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UFJF – Departamento de História – História do Brasil Colonial

Professora: Ana Paula Pereira Costa


Aluno: Thiago de Jesus Cláudio

Câmaras Municipais na América Portuguesa

Introdução

O presente Ensaio pretende apresentar e discutir a importância das câmaras municipais na

América portuguesa e fazer uma comparação com algumas colônias lusitanas no continente

africano e asiático. É pretendido também buscar a compreensão da relação e interação entre o

poder local e a Monarquia portuguesa vigente. Uma apresentação resumida sobre a

historiografia em geral será feita logo adiante, para demonstrar ao leitor a corrente

historiográfica seguida por esse texto. Uma definição conceitual das câmaras municipais irá

jogar luz sobre esse Ensaio, tal como uma apresentação de alguns aspectos característicos das

câmaras do Rio de Janeiro, Olinda e de algumas municipalidades de Minas Gerais. E, por fim,

a apresentação dos aspectos principais das colônias na África e Ásia, buscando uma breve

comparação.

Sobre a Historiografia das Câmaras Municipais no Brasil: Uma luta de discursos

Longe de querer propor uma revisão minuciosa sobre a historiografia do Brasil Colonial, é

proposto apenas pontuar o discurso replicado nesse texto. Podemos então, dividir a

historiografia em duas vertentes mais amplas: os estudiosos que não veem as câmaras como

fundamentais na construção da sociedade brasileira, tendo como principal escritor Capistrano

de Abreu e autores clássicos da primeira metade do século XX; em segundo lugar, autores que

dialogam com a História Social e que analisam documentações produzidas em âmbito local,

chegando a conclusão da importância das câmaras na negociação e adaptação administrativa

diante de Portugal (ROCHA PINTO, 2014, p.106).


Nessa segunda vertente temos historiadores como Caio Prado Júnior1, Sérgio Buarque de

Holanda2, Maria Fernanda Bicalho3, entre outros. Charles Boxer4 faz uma bela comparação

entre as colônias do Império luso e é um dos primeiros a considerar uma autonomia camarária.

Diante disso, iremos apresentar nossas argumentações pautadas nesses pressupostos,

considerando as municipalidades como importantíssimas para entendermos o contexto que se

inserem.

Câmaras Municipais: uma aproximação com o Império português

O Monarquia Pluricontinental é a atuação da Monarquia portuguesa em diversas conquistas no

ultramar, buscando na periferia sua centralidade e o seu sustento, incorporando aspectos

administrativos portugueses às sociedades sob seu domínio. Uma das formas de manter ligadas

às sociedades em todo o Império Luso, era a linguagem comum da disciplina católica e seus

dogmas, dando um senso de pertencimento à sociedade portuguesa e também o reconhecimento

como súditos do Rei. Essa disciplina possibilita a subordinação das autoridades e especialmente

à sua majestade se confundisse com o amor a Deus (FRAGOSO, GUEDES E KRAUSE, 2013,

P.35-39).

As câmaras municipais nada mais eram que instituições sob domínio local que aproximavam

as demandas das sociedades locais à Monarquia portuguesa, apresentando características

variadas pela diversidade cultural dos povos súditos do Rei. O poder local dominava os cargos

das Câmaras, como será apresentado neste texto, havia um constante conflito de interesses por

parte de comerciantes e senhores pertencentes à Nobreza da Terra (integrantes ou não da

fidalguia de nascimento com domínio sobre o mando local). Pertencer as câmaras era um atalho

1
PRADO Jr. Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. – 23ª ed. – 7ª reimpressão, São Paulo: Brasiliense, 1942.
2
HOLANDA, Sérgio Buarque (Dir.). História Geral da civilização brasileira: 1 – O processo de emancipação. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993.
3
BICALHO, Maria Fernanda. A cidade e o império: O rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003.
4
BOXER, Charles R. O Império colonial português (1415-1825). Lisboa: Edições 70, 1981
para a conquista de prestígio social e de possíveis concessões de mercês e títulos dados pela

Coroa, além de ser ferramenta para obter vantagem política diante de outros concorrentes ao

domínio das localidades.

Todos esses conceitos são baseados numa visão corporativista da sociedade, pois o rei era tido

como cabeça do corpo social e concedia uma certa autonomia para as sociedades periféricas ao

seu domínio. O conceito de autogoverno, quando falamos da atuação das câmaras, também é

usado em algumas ocasiões, ainda mais quando é pretendido valorizar a autonomia das

municipalidades.

Portanto, podemos afirmar que as Câmaras municipais em todo o Império Lusitano possuíam o

poder prático de gerenciamento dos munícipios e recolhimento de impostos para a Coroa, com

diferenças estruturais e administrativas, pois antes de tudo, era reflexo da sociedade local com

seus interesses e demandas próprias.

Câmaras Municipais no Brasil: exemplos a serem explorados

Rio de Janeiro

O Rio de Janeiro é um exemplo ímpar da participação das câmaras como mediadora dos

interesses locais e monárquicos, tal como foi cenário de conflitos constantes na ocupação de

determinados grupos sociais nos cargos de poder nas câmaras, pois ao longo dos séculos XVII

e XVIII, foi base privilegiada do exercício do domínio metropolitano do Atlântico-Sul, sendo

importantíssimas as suas ações para o restante do Império Luso (BICALHO, 1998, p.1).

João IV concedeu o título de Leal a cidade do Rio de Janeiro, ampliando o poder da Câmara e

dando o direito à cidade de “em ausência do governador e do Alcaide-Mor daquela praça, faça

a Câmara da dia cidade o ofício de Capitão-Mor e tenha as chaves dela” (BICALHO, 1998,

p.3). Essa ação da Coroa mostra o quanto a Câmara do Rio de Janeiro foi adquirindo autonomia

administrativa com o passar dos anos e sua relevância no cenário mais amplo para Portugal. Tal
como a cidade do Rio se tornou a principal receptora de escravos e mercadorias europeias e

asiáticas, além de ser o maior escoador de riquezas para a Monarquia, se tornando a “pedra

preciosa” dos portugueses (BICALHO, 1998, p.4).

A chamada Nobreza da Terra dominava as câmaras municipais do Rio de Janeiro e da maioria

das câmaras pelo Brasil no século XVIII, tentando a todo custo manter sua posição política na

sociedade. Nesse contexto, é cobrado da Coroa medidas de preservação e conservação dessa

elite nos cargos das câmaras e da sua autonomia na tomada de poder, tendo como justificativa

o começo da inserção de “pessoas de baixa limpeza”5 ou “pessoas indignas” e a intromissão de

representantes do poder central da colônia, diminuindo a atuação das municipalidades.

Perdurou por vários anos essa disputa de poderes de grupos sociais no âmbito municipal, tendo

também a formação do conceito de nobreza civil ou política, abarcando aqueles que embora de

nascimento humilde, conquistariam um grau de enobrecimento real por ações valorosas em

nome do Rei (BICALHO, 1998, p.5).

Por último, destaque-se a ascensão dos mercadores na expectativa de recebimento de honras e

mercês e cargos municipais, pois na constante falta de recursos dos cofres régios, estes

contribuíram no financiamento da defesa da Capitania no século XVII (BICALHO, 1998, p.7).

Essa ascensão gerou mais alguns conflitos com a nobreza da terra, acarretando em uma

constante briga por poder no âmbito municipal.

Olinda

A Câmara de Olinda tinha como principal renda a administração de contratos, que por sua vez,

com a venda dos mesmos, eram pagas as despesas mais volumosas. Mas com suspeitas de má

administração do dinheiro e seu possível desvio para fins privados, a Coroa portuguesa decide

em 1727 retirar essa função de arrecadar impostos, passando para a provedoria que estava sob

5
Termo usado para designar como é dito no texto “pessoas hebreias”
controle da Fazenda Real (LISBOA, 2014, p.39). Essa atitude foi fruto de um longo processo

de perda da autonomia jurídica da instituição, tendo em seu processo a criação do cargo de juiz

de fora (ofício de atuação régia e que atuava como presidente das câmaras) e uma maior

interferência régia na prática dos assuntos tratados nas câmaras.

Um dos fatores que favoreceu a retirada dessa arrecadação das câmaras municipais foi a falta

de pagamento da infantaria que protegia a cidade, tendo ficado sem receber salários, segundo o

governador, de oito a dez meses, utilizando-se do dinheiro para despesas inúteis (LISBOA,

2014, p.28 -30). Essa desorganização na utilização da renda arrecadada, teve vários episódios

que levavam à uma briga de poderes entre a câmara municipal, os ouvidores, o Governador e a

Monarquia Portuguesa.

Essa falta de pulso firme da Coroa permitia que a câmara administrasse suas contas de forma

praticamente independente, não fazendo uma prestação minuciosa dos rendimentos e gastos

que a instituição tinha. Câmara Coutinho foi o primeiro governador a ordenar uma prestação de

contas da Câmara de Olinda, apesar de haver um ordenamento para os governantes fazer essa

fiscalização dos rendimentos camarários (LISBOA, 2014, p.23). Houve muitos episódios de

desobediência de ordens régias no que resultava na prisão de oficiais das câmaras e seu

afastamento do cargo.

Concluindo, pode-se entender que o fato de não possuir mais o controle de alguns importantes

tributos coletados, foi uma relevante perda do poder econômico da Câmara de Olinda, pois

perdia a autonomia na escolha de onde investiria esse dinheiro na cidade, e, com isso, deixava

de contribuir com as demandas da população local e aumentava a interferência direta da

Monarquia Lusitana.

Minas Gerais
A extração aurífera em Minas Gerais durante o século XVII demandava uma administração

rigorosa para o recolhimento dos quintos do ouro e a fiscalização dessa atividade tão

financeiramente proveitosa para a Coroa. Assim, com o constante contingente de pessoas

migrando para Minas em busca de riquezas, a Coroa teve que ir moldando e construindo a

administração conforme as tensões entre moradores e os problemas de tributação se faziam

presentes. Essas tensões podem ser exemplificadas com a Guerra dos Emboabas, conflito

armado por cargos municipais envolvendo paulistas e forasteiros, do qual os paulistas saíram

derrotados (OLIVEIRA, 2014, p.101-102).

Com funções variadas conforme as demandas das comunidades locais, as câmaras municipais,

como já foi exposto, tinham como principal função a tributação de produtos e provisões e a

manutenção dos locais públicos. Em geral, era composta por dois a seis vereadores, Juiz

ordinário, procurador, e demais oficias, como o alcaide e o almotacé (OLIVEIRA, 2014, p.104).

Com a diminuição da rentabilidade das minas no decorrer do tempo, a comunidade por meio

das câmaras municipais, solicitavam à Coroa uma revisão na cobrança dos quintos e no fim da

Capitação (imposto per capita sobre todos os proprietários de escravos). A Capitação recaía

sobre todos os povos, estimulando a prostituição como forma de obter dinheiro para pagar o

Erário. Depois de muito debate, em 1749 uma junta se reuniu em Minas para a discussão dessa

questão e no ano seguinte foi encerrado a Capitação, com o restabelecimento dos quintos.

Mesmo com o fim da Capitação os moradores sofriam com os quintos e pediam uma outra

forma de cobrança, com o argumento que as minas estavam praticamente esgotadas. Essas

questões ficaram em pauta até o fim do século, uma constante disputa envolvendo câmaras

municipais, Coroa e moradores locais (OLIVEIRA, 2014, p.106-112).

Várias câmaras municipais como a de Mariana e a de Vila Rica escreveram à Coroa relatando

a decadência progressiva da Capitania no século XVIII, contando que pelo desgaste da extração
aurífera (comprometendo rios e as próprias minas) e a falta de núcleos familiares sólidos (a vida

errante dos moradores predominava nessas regiões), a comunidade não dava mais lucros como

antes (OLIVEIRA, 2014, p.117).

Contudo, foi mostrado aqui como as câmaras tinham demandas nas questões tributárias

impostas pela Monarquia e que muitas vezes conseguiam uma negociação proveitosa para o

âmbito municipal, fazendo uma grande contraposição ao discurso historiográfico que não visa

as municipalidades como sujeitos ativos.

Câmaras Municipais na Ásia e África

Goa

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