradição aratu.
Essas tradições prolongam-se até o século XVIII, ou seja, muito tempo depois da
colonização portuguesa. A tradição tupi-guarani deixou vestígios desde o sul (rio Prata)
até o nordeste, com evidências ainda pouco estudadas no sul da Amazônia.

Quando os colonizadores aqui chegaram, os grupos indígenas que ocupavam a costa


litorânea eram principalmente tribos de tronco tupi. Segundo Ribeiro (1995):

Somavam, talvez, 1 milhão de índios, divididos em dezenas de grupos


tribais, cada um deles compreendendo um conglomerado de aldeias de
trezentos a 2 mil habitantes (FERNANDES, 1949). Não era pouca gente,
porque Portugal àquela época teria a mesma população ou um pouco mais.
Na escala da evolução cultural, os povos tupi davam os primeiros passos
da revolução agrícola, superando assim a condição paleolítica, tal como
ocorrera pela primeira vez, há 10 mil anos, com os povos do velho mundo.
É de assinalar que eles o faziam por um caminho próprio, juntamente com
outros povos da floresta tropical que haviam domesticado diversas plantas,
retirando-as da condição selvagem para a de mantimento de seus roçados.
Entre eles a mandioca, o que constituiu uma façanha extraordinária, porque
se tratava de uma planta venenosa a qual eles deviam, não apenas cultivar,
mas também tratar adequadamente para extrair-lhe o ácido cianídrico,
tornando-o comestível. É uma planta preciosíssima porque não precisa ser
colhida e estocada, mantendo-se viva na terra por meses (RIBEIRO, 1995,
p. 31).

11
Grande parte dos vestígios cerâmicos encontrados são objetos utilitários (vasilhas,
tigelas) e urnas funerárias (igaçabas). Embora existam diferenças decorativas de cultura
para cultura, as cerâmicas apresentam características semelhantes, tais como a técnica
construtiva e a forma (como, por exemplo, as urnas funerárias, inspiradas na forma da
cumbuca da sapucaia).

Para os indígenas, a árvore sapucaia era considerada um


símbolo de ressurreição.

Aldeia dos Ancestrais, Terra sem Males eram


denominações da busca do paraíso, onde floresceriam
bosques de sapucaia.

Figura 1.7 – Árvore sapucaia.


Domínio público. Disponível em:
https://commons.wikimedia.org/wi
ki/File%3ALecythis_marcgraavian
a_Miers_(11684873315).jpg.
Acesso em 13 mar. 2017.

As urnas da tradição tupi-guarani, assim com as da tradição aratu (e tantas outras), são
confeccionadas basicamente a partir da técnica do acordelamento, na qual os cordões de
barro se sobrepõem e constituem a “parede” do objeto. Essa técnica é utilizada pelos
ceramistas até hoje e também pelas tradicionais paneleiras (mulheres artesãs que

12
trabalham com cerâmicas utilitárias pelo Brasil afora), herança indígena preservada pela
cultura popular.

Figura 1.8 Cumbucas de Sapucaia


Fonte: reprodução fotográfica da autora.
Acesso em: 11 maio 2017. Figura 1.9 – Urna funerária tupi-guarani
Fonte: Acervo da Fundação Cultural de Jacarehy
“José Maria de Abreu”. Reprodução fotográfica da
autora. Acesso em: 11 maio 2017.

Além da atividade ceramista, o artesanato indígena preserva até os dias atuais a cestaria,
os objetos de adorno, a arte plumária (mantos, cocares, vestimentas) etc.

Cabe ressaltar que, para o indígena, a arte não é uma “modalidade”, um campo de saber
específico, mas sim um elemento vital completamente integrado aos afazeres cotidianos
e às cerimônias ritualísticas.

13
Figura 1.10. Pintura corporal e arte Figura 1.11. Índio bororo com cocar e
plumária Assurini. Domínio público. pintura corporal. Por Valter Campanato.
Disponível Disponível em:
em:<https://commons.wikimedia.org/ <https://commons.wikimedia.org/w/index.p
w/index.php?curid=10054837>. hp?curid=3191385>. Acesso em 11 maio
Acesso em: 11 maio 2017. 2017.
Cada gesto, cada cor, cada elemento estético carrega em si um símbolo, uma fala, um elo
associativo entre as vivências naturais e sobrenaturais.

A pintura corporal da população indígena Wajãpi, do Amapá, bem como sua arte gráfica
(desenhos, entalhes, tecelagens, pinturas de objetos), é denominada arte Kusiwa. Essa
arte revela o entrelaçamento entre as atividades estéticas e outras áreas da comunidade.
Os padrões vão muito além de funções decorativas, preservando, no fazer, o saber
ancestral da identidade da tribo, assim como sua cosmologia, suas crenças e práticas de
cura e transcendência.

Por meio da preservação desse modo de fazer pintura (tradição transmitida oralmente),
foi possível um amplo registro dessa arte. Sua preservação fica a cargo do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

14
Assim como a pintura, a arte plumária encerra em cada cor, em cada disposição das penas
e plumagens uma forma de comunicação,
que contém informações sobre posições de
hierarquia perante a comunidade. Enfim,
nada é aleatório e sim simbólico: forma,
disposição, cor, função (ritos de guerra,
morte, celebrações da vida etc).

Além das artes visuais, a música e a dança


são fundamentais nos costumes e rituais
indígenas. A dança, normalmente, era
utilizada para celebrar momentos festivos e Figura 1.12 - Máscara e arte plumária
Kayapó. Royal Ontario Museum. Por Daderot -
uma das mais conhecidas é o Quarup Daderot, CC0. Domínio público. Disponível em:
<https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid
(dança de referência aos mortos). Na =17821946>. Acesso em 15 mar.2017.

maioria das vezes, a música era executada através de instrumentos de sopro e percussão,
marcando o rítmo das danças indígenas.

São muitas, e de grande significação, as manifestações indígenas, quer as de outrora quer


as da contemporaneidade, portanto continuaremos discutindo essa etnia e seus processos
de criação nas outras Unidades.

1.3 O indígena e a representação do imaginário estrangeiro


Finalizando esta Unidade, vamos pensar um pouco sobre a matriz étnica que nos constitui
e que é ingrediente de extrema importância na construção do povo brasileiro. Se para nós
que estudamos as populações indígenas (ao menos superficialmente), a imagem do índio
(hábitos, ritos, linguagem etc.) ainda é tão nebulosa e carente de conhecimento, podemos
imaginar como os estrangeiros, curiosos e fascinados com a descoberta de um “novo
mundo”, o veem.

As representações pictóricas realizadas pelos artistas estrangeiros que figuraram o Brasil


revelam o imaginário construído a partir do que se contava do nosso território. As
novidades sobre o que se ouvia, associadas ao conhecimento e ao ideário dos artistas,

15
propiciaram a criação de representações de uma América imaginária, fantasiosa,
fantástica, como podemos observar na pintura abaixo:

A imagem mostra, uma alegoria, uma figuração que revela exotismo, exuberância,
abundância, remetendo-nos a um
paraíso tropical ambientado em
templos com colunas gregas. Os
indígenas lembram europeus, com
pele mais escura.

Na época em que essa pintura foi


realizada, Albert Echkout, pintor
holandês que veio ao Brasil junto
com a comitiva de Maurício de
Figura 1.13 – América. Alegoria de Ferdinand van Kessel.
Nassau, já havia registrado com Domínio público. Disponível em:
<https://commons.wikimedia.org/wiki/File%3AFerdinand_
representação naturalista e van_Kessel_-_America.jpg>. Acesso em 15 mar.2017
observacional as paisagens
brasileiras, o povo indígena, as frutas e os animais de nosso país. Veremos a arte desses
viajantes em outra Unidade.

O encontro entre matrizes culturais tão diversas (indígena e lusitana) provocou choques,
lutas, conflitos. O início de uma mescla entre essas matrizes é que constitui a configuração
do povo brasileiro, como veremos a seguir.

1.4 Síntese da Unidade


Nesta unidade pudemos apreciar e refletir sobre a cultura material dos nossos ancestrais,
por meio dos estudos procedentes da arqueologia. O Brasil tem muitos sítios
arqueológicos, e é muito significativo o acervo existente em nossos museus. Também
contemplamos exemplares da arte indígena e é bom ressaltar que somos levados a ter um
olhar “estrangeiro” sobre a produção desses povos, pois pouco sabemos de sua cultura.

16
Para isso precisamos conhecer mais, e assim diminuir o estereótipo sobre estas
populações, tão diversas e distintas.

1.5 Para saber mais


Site

Visite o site e faça um passeio virtual no paredão da Toca do Boqueirão da Pedra Furada,
apreciando os primeiros registros da arte brasileira. Acesse:
http://www.itaucultural.org.br/arqueologia/

O site do museu paraense Emílio Goeldi mostra o grande acervo das culturas indígenas
da região amazônica. Acesse: http://www.museu-goeldi.br/portal/

1.6 Atividades
Para avaliar a aprendizagem, vamos refletir um pouco sobre as seguintes questões e como
podemos trazê-las para o ambiente escolar.

1- O Brasil tem um dos maiores registros de arte rupestre do mundo. Segundo


estudiosos, muitos sítios ainda estão por ser descobertos e pesquisados. Podemos
e devemos levar para os alunos não só informações sobre esses sítios e suas
características, como também a crucial necessidade de conscientização da difusão
e preservação do nosso patrimônio cultural.
Diante disso, que ações podemos desenvolver para atingir esses objetivos?

17
2- A arte indígena é entrelaçada com a vida das populações, indissociável dos
hábitos, crenças, ritos, celebrações e memórias da comunidade. Um dos avanços
significativos de políticas públicas do patrimônio cultural foi a inserção, pelo
IPHAN, da cultura imaterial como elemento de preservação. Por meio dessa
forma de preservação, podemos registrar e proteger legalmente os saberes, os
modos de produção, as formas de fazer, os lugares, as manifestações expressivas
da arte indígena.
Considerando-se o exposto, que ações podemos desenvolver para levar a cultura
indígena para nossas aulas, ponderando sua extrema diversidade e significado
simbólico?

3- Quando não trabalhamos o conhecimento sobre a cultura indígena, tendemos a


tecer um imaginário sobre ela, semelhante aos estrangeiros. Isso reduz a presença
e a importância dos povos indígenas na construção de nossa sociedade. Conhecer
tal cultura é o primeiro passo para combater os preconceitos, em forma de
idealizações românticas e/ou discriminatórias, e compreender as nossas matrizes
indígenas, respeitando e valorizando as culturas ainda existentes.

18
Unidade 2
Matrizes Culturais (lusitana, africana,
Unidade 2 –

indígena): processos híbridos na


constituição cultural e artística do Brasil

Nesta Unidade, temos como objetivo refletir sobre os processos híbridos, isto é, sobre a
mescla, a mistura, a miscigenação das diversas raças que constituem a sociedade
brasileira. Já vimos na Unidade anterior aspectos da cultura indígena, de modo que
enfatizaremos aqui a presença e a influência das populações portuguesa e africana nas
manifestações culturais e artísticas do nosso país.

2.1 Colonização portuguesa: arte religiosa escultórica


A assembleia geral da ONU produziu vários documentos norteadores para o
desenvolvimento de políticas públicas de seus países membros. O Brasil, na qualidade de
país membro dessa organização, segue esses documentos, reconhecendo e respeitando
seus conteúdos na elaboração das políticas públicas internas. Dentre esses documentos,
estão:

A arte escultórica religiosa é denominada Imaginária, mas, comumente, encontramos essa


manifestação como modalidade de arte sacra.

Os portugueses trouxeram com eles, desde as primeiras viagens, imagens religiosas


escultóricas de culto católico. A embarcação de Pedro Álvares Cabral, ao chegar ao
Brasil, trouxe uma imagem de Nossa Senhora da Esperança, que se encontra hoje em
Belmonte, Portugal, cidade natal de Cabral.

Nas primeiras décadas da colonização, muitas esculturas de culto coletivo vieram de


Portugal para compor as edificações religiosas. A expansão da colônia também ampliou
19
a presença de diversas ordens religiosas, das quais surgem as primeiras esculturas
realizadas no Brasil. É atribuída ao escultor português João Gonçalo Fernandes a autoria
dessas esculturas, a partir de 1560, em São Vicente-SP. No século XVII, já é grande a
produção de esculturas segundo a concepção Imaginária, principalmente nos mosteiros
beneditinos.

Um dos mais relevantes representantes dessa arte é frei Agostinho da Piedade (1580 –
1661). Nascido em Portugal, veio muito cedo para o Brasil e ingressou no Mosteiro de
São Bento, em Salvador. São atribuídas a ele cerca de trinta esculturas em barro cozido.

A imagem foi produzida pelo monge para a primitiva igreja do


Solar do Unhão, atual Museu de Arte Moderna de Salvador.

As esculturas do século XVII, tanto de culto


coletivo quanto doméstico, têm características
estéticas semelhantes, predominando o barro
cozido e o policromado. Não é possível generalizar
sua vasta e variada produção, mas, geralmente, as
obras tendem a ter uma composição estável,
equilibrada e não apresentam intenções de
movimento. Não eram assinadas, salvo algumas
exceções.

Outro escultor muito significativo do período


colonial é frei Agostinho de Jesus (1600 – 1661),
monge beneditino e discípulo de Frei Agostinho da
Figura 2.1 - Sant´Amaro, obra de
Piedade. Morou em São Paulo, Santos e Santana do Frei Agostinho da Piedade, em barro
Parnaíba. Produziu muitas obras para congregações cozido e policromado, séc. XVII.
Acervo: Museu de Arte Sacra de São
religiosas do Rio de Janeiro e de São Paulo. Paulo. Domínio Público.
Disponível em:
<https://commons.wikimedia.org/wiki/Fil
e:Fra%27_agostino_da_piedade_(attr.),_s
ant%27amaro,_xvii_sec.,_da_chiesa_mat
rice_di_santana_de_parna%C3%ACba.JP
G.>. Acesso em 31 mar. 2017

20
Figura 2.2 - Nossa Senhora da Purificação
(primeira metade do séc. XVII). Escultor: Frei
Agostinho de Jesus. Acervo: Museu de Arte Sacra de Figura 2.3 - Nossa Senhora da
São Paulo. Foto: Dornichie. Domínio Público. Conceição Aparecida. Acervo Santuário
Disponível em: <
Nacional de Nossa Senhora da
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Frei_Agostin
ho_de_Jesus_- Conceição Aparecida. Domínio Público.
_Nossa_Senhora_da_Purifica%C3%A7%C3%A3o.jpg Disponível em: <
>. Acesso em 15 mar. 2017 https://commons.wikimedia.org/wiki/File:NS
_Aparecida.png > Acesso em 22 ago. 2010.

Obra produzida de barro cozido e A conhecida imagem de Nossa Senhora da Conceição


policromado. É proveniente da
Matriz de Sant'Ana do Parnaíba-SP Aparecida (Figura 2.3), encontrada nas águas do rio
e tem 97cm de altura.
Paraíba do Sul, em 1717, e acervo do Santuário Nacional
Acervo do Museu de Arte Sacra de
de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, tem
São Paulo (São Paulo-Brasil)
determinadas características que se assemelham à obra de
frei Agostinho de Jesus, fato que levou diversos especialistas a atribuir a autoria da
imagem ao frei.

A obra do monge beneditino influenciou fortemente os artistas da época, servindo de


modelo, referência e parâmetro de criação tanto para os escultores eruditos quanto para
os santeiros populares (que surgiram para cobrir a crescente procura por esculturas
religiosas).

O século XVII, caracterizado por uma arte escultórica na qual predominou o barro, é
conhecido como século de “ouro”, período em que a arte imaginária também registra e
21
materializa a riqueza dourada encontrada no país. Esculturas em madeira, sob a influência
dessa arte, também ganharam leveza e movimento, inaugurando o período barroco no
Brasil.

2.2 Os africanos e os afro-brasileiros


A primeira entrada de africanos no Brasil ocorreu no século XVI, entre as décadas de
1550 e 1560. Eles vieram para o país para trabalhar na indústria açucareira e nos engenhos
do Recôncavo Baiano. O tráfico de escravos, além de ser muito lucrativo para os que os
“comercializavam”, aumentava devido à necessidade de mão de obra, já que o negro
superava o indígena nas tarefas exigidas.

Os negros eram principalmente trazidos da costa ocidental africana, distinguindo-se em


diversos grupos culturais: Yoruba (Nagôs), Dahomey (Gegê) e os Fanti-Ashanti (Minas),
Male, Alufá, Congo-Angolês etc.

O processo de colonização em nosso país é marcado pela crueldade e pelo desrespeito


total aos seres humanos de outras etnias.

Segundo Ribeiro (2005),


a empresa escravista, fundada na apropriação de seres humanos através da
violência mais crua e da coerção permanente, exercida através dos castigos
mais atrozes, atua como uma mó desumanizadora e deculturadora de
eficácia incomparável. Submetido a essa compressão, qualquer povo é
desapropriado de si, deixando de ser ele próprio, primeiro, para ser
ninguém ao ver-se reduzido a uma condição de bem semovente, como um
animal de carga; depois, para ser outro, quando transfigurado etnicamente
na linha consentida pelo senhor, que é a mais compatível com a
preservação de seus interesses (RIBEIRO, 2005, p. 118).

A miscigenação de raças faz de nossa sociedade um composto misto de subordinação e


revolta, de desmemoria e resistência. Escravos negros (e também índios) se abrasileiram.
O solo nacional é a terra, o colonizador europeu é o consumidor, a África é a mão de obra.
Com isso, o país expande-se, ampliando as culturas agrícolas movidas com o braço
escravo.

22
No século XVIII, em meio à riqueza da mineração, o filho mulato de um arquiteto e
mestre de obras português com uma de suas escravas torna-se o mais importante artista
do período colonial brasileiro – Aleijadinho (Antônio Francisco Lisboa, 1730 – 1814),
natural de Vila Rica (atual Ouro Preto). Assim como o pai, foi arquiteto, escultor e
entalhador. Na cidade onde nasceu se encontra um dos seus principais projetos, a igreja
de São Francisco de Assis. Também se destacam no imenso conjunto de sua obra as
sessenta e seis esculturas em cedro dos Passos da Paixão e os Doze Profetas em pedra
sabão, no Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo, Minas
Gerais.

A produção de Antônio Francisco


Lisboa, conhecido como Aleijadinho,
devido a uma doença degenerativa que
lhe deformava os membros, insere-se no
contexto das exuberantes formas do
barroco e do rococó brasileiros, estilo
que em Minas Gerais exaltava o brilho e
a riqueza do ouro, além da exuberância

Figura 2.4 - O Carregamento da Cruz (O Salvador das formas. Ao lado, sua obra O
Carregando o Madeiro). Aleijadinho. carregamento da cruz: (1796 – 1799),
Domínio Público.
Disponível em: < em madeira policromada.
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Aleijadinho_
01.jpg > Acesso em: 31 mar. 2017

(Santuário do Bom Jesus de Matosinhos - Congonhas do Campo, MG. Reprodução


Fotográfica Rosino. Obra integrante da Via Crucis do Santuário de Congonhas do
Campo).

23
Figura 2.5 - O carregamento da cruz, em detalhe.
Foto Ricardo André Frantz. Domínio Público. Figura 2.6 - Profeta Jonas (Adro da
Disponível em: < Basílica de Congonhas), 1800 – 1805, em
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Aleijadinho pedra-sabão. Santuário do Bom Jesus de
_-_Detalhe_de_Jesus_-_Carregamento_da_cruz_4_- Matosinhos (Congonhas do Campo, MG).
_Santu%C3%A1rio_do_Bom_Jesus_de_Matosinhos_- Foto Luis Rizo. Domínio Público
_Congonhas.jpg > Disponível em: <
Acesso em 31 mar. 2017 https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jonas
Profeta.jpg >
A escultura do artista apresenta as Acesso em 30 mar. 2017
seguintes características: olhos
espaçados, nariz reto e alongado, lábios
entreabertos, queixo pontiagudo, pescoço
alongado em forma de v.

A biografia e as obras de Antônio Francisco Lisboa são focos de grande número de


pesquisas, algumas bastantes polêmicas devido às controvérsias sobre datas e fatos de sua
vida. Como as obras não são assinadas, é o conjunto das características estéticas de sua
produção, bem como a pesquisa em fontes textuais, que comprovam a sua autoria.
Machado (1978) comenta que, em relação à existência de uma “escola” de Aleijadinho,
é possível ter existido um atelier do mestre, fato que pode ter atuado como “foco
irradiador” de uma tradição que, indubitavelmente, encontrou continuadores. Após um
processo competente de restauro das obras da via sacra de Congonhas do Campo, as
discussões sobre a autoria das imagens reforçaram a autoria do mestre, explica Machado
(1978):
24
agora, porém, o problema está reaberto. Recuperadas as peças de sua
versão primitiva, atesta-se uma grande coesão estilística, que insinua não
só a presença, mas a constante participação de Antônio Francisco no local
de feitura das imagens. Aqueles “oficiais” de que falam os documentos
do tempo, sê-lo-ão na completa e tradicional acepção da palavra. Basta,
por exemplo, que se confronte uma peça central o Cristo atado à coluna
– com uma figura secundária caricatural – um dos soldados desse mesmo
Passo – para que se verifique a permanência de um mesmo conceito
anatômico da cabeça, variando apenas, ao passar da feição sublime à
grotesca, na acentuação de determinadas proporções (MACHADO,
1978, p. 333).

Figura 2.7 - São Mateus. Frei Jesuíno do Monte


Carmelo. Acervo Museu de Arte Sacra de São Paulo.
Domínio Público.
Disponível em: <
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jesu%C3%AD
no_do_Monte_Carmelo_(atrib.)__S%C3%A3o_Mateus.j
pg > Acesso em 31 mar. 2017

Outro conhecido artista afrodescendente é Frei Jesuíno do Monte Carmelo, nascido em


Santos (1764 – 1819). Foi pintor, arquiteto, escultor, encarnador (aquele que dá cor de
carne às imagens, esculturas), dourador, entalhador, mestre em torêutica (arte de trabalhar
o metal), músico e poeta. Jesuíno Francisco de Paula Gusmão foi ordenado padre
carmelita adotando o nome de Jesuíno do Monte. Realizador de diversas atividades
artísticas, sua obra também foi estudada por Mário de Andrade, grande nome da cultura
brasileira e descendente da cultura africana.

Muitos outros artistas afro-brasileiros, de igual relevância aos que mencionamos aqui,
não pertenciam ao convívio social da religião oficial, o catolicismo, razão pela qual
permaneceram anônimos.

Nas senzalas, a memória das raízes africanas persistiu e resistiu à cultura do colonizador.
De boca em boca, de pais para filhos, a tradição oral transmite até hoje a herança dos
ancestrais.

25
2.3 Hibridismo religioso e manifestações culturais e artísticas
A cultura africana resistiu através dos tempos nos poucos espaços encontrados para
manifestações de suas expressões. Proibidos de cultuarem suas devoções e obrigados
pelos senhores de escravos a abraçar a religião católica, a população afro-brasileira, com
objetivo de cultuar os orixás, associou seus deuses aos santos católicos. Assim, Yansã
equivale a Santa Bárbara, Ogum a Santo Antônio ou São Jorge (conforme as variações
procedentes da diversidade geográfica).

A população negra também acolhe e participa das irmandades relacionadas a sua etnia,
tais como as irmandades de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito.

A mescla religiosa constituída da incorporação de elementos procedentes das religiões


africanas e afro-brasileiras, do catolicismo, entre outras, dá forma a outras religiões
sincréticas, que são em síntese misturas que compõem novas configurações. A Umbanda
é um claro exemplo disso. Originária do Brasil, é composta por elementos do candomblé
(africano), do catolicismo, das entidades indígenas e do espiritismo. Foi criada no início
do século XX (1908), no Rio de Janeiro, pelo médium Zélio de Moraes, e, a partir daí,
surgiram muitas variações que chamamos hoje de religiões umbandistas, assim como
existem muitas variações de religiões afro-brasileiras, como, por exemplo, o candomblé.

Manifestações culturais como o jongo, a capoeira, a música, a dança, a religiosidade,


mantiveram a tradição afro.

Muitas manifestações de nossa cultura popular são sincréticas, mesclando as culturas


matrizes (africana, indígena, lusitana) e resultando em novos bailados, folguedos, danças,
etc.

A tradição da coroação do Rei do Congo, implantada pelos portugueses, faz-se presente


na maioria das expressões da cultura folclórica dos afro-brasileiros. Trata-se de uma
dramatização que, no Brasil-colônia, era conhecida como “auto dos congos”. O Rei do
Congo luta contra estrangeiros que invadem sua terra. Junto ao Rei Cristão do Congo,
aparece em muitos folguedos a presença do imperador Carlos Magno, da França. No final
da batalha, o rei pagão é vencido e batizado. É clara a intenção de catequese nessas
26
dramatizações, uma forma de trazer os africanos para a religião “oficial”. A luta entre o
“bem” e o “mal”, ou seja, entre os cristãos e os mouros, foi inspirada na Reconquista da
Península Ibérica (antes dominada pelos árabes muçulmanos), presente nas histórias de
Carlos Magno.

As expressões artísticas são diversas e muito variadas conforme a região geográfica do


nosso país.

De Pernambuco, podemos citar os maracatus, que são apresentações de cortejos reais


acompanhados de intensa percussão de tambores, nas quais desfilam os personagens de
rei, rainha, damas de honra, princesas, figuras de animais, caboclos de pena (cultura
indígena), baianas etc. É usada uma boneca de pano chamada calunga, que encarna a
divindade dos Orixás. O maracatu, originário do século XVIII, provavelmente nos
terreiros de candomblé, tem como seguidores os devotos dos cultos afro-brasileiros da
linha Nagô. Após a abolição, pôde abrir-se para as ruas, tornando-se um ritual
carnavalesco, mas isso não o faz perder seu significado religioso. Com a boneca calunga,
o cortejo passa pelas igrejas de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito e visita também
os terreiros, cultuando os Orixás.

Em Minas Gerais e em toda a Região Sudeste, é grande o número de Congos e Congadas,


associados a comunidades negras devotas de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário.
Algumas comunidades encenam a coroação e as lutas do Rei Congo e, junto com os
instrumentos, entoam os cantos, as embaixadas (falas) e as lutas das personagens, como
se pode observar no registro transcrito abaixo, de uma Congada [gravado em 18/05/1996,
em Ilhabela, durante a festa de São Benedito, e em 23/09/2001, no Parque da Água Branca
em São Paulo (DIAS, 2003, p. 11-12):

O Embaixador invade as terras do Rei de Congo

Congos, entrechocando espadas: Secretário (s): Príncipe!


Cantemos Fazei frente fortemente
Jardim das flores (bis 2) Para, assim, que o povo diga
Prepara, prepara Que sois um príncipe valente.
Minha gente boa (bis 2)
Temos guerra declarada Príncipe (P): Vai correndo, Secretário
Guerra contra a coroa Vai vê que gente é
Se for gente de guerra
27
À campanha dá sinal. Rei de Congo (RC): Vai correndo
Secretário
S: Príncipe! Gente de guerra é Avisa meu filho Príncipe
Pelos trajes que trazem Que arma é arma,
Mostram ser de Guiné. Guerra é guerra
Morram todos degolados,
P: Vai correndo, Secretário Corra sangue pela terra.
Ao meu pai Rei avisar
Que a frente da nossa terra Congos: oi ingonza mais ingonza
Tão querendo nos tomar. Oi guerra mais em guerra
Nós vamos todos
Entrar nesta guerra

O Embaixador é preso e levado à presença do Rei de Congo

E: Arria armas e missungos CE: Alegra, alegra zimimbumbi


Quero falar ao Rei de Congo! O Embaixador já tá solto
Alto poderosíssimo monarca Também manda dizer
A tua fama imensa é que todo mundo Subam todos para cima
abraça Cantando alegremente
Eu que não matei nem feri Aos pés do Rei Monarca.
As mesmas razões dadas por ti Dando-lhe agradecimento do abuso
Na diligência que vinha correndo Amigos e camaradas
Pra me amparar Não se assustem do espírito
Encontrei com os teus fidalgos Que o perdão já tá dado
Que me mandaram ordenar Em louvor a São Benedito
Mas eu como bruto sou
A falta do batistério Congos do Embaixador: Há!
Apelo à Virgem Puríssima
Que valha com seu império Gongos: São Benedito vós sois (bis)
Peço que não em mates O padroeiro do convento (bis)
Nem de loura ocasião São Benedito santo preto (bis)
São Benedito está contrito Oi, santo de grande valor (bis)
Para me dares o perdão. Rogai a Nossa Senhora (bis)
E também a Nosso Senhor (bis)
Vós, meu São Benedito Vamos todos com amor e espírito (bis)
Descei do céu à terra Vamos louvar São Benedito (bis)
No vosso reino lugar Vamos todos com amor igual (bis)
Quem sabe c´oa sua vinda Aos pés do Rei a mão beijar (bis)
O Rei me manda soltar
RC: Ó que cantiga tão bela
Cacique do Embaixador (CE): Trazeis vós minhas conguinhos
Não Chores não! Meu coração se alegra
Também dão certos pulinhos
S: Sejas homem!
No fundo mar não tem
RC: Secretário! Levanta-te com tua gente A sereia encantadora?
Tira o Embaixador da corrente Como tem na flor da terra
Que de hoje em diante Como lhe és competidora
Ele faz paz com a nossa gente.
Agora todos meus filhos

28
Aprontem pés e canelas Como vós os pretos dançam
Que os embrancos querem ver

A maioria das congadas, hoje, no Brasil, corresponde a simples cortejos com música e
dança. Os negros da região sudeste descendem predominantemente das etnias
africanas bantu, trazidas do Congo, Angola e Moçambique para trabalhar nas muitas
fazendas de café do Vale do Paraíba - SP. Em São Paulo, temos a presença de
congadas, marujadas e moçambiques, que se apresentam principalmente nas festas de
São Benedito e do Divino Espírito Santo. Muitas são verdadeiras orquestras de
percussão, compostas com cerca de trinta tambores, além de pandeiros e caixas. Seus
cantos falam de lendas e mitos relacionados as suas histórias, como, por exemplo, este
trecho da Congada de Santa Ifigênia em Mogi das Cruzes, segundo Dias (2003):

Vamos esperar a barca


A barca ficou de vir (bis 2)
Vamos esperar navio
Que vem com nossa rainha (bis 2)

Em relação a esse trecho da Congada, a embarcação simboliza o navio negreiro que


cruzou o Atlântico com os africanos escravizados.

As histórias são recontadas pela


tradição familiar e a presença de
crianças nos grupos indica que o
patrimônio cultural está sendo
preservado. São muitas as
expressões existentes, como já
pontuamos. O que vimos nesta
Figura 2.8 - Congada - Princesas dançando Unidade são parâmetros
na Festa do Divino de São Luiz do Paraitinga (SP)
Fonte: reprodução fotográfica da autora referenciais para os nossos estudos
sobre a cultura afro-brasileira.

29
Cabe encerrar com o samba de roda, patrimônio genuíno afro-brasileiro, manifestação-
símbolo do nosso país. O Samba de Roda do Recôncavo Baiano foi inscrito em 2004 no
livro de registro das Formas de Expressão do Patrimônio Imaterial Brasileiro (IPHAN).
Em 2005, obteve o título de obra-prima, outorgado pela United Nations Educational,
Scientific and Cultural Organization (UNESCO). Expressão musical, coreográfica e
poética, o Samba de Roda está presente em todo o Estado da Bahia e tem inúmeras
variantes expressivas.

Figura 2.9 Samba de roda. Secretaria de Cultura e Turismo da Bahia. Foto para
divulgação. Disponível em: <http://www.bahia.com.br/viverbahia/cultura/samba-de-
roda/#>. Acesso em 11.maio 2017.

A região do recôncavo é de grande importância cultural, econômica, política e social para


todo o Estado e pode ser identificada por toda a faixa que contorna a Baía de todos os
santos. O samba está nas festas, nas ruas, nas casas, nos terreiros e não há uma data
específica para sua realização. Acontece em ocasiões em que não há como não ter o
Samba de Roda, tais como os festejos referentes ao catolicismo popular, que são
associados às tradições religiosas afro-brasileiras (Nossa Senhora da Boa Morte, Cosme
e Damião - sincretizados com os orixás iorubanos e relacionados aos gêmeos). Também
acontece nos cultos aos caboclos, de influência ameríndia e em tantas outras festas do
candomblé. A dança contamina todas as faixas etárias, reunindo toda a comunidade.

30
2.4 Matrizes musicais e suas manifestações
As manifestações musicais no Brasil – e aqui incluímos música instrumental, cantada,
dança e até teatro – têm início com os primeiros habitantes da terra, os aborígenes que
aqui viveram desde a pré-história, como atestam as escavações arqueológicas em diversas
regiões do país. Segundo Almeida e Pucci (2003), à época da chegada dos portugueses
estima-se que havia entre 3 a 5 milhões de nativos, distribuídos em 1400 tribos.

Os registros históricos mostram também que, ao chegarem ao Brasil, os primeiros


europeus se encantaram não só com as figuras do indígena, com seus coloridos adereços,
mas também com suas manifestações culturais. Os povos nativos cantavam,
acompanhados de instrumentos como flautas e tambores, dançavam em roda batendo os
pés. A música estava presente em cerimônias e rituais. Sobre a presença da música no
cotidiano desses povos até os dias de hoje, as autoras afirmam que

A música dos índios é totalmente integrada à vida em sociedade,


fazendo parte de todos os rituais, sejam eles uma colheita, um rito de
iniciação ou de cura, um casamento, um nascimento, uma cerimônia
fúnebre. A temática [...] se relaciona, geralmente, aos elementos da
natureza e aos temas religiosos, tendo forte relação com a magia e
com seres fantásticos que habitam o imaginário indígena (ALMEIDA;
PUCCI, 2003, p. 52).

Ainda de acordo com Almeida e Pucci (2003), não se deve falar em influência da música
indígena na música brasileira, uma vez que a música indígena é a naturalmente brasileira.
As autoras sugerem que se apontem aspectos da música brasileira que são reflexos ou
marcas da cultura indígena, como o timbre anasalado do canto, que diferencia o canto
brasileiro do de Portugal, alguns instrumentos como maracás e flautas e algumas danças
(como o Caboclinho, que tem lugar em Pernambuco, à época do Carnaval).

Àquela manifestação musical nativa, de caráter uníssono e responsório, acrescentaram-se


as melodias e os ritmos trazidos pelos colonizadores, que conformam a herança luso-
europeia que contribui na formação de nosso legado musical. Com os portugueses chegou
a música europeia de caráter mais erudito, como a música sacra e as danças de salão.

31
Almeida e Pucci (2003), citando Mário de Andrade, lembram que os portugueses não
influenciaram a formação de nossa nacionalidade; antes, eles mesmos a criaram. As
autoras destacam a presença portuguesa na formação de nossas tradições e costumes,
chegando até a música; mas, com o passar dos séculos, a música brasileira adquiriu seu
próprio ethos ou caráter, havendo hoje uma interatividade entre músicos brasileiros e
portugueses.

Apesar da ênfase dada ao fado, fazem parte da tradição musical portuguesa gêneros como
as baladas épicas, cantos de trabalho em terças paralelas, danças como o fandango, a
chula, romances e villancicos (canções de natal), cantos de pastoras que variam do
religioso ao profano e modinhas seresteiras, românticas e apaixonadas. (ALMEIDA;
PUCCI, 2003)

Entre as influências da música portuguesa nos gêneros brasileiros, Almeida e Pucci (2003,
p. 77) apontam “o perfil melódico-harmônico e a quadratura estrófica das canções, vários
instrumentos musicais – principalmente os de cordas -, a forte influência dos folguedos
populares nas nossas festas e danças e em alguns dos nossos gêneros musicais” , como os
folguedos, pastoris, reisados, bumba-meu-boi e cirandas.

Os padres jesuítas, associando catequese à inclinação musical dos nativos,


desempenharam um papel importante no ensino da música a esses povos. No sul do país,
na região conhecida como os Sete Povos das Missões, floresceu sob a batuta dos jesuítas
um belo trabalho junto aos indígenas, que cantavam, fabricavam instrumentos de boa
qualidade e chegaram a formar orquestras.

Mas a grande marca na formação da matriz musical brasileira foi deixada pelos africanos.
Trazidos como escravos, vindos de tribos, etnias e culturas diferentes, os africanos que
sobreviveram à penosa travessia oceânica, feita em condições desumanas, chegavam ao
Brasil e aqui eram separados de suas famílias, vendidos como mercadorias e trabalhavam
do nascer ao por do sol.

Assim, seu canto era uma forma de expressar a saudade da terra natal, a falta dos entes
queridos, o sofrimento físico e psicológico a que eram submetidos. O canto do trabalho,
o canto das festas nas senzalas, acompanhados do bater dos tambores que lhes remetiam
32
às lembranças de sua terra, constituíam-se em manifestações que influenciariam de
maneira decisiva a formação do caráter da música popular brasileira.

Almeida e Pucci (2003, p 94) citam as diversas manifestações culturais recriadas, pouco
a pouco, em um processo de resistência e acomodação à nova situação cultural: “o
caxambu ou jongo, a capoeira, o maracatu, o batuque, o bambelô ou zambê, o samba de
aboio, o tambor de crioula, o carimbo e o candomblé – que foram transmitidas de geração
para geração desde os tempos da escravidão e permanecem vivas não apenas na memória,
mas continuam sendo praticadas pelos brasileiros tanto de origem africana como de
origem europeia.”

Entre as referências africanas deixadas na música brasileira, as autoras apontam o ritmo,


com o uso de tercinas e contratempos, o canto responsorial, que tem no puxador, cantador
ou mestre o responsável pelo canto inicial; a fusão entre música e dança, principalmente
nas celebrações e ritos, e os cortejos festivos, como congadas e maracatus.

Em meados do século XIX, surge nos subúrbios da então capital do Brasil, Rio de Janeiro,
um novo tipo de música que será cultivada por muitas gerações: o choro, nossa primeira
manifestação musical urbana. Executado ao piano, ao cavaquinho ou por orquestras de
choro, era a princípio uma maneira de se interpretar as melodias populares europeias
(polcas, valsas, mazurcas e outras) que chegavam por aqui, mas depois ganha caráter
próprio e conquista o gosto popular, tendo em Pixinguinha sua maior expressão.

Da fusão da “modinha” portuguesa (canção suave, tocada na viola) com o lundu africano
(samba de umbigada das senzalas), surgiu o primeiro ritmo naturalmente brasileiro, o
maxixe, nossa primeira dança urbana, contemporânea do choro. Grandes nomes como
Chiquinha Gonzaga escreveram maxixes que eram executados por orquestras de choro
ou “chorões.

Ainda nessa época encontramos o chamado “tango brasileiro”, uma espécie de maxixe
mais comportado, imortalizada ao piano pelas composições de Ernesto Nazaré.

Finalizando, lembramos que a maior manifestação popular relacionada à música, o


carnaval, tem suas origens no “entrudo”, trazido pelos portugueses no final do século
33
XVIII. Desfilando pelas ruas, formando os chamados “cordões” carnavalescos, cantando
as marchas-rancho, o povo criava o samba, melhor definido após da abolição da
escravatura, com a chegada de ex-escravos vindos da Bahia ao Rio de Janeiro.

2.5 Síntese da Unidade


Nesta Unidade pudemos apreciar alguns artistas afro-brasileiros e fragmentos de algumas
manifestações da religiosidade popular do nosso país. O universo relacionado ao tema
aqui exposto é muito amplo e extremamente rico enquanto informação, símbolo de
sincretismo cultural.

2.6 Para saber mais


Sites

Para apreciar mais obras de frei Agostinho da Piedade e de outros artistas, faça uma visita
virtual ao Museu de Arte Sacra da Bahia, da Universidade Federal da Bahia, e também
ao Museu de Arte Sacra de São Paulo por meio dos sites disponibilizados abaixo:

http://www.agendartecultura.com.br/museu-de-arte-sacra-da-bahia/
http://www.museuartesacra.org.br

No site abaixo, você pode apreciar mais obras de Aleijadinho (Museu do Aleijadinho).

<http://www.starnews2001.com.br/aleijadinho.html>

Visite esses sites, na ordem, do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, da


Associação Cultural Cachoeira e do IPHAN para conhecer mais sobre as manifestações
da cultura popular brasileira.
http://www.cnfcp.gov.br/
http://www.cachuera.org.br/
http://portal.iphan.gov.br/
34
Filmes

Os Indígenas - Raízes do Brasil #1 – (Enraizando) No primeiro episódio de Raízes do


Brasil, vamos conhecer a história e os costumes dos primeiros habitantes do nosso país:
os povos indígenas.
https://www.youtube.com/watch?v=cQkA5PDow2s

Os Portugueses - Raízes do Brasil #2 (Enraizando) Neste episódio, vamos conhecer a


história e os costumes dos povos portugueses que colonizaram nosso país.
https://www.youtube.com/watch?v=HfaeWT6qZl0

Os Africanos - Raízes do Brasil #3 (Enraizando) No novo episódio, vamos conhecer


melhor nossas raízes africanas e seu papel na formação da identidade brasileira.
https://www.youtube.com/watch?v=fGUFwFYx46s

2.7 Atividades

Você sabe que em Salvador há uma igreja para cada dia do ano? Ou seja, são cerca de
350 igrejas. Há aproximadamente 1500 terreiros cadastrados, natural para uma cidade
onde 80% da população são de descendência africana.

Muitos afro-brasileiros foram perseguidos, tanto os seguidores da umbanda quanto os do


candomblé, assim como os de outras religiões de descendência africana. Infelizmente, a
intolerância à diversidade religiosa impera ainda na atualidade, portanto faz-se importante
a informação e o conhecimento sobre essa diversidade para conscientizar as pessoas e
combater a ignorância, e nós, educadores, temos a possibilidade de fazer esse trabalho,
transformando os indivíduos e, consequentemente, a sociedade.

35
Diante disso, considerando que riqueza cultural nos sobra, o que podemos fazer em prol
da construção de uma nação mais justa socialmente?

36
Unidade 3
Unidade 3 – A Cultura afro-brasileira e indígena no
ensino de arte

O ensino da história e das culturas afro-brasileira e indígena como componente curricular


obrigatório é debatido há tempos, existindo legislações específicas desde 1996. Em 2003,
a Lei federal 10.639 (que altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelecia as diretrizes e bases da educação nacional – LDB) estabeleceu as diretrizes e
bases para inclusão da temática afro-brasileira no ensino nacional. Em março de 2008,
entrou em vigor a Lei de número 11.645 que incluiu a cultura indígena, conforme se pode
observar, abaixo, na transcrição do seu Art. 26-A:

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino


médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e
cultura afro-brasileira e indígena.

§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos


aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população
brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história
da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil,
a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da
sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social,
econômica e política, pertinentes à história do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos


indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo
escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história
brasileiras.

(<http://www.planalto.gov.br/cavil_03/Ato2007-2010/2008/Lei?L11645 .htm >


Acesso em 19 mar. 2010)

Nesta Unidade, veremos exemplares da produção de diversos artistas que retratam o tema
e refletem sobre ele e podem subsidiá-lo como conteúdo e prática. É muito vasta a
referência contida na história da arte brasileira, de modo que focaremos artistas
emblemáticos de diversos períodos e contextos.
37
3.1 Visualização do indígena e do afro-brasileiro na arte dos
artistas estrangeiros: Eckhout, Debret, Rugendas
O processo de colonização e aculturação dos nativos se inicia com a chegada ao Brasil-
Colônia (1549-1808) dos Jesuítas, membros da Companhia de Jesus de Portugal, que
vieram para catequizar os índios e também os colonos. Além do ensino informal, os
Jesuítas introduziam o ensino da música e o teatro como instrumento de catequização e
educação.

Em 1549, chegou ao Brasil a primeira missão jesuítica chefiada por


Manoel da Nóbrega. Aqui, eles fundaram o Colégio de Olinda, em
1551, e é a partir dele que se tem notícia das primeiras encenações
teatrais em terras pernambucanas (FERREIRA, 2003, p.18).

A dança, apesar de ser marcante nos rituais


indígenas, teve sua contribuição mais
importante trazida pelos africanos, que
vieram como escravos.

Nas Artes Visuais, os primeiros registros


visuais que temos da população indígena
Figura 3.1 - Dança dos Tarairiu (Tapuias) - s.d. -
do Brasil foram realizados por artistas óleo sobre tela - 172 x 295 cm – Albert Eckhout.
estrangeiros, que para cá vieram com o Acervo: Museu Nacional da Dinamarca. Domínio
Público.
intuito de realizar pesquisas visuais Disponível em: <
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Dan%C3%A7a
documentais sobre a fauna, a flora e a _dos_Tapuias.jpg > Acesso em 31 mar. 2017
população do novo mundo conquistado.

38
Albert Eckhout (1610 – 1666) veio ao Brasil
em 1637 a convite de Maurício de Nassau
(governador geral do Brasil holandês) e por
sete anos produziu registros sobre nossa
fauna, nossa flora e nosso povo. Frans Post,
pertencente ao mesmo grupo de Eckhout,
veio para cá para pintar paisagens e cenas de
batalhas. As obras de Eckhout mais
conhecidas são as de gênero natureza-morta e

Figura 3.2 - Abacaxi, melancia e outras as de representação dos indígenas.


frutas - s.d. Albert Eckout. Óleo sobre tela -
91 x 91 cm Acervo: Museu Nacional da Devemos atentar para o fato de que, mesmo
Dinamarca. Domínio Público.
Disponível em: < sendo registros com finalidades documentais,
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Albert
_Eckhout_1610-1666_Brazilian_fruits.jpg > o artista expressa em suas obras a sua visão
Acesso em 31 mar. 2017
sobre o Brasil, com seus conceitos e
preconceitos, como nos ajuda a analisar Santos (2008) no trecho deste artigo:
No quadro intitulado “Mulher Tapuia” não se percebe as
características sensuais e os traços sutis dados à “Mulher
Mameluca”, pelo contrário, a tela é permeada de ícones
que nos remetem ao selvagem e ao incivilizado. A índia
não usa nenhum tipo de adorno facial, mas traz pendurado
em sua cabeça um cesto em que podemos perceber a
presença do pé de um ser humano, além disso, ela segura
uma mão humana. A presença de pedaços do corpo
humano na cesta carregada pela índia demonstra a
característica antropofágica de algumas tribos indígenas,
embora, nesta tela, o ritual antropofágico tenha sido
exageradamente estereotipado. A sensação que temos ao
olhar para o quadro “Mulher Tapuia” é a de que ela irá
fazer uma sopa de carne humana e, mais ainda, de que isso
era um hábito corriqueiro quando, na verdade, sabemos
que o consumo de carne humana pelos indígenas ocorria
apenas em forma de ritual e com prisioneiros de guerra.
Figura 3.3 - Índia Tarairiu (Tapuia), Outro detalhe importante, nesta tela, é a presença de um
1641, óleo sobre tela. Albert Eckhout. cão aos pés da índia. O cão tem uma aparência
Acervo Museu Nacional da Dinamarca. amedrontadora e foi pintado por Eckhout com
Domínio Público. características semelhantes as de um lobo, o que nos leva
Fonte: < a crer que ele é mais um elemento que traduz a imagem do
https://commons.wikimedia.org/wiki/Albert tapuia como um ser selvagem por natureza (SANTOS,
_Eckhout#/media/File:Albert_Eckhout_Tap 2008).
uia_woman_1641.jpg > .Acesso em 30 mar.
2017.
39
Não podemos negar que essas telas dizem muito a respeito
do Brasil colonial e de sua sociedade, dos costumes e
modos de seus habitantes, e que nelas está impressa uma
quantidade enorme de informações que podem nos
fornecer indícios preciosos de como vivia e se organizava
a sociedade colonial, mas precisamos estar cientes, como
estudiosos que somos, de que elas também estão
carregadas de preconceitos e estereótipos e que muitas
vezes representam de forma exagerada a realidade ali
existente, não podemos colocá-las em posição
incontestável afinal elas são frutos do pensamento europeu
da época e não constituem um retrato fiel da sociedade
colonial, mas sim uma representação do modo como o
Europeu, do século XVII, pensava o nativo americano
(SANTOS, 2008, p. 5-6).

É sempre com olhar crítico que devemos observar a produção desse e de outros artistas
estrangeiros que estiveram no Brasil para, assim, conhecermos o nosso país. Ficção e
realidade compõem nossa paisagem, nossos rostos, nossas cores.

Além dos indígenas, Eckhout retratou os mestiços, a mistura das etnias e os africanos.

Figura 3.4 - Homem Mestiço - s.d. - óleo Figura 3.5 - Mulher Africana, 1641. Óleo
sobre tela 274 x 170 cm – Albert Eckhout. sobre tela - 267 x 178 cm. Albert Eckhout.
Acervo Museu Nacional da Dinamarca. Acervo Museu Nacional da Dinamarca.
Domínio Público. Domínio Público.
Fonte:< Fonte: <
https://commons.wikimedia.org/wiki/Albert_Ec https://commons.wikimedia.org/wiki/Albert_Eckh
khout#/media/File:MulatoAE.jpg > out#/media/File:Mulher_Africana.jpg >
Acesso em 30 mar. 2017 Acesso em 30 mar. 2017

40
Foram muitos os artistas e cientistas que realizaram expedições no Brasil desde as
primeiras décadas da colonização, como já vimos. Alguns anos após a instalação da corte
portuguesa no país, a queda de Napoleão e o restabelecimento das relações entre Portugal
e França possibilitaram a chegada da Missão Artística Francesa no Brasil. Dentre as
principais funções dos artistas franceses, estava a incumbência da fundação da Academia
Imperial de Belas Artes, além das atribuições de registro histórico da realeza, dos fatos e
da paisagem brasileira. O grupo aportou no Rio de janeiro em 26 de março de 1816,
liderado por Joaquim Lebreton. Dentre os artistas mais conhecidos estavam Jean Baptiste
Debret, pintor histórico, e Nicolas-Antoine Taunay, pintor de paisagens e cenas históricas.

Debret (1768 – 1848) teve como seu professor de artes o pintor emblemático do
neoclassicismo francês Jacques-Louis David (1748 – 1825), expressando em suas
pinturas esse estilo. Embora suas obras, sob essa influência, sejam notáveis e
significativas, é nas aquarelas e litografias que ele registra os tipos e o cotidiano da
população brasileira. Quando falamos das pinturas de Eckhout e Debret, percebemos
maior fidelidade no registro. Trata-se de outros tempos, outro contexto.

Figura 3.6 – Família de um Chefe Camacã. Figura 3.7 – Real Teatro de São João – Rio
Debret. Domínio Público. Disponível em: < de Janeiro. Debret. Domínio Público.
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Debret37 Fonte: <
.jpg >. Acesso em: 02 abr. 2017. https://commons.wikimedia.org/wiki/File:RealTea
troSJoao-Debret-1834.jpg>
Acesso em 31 mar. 2017

41
De 1826 a 1831, Debret foi professor
de pintura histórica na Academia
Imperial Brasileira de Artes (AIBA),
fundada em 1826. Ele exerceu essa
atividade paralelamente às suas viagens
para várias cidades do Brasil, registrando
a nossa terra. Muitas cidades, vilas e
Figura 3.8 - O Caçador de Escravos –
caminhos foram perpetuados pelas suas
1825 - óleo sobre tela - 80 x 112 cm .
Acervo: Museu de Arte de São Paulo. aquarelas. Geralmente, são desenhos de
Domínio Público.
Fonte: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Jean- pequenas dimensões, devido à imposição
Baptiste_Debret#/media/File:Jean_baptiste_d
ebret_-_ca%C3%A7ador_escravos.jpg > dos modos de transporte realizados em
Acesso em 31 mar. 2017 lombo de animais pelo Brasil afora.
Esses estudos e essas observações foram
pontos de partida para criação das
ilustrações litográficas presentes na
publicação do seu livro Viagem
pitoresca e histórica ao Brasil (1834 -
1839).
Partindo das obras de Debret, podemos
propor muitas atividades com nossos
alunos para trabalhar a cultura indígena,
Figura 3.9 - Um engenho de cana- assim como a afro-brasileira. O
de-açúcar em Pernambuco colonial,
retratado pelo pintor neerlandês Frans
fundamental é apresentar a atividade com
Post (século XVII). Domínio público. uma linguagem que esclareça e diminua
Disponível em:
<https://upload.wikimedia.org/wikipe os preconceitos e estereótipos.
dia/commons/e/ec/Engenho_com_cap
ela.jpg>. Acesso em 03 maio 2017.

42
Incluir outras linguagens como complemento à leitura de imagens pode ser bastante rico,
tais como poesias, contação de mitos, audição de músicas, integrando as modalidades
artísticas para compor um cenário mais rico da estética em questão.
Ao registrar os afro-brasileiros, o artista francês não esconde a crueldade a que eles eram
submetidos, como podemos ver nas representações dos castigos e das torturas ou

Figura 3.10 – Baianas - 1826 -


Figura
aquarela 3.11papel.
sobre - Uma senhora brasileira em seu lar.
Jean-Baptiste
1839. Jean-Baptiste
Debret. Domínio Público. Debret-Acervo: Pinacoteca do nas figurações que revelam o
Estado de São
Disponível em: < Paulo. Domínio Público.
Disponível em: <
https://commons.wikimedia.org/wiki/File trabalho desumano, abusivo. Em
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jean-
:Baianas-debret.jpg >
Baptiste_Debret__Uma_senhora_brasileira_em_seu_lar.J
Acesso em 30 mar. 2017
PG > Acesso em 30 mar. 2017
contrapartida, ele mostra
também os negros de forma
harmoniosa nos lares
brasileiros e os negros em seus
festejos.
Outro artista estrangeiro de
grande destaque no contexto
da arte brasileira é Rugendas. Figura 3.12 - Aldeia de Tapuias -1835 litografia. Rugendas.
Johann Moritz Rugendas Domínio Público.
Fonte:<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Rugendas_-
(1802 - 1858), natural da _Aldea_des_Tapuyos.jpg > Acesso em 30 mar. 2017
Alemanha, veio ao Brasil em 1821, incentivado pelos relatos de viagem e pela obra de
Thomas Ender, como desenhista documentarista da

43
Expedição Langsdorff. Apesar de abandonar o grupo em 1824, ele continuou sozinho a
registrar as características de nosso país: população brasileira, tipos étnicos, fauna, flora,
enfim, os mais variados aspectos significativos do nosso contexto histórico e cultural.
.Assim como Debret,
Rugendas trouxe-nos muitas
referências visuais e temáticas
para discussão de nossas
matrizes culturais, tais como
sobre a catequese cristã de
índios, a escravização de
índios e negros, a dominação e
Figura 3.13 - Navio Negreiro. Rugendas. Acervo: Museu Itaú a hegemonia europeia.
Cultural. Domínio Público. Fonte: <
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Navio_negreiro_-
_Rugendas_1830.jpg > Acesso em 31 mar. 2017.

O valor documental dos


registros artísticos é imenso e
temos nas figurações não
somente o terror da prisão
física e espiritual dos negros,
mas também as festas, as
louvações como a do jongo,
da umbigada e de tantas
outras expressões: batuques
pulsantes de tambores que
ressoam como grandes
batidas de um coração que
grita.
Figura 3.14 – Batuque. 1835 - litogravura - Rugendas. Domínio
Público.
Fonte: < https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Batuque.jpg >
Acesso em 31 mar. 2017

44
3.2 Visualizações do indígena e do afro-brasileiro na arte de
Victor Meirelles, Almeida Júnior, Portinari e Tarsila do Amaral
A AIBA foi cenário importante na formação de muitos outros significativos artistas
nacionais. Victor Meirelles e Almeida Júnior são dois grandes exemplos.
Victor Meirelles de Lima (1832 – 1903), natural de Nossa Senhora do Desterro, atual
Florianópolis, mudou-se para o Rio de Janeiro para cursar pintura histórica na academia.
Premiado com uma viagem para o exterior, Meirelles estudou na Itália e na França.
Quando retornou ao Brasil, foi
nomeado professor na academia
da qual fora aluno, no Rio de
Janeiro.
Uma de suas obras mais
emblemáticas é a primeira missa
no Brasil, que, em 1861, foi
aceita com reverência pelo júri do
Salão de Paris (exposição oficial
de grande concorrência, em que
Figura 3.15 - Primeira Missa no Brasil -1860 –Óleo sobre
tela. Victor Meirelles. Acervo: Museu Nacional de Belas Artes. os artistas são selecionados por
Domínio Público.
Fonte: < https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Meirelles- um corpo de jurados), fato ainda
primeiramissa2.jpg > Acesso em 31 mar. 2017
inédito por artistas brasileiros. O
artista leu documentos históricos,
como a carta de Pero Vaz de
Caminha, para a criação dessa
pintura, compreendendo a tela
uma visão clara e idealizada do
fato histórico. A obra foi
amplamente difundida por meio
de reproduções em livros de história e arte, selos, cédulas monetárias, cadernos escolares
etc.

Figura 3.16 - Moema (1866) - óleo


sobre tela-129x190 cm. Victor
Meirelles. Acervo Museu de Arte de
45
São Paulo. Domínio Público. Fonte: <
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:
Victor_Meirelles_-_Moema.jpg > Acesso
em 30 mar. 2017
Na representação intitulada Moema (1866) não há
totalidade na idealização da representação
indígena, pois há de se perceber que a figura
feminina assemelha-se mais a uma deusa grega do
que às índias brasileiras.
Victor Meirelles, ao lado de Pedro Américo, é um
dos nomes mais importantes desse período. Foi
também professor de pintura de Almeida Júnior.
José Ferraz de Almeida Júnior (1850 – 1899)
nasceu em Itu e, após se formar na Academia,
Figura 3.17 - Caipira picando fumo
(1893) - óleo sobre tela - 202 x 141 atuou como professor de arte e retratista. Dom
cm – Almeida Júnior. Acervo
Pinacoteca do Estado de São Paulo. Pedro II ficou impressionado com o trabalho do
Domínio Público. Reprodução
fotográfica Isabella Matheus. artista, concedendo-lhe, por isso, uma bolsa de
Fonte: <
https://commons.wikimedia.org/wiki/F estudos em Paris. De volta ao Brasil, expôs na
ile:Caipira_picando_fumo.jpg >
AIBA. Alguns anos depois, assumiu a vaga de
Acesso em 31 mar. 2017.
Victor Meirelles na academia.

A Pinacoteca do Estado de São Paulo


(São Paulo – SP) detém um acervo
muito significativo de obras de Almeida
Júnior.
Vale a pena visitá-la.

Figura 3.18 - Caipira pitando (1895) -


46 óleo sobre tela - 100 x 70 cm. Almeida
Júnior. Coleção Particular. Domínio
Público.
Fonte: <
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:
Almeida_J%C3%BAnior_-
Embora formado pela tradição eurocêntrica da pintura acadêmica, que é caracterizada por
forte influência estética e também temática, Almeida Júnior retratou, de forma muito
singular, a vida e os costumes da população do interior de São Paulo.
A imagem do caipira, fruto das tantas misturas étnicas de nossa brasilidade, é
documentada pelas mãos do pintor; e, retratando o regional, sua obra torna-se
extremamente nacional e universal.
Sobre o autor, Monteiro Lobato (1956) escreveu:
A madrugada do dia seguinte raia com Almeida Junior, que conduz pelas
mãos uma coisa nova e verdadeira - o naturalismo. Exerce entre nós a
missão de Coubert em França. Pinta, não o homem, mas um homem - o
filho da terra, e cria com isso a pintura nacional em contraposição à
internacional dominante. Vem de França, onde aperfeiçoara estudos, traz
consigo quadros bíblicos diferentes de tudo mais, pessoalíssimos,
reveladores duma compreensão extremamente lúcida da verdadeira arte. A
fuga para o Egito é bem um carpinteiro humilde fugindo por um areal de
verdade, com mulher e filho de verdade, montado num burrico de verdade.
Mudem-se àquelas figuras os trajes, vistam-nas à moda nossa, deem-lhes
a nossa paisagem como ambiente, e o quadro bíblico continuará
verdadeiro: é sempre um marido, a mulher e filhinho, humaníssimos todos,
que fogem para salvar a vida. Se era assim o pintor num quadro dessa
ordem, gênero em que, de comum, a arte naufraga no mar do
convencionalismo anti-humano e antinatural, continua assim, humano e
natural, despreocupado de modas e escolas, até o fim da carreira. Não há
obra mais una que a sua. Nunca foi senão Almeida Júnior no individuo;
paulista na espécie; brasileiro no gênero (MONTEIRO LOBATO, 1956,
p.79).

47
O século XX caracteriza-se pelas grandes
transformações industriais, tecnológicas e
artísticas. As vanguardas europeias sobrepõem-se
com velocidade, enquanto no Brasil as mudanças
são gradativas. A Semana de Arte Moderna
movimenta os artistas que querem inovar os
fazeres. A busca por uma nova estética continua
cada vez mais intensa, registrada nos movimentos
Figura 3.19 - Negra (1891) - óleo sobre
tela - 37 x 25 cm Almeida Júnior. Domínio culturais da cidade de São Paulo.
público. Disponível em:
<https://commons.wikimedia.org/wiki/File: O homem mais influente desse período é Mário de
Almeida_J%C3%BAnior_-
_Negra,_1891.jpg> Acesso em 31 mar. 2017 Andrade (1893 – 1945). Escritor, poeta,
romancista, intelectual, crítico de arte e musicólogo, foi extremamente importante como
incentivador da valorização da nossa cultura popular, do nosso folclore, das nossas raízes.
Pesquisou com muita disciplina um vasto repertório de músicas e danças folclóricas do
país, transformando-se numa das figuras intelectuais mais significativas da nossa história
cultural. Foi também o primeiro secretário de cultura do município de São Paulo e o
criador do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o SPHAN, atual IPHAN
(Ministério da Cultura).
Seu romance mais famoso, Macunaíma, é reconhecido como uma das obras centrais da
literatura brasileira do século XX. Nele estão nossas raízes, nossas matrizes, nossa
cultura.
Seu retrato foi pintado por muitos de seus grandes amigos, como Tarsila do Amaral, Lasar
Segall, Flávio de Carvalho, Cândido Portinari.

48
Portinari (1903 – 1962) também é presença
obrigatória neste material, pois sua obra
registra a cultura afro-brasileira como
construtora e sígnica da marca, da identidade
de nossa terra. É com suas figuras humanas
de negros (com seus braços fortes e pés
agigantados) que ele conquistou o primeiro
prêmio brasileiro de arte moderna no exterior
com uma de suas pinturas. A tela Café recebe
a premiação em 1935, do Carnegie Institute
de Pittsburgh.
Figura 3.20 - Busto de Mário de Andrade,
domínio público. Disponível em:
<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bust
o_de_M%C3%A1rio_de_Andrade_(562170535
4).jpg >. Acesso em: 03 de Abr. 2017.

Figura 3.21 - O Lavrador de Café (1934) - óleo sobre tela - 100 x 81 cm - reprodução
fotográfica Paulison Miura. Dominio Público.
Fonte: < https://www.flickr.com/photos/paulisson_miura/18001978694 >
Acesso em 30 mar. 2017

Na pintura O Lavrador de Café, a ênfase nos tamanhos dos pés liga o negro a terra, como
se a ela pertencesse, mesmo se sabendo que os escravos não foram proprietários dos solos
em que viviam e que lavravam.

Clicando no enlace abaixo, você vai acessar uma galeria de obras de Cândido Portinari.
Recomendamos que visite essa exposição e aprecie especialmente as obras descritas neste
capítulo de seu livro-texto, entre outras, Café, O Mestiço, O Lavrador de Café. Ao clicar
na imagem, é possível vê-la ampliada e como visualização de slides. Boa visita!
49
< https://www.wikiart.org/en/candido-portinari/all-works> .

Tarsila do Amaral (1886 – 1973) também imprime na arte brasileira tonalidades muito
especiais. Realizou seus estudos artísticos na Europa, frequentando diversos ateliês de
renomados artistas, tais como: André Lhote (1885 - 1962), Albert Gleizes (1881 - 1953)
e Fernand Léger (1881 - 1955). No Brasil, está ligada aos modernistas. Em 1928, pintou
a tela Abaporu, pintura que inspirou Oswald de Andrade na criação do movimento
antropofágico.

Figura 3.22 – Sol Poente (1923) - óleo sobre tela –


Tarsila do Amaral. Domínio público-Pref. Municipal
de Belo Horizonte Fonte:
<https://www.flickr.com/photos/portalpbh/61276944
61 > Acesso em 18 mar. 2017.

Destaca-se nesse acervo a pintura Operários (década de 1930), que mostra pessoas em
frente a uma fábrica, retratando a presença de nossas matrizes culturais nos rostos de
brancos, negros e amarelos. Também merece atenção especial a tela O nascimento de
Macunaíma, retratando “o herói sem nenhum caráter”, de Mário de Andrade.

Clicando no enlace abaixo, você vai acessar o site oficial da pintora Tarsila do Amaral e
apreciar todas as suas obras, em suas diversas fases. Recomendamos que visite essa
exposição e aprecie especialmente as obras descritas neste capítulo de seu livro-texto,
entre outras, Abaporu, O nascimento de Macunaíma e Operários. Boa visita!
50
< http://tarsiladoamaral.com.br/>.

3.3 Cultura afro-brasileira e indígena na contemporaneidade

Hector Julio Páride Bernabó (Carybé, 1911 – 1997), o mais baiano dos argentinos,
frequentou o Rio de Janeiro devido ao fato de seu irmão ter um ateliê de cerâmica nesta
cidade; entretanto, foi na Bahia que se encantou pela cultura e pela religiosidade do lugar.

Veja obras de Carybé em <https://www.pinterest.pt/pin/353603008225631094/>

Carybé naturalizou-se brasileiro e realizou uma vasta produção de desenhos, pinturas,


gravuras, ilustrações, além de cerâmicas, murais e mosaicos figurativos e representativos
da cultura baiana, tais como: danças, capoeira, rodas de baianas, lavadeiras e até a
publicação de um livro sobre a iconografia dos Orixás. Outros ícones da arte
contemporânea são: Mestre Didi, Rubem Valentim e Emanoel Araújo.

Figura 3.23 - Monumento à entrada


da Assembleia Legislativa da Bahia, de
Carybé. Domínio público. Disponível em:
<https://upload.wikimedia.org/wikipedia/co
mmons/2/29/Alab_2006.jpg>. Acesso em 15
maio 2017.

Deoscóredes Maximiliano dos Santos (Salvador, 02 de dezembro de 1917), Mestre Didi,


escultor e escritor, participa de cultos religiosos de tradição africana desde criança, e foi
aprendiz dos mestres mais antigos do culto orixá Obaluaiyê. Publicou livros sobre a
cultura afro-brasileira e tornou-se um grande estudioso da cultura africana e afro-
brasileira. Mestre Didi é coordenador do Conselho Religioso do Instituto Nacional da
Tradição e Cultura Afro-brasileira, que representa no país a Conferência Internacional da
51
Tradição dos Orixás. Sua produção artística é ritualística, não havendo distinção entre
arte e espiritualidade. A experiência do sagrado faz-se presente na estética de sua obra
por meio de símbolos, materiais, cores, formas etc.

Figura 3.24. Mestre Didi ao lado de


uma de suas esculturas. Foto para
divulgação. Disponível em:
<http://www.terra.com.br/istoegente/
44/divearte/expo_didi.htm>. Acesso
em 15 maio 2017.

Figura 3.24. Escultura de mestre


Didi. Foto para divulgação.
Disponível em:
<http://g1.globo.com/bahia/noticia
/2013/10/mestre-didi-morre-em-
salvador.html>. Acesso em 15
maio 2017.

Rubem Valentim (1922 – 1991) é também natural de Salvador. Pintor, escultor, gravador,
inicia seus estudos artísticos como autodidata. Forma-se em jornalismo e atua também
como professor. Sua estética sincrética constitui-se de elementos simbólicos da cultura
afro-brasileira com abstracionismo geométrico.

Em 1979, o artista executou uma grande escultura pública de concreto que está instalada
na Praça da Sé, em São Paulo. Em 1998, o Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM/BA)
inaugurou a Sala Especial Rubem Valentim no Parque de Esculturas em sua homenagem.

52
Emanoel Araújo (1940) também é do estado da Bahia, de Santo Amaro da Purificação.
Escultor, desenhista, ilustrador, figurinista, gravador, cenógrafo, pintor, curador e
museólogo. Formou-se na Escola de Belas Artes da Bahia e, em 1972, foi premiado com
medalha de ouro na Terceira Bienal Gráfica de Florença, na Itália. Foi professor na
Universidade de Nova Iorque e, de 1992 a 2002, ocupou o cargo

de diretor da Pinacoteca do Estado de São Paulo, realizando significativa reestruturação


dessa Instituição. Atualmente, o artista dirige o Museu Afro-Brasil, em São Paulo.

Encerramos esta Unidade com o olhar de dois artistas estrangeiros para a nossa cultura;
estrangeiros que se tornaram brasileiros por escolha e por paixão pelos nossos hábitos,
nossos costumes e nossa religiosidade. Sobre a cultura indígena, faremos breves
considerações sobre Cláudia Andujar; sobre a cultura afro-brasileira, as considerações
feitas aqui serão sobre o fotógrafo e antropólogo Pierre Verger.

A fotógrafa suíça naturalizada brasileira Cláudia Andujar (1931) recebeu na década de


1970 uma bolsa da Instituição norte-americana Fundação Guggenheim e, posteriormente,
outra da Fundação de Auxílio à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) para estudar
os índios yanomami. A partir daí, Claudia passou a registrar a cultura dos yanomamis
como foco central de sua atividade artística e social, o que gerou a publicação de diversos
livros.

Atualmente, a população indígena também ganha destaque por detrás das lentes. Ao invés
de serem fotografados e filmados, muitos fazem filmes e mostram novas propostas
estéticas dentro da linguagem audiovisual. Com isso, também se abre mais uma
possibilidade expressiva, além de ser também uma ferramenta útil para o registro da
memória, salvaguardando e transmissão de histórias orais.

Pierre Edouard Léopold Verger (1902 - 1996) foca as lentes nas manifestações afro-
brasileiras. Fotógrafo, etnólogo, antropólogo, escritor e estudioso da cultura negra da
áfrica e do Brasil, primeiro publicou suas fotografias e depois seus escritos (livros). Além
de pesquisador, o artista francês também vivenciou plenamente a religiosidade que tanto
retratou.

53
3.4 Síntese da Unidade
Nesta unidade, enfatizamos diversas manifestações artísticas, mas vale ressaltar que a
cultura afro-brasileira e indígena é muito exemplificada, pois o número de temas e de
representantes das diversas modalidades artísticas é muito expressivo.

3.5 Para saber mais


Visite o Projeto Portinari no site http://www.portinari.org.br/.
Visite o site http://www.acordacultura.org.br/ e conheça os livros animados A Cor da
Cultura que fala sobre a diversidade cultural.

No Youtube, assista ao vídeo Uma escola hunikui e a muitos outros vídeos feitos por
comunidades indígenas. Para isso, acesse:
<http://www.youtube.com/watch?v=t5mXZJAlx_k>

Vale a pena também visitar o site da ONG Vídeo nas Aldeias


<www.videonasaldeias.org.br>.

3.6 Atividades

Considerando as produções apresentadas:

• Faça uma pesquisa sobre a Antropofagia e o Movimento Antropofágico


modernista e prepare uma ação educativa associando as obras Índia Tapuia,
de Eckhout e Abaporu e de Tarsila do Amaral.
• Elabore uma análise estética, em forma textual, partindo das figurações do
negro, em Portinari.

54
Unidade 4
Unidade 4 – O Processo museológico

Nesta Unidade, abordaremos os diversos aspectos pertencentes ao processo museológico,


tanto como subsídio para nossas ações educativas em espaços culturais diversos, quanto
para referenciar nossas ações em sala de aula, com o objetivo de valorizar, conhecer e
reconhecer nossa produção cultural e artística como patrimônio e como identidade a ser
preservada e difundida.

O processo museológico abarca um conjunto de ações interdependentes, que se


movimentam e se retroalimentam constantemente. Esses procedimentos possibilitam que
parcelas do patrimônio cultural se transformem em herança, na medida em que são alvo
de preservação e comunicação.

Veremos a seguir como se dá a relação entre essas ações.

4.1 Memória e Identidade


Antes de discutirmos o processo museológico, iremos refletir sobre o papel da memória
na construção de nossa identidade. Sem memória, não sabemos quem somos e sem esse
conhecimento não temos noção de pertencimento, sentimento este fundamental para o
exercício da cidadania e para o respeito da diversidade. Valorizando nossa cultura, nossa
memória, podemos reconhecer e valorizar o outro, o diverso, o distinto.

A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece que o poder público, com a


cooperação da comunidade, deve promover e proteger o "patrimônio cultural brasileiro".

55
Dispõe ainda que esse patrimônio é constituído pelos bens materiais e imateriais que se
referem à identidade, ação e memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) é o órgão federal


vinculado ao Ministério da Cultura, responsável por preservar, divulgar e fiscalizar os
bens culturais brasileiros, sejam estes de natureza tangíveis (materiais) ou intangíveis
(imateriais).

O termo tombamento provém do Direito português.


O patrimônio material protegido pelo IPHAN é A palavra tombar tem sentido de registrar,
inventariar os bens do reino. O inventário era inscrito
inscrito no Livro de Tombo e o patrimônio
em livro próprio e guardado na Torre do Tombo, no
imaterial é inscrito no Livro de Registro. Os castelo de São Jorge em Lisboa, razão da expressão
Livro do Tombo.
bens culturais inscritos nestes livros- Tombo e
Registro - são previamente analisados, e deverão ser preservados para a atual e as
próximas gerações.

O Livro do Tombo classifica-se em quatro tipologias:


• Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico;
• Livro Histórico;
• Livro das Belas Artes;
• Livro das Artes Aplicadas.

O Livro de Registros, que significa o reconhecimento e a valorização de significativos


bens do patrimônio imaterial, divide-se em quatro categorias:

• Livro dos Saberes: conhecimentos e modos de fazer enraizados no


cotidiano das comunidades;
• Livro das Celebrações: rituais e festas que marcam a vivência coletiva do
trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas sociais;
• Livro das Formas de Expressão: manifestações literárias, musicais,
plásticas, cênicas e lúdicas;
• Livro dos Lugares: mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços
onde se concentram e se reproduzem práticas culturais coletivas.

56
O ofício das paneleiras de Goiabeiras foi o primeiro patrimônio de bem imaterial
registrado no Brasil. O modo de fazer foi registrado no Livro dos Saberes em 20/12/2002.
A atividade é realizada em Goiabeiras, no Espírito Santo, e garante o suporte para servir
a típica moqueca capixaba.

Figura 4.1 - Ofício das Paneleiras – Vitória (ES)


Fonte: Reprodução fotográfica da autora

Figura 4.2 - Ofício das Paneleiras –


Vitória (ES)
Fonte: Reprodução fotográfica da autora

Figura 4.3 - Ofício das Paneleiras - Vitória


(ES)
Fonte: Reprodução fotográfica da autora

Da cultura indígena, são registrados os seguintes bens de natureza imaterial:


• arte kusiwa – pintura corporal e arte gráfica wajãpi (como já vimos na
Unidade 1);
• cachoeira de iauaretê – lugar sagrado dos povos indígenas dos rios Uaupés
e Papuri (AM).

57
Sobre esses bens, encontramos, no dossiê IPHAN - 7, as seguintes considerações:
A cachoeira de Iauaretê faz parte do cenário descrito nos mitos de origem
de vários povos indígenas que vivem no rio Uaupés atualmente (Tukano,
Tariano, Desana e Piratapuia, entre outros). Esses mitos tematizam o
processo de transformações que resulta no aparecimento dos primeiros
humanos e suas diferentes versões se constroem sobre um fundo
compartilhado por todos esses grupos. A cachoeira de Iauaretê faz parte do
cenário descrito nos mitos de origem de vários povos indígenas que vivem
no rio Uaupés atualmente (Tukano, Tariano, Desana e Piratapuia, entre
outros). Esses mitos tematizam o processo de transformações que resulta
no aparecimento dos primeiros humanos e suas diferentes versões se
constroem sobre um fundo compartilhado por todos esses grupos.

São inscritos como bens imateriais referentes à cultura afro-brasileira:

• samba de roda do Recôncavo Baiano (v. Unidade 2);


• ofício das baianas de acarajé;
• jongo no Sudeste;
• tambor de crioula;
• matrizes do samba no Rio de Janeiro: partido alto, samba de terreiro e
samba-enredo;
• roda de capoeira;
• ofício dos mestres de capoeira.

Todo nosso patrimônio cultural necessita de preservação e de difusão, e os museus são


espaços de memória criados para essas finalidades. Assim como a noção de patrimônio
se transformou e foi conceitualmente muito ampliada com o passar do tempo, a instituição
museu também passou por muitas mudanças. Sobre essa instituição, faremos
considerações a seguir.

4.2 Documentação, pesquisa, conservação, restauro e curadoria


Para refletirmos sobre o processo museológico, temos que saber o que é um museu. Desde
sua remota origem até os dias de hoje, os museus sofreram intensas transformações.

58
De acordo com Suano (1986),

Na Grécia, o mouseion, ou casa das musas, era uma mistura de templo e


instituição de pesquisa, voltado sobretudo para o fazer filosófico. As
musas, na mitologia grega eram as filhas que Zeus gerara com Mnemosine,
a divindade da memória. As musas, donas de memória absoluta,
imaginação criativa e presciência, com suas danças, músicas e narrativas,
ajudavam os homens a esquecer a ansiedade e a tristeza. O mouseion era
então esse local privilegiado, onde a mente repousava e onde o pensamento
profundo e criativo, liberto dos problemas e aflições cotidianos, poderia se
dedicar às artes e às ciências (SUANO, 1986, p. 10).

Dos antigos templos das Musas, o que mais podemos associar à finalidade museológica
na antiguidade é a biblioteca de Alexandria, cuja principal preocupação era o saber
enciclopédico. A sua construção, feita por Ptolomeu I Soter no século IV a.C, elevou a
cidade ao nível de importância cultural de Roma e Atenas, tornando-se o grande polo da
cultura helenística (difusão da civilização grega para os territórios conquistados por
Alexandre, O Grande). Todo manuscrito que entrava no país era classificado em catálogo,
copiado e incorporado ao acervo da biblioteca. No século seguinte à sua criação, já reunia
entre 500 mil e 700 mil documentos. Além de ser a primeira biblioteca com essas
características, foi também a primeira universidade, tendo formado grandes cientistas,
como os gregos Euclides e Arquimedes.

Na idade medieval, o que mais se assemelha à ideia de museu eram os tesouros da Igreja
(grande receptora de doações). No final do período, a força de alguns príncipes inicia a
formação de tesouros privados.

No Renascimento, objetos das civilizações grega e romana passam a atrair o interesse dos
colecionadores e as casas reais e os nobres obtêm tesouros de toda parte da terra, além de
atuarem como mecenas de grandes artistas, tais como Botticelli, Leonardo da Vinci,
Michelangelo etc. As coleções eram símbolo de poder econômico.

Nos séculos XVI e XVII, predominam os gabinetes de curiosidades, riquíssimas


coleções formadas por estudiosos com fins particulares.

Em 1683, na Inglaterra, é inaugurado o primeiro museu público europeu, o Asmolean


Museum de Oxford. Dessa forma, pouco a pouco as coleções começam a se abrir.

59
Somente após os movimentos revolucionários do século XVIII é que a instituição museu
começa a ganhar forma tal qual se conhece hoje – de abertura do patrimônio da
humanidade ao público – e, assim, surgem os grandes museus europeus: Museu Britânico
(1753), Museu Hermitage (1764), Museu do Louvre (1753) etc.

O primeiro museu do Brasil foi o Museu Nacional (Museu Real), em 1818, seguido do
Museu Goeldi, em Belém (1866), e do Museu do Ipiranga, em São Paulo (1895). No
século XX, temos a criação do Museu Histórico Nacional (1922), do Museu Imperial de
Petrópolis (1943), e a criação de vários museus de arte em São Paulo, como o Museu de
Arte de São Paulo (MASP - 1947) e o Museu de Arte Moderna (MAM - 1948).

O primeiro museu a revolucionar os conceitos de relacionamento com o público foi o


Louvre de Paris. Foi considerado desde o início o museu do povo, onde qualquer pessoa
podia ir sem pagar. O primeiro serviço permanente para atendimento de escolas em
museus data de 1880.

No século XX, especialmente na França, a partir de 1950, o conceito de museu foi


ressignificado, com a intensificação das relações público-museu, fazendo com que cada
vez mais os cidadãos se sentissem participantes, transformadores e responsáveis pela
guarda de seu patrimônio. Isso graças à crescente ênfase pedagógica, potencial da
instituição.

Essa é a grande transformação da museologia no século XX: o foco muda do objeto para
o sujeito, para o homem, para o público.

Segundo o Conselho Internacional de Museus (ICOM), a definição atual para a instituição


museu é:

Museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, aberta ao


público, a serviço da sociedade e seu desenvolvimento, que adquire coleta,
conserva, pesquisa, comunica e exibe, para fins de estudo, educação e
entretenimento, testemunhos materiais do homem e de seu ambiente
(Estatutos do ICOM, 20a. Assembleia Geral do ICOM, Barcelona,
Espanha, 6 ju. 2001).

Atualmente, qualificam-se também como museu:

60
1- monumentos e sítios naturais, arqueológicos e etnográficos de natureza
museológica, que adquirem, conservam e exibem evidências materiais do homem
e seu ambiente;
2- instituições que reúnem coleções e apresentam espécimes vivos de plantas e
animais, tais como: zoológicos e jardins botânicos, aquários e viveiros;
3- centros de ciências e planetários;
4- galerias de arte não comerciais;
5- reservas naturais;
6- organizações internacionais, nacionais, regionais ou locais, ministérios e
departamentos ou instituições públicas responsáveis por museus;
7- instituições ou organizações não lucrativas encarregadas de conservar, pesquisar,
educar, treinar, documentar e outras atividades relacionadas a museus e
museologia;
8- centros culturais e outras entidades que facilitam a preservação, continuidade e
gestão de patrimônio tangível e intangível;
9- instituições com algumas ou todas as características de um museu, que apoiam
museus e profissionais de museus por meio de pesquisa, educação e treinamento
museológico.

Segundo Russio (1984, p. 60), o museu é um cenário institucionalizado, em que ocorre o


fato museológico, isto é, a “relação profunda entre o homem, sujeito que conhece, e o
objeto, testemunho da realidade”.

Essa relação altera-se no tempo conforme as mudanças da sociedade; para que ela
aconteça, são necessárias ações que denominamos processo museológico.

As ações podem ser divididas em duas orientações: uma caracterizada pela introversão
do acervo e outra pela extroversão. Pela introversão, entendemos as áreas técnicas que
trabalham com a documentação e preservação do acervo; por extroversão, entendemos as
áreas que trabalham com a comunicação entre o acervo e o público.

61
A seleção e a aquisição do acervo dependem do projeto, do plano museológico, que
indicarão, dentre outras questões, a missão, a visão e os objetivos do museu. A aquisição
pode ser realizada por meio de doações, coletas e compras.

Após a entrada na instituição, o acervo tem que ser registrado. Esta é a fase da
documentação que fará uma catalogação dos objetos, observando suas características
físicas (dimensão, peso, descrição), fotografando, enfim, identificando o objeto e dando-
lhe uma identidade. Após a catalogação e a numeração, os objetos são marcados de forma
permanente com materiais apropriados para a função.

A pesquisa aprofunda o conhecimento sobre o próprio objeto e sobre seus contextos


históricos, artísticos e culturais, por meio de fontes diversas: textuais, iconográficas, orais
etc.

A conservação é responsável pelas atividades de higienização, específicas e próprias


conforme os materiais dos objetos, o acondicionamento, a imunização e o restauro.

A preservação é uma mentalidade, uma política para salvaguardar o patrimônio.

A conservação é um conjunto de intervenções diretas, realizadas na própria estrutura


física do bem cultural, com a finalidade de tratamento, impedindo, retardando ou inibindo
a ação nefasta ocasionada pela ausência de uma preservação.

Sabemos que a deterioração é um processo natural, mas a instituição museológica utiliza


todos os procedimentos para retardar o envelhecimento e prolongar a vida dos objetos,
realizando o controle do clima e da umidade relativa da reserva técnica (local em que fica
acondicionado o acervo que não está exposto) e impedindo, dessa forma, a presença e a
infestação de pragas. Além dos agentes de degradação biológicos, há os danos físicos
(danos mecânicos, iluminação inadequada, umidade), os químicos e também os sinistros
(incêndio, inundação). O plano de segurança inclui, além da prevenção de sinistros,
prevenção de roubos, assaltos etc.

A conservação tem a orientação preventiva, como exemplificamos, e a curativa, casos em


que o dano ocorreu e necessita ser “curado”. Aí cabe a restauração, que vem a ser uma

62
intervenção destinada a manter em funcionamento, a facilitar a leitura e a transmitir
integralmente ao futuro obras e objetos identificados como de interesse patrimonial.

Alguns dos princípios básicos da restauração são:


• a não-interferência na criação do artista;
• a reversibilidade do trabalho do restaurador na obra de arte;
• o processo coletivo de julgamento nas decisões tomadas;
• a distinguibilidade, a clareza da área que sofreu intervenção.

A restauração é uma atividade que exige muita cautela, estudo e, geralmente, tem alto
custo. A maior parte dos museus brasileiros procura profissionais terceirizados para a
função, com exceção de grandes museus. Também é necessário conhecer muito bem o
profissional, pois há muitos “reformadores” que modificam o patrimônio, ao invés de
restaurá-lo.

A curadoria é um termo muito utilizado atualmente para designar genericamente as ações


de concepção, organização e montagem de exposições, ou seja, a curadoria é responsável
pela museologia e pela museografia das mostras, como veremos no próximo item. Há de
se considerar que o termo museologia é mais abrangente, pois diz respeito a todas as ações
de cuidado, de preservação, de zelo com o acervo.

4.3 Exposição e ação educativa


O acervo, depois de documentado e conservado, tem que cumprir sua função de
testemunhar, de contar a história. A comunicação é a fase do processo museológico
responsável pela extroversão do acervo e a forma museológica para o exercício desta
difusão é a exposição. Outros itens podem auxiliar o conhecimento como, por exemplo,
as publicações (folders, catálogos, revistas etc.), mas é na exposição que se dá a
linguagem dos museus.

Para a elaboração de uma exposição, faz-se necessário um projeto museológico (plano


conceitual) e museográfico, isto é, como se realizará formalmente a mostra. A concepção

63
museográfica inclui os objetos, o espaço, o mobiliário, o roteiro de visitação, o desenho
de cores, a luz, as texturas, os aspectos de conservação, entre outros.

Inicialmente, ocorre a escolha temática e conceitual, pesquisa prévia e identificação do


público-alvo. Em seguida, um cronograma é realizado para planejamento das etapas de
trabalho e, assim, executam-se estas atividades: seleção de objetos, avaliação de
conservação, definição do espaço expositivo, pesquisa aprofundada, desenho de roteiro e
linguagem, interação com serviço educativo, leiaute, mobiliário, programação visual,
redação de textos, definição de produtos complementares (catálogos, folhetos etc),
montagem, divulgação, inauguração.

As grandes exposições geralmente contam com uma equipe ampla; mesmo em pequenos
museus, por mais que as pessoas acumulem variadas atividades, deve haver profissionais
responsáveis pelas seguintes funções e/ou serviços:

• curador/museólogo; • bureau de plotagem para


• pesquisador; impressões visuais;
• museólogo; • impressor;
• arquiteto; • montadores;
• museógrafo/designer; • gráfica;
• educador; • eletricista;
• marceneiro; • especialista em segurança;
• programador visual; • especialista em clima;
• conservador; • pessoal de limpeza;
• iluminador; • agentes educativos/culturais;
• pesquisador; • recepcionistas;
• redator; • assessor de imprensa.

Como vimos, a exposição é uma fala complexa que busca uma comunicação simples,
elaborada para fazer com que os sujeitos queiram dialogar, conversar com o acervo
exposto e com as histórias que ele apresenta.

64
Uma etapa geralmente esquecida pelas instituições, como pontua Cury (2005), é a
avaliação das exposições. Como podemos avaliar se a exposição realmente cumpre seu
papel de comunicação? A partir da definição de avaliação dada por Cury (2005), é
possível responder a essa questão. Vejamos, na concepção da autora, o que vem a ser
avaliação:

Avaliação do sistema de comunicação museal, antes de mais nada, é


postura profissional que busca o aperfeiçoamento e o domínio do nosso
ofício. A avaliação é uma ferramenta para aprofundar a nossa compreensão
do trabalho que desenvolvemos – organização para o planejamento,
concepção e montagens de exposições para o público. É um meio para o
refinamento profissional, seja dos processos de trabalho, seja dos produtos
expositivos que idealizamos e concretizamos. Avaliação é um meio para
uma finalidade e essa finalidade relaciona-se aos processos de mudança de
realidade institucional, à atuação e ao atuar dos profissionais envolvidos e
com o processo de decisão (CURY, 2005, p.124, 125).

Munley (apud CURY, 2005) identifica quatro modos diversos de realização das
avaliações:

• Avaliação Formativa: informações sobre a eficácia do programa


durante seu desenvolvimento;
• Avaliação Somativa: realizada quando completada uma exposição ou
programa trazendo elementos para futuras programações;
• Avaliação Processual: traz informações sobre os procedimentos de um
programa ou sua exibição, dando ênfase às características do programa,
como tamanho da mostra, número de palestras num seminário, existência
de guias de galerias na exposição;
• Avaliação de Produto: mede e interpreta a consecução de objetivos
das exposições e programas. Estes estudos focalizam os resultados da
aprendizagem do visitante e suas mudanças de atitudes (MUNLEY, apud
CURY, 2005, p.131 -132).

Atualmente, também cresce o interesse pelos estudos de público, com a finalidade de


avaliação da eficácia dos programas e das instituições.

A ação cultural e educativa também pertence às ações de extroversão e tem como objetivo
maior intermediar a comunicação do acervo em exposição com o público visitante. A
ação fomenta a ampliação de conhecimentos, cultivando o respeito e a valorização do
patrimônio artístico, histórico e cultural por meio de atividades que integram os visitantes
como agentes fundamentais do processo, como protagonistas da imensa teia de relações
que se dá no museu (cenário do encontro homem e objeto).
65
O serviço educativo também tem como objetivo realizar atividades orientadas para grupos
diversos, tais como comunidades específicas, escolares (educadores, alunos), públicos
com necessidades especiais, dentre outros. Ele compõe a programação de palestras,
oficinas, cursos e seminários, com o objetivo de aproximar a comunidade local das
atividades do museu, formando novos públicos e fomentando a frequência das instituições
culturais.

Todas as atividades aqui comentadas, tanto as de introversão quanto as de extroversão,


devem sempre trabalhar em interação, em parceria. É nessa relação sistêmica, como uma
engrenagem, que a equipe multidisciplinar atua de forma interdisciplinar para o sucesso
do processo. Se uma das ações falha, acarreta reação nas outras.

4.4 Síntese da Unidade


Quando falamos em museus, percebemos que muitas pessoas ainda têm a visão de um
local que guarda antiguidades. A palavra precisa ser retrabalhada e ressignificada,
cabendo a nós, educadores, mostrar que os museus são espaços vivos e privilegiados de
aprendizagem. As crianças que os visitam adquirem boa experiência e, certamente,
criarão hábitos que, por sua vez, influenciarão os pais. A ideia de que “museu é lugar de
coisa velha” é antiga e ultrapassada.

4.5 Para saber mais


Visite os dossiês dos bens culturais registrados no IPHAN, acessando o site
http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=12456&retorno=paginaIpha.

4.6 Atividades
1- Qual a sua concepção de museu? Você já realizou uma visita a um museu que
tenha sido realmente uma experiência significativa?
66
2- Como vimos nesta Unidade, os conceitos transformam-se e ampliam-se. A
noção de patrimônio, hoje, abarca também os bens intangíveis, que chamamos
de imaterial. Reflita sobre isso e veja se há na sua região um saber, um modo de
celebrar, uma manifestação que você considere um patrimônio imaterial.

67
68
Unidade 5

Unidade 5 – Aprendendo nos museus

Nesta última Unidade, exemplificaremos atividades que podemos utilizar como


parâmetros referenciais para planejarmos ações educativas em instituições não formais
de ensino, abordando a temática desta disciplina.

5.1 Aprendendo a aprender nos museus


O museu não é uma escola, é um espaço informal de ensino que tem suas especificidades,
seus próprios procedimentos e suas atividades. A interatividade ocorre no espaço
expositivo, com diálogos e atividades, e pode ser aprofundada e complementada em
cursos, oficinas etc.

Como vimos na unidade anterior, a ação educativa nos museus vem ganhando
importância.

Em nosso país, as primeiras experiências educacionais em museus ocorreram a partir da


década de 1920 no Museu Nacional do Rio de Janeiro, onde foi criada pelo seu então
diretor Roquete Pinto uma divisão de educação, voltada para o atendimento às escolas em
seu espaço expositivo.

As concepções educacionais que marcaram essa relação localizavam-se no âmbito dos


princípios da Escola Nova do norte americano John Dewey, trazidas para o Brasil pelo
educador Anísio Teixeira.

Após a Segunda Guerra Mundial, a museologia passa por intensas renovações, sempre
buscando o protagonismo do público. Essa postura é acentuada a partir da década de 1960,
em meio aos movimentos de democratização da cultura.

69
Em 1964 é criado o Conselho Internacional de Museus (ICOM), na esfera da Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

Alguns encontros foram fundamentais para se pensar a prática educacional em museus de


nosso país, como, por exemplo, o Seminário de 1958 no Rio de Janeiro, realizado pela
UNESCO como parte do programa dedicado a discutir o papel educativo dos museus; a
Mesa Redonda de Santiago do Chile (marco no processo de renovação da museologia)
que, em 1972, criou o conceito de museu integral e apontou a necessidade dos museus
latino-americanos exercerem um papel social mais atuante do que até então vinham
desenvolvendo.

Novas práticas e teorias apontam para a função social dos museus, contrapondo-se à
museologia tradicional que tinha o acervo como um “valor em si mesmo”, independente
do seu uso social.

Redefine-se, então, o papel dos museus, tendo como objetivo maior o público usuário,
imprimindo-lhes uma função crítica e transformadora. Embora as discussões já viessem
ocorrendo de forma intensa desde a década de 1960, somente em 1984, na Declaração de
Quebec, foi postulado o Movimento Internacional da Nova Museologia.

Podemos dizer que os museus buscam ampliar a participação do público, mas ainda são
poucos os apresentam propostas participativas. A maioria dos museus ainda oferece
apenas programas para o público.

A educação que se desenvolve no museu é o que se chama de "educação patrimonial", ou


seja, um processo de trabalho educacional centrado no patrimônio cultural (material ou
imaterial) como fonte primária de conhecimento. O bem cultural é o elemento catalisador
das análises, pesquisas e descobertas realizadas por meio das informações neles obtidas.
Praticando a leitura do patrimônio, o sujeito compreende e se reconhece como parte
constituinte da imensa teia sócio-cultural-econômica em que estamos todos relacionados.

Horta et al. (1999) apontam uma metodologia de leitura, uma sugestão de atividades para
exploração e análise do patrimônio cultural, como pode ser observada no quadro abaixo:

Atividades (exercício/4 etapas)


Etapas Recursos/atividades Objetivos

70
Exercícios de percepção / sensorial, por
Identificação do objeto:
meio de perguntas, manipulação de objetos,
1- Observação função/significado; desenvolvimento da
medição, anotações, dedução, comparação,
percepção visual e simbólica.
jogos de detetives etc.
Fixação do conhecimento percebido,
Desenhos, descrição verbal ou escrita, aprofundamento da análise crítica;
2- Registro gráficos, fotografias, maquetes, mapas e desenvolvimento da memória,
plantas baixas, modelagem etc. pensamento lógico, intuitivo e
operacional.
Análise do problema, levantamento de
Desenvolvimento das capacidades de
hipóteses, discussão, questionamento,
análise e julgamento críticos,
3 – Exportação avaliação, pesquisas em outras fontes como:
interpretação das evidências e
bibliotecas, arquivos, cartórios, documentos
significados.
familiares, jornais, revistas, entrevistas etc.
Recriação, releitura, dramatização, Envolvimento afetivo, internalização,
interpretação em diferentes meios de desenvolvimento da capacidade de
4- Apropriação expressão, como: pintura, escultura, drama, autoexpressão, apropriação,
dança, música, poesia, texto, filme e vídeo, participação criativa, valorização do
exposição em classe. bem cultural.

Podemos utilizar essas atividades tanto em sala de aula quanto em uma ida ao museu ou,
ainda, a oficinas. Uma visita ao museu pode (e deve) ter continuidade em sala de aula,
aprofundando os conteúdos desenvolvidos.
Nos tempos atuais, em que temos grandes possibilidades de utilizar reproduções de obras
de arte, tanto impressas quanto virtuais, podemos ampliar e muito o nosso repertório e de
nossos alunos. O encontro com a cultura material é imprescindível para uma boa análise
estética, além de estarmos frente à criação original. Lembrando que o conceito de museu
é amplo, como vimos no início da Unidade 4, a visita aos museus, além de fomentar
hábitos de frequentar espaços culturais, permite-nos um encontro com a produção artística
e cultural da humanidade.
O encontro com o patrimônio deve ser incentivado, pois segundo Horta et al.
(1999),
Nada substitui o objeto real como fonte de informação sobre a rede de
relações sociais e o contexto histórico em que foi produzido, utilizado e
dotado de significado pela sociedade que o criou. Todo um complexo
sistema de relações e conexões está contido em um simples objeto de uso
71
cotidiano, uma edificação, um conjunto de habitações, uma cidade, uma
paisagem, uma manifestação popular, festiva ou religiosa, ou até mesmo
em um pequeno fragmento de cerâmica originário de um sítio
arqueológico. Descobrir esta rede de significados, relações, processos de
criação, fabricação, trocas, comercialização e usos diferenciados, que dão
sentido às evidências culturais e nos informam sobre o modo de vida das
pessoas no passado e no presente, em um ciclo constante de continuidade,
transformação e reutilização, é a tarefa específica da Educação Patrimonial
(HORTA et al., 1999, p. 6).

Vamos ver no próximo item como podemos explorar nosso patrimônio por meio da leitura
de imagens.

5.2 Exemplo de atividade: leituras de imagens

Após a metodologia de leitura proposta


pelas autoras acima citadas, vamos a outra
abordagem, desenvolvida por Robert Ott
(pesquisador norte-americano), denominada
Image Watching, para a qual ele propõe
determinados passos para apreciação e
análise de imagens. O sistema já é bastante
conhecido e utilizado no Brasil,
principalmente após os estudos publicados
pela arte educadora Ana Mae Barbosa. Ott
apresenta seis categorias, que são
Figura 5.1 –Releitura de Moça com
brinco de pérola, de Vermeer. apresentadas a seguir sequencialmente.
Disponível em: <
https://www.elo7.com.br/pintura-quadro- Essas categorias são sugestões de passos,
moca-com-brinco-de- pois sabemos que num diálogo frente a uma
perola/dp/2B33E4#smsm=0&df=d&rps=
0&ucf=1&ucrq=1&uss=1&sac=0&uso= rigidamente obra essas fases.não
de arte Vamos utilizar como
é possível separar
o&usf=1>. Acesso em 15 maio 2017. exemplo a releitura de Moça com brinco de pérola,
rigidamente essas fases
apresentada na Figura 5.1.
Acesso em 15 maio 2017.
72
Vejamos abaixo as seis categorias há pouco citadas:

1-Aquecimento/Sensibilização: aqui devemos olhar para a obra, apreciá-la


atentamente, correr nossos olhos por toda sua composição. É como se fizéssemos um
“aquecimento”, preparando-nos para o exercício de leitura de imagem.

2-Descrevendo: este é o momento em que a percepção é priorizada e a enumeração


do que está sendo visto é efetuada. Aqui, o educador do museu nos orienta a descrevermos
tudo o que vemos objetivamente na obra, todos os elementos figurativos (no caso desta
obra, figurativo). Quanto maior a descrição, maior será nossa base para interpretar a
pintura. Por exemplo: vejo uma figura feminina, jovem (descrição do rosto, acessórios,
vestimenta, padrão do fundo etc);

3-Analisando: nesta categoria, desenvolvemos os aspectos conceituais da leitura da


obra de arte, utilizando para a análise formal da obra percebida conceitos da crítica e da
estética, isto é, aqui fazemos a análise dos elementos estéticos da pintura (cores, formas,
luz, composição etc);

4-Interpretando: neste momento, acrescentamos nossas respostas pessoais à obra de


arte, objeto da apreciação, quando expressamos nossas sensações, emoções e ideias, a
partir do contato com a materialidade da obra, seu vocabulário, sua gramática e sua
sintaxe;

5-Fundamentando: aqui é o momento de trazer o conhecimento adicional disponível


no campo da história da arte a respeito da obra e do artista que estão sendo objeto de
conhecimento. Nessa fase, além de fazer perguntas, o educador do museu amplia nosso
conhecimento, fazendo comentários críticos da obra e do artista;

6-Revelando: este momento é entendido como a culminância do processo de ensino


da arte por meio da crítica de arte. Nesse momento, o aluno tem a oportunidade de revelar,
por meio do fazer artístico, o processo de construção de conhecimento por ele
vivenciado. Aqui os alunos visitantes, lançando mão de alguma modalidade artística
(pode ser outra, diversa da pictórica, tal como poesia, música, dramatização cênica etc),

73
apropriam-se do conhecimento e recriam, transformam o aprendido em algo novo, feito
por eles.
Sobre isso, Freire (2001) pontua:
é como sujeito e somente enquanto sujeito, que o homem pode
realmente conhecer. [...] no processo de aprendizagem, só aprende
verdadeiramente aquele que se apropria do aprendido, transformando-
o em apreendido, com o que pode, por isto mesmo, reinventá-lo; aquele
que é capaz de aplicar o aprendido-apreendido a situações existenciais
concretas (FREIRE, 2001a, p. 27-28).

Essa atividade pode ser feita no próprio ambiente expositivo, pois muitos museus não têm
ateliês que possam ser utilizados ao final da visita.

Figura 5.2 - Exposição Reis e Rainhas do


Maracatu - Museu de Antropologia do Vale do Figura 5.3 - Exposição Reis e Rainhas do
Paraíba – MAV – Jacareí, SP Maracatu - Museu de Antropologia do Vale do
Fonte: reprodução fotográfica da autora Paraíba – MAV –Jacareí, SP
Fonte: reprodução fotográfica da autora

Percebemos entre a proposta de leitura de Ott e a de Horta (1999), educação patrimonial,


muita semelhança. Primeiramente, apreciamos, analisamos, apropriamo-nos criticamente
por meio das informações e do conhecimento, para depois recriarmos, exportarmos o que
aprendemos.
Essencial é sabermos que a leitura pressupõe intensa interação entre os envolvidos no
processo: patrimônio/obra e alunos, educador e alunos. O educador é um mediador da
exposição; ensina-nos a aprender a ler e não é uma pessoa que lê por ou para nós.

74
5.3 Exemplo de atividade: recriando a partir do acervo
Os museus procuram, por meio de seus serviços educativos, criar programas que atendam,
de forma ampla, à diversidade de público existente.

Geralmente, há grande ênfase no público escolar, tanto em estudantes quanto em


professores. É fundamental que os educadores sejam formados e informados
prioritariamente, para que a visita com os alunos seja bem sucedida. Para tanto, muitos
museus contribuem publicando materiais didáticos com reproduções de obras e exemplos
de atividades dos quais o professor pode se servir.

Vários museus têm seu próprio programa para grupos familiares, geralmente para atender
a pais e filhos nos finais de semana.

Também são alvos fundamentais os trabalhadores das instituições, pois todos necessitam
ter envolvimento com o que há exposto, tanto por motivos de conservação quanto de
comunicação do acervo.

Programar para públicos com necessidades especiais também é fundamental. Para cada
deficiência faz-se necessária a criação de atividades específicas, que atendam a tais
necessidades. Falando em visualidade, devido à preservação do acervo (impossibilidade
de tocar nas obras), são criadas em museus réplicas de esculturas e pinturas com volumes,
para que deficientes visuais possam utilizar o sentido do tato na leitura da imagem.

As atividades lúdicas atraem crianças, jovens e


adultos. Dramatizações, teatros de fantoches, jogos de
montar (quebra-cabeça), de memória, enfim, são
muitas as variações utilizadas para aproximar o
público do acervo.

Segue abaixo um exemplo de atividade lúdica


realizada em 1996, na Exposição de Fragmentos: A
Figura 5.4 – Urna funerária tupi- Memória na Terra (Arqueologia), no Museu de
guarani – Vale do Paraíba Acervo
da Fundação Cultural de Jacarehy, Antropologia do Vale do Paraíba – MAV, Fundação
“José Maria de Abreu” Cultural de Jacarehy “José Maria de Abreu”.
Fonte: reprodução fotográfica da
autora

75
A exposição foi composta por imagens de alguns fragmentos e peças de cerâmica
indígena encontradas durante a escavação para a construção da rodovia Carvalho
Pinto e a ação educativa foi organizada com três tipos de atividades: interação no
espaço expositivo, ação “brincando de arqueólogo” e ateliê de argila. Estas duas
últimas atividades ocorreram complementando a interação, após a visita à
exposição e em outros horários após a visita, destinando-se a crianças, jovens e
interessados em geral.

5.4 Brincando de arqueólogo


A atividade comentada no item anterior teve como objetivo conhecer o trabalho do
arqueólogo, bem como informar sobre os principais aspectos da arqueologia,
conscientizando os participantes da importância dos sítios arqueológicos e da necessidade
de sua preservação.

Após a leitura da exposição, os participantes, numa caixa de areia feita para a atividade,
realizaram escavações em buscas de fragmentos cerâmicos (fragmentos de cerâmica de
vasos comuns, material didático, simulacros) e, em seguida, reconstituíram as vasilhas
como um quebra-cabeça tridimensional, utilizando-se de mapas como fazem os
arqueólogos.

Vejam, na sequência, fotos da atividade.

76
Figura 5.5 – reprodução fotográfica da
Autora.

Figura 5.6 – reprodução fotográfica da


Autora.

Após essa atividade, foi realizada uma


prática com argila, com objetivo de
transmitir o saber e o modo de fazer as
tigelas e as urnas funerárias (técnica
do acordelado). Além de aprender a
técnica, que é ainda muito utilizada
pelas tradicionais paneleiras, os
estudantes a utilizaram para criar
outras figuras em cerâmica, conforme
o interesse do grupo.

Figura 5.7– reprodução fotográfica da autora.

77
Figura 5.8 – reprodução fotográfica da autora. Figura 5.9 – reprodução fotográfica da autora.

5.5 Síntese da Unidade


Mostramos nesta Unidade exemplos metodológicos que podemos utilizar em nossas
ações educativas em instituições não formais de ensino, assim como ressaltamos que tais
práticas também podem ser desenvolvidas em sala de aula.

5.6 Atividades
1- Partindo da proposta de leitura de imagem de Robert Ott, elabore um texto analisando
uma obra de arte (pintura, desenho, escultura, fotografia) relacionada à cultura afro-
brasileira. Pode ser a Baiana, de Di Cavalcanti, ou uma das pinturas utilizadas da Unidade
3, ou outra a sua escolha. Tente realizar todas as etapas da proposição e fundamente seu
texto com uma pesquisa sobre o artista e/ou grupo.

2- Realize uma pesquisa na Internet consultando os serviços educativos de alguns museus


nacionais citados, a seguir, nas referências eletrônicas. Escolha um dos programas que
tenha atraído sua atenção (ou museu) e faça um comentário sobre a ação educativa
realizada. Se escolher um museu, comente sobre toda programação realizada pela
instituição.

78
Referências

CURY, M. X. Exposição: Concepção, Montagem e Avaliação. São Paulo: Annablume,


2005.

DIAS, P. A. F. São Paulo - Corpo e Alma. São Paulo: Associação Cultural Cachuera,
2003.

HORTA, M. de L. P. et al. Guia Básico de Educação Patrimonial. Museu


Imperial/IPHAN/MinC, 1999.

MONTEIRO LOBATO, J. B. Almeida Junior. In: ______. Ideias de Jeca Tatu. São
Paulo: Brasiliense, 1956. (Obras Completas de Monteiro Lobato)

MACHADO, L. G. Barroco Mineiro. São Paulo: Perspectiva, 1978.

PROUS, A. O Brasil antes dos Brasileiros: a pré-história de nosso país. Rio de


Janeiro: Zahar, 2006.

RIBEIRO, D. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo:


Companhia das Letras, 1995.

RUSSIO, W. Cultura, patrimônio e preservação. In: ARANTES, A. A. (Org.)


Produzindo o passado: estratégias de construção do patrimônio cultural. São Paulo:
Brasiliense, 1984.

SANTOS, M. I. Albert Eckhout e a construção do imaginário sobre o Brasil na Europa


Sescentista. Anais do II Encontro Internacional de História Colonial. Revista de
Humanidades. UFRN. Caicó (RN), v. 9, n. 24, set/out. 2008.
Disponível em: <www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais> Acesso em22 ago. 2010.

SUANO, M. O que é Museu. São Paulo: Brasiliense, 1986.

79
Referências Complementares

ALMEIDA, M. B.; DOURADO, M. Outras terras, outros sons. Livro de orientação


do professor. São Paulo: Callis, 2003.

ARANTES, A. A. (Org.). Produzindo o passado. São Paulo: Brasiliense, 1984.

BARBOSA, A. M. (Org.). Arte-Educação: leitura no subsolo. São Paulo; Cortez, 2001.

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes para o ensino de História e Cultura da


África e afro-brasileira. Brasília, DF: Secad, 2004.

LEITE, M. I. et al. Museu, Educação e Cultura: Encontros de crianças e professores


com a Arte. Campinas: Papirus, 2005.

FERREIRA, A.F. Os jesuítas e as primeiras encenações teatrais em Pernambuco. Revista


SymposiuM. ano 7, n.1, jan.-jun., 2003

FREIRE, P. Extensão ou Comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.

OTT, R. W. Ensinando Crítica nos Museus. In: BARBOSA, A. M. (Org.).


Arte-Educação: leitura no subsolo. São Paulo: Cortez, 2001.

80
81

Você também pode gostar