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Análise Crítica da Obra:

QUE É HISTÓRIA?
de
E.H.Carr
 Universidade de Brasília, Setembro de 2000, IH - Departamento de História, Disciplina:
Introdução ao Estudo da História

 
por
Marcus Valerio

 
 
Introdução

Sobre o Prefácio à Segunda Edição

Sobre as ANOTAÇÕES PARA UMA SEGUNDA EDIÇÃO DE QUE É


HISTÓRIA
Sobre o capítulo I. O HISTORIADOR E SEUS FATOS

Sobre o capítulo II. A SOCIEDADE E O INDIVÍDUO

Sobre o capítulo III. HISTÓRIA CIÊNCIA E MORALIDADE

Sobre os capítulos IV. A CAUSA NA HISTÓRIA

e V. HISTÓRIA COMO PROGRESSO

Sobre o capítulo VI. O ALARGAMENTO DO HORIZONTE e Conclusão

INTRODUÇÃO

Na condição de um Universitário autêntico com amplas ambições acadêmicas e intelectuais,


me reservo ao direito de jamais produzir simples resumos ou fichamentos mas sim trabalhos
críticos e analíticos. Por isso utilizarei esta tarefa como mais uma oportunidade de desenvolver
um exercício de pensamento.

Tive a grata surpresa de reconhecer na obra "Que é História" de E.H.Carr, um dos melhores
livros que já li, e é com prazer que pretendo elaborar aqui algumas relações entre o
pensamento deste autor e o meu próprio, uma vez que a quase total ausência de discordâncias
entre nós tornaria uma aborgadem crítica simples pouco produtiva.

Já na minha adolescência, quando frequentava as aulas de doutrina Espírita Kardecista para


jovens, tomei contato com a idéia de uma Evolução Helicoidal. Hoje, sendo um indivíduo
desvinculado de qualquer linha de pensamento específica, aperfeiçoei esta idéia e chequei a
conclusão que uma "Evolução", Progresso, Crescimento ou seja lá o que for, se dá sempre de
forma irregular.

Um retrocesso completo é impossível. Por mais que alguém tenha esquecido todo o conteúdo
do que aprendeu em determinada matéria escolar, pelo menos uma impressão sobre o
assunto fica, assim sendo, nunca ocorre uma verdadeira "volta a estaca zero". Dessa forma não
conseguimos retroceder no sentido absoluto, mas temos sim retrocessos relativos, alguns dos
quais monumentais.

Nossa experiências passadas nos permitem certas escolhas, podemos ver um doloroso e
traumático evento como uma produtiva lição com a qual aprendemos e crescemos, podemos
também nos lamentar e desejar voltar ao passado para desfaze-la, ou reprimi-la no
inconsciente arcando com todas as possíveis consequências psicológicas.

Entre valorizar a experiência como uma fonte de desenvolvimento ou sofrer inutilmente por
ela, eu escolho a primeira opção. O mesmo é válido para um fato histórico, acho preferível
valorizá-lo como acontecimento produtivo no sentido de aprendizado ao invés de
simplesmente ver nele um motivo de lamúria ou de saudosismo.
Quero dizer com isso que: Ver um processo positivo ou negativo na história é antes de tudo
uma questão de escolha pessoal, e por esse caminho eu reconheço que apesar de períodos
tenebrosos de retrocesso relativo, o "saldo histórico final" pode ser visto sem problemas como
um processo de crescimento.

Concordo que o historiador não deve colocar no seu trabalho uma epistemologia baseada num
desses pressupostos, ou pós-supostos. Que deva evitar fazer uma história de características
evolutivas ou involutivas evidentes por si próprias. Concordo também que não se atreva a
fazer previsões com a autoridade de um profeta e que por conseguinte não julgue os eventos
com base numa perspectiva ética qualquer.

Mas considero impossível a um Ser Humano Pensante, dotado de Livre Arbítrio, Razão e
Emoção, que não tenha uma impressão pessoal do processo histórico, e considero desejável
que expresse sua opinião.

O senso comum, a população em geral, emite opiniões e julgamentos em quantidades


assombrosas, cujo uma parcela equivalente a percentagem de estrelas no céu que não piscam,
são baseadas numa investigação racional e coerente. Se o estudioso sério se exime de emitir
suas próprias opiniões deixa tal espaço aberto exatamente para os estudiosos não sérios e os
que nem sequer podem ser considerados estudiosos.

Já há algum tempo tenho visto uma certa opinião predominante na sociedade que me traz
sérias preocupações, um generalizado pessimismo com relação ao processo histórico e o
futuro. As repercussões de tal postura negativista vão desde o apego desesperado ao
fanatismo religioso até a indiferença com relação as questões sociais, percorrem desde o
prejuízo da auto estima como ser humano e seu potencial para a realização até a ameaça
direta e física contra toda uma estrutura cultural que demoramos milênios para consolidar. O
problema me parece tão sério e assustador, que pretendo elaborar uma investigação do
mesmo perante as cadeiras de Filosofia, Psicologia, Antropologia e História, e lançar uma
abordagem deste "Complexo de Paraíso Perdido".

Um visão pessimista sobre a história da humanidade me parece ser a regra entre as pessoas
que me cercam, e no entanto, até agora não vi nenhuma que consiga justificar sua impressão
de forma racional ou pelos menos com um mínimo de coerência. Tenho então desenvolvido
minha própria teoria a esse respeito e estudando todas as opiniões, geralmente de pessoas
esclarecidas, que pensem de forma diferente.

Esta obra de E.H.Carr é um notável exemplo. Não que ele tenha uma visão deliberadamente
otimista como alguns podem pensar, mas que ele questiona os motivos do pessimismo e
aponta as evidentes falhas lógicas do argumentos dos que se propõem a defendê-lo.

E é nesse sentido que pretendo levar esta abordagem, fazendo um resumo do conteúdo
levantado por Carr e destacando os tópicos que mais se harmonizam com a minha forma
pessoal de ver o mundo. Uma forma que apesar dos pesares reconhece que o verdadeiro e
Único Sentido da Vida, é para Frente!

Sobre o Prefácio à Segunda Edição


Para o objetivo pessoal desta monografia esse pequeno prefácio é provavelmente o segmento
mais importante. Não por acaso ainda insisto em sentir nela a melhor parte do livro. Aqui, Carr
esboça com precisão dois motivos pelos quais não acredita num irremediável processo de
declínio na história contemporânea, e sequer que essa sensação de declínio seja autêntica e
legítima de uma maioria significativa.

Tendo esta obra sido escrita num período intermediário entre o fim da Segunda Guerra
Mundial e o ápice da Guerra Fria, Carr teve oportunidade de acompanhar uma nova mudança
de sentimento aparentemente geral, que foi de uma breve euforia otimista após a promissora
recuperação global pós-guerra, até uma perspectiva paranóica e extremamente depressiva
que tinha como vedete a ameaça de uma Hecatombe Nuclear. Detectou então um novo
renascimento do pessimismo, desta vez com elementos não só inéditos mas terminais.

Entretanto expõe brilhantemente sua primeira objeção a que tal pessimismo seja de fato
levado profundamente a sério pela maioria. O motivo é muito simples, se todos de fato
acreditassem piamente numa perspectiva apocalíptica infalível, com certeza não teríamos o
prosseguimento de pessoas vivendo de forma tão normal e tradicional, fazendo planos para o
futuro, o que inclui filhos, e participando ativamente de atividades descontraídas planejadas
inclusive a longos prazos. Em reforço a essa idéia, acrescento que o número de pessoas que
realmente investiram seus esforços na construção de abrigos antinucleares, assim como em
movimentos preventivos contra uma Terceira Guerra ou em cursos de sobrevivência em
situações gravíssimas de crise, foi e ainda é desprezível mesmo nos E.U.A. Da mesma fora não
se detectou nenhum aumento significativo na ocorrência de suicídios ou quaisquer outras
atitudes que evidenciassem um desespero local ou generalizado em relação ao futuro. Ou seja,
as pessoas continuam vivendo para tal futuro, crendo que ele existirá e tendo antes de tudo
esperança.

O que este motivo anterior expõe de fato claramente, é que por mais que ocorra um aparente
descrédito com relação ao futuro, este jamais é suficientemente levado a sério a ponto de
alterar qualquer aspecto da sociedade, ou no mínimo de que tal descrédito está restrito
apenas a um temporário futuro próximo.

O segundo motivo é o que foi para mim, mais revelador. O de que o foco do desânimo e
pessimismo é não por acaso a Europa, que vê seu poder de influência sobre o Novo Mundo
cada vez mais fraco em relação ao quase meio milênio em que governou pelo menos o
ocidente. Se após uma luta de classes o oprimido se emancipa tirando o privilégio que o
opressor tinha sobre ele, é bastante compreensível que o recém-emancipado tenha uma
sensação geral de melhora no mundo que o cerca, enquanto o outro sinta o oposto. É
basicamente essa a posição de uma certa elite intelectual européia que apesar de tudo, ainda
influencia fortemente o mundo, disseminando o pessimismo.

Diante destas colocações acrescento que a opinião geral de uma irremediável piora na
condição global do mundo é muito mais aparente na população de influência religiosa
monoteísta cristã, que prega toda uma configuração mundial para a vinda do Anticristo e o
Juízo Final. Assim como também para aqueles que compartilham de mitos similares ao do
Paraíso Perdido, ou outros muito disseminados entre elites intelectuais inclusive maçônicas, de
uma degeneração progressiva de estágios superiores da raça humana que se perderam nas
areias do tempo, onde estariam ocultos os vestígios de Atlântida e Lemúria, e toda uma Idade
de Ouro Platônica.
Como podemos ver, nenhum desse motivos para a crença num mundo em constante
degeneração ainda que cíclica, reúne os atributos necessários de confiabilidade que os
aproximem de uma visão racional e cientificamente embasada. Como eu disse logo na
introdução, são exemplos de como as razões dos pessimistas são insuficientes para provar que
estejamos num momento histórico terrível como jamais houve.

Por fim, me identifico com Carr na medida em que ele assume a posição de um intelectual
dissidente. Tal como ele eu também me sinto remando contra a maré de uma tendência geral
de pensamento não apenas no senso comum mas no próprio circuito acadêmico. Não remo
sozinho! Mas ainda me sinto partilhando de uma ilustre minoria que embora já significativa,
ainda luta para mudar um repreensível modelo filosófico que pode estar trazendo prejuízos
preocupantes ao nosso desenvolvimento global.

Sobre ANOTAÇÕES PARA UMA SEGUNDA EDIÇÃO DE QUE É HISTÓRIA

Nessa segunda parte, R. W. Davies faz uma compilação de obras póstumas de E. H. Carr.
Organiza e expõe diversas anotações que serviriam de atualizações e correções tanto para uma
nova edição de QUÉ É HISTÓRIA quanto para uma possível nova obra.

A Crítica ao Empirismo presente nesse material faz coro com minha afirmação na parte
introdutória deste trabalho, de que não é possível um estudo unicamente objetivo da história
sem qualquer influência de uma intenção pessoal que imprima neste estudo, uma
característica relativamente filosófica.

A própria inviabilidade de objetividade plena, em par com a impossibilidade de empirismo,


afasta a História do grupo das Ciências. Em minha opinião, ela se aproximaria muito mais da
própria Filosofia.

Carr dispara uma série de ataques a historiadores empiristas, reunindo os mais diversos
materiais. Coloca novamente sobre os intelectuais britânicos uma responsabilidade por tal
postura, uma vez que a Inglaterra trazia um tradição empirista.

Nesse ponto Carr se sobressai como alguém que põe um objetivo prático muito evidente em
seu trabalho, e por que não dizer muito nobre. O de oferecer novas visões e alternativas para
um entendimento mais produtivo do desenvolvimento humano, que enriqueça nossa chances
de construirmos uma realidade mundial mais consciente e sadia.

Outro ponto interessante de ser analisado é o do papel da casualidade na história, mais


especificamente o do "acaso". Diante da impossibilidade de se considerar a totalidade dos
eventos, escolhe-se o que mais parecem relevantes ao processo histórico, e tudo aquilo que
escapa a tal investigação mas possuí repercussões consideráveis pode ser agrupado no
conceito de acaso. Tal procedimento a meu ver, aproxima ainda mais a História do campo da
Filosofia, pois o acaso recebe um tratamento quase metafísico, como se fosse um dos
princípios geradores do processo que no entanto não pode ser diretamente estudado. Em
síntese, uma matriz geradora mas inatingível.
Outro aspecto que reforça minha idéia de História como Filosofia e a defesa que Carr faz do
estruturalismo, que tenta ver o processo histórico como um todo e tal como a Filosofia, busca
um sentido último da realidade.

Por fim, reiterando o objetivo crítico desta monografia, Carr deixa clara sua intenção de lutar
contra o pessimismo e sua crença no progresso e futuro humano. Um de seus motivos é sua
análise extremamente positiva da obra de Marx. Tal como eu, considera não apenas que Marx
foi um dos maiores filósofos de todos os tempos, mas que também chegou as raias de um
profeta.

Acredito plenamente no processo histórico de luta de classes propostos por Marx a ao


contrário do que pensa o senso comum e mesmo uma parcela considerável do meio
acadêmico, tenho certeza que a humanidade segue em ritmo inexorável rumo a transformação
do sistema capitalista para um sistema cada vez mais socialista.

Lamento pelos que discordem, mas o atestado de óbito que muitos apresentaram contra a
realização das previsões de Marx devido a simples exemplo da U.R.S.S. é não só infantil mas
desprovido de um mínimo de percepção histórica e de racionalismo.

Sobre o capítulo I. O HISTORIADOR E SEUS FATOS

Carr inicia este capítulo evidenciando a impossibilidade de uma história plenamente objetiva.
A tentativa de uma história definitiva, que se baseie em fatos tão indiscutíveis quanto qualquer
objeto físico palpável é falaciosa. Os fato históricos tendem a ser vistos pelo senso comum de
modo bastante peculiar, como eventos imutáveis e consensuais dos quais se pode extrair
significados absolutos, mas para qualquer observador atento isso é claramente absurdo. Os
fato históricos jamais falam por si, e sim, são sempre interpretados. Nem mesmo existem fatos
consensualmente tidos como importantes, um historiador pode selecionar um evento para
estudo que passe totalmente desapercebido por outro, ou seja, não apenas a interpretação é
pessoal, mas a própria escolha dos fatos. Assim sendo eu poderia reescrever a história da
Segunda Guerra Mundial pelo ponto de vista das Testemunhas de Jeová que sofreram nos
campos de concentração nazista como mostrado na exposição Triângulos Roxos há cerca de
um ano, ao invés do ponto de vista dos Judeus que tiveram a mesma sorte, ou mesmo sobre o
ponto de vista dos homossexuais.

Isso afinal, destrói qualquer possibilidade de objetividade na história e pelo menos a meu ver,
aniquila sua intenção de se firmar como Ciência plena. E mais uma vez, como voltarei a insistir
neste trabalho, a meu ver a aproxima do campo da Filosofia, assim como também ocorre às
Ciências Humanas tais como Antropologia, Sociologia ou Psicologia.

Tudo isso remete ao "fato" de que a visão sobre a história depende da interpretação. Ou seja,
da escolha própria que alguém pode fazer de ver tais eventos de um modo ou de outro como
eu coloquei na introdução deste trabalho. E dessa forma, concluo que as interpretações
"evolutivas" e "involutivas" da história não são melhores ou piores por si mesmas e tendo
escolha, eu fico não apenas com a opção que mais me agrade e que mais indique um futuro
promissor, mas com a que mais me auxilie a buscar tal futuro.

Apesar de idéia de uma história com significância específica nos parecer inaceitável hoje em
dia, ela era predominante no século XIX, sob o reforço do empirismo e sob o otimismo
iluminista. Isto me parece gerar uma tendência a se associar otimismo com uma visão inocente
da história, como se qualquer investigador sério e competente fosse cedo ao tarde chegar a
conclusão de que o desenvolvimento da humanidade é essencialmente trágico. Tal argumento
é até hoje usado, como já pude presenciar diretamente inúmeras vezes, para repreender
qualquer um que não aceita a idéia de um mundo em constante degeneração. Eu próprio
custei a perceber onde estava a falácia nesse raciocínio, a de que assim como qualquer ponto
de vista, se baseia em selecionar os pontos que lhe interessam para se afirmar, minimizando
ou mesmo eliminando qualquer dado que possa mostrar o contrário.

O discurso daqueles que para mim sofrem do que chamo de Complexo de Paraíso Perdido, é
recheado de chavões que constantemente apelam para a mídia como "prova" de uma mundo
em irremediável declínio, farto de notícias sobre crimes hediondos, corrupção e guerras, que
dado a uma completamente ilusória ascensão numérica, mostraria uma inevitável
desintegração de tudo o que podemos considerar bom em nossa civilização. Sempre gosto de
perguntar a essas pessoas se elas realmente acham que tais coisas não aconteciam em
qualquer período do passado textualmente registrado, ou sobre que tipo de notícia elas acham
que comporia um hipotético noticiário televisivo no século XIV.

Diante da conclusão de que os fatos históricos são tão multifacetados quanto escorregadios,
sujeitos a imprevisíveis interpretações que sempre serão "corretas", Carr lança a questão de
qual deve ser a postura do Historiador em relação ao seu objeto de estudo. Qual seu
compromisso com os fatos?

A meu ver não há como fugir à questão da escolha, de uma escolha benéfica. Se a visão de um
mundo degenerado despertar no indivíduo o espírito de resistência e luta para promover uma
melhora, isso é uma ótica benéfica, se a visão de um mundo em progresso for usada por um
entusiasta para perceber que há esperança embora ainda haja muito a ser feito, isso também
é uma escolha sábia.

Mas se a visão negativa da história servir para semear o desânimo, o desespero e o


conformismo, assim como a visão positiva servir para o comodismo e sensação de otimismo
exagerado ao estilo do Dr. Pangloss de Voltaire, essas serão escolhas lamentáveis.

Minha postura é sobretudo de um meio termo, equilíbrio sobre o qual se constrói o progresso,
e num sentido progressista, há lugar para otimismo esclarecido e esperança.

Sobre o capítulo II. A SOCIEDADE E O INDIVÍDUO

Aqui, Carr parece investir de forma reincidente na aniquilação da objetividade histórica, ao


mostrar que é impossível para o historiador se afastar de seu objeto de estudo
suficientemente para uma relação distinta entre Sujeito e Objeto.

Se comparado à famosa questão "Ovogalinácea", como o foi neste capítulo, o questionamento


sobre se o Indivíduo precede a Sociedade ou Vice-Versa fica ridicularizado. Chega a parecer tão
óbvio após uma justificação simples auxiliada pela Antropologia, que muitos podem se
perguntar como é possível que se possa pensar de outra forma. A Sociedade e o Indivíduo não
são apenas inseparáveis como complementares.
Entretanto antes, principalmente no Século XIX, podia-se pensar diferente sim, em parte
devido a algumas linhas de pensamento filosóficas como o Individualismo e o Utilitarismo. Que
a Sociedade é formada de indivíduos é evidente por si mesmo, mas nem tanto o é também, o
fato de que o "Indivíduo" em questão, ou melhor dizendo este "indivíduo social", também é
formado pela sociedade.

Para derrubar a resistência que um leigo possa ter sobre esta afirmação bastaria a citação de
literaturas como Tarzan e Mogli, embora estes não tenham sido desenvolvidos pelos seus
autores de forma tão realista quanto poderiam. Se isolado da sociedade, o "indivíduo
selvagem" não chega sequer a aparentar humanidade, fica evidente ser um produto bastante
diferente do "indivíduo social" como o conhecemos.

Sendo assim Carr coloca que o Historiador sequer tem da história, uma visão tão mais afastada
do que o do observador comum, pelo menos não tanto quanto gostaria. Ele vê a história sob
determinados ângulos que a sua condição como produto social lhe permite, e embora acredito
que seja possível um distanciamento quase objetivo se investirmos muito nisso, não é o que
acontece em geral. Se verificarmos a história da História veremos claramente historiadores
justificando seus momentos presentes com o background do passado, como os exemplos um
tanto ingênuos de visões românticas sobre as antigas Atenas e Roma.

Carr critica a falta de cuidado de muitos historiadores ao assumir posturas como essa, mas ele
mesmo admite as dificuldades de um campo tão subjetivo. Os grandes pecados históricos
seriam então, os autores que fazem julgamentos morais, baseados em padrões de sua época,
sobre eventos de um contexto totalmente diferente, como é abordado no próximo capítulo.

Diante do perigo de se tratar o indivíduo como uma peça social integrante e padronizada,
torna-se compreensível o fenômeno do Individualismo, entretanto ao meu ver esse Individual
é mal interpretado. Não creio que haja pessoas suficientemente incautas para abraçarem uma
filosofia que declare uma total independência do indivíduo em relação a sociedade. O que
ocorre então é apenas um reação contra uma excessiva massificação do ser humano, uma
declaração de que entre outras coisas, a Sociedade Humana não é uma Sociedade de Insetos.

Eu poderia levantar muito mais aspectos notáveis deste capítulo, mas creio que todos ficariam
ofuscados por aquele que para mim é o mais proveitoso.

Para começar, embora a relação entre Sociedade e Indivíduo seja cíclica, não se pode negar
que no nível mais básico o indivíduo sim, precede a sociedade. Afinal podem existir indivíduos
sem sociedade, ainda que indivíduos "não-sociais", mas não é possível a existência de qualquer
forma de sociedade sem indivíduos. Comparando isto à questão Ovogalinácea, sinto
decepcionar muitos daqueles que tendem a interpretá-la de forma literal, mas a resposta é o
Ovo! Já existiam ovos antes de existirem galinhas.

O que isso resulta de notável em relação as colocações de Carr é minha visão em comum
acordo de que a sociedade nada mais é do que o resultado do coletivo individual.
Radicalizando poderia dizer que a humanidade como um todo, é a média aritmética dos
conteúdos dos indivíduos. Isso serve principalmente para aqueles que queiram, como eu,
visualizar um "nível" evolutivo humano numa determinada e hipotética escala.

Voltando ao tema desta resenha, minha crença no progresso humano é reforçada por cada
sinal global que evidenciamos. Mais do que nunca a interligação entre indivíduos de todo o
mundo está contribuindo para uma espécie de "consciência coletiva" que por enquanto está
muito longe do ideal. Mas vendo pela rude média, muito me alegra ver que hoje em dia, a
maioria das pessoas do mundo não mais se deleita com espetáculos pavorosos de tortura e
execuções públicas, ou pelo menos que se elas se alegrassem ao ver isso aplicado em algum
infeliz, com certeza seria alguém que tenha praticado um crime suficientemente hediondo
para merecer o repúdio de qualquer pessoa normal, e não a alguém que simplesmente tenha
adorado a um deus pagão ou discordado de um dogma.

Sobre o capítulo III. HISTÓRIA, CIÊNCIA E MORALIDADE

Paradoxalmente, após aniquilar completamente a pretensão científica da história, Carr inicia


este capítulo dando margem a possibilidade da história ser sim uma ciência dependendo da
flexibilidade do termo. Essa aparente contradição para mim nada mais é do que o simples fato
de que ora vemos ciência pelo campo exclusivo das "exatas", ora pelo campo relativo das
"humanas".

Além disso considero que não existam de fato, ciências absolutamente objetivas. Matemática
talvez, devido a sua abstração. Mas qualquer coisa aplicada ao mundo físico não pode possuir
uma objetividade tão inabalável quanto gostariam muitos cientistas. Haja visto a Mecânica
Quântica e as colocações de Frijot Capra em o Tao da Física.

O paradoxo de Carr ocorre principalmente quando ele após listar e explicar 5 características da
História que a afastam da ciência, faz no último parágrafo uma comparação e analogia que a
aproxima. Alías por sinal eu discordo da Primeira característica que ele coloca ao afirmar que
História lida exclusivamente com o Único enquanto Ciência com o que é Geral. Ela chega a
entrar em contradição com a Quinta característica que afirma que a História diferente da
Ciência, lida com questões de moralidade e religião. Ela me parece então mais geral do que a
Ciência.

A afirmação de Carr de que esta Primeira característica se justifica no fato de que a matéria
prima do estudo de História, o fato histórico, é único no sentido de não repetir peculiaridades,
me parece muito confuso. Ele parece misturar a objetividade do método com o o dado em si. É
claro que o material de trabalho da ciência é mais, poderia se dizer, estável. Mas um bom
sofisma demoliria esse argumento.

De qualquer modo o raciocínio geral de Carr me parece correto, e nem é preciso entrar em
detalhes do texto para que qualquer pessoa possa desenvolver muitos comentários sobre o
assunto. A segunda característica colocada por Carr, a de que a história não dá lições,
intimamente ligada a Terceira., de que a história não faz previsões, é o ponto central de todo
este capítulo. Uma vez que a Quarta característica, a da Subjetividade, já foi exaustivamente
explorada.

A questão em si, é a de que o historiador deve evitar a posição de Juiz ou de Profeta. Como eu
já disse na introdução, concordo que isso não deve ocorrer ao estudioso como historiador,
mas considero impossível que tal não ocorra com o ser humano. O grande cuidado é sim evitar
que ao fazer seu julgamento sobre o passado, ou sua previsão sobre o futuro, um pensador
não se deixe armadilhar pela sua formação cultural temporal. É preciso que ele não se esqueça
de sua subjetividade.
A maioria dos julgamentos que alguns intelectuais têm feito sobre o passado, têm sido sobre
bases morais mutáveis e locais, o que destrói a seriedade deste profissional. Mas os casos mais
graves são mesmo, o daqueles que não só o fazem com tais bases específicas, mas ainda
afirmam que suas bases são imutáveis, arquetípicas e senão "divinas", e aí os religiosos
superam qualquer um em matéria de atrocidade interpretativa. Porém me recuso a, pelo
enésima vez só nesta semana, levantar a profunda ignorância daqueles que se acham
detentores de "verdades universais" por possuírem um livro que consideram a "palavra de
deus".

O mesmo raciocínio se aplica a questão das previsões, a velha noção de que "A história é o
estudo do passado para compreender o presente e melhor planejar o futuro", traz ainda que
disfarçadamente, a idéia de previsão.

Como já disse concordo que o historiador não deva se meter a profetizar ou especular sobre o
futuro. Mas o indivíduo pode sim, principalmente o filósofo, na condição de futurólogo. Ainda
que tendo noção do que significa discorrer sobre possibilidades futuras.

Devemos tomar cuidado para não semear profecias auto realizáveis ou previsões que mexam
emocionalmente com a sociedade de forma negativa. Mas não é possível não ter uma visão de
futuro, e considero muito desejável expressá-la.

Sobre os capítulos IV. A CAUSA NA HISTÓRIA

e V. HISTÓRIA COMO PROGRESSO

  A questão do Capítulo IV é a meu ver, a mais complicada de todo o livro pois afinal mexer
com as relações de Causa e Efeito resulta sim em questões autenticamente Ovogalináceas. Por
isso decidi tratar conjuntamente o capitulo V, pois a meu ver, é possível relacionar a Causa
com o Progresso.

Sei que é uma opinião pessoal, mas esse dois capítulos me parecem um só. Como se o IV fosse
uma introdução para o V ou este uma observação sobre o primeiro.

Para justificar essa colocação vou apenas responder a uma questão colocada no início do IV.

Por quê? Por quê as coisas acontecem? Por quê a história se processa?

Se perguntarmos a uma criança por que ela come, talvez ela nos responda que é por que quer
crescer. Por que ela estuda? Por que quer aprender para ser alguém na vida.

É a mesma coisa?

Para mim não há nenhuma outra resposta satisfatória. O por quê da história, é o Progresso!

As coisas acontecem para que sigamos em frente e por mais que o senhor Carr insista que a
história não dá lições, eu insisto em que ela dá sim! O único detalhe é que tais lições não são
gerais. O que você aprenderá com algum fato com certeza não será o mesmo que eu
aprenderei.

Lendo o Capítulo IV inteirinho, veremos apenas que tanto a pessoa comum quanto os maiores
gênios da história não conseguiram responder o "porquê" último da coisas. Lendo todo o
capítulo V, veremos que não há consenso sobre se existe ou não um Progresso, e para que
sentido. Se existe ou não uma Evolução.

Agora pergunte-me não apenas o objetivo da história, mas o objetivo de todo o UNIVERSO.
Isto é, o sentido primário da vida, a razão fundamental da existência. E a minha resposta será:

PROGREDIR!!! Aprender, Evoluir, Descobrir, Saber e etc. etc. etc.

O que mais há para se fazer?

Portanto, embora eu tenha plena consciência de que não devo empurrar essa idéia para
ninguém, e que ela é meramente filosófica, tenho a consciência tranquila e alegre de que
descobri qual o significado da minha vida.

Durante toda a história humana não só registrada mas também concebível, o ser humano não
têm feito outra coisa que não perguntar "Por Quê?". Após milhares de anos de Religião,
Filosofia e Ciência, umas das poucas conclusões que chegamos é que: 1- Queremos Saber. 2 -
Nunca saberemos o Suficiente, 3 - Continuaremos Perguntando.

Quem quiser que escreva capítulos, livros, compêndios ou campos do conhecimento inteiros
apenas para fazer novamente as mesmas perguntas. Eu, após um raciocínio simples, concluí
que o Ser Humano é a obra prima do UNIVERSO, excetuando possibilidades metafísicas.
Portanto se queremos saber alguma coisa, um bom caminho e perguntar a nós mesmos.
Temos uma certeza, a de que sempre perguntamos, por quê perguntamos? Por que queremos
saber! E por quê?

Porque queremos Progredir.

Minha conclusão é que o objetivo do UNIVERSO é o Auto Conhecimento, através de nós. Esse é
o meu Quinto princípio filosófico. E para mim, é o que basta para os Capítulos IV e V.

Sobre o capítulo VI. O ALARGAMENTO DO HORIZONTE e Conclusão

Nesta conclusão Carr faz não só um resumo de sua obra, mas uma justificação. Posso ter sido
excessivamente sintético a resumir os dois capítulos anteriores mas não creio que o "Nariz de
Cleópatra" ou o "Atropelamento do Senhor Robinson" sejam muito relevantes para objetivo
desta resenha. Teleológicamente falando, meu objetivo é estabelecer comparações entre a
idéia de Carr a respeito de um sentido positivo de progresso humano e a minha idéia de uma
incessante e notável Evolução humana.

Carr fala novamente de Adam Smith, Hegel, Freud e sobretudo Marx, traça algumas
observações sobre o desenrolar da história, nosso impasse atual e uma interessante Revolução
Progressiva. Ele também se defende de uma série de críticas que sofre por parte de diversos
outros autores, muitos deles pessimistas convictos. Nessa parte sinto-me profundamente
identificado com o senhor Carr.

Resumindo a questão de toda essa resenha, de minha posição que tanto se assemelha a de
Carr e da oposição que ambos enfrentamos, digo que: A História é um processo aberto a
múltiplas interpretações, uma interpretação positiva é uma escolha justificável e sadia mas
muitas pessoas acreditam que a interpretação é uma só, geralmente negativa, e combatem
todos que não hajam de acordo com isso.

Alargar o Horizonte é a meu ver, exatamente a ampliação dessa visão de múltiplas


interpretações, ou pelo menos de novas investigações.

Não nego que tenhamos perdido algo no decorrer dos tempos, a degradação ambiental, a
superpopulação e o modelo de vida cada vez mais urbano que muitos assumimos com certeza
são eventos que temos pouco a celebrar. Mas ainda os considero, males quase necessários.

Como colocava na época em que este livro havia sido escrito, década de 80, as ameaças de
uma Terceira Guerra Mundial eram bem latentes. Hoje na virada do milênio, esse fantasma
parece mais afastado.

Mantenho minha posição de que a possibilidade de uma guerra global hoje, por motivos
econômicos é desprezível.

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