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O triângulo dramático de Karpman

Na minha caixa postal eletrônica, um e-mail me chama a atenção. De Lisboa, um consultor me pede
material e informações para compreender o Triângulo Dramático de Karpman.

Apaixonada pela Análise Transacional teoria de personalidade criada pelo Dr. Eric Berne, muito
valorizada na Europa, Estados Unidos e pouco divulgada e compreendida no Brasil, fico
entusiasmada com a possibilidade de trocar figurinhas com outra pessoa que também se diz
apaixonada por relacionamento humano.

A Análise Transacional ensina como compreender as relações tóxicas entre as pessoas. Eric Berne
classificou os tipos de condutas-padrão não saudáveis em três papéis: Salvador, Perseguidor e Vítima.

Karpman, discípulo de Berne, criou um diagrama para entender visualmente e de forma simples, esta
dinâmica do relacionamento interpessoal, que é o Triângulo Dramático e recebeu o Prêmio Eric Berne
por esta valiosa contribuição à teoria da Análise Transacional.

Primeiro temos que diferenciar os papéis de Salvador, Perseguidor e Vítima, dos papéis da vida real.
Um salvador autêntico pode ser, por exemplo, um enfermeiro, um médico, que salva uma vida. Um
perseguidor autêntico pode ser o policial que persegue um bandido. E uma vítima autêntica, pode ser
uma pessoa que foi assaltada pelo bandido.

No Triângulo Dramático de Karpman, estes papéis são utilizados de forma representativa, para
compreender relacionamentos tóxicos entre as pessoas, comunicações distorcidas que levam a
conflitos, os chamados jogos psicológicos.

Os Jogos Psicológicos ocorrem quando a comunicação não é direta, mas cheia de mensagens ocultas.

O Salvador então, é aquele que adotou como posição existencial básica, sentir-se superior às pessoas
e para tanto, ele precisa ajudá-las quando elas não estão pedindo ou precisando de ajuda. Pode ser
entendido como superproteção. Um exemplo disso é quando uma pessoa faz algo para outra, não por
carinho ou eficiência, mas para, de forma subliminar, mostrar que sabe fazer melhor e para cobrar
mais tarde algo em troca. Porque todo Salvador é um Perseguidor em potencial.

O Perseguidor é aquele que cobra de forma veemente, crítica e autoritária, muito além do necessário.
O extremo disso chama-se assédio moral e no Brasil, é um assunto que está despertando o interesse
dos profissionais. Pessoas que são massacradas diariamente, perseguidas ao ponto de prejudicarem a
sua saúde física, em face da freqüência e intensidade de um relacionamento com este padrão, estão
reagindo no sentido de se fazerem respeitar através da comunicação ou através da justiça comum. A
Posição existencial do Perseguidor também é, geralmente, a de superior às demais pessoas, mas
também pode ocorrer desta posição ser apenas a fachada. Ou seja, no fundo, o Perseguidor sente-se
tão inferior que ele precisa se fazer superior através da posição de Perseguidor.

A posição de Vítima é aquela onde a pessoa nunca fez nada para merecer nada. Ela não assume a
responsabilidade pelos seus atos. Ela fez assim porque o outro fez assado. Se ela erra, vai buscar uma
justificativa sempre no outro. Quando as pessoas falam sobre ela, costumam colocar sempre a
palavra coitada no meio da frase: “a fulana, coitada,.não tem boca pra nada...”. E assim a Vítima se
protege, usando uma bengala para não ser chamada a pensar e a agir com autonomia nem para
responder pelos seu atos.

As três posições foram colocadas por Karpman nos vértices de um triângulo invertido, com setas nos
dois sentidos para indicar que as pessoas mudam de posição no Triângulo, embora possam
permanecer numa posição básica, na maior parte do tempo. Perseguidor à esquerda, Salvador à direita
e Vítima no vértice inferior do Triângulo.

O jogo psicológico acontece quando a pessoa que está numa posição do Triângulo, muda de posição,
confundindo o interlocutor. O final disso é sempre uma sensação de mal estar, uma briga, um bater de
portas.

Por exemplo, o Salvador cansa de salvar e num determinado dia, cobra de forma exagerada e
agressiva, passando então para a Posição de Perseguidor. Em seguida, a mesma pessoa pode entrar na
posição de Vítima, e dizer de forma melodramática que ninguém tem dó dela, que as pessoas a
exploram, que ninguém está interessado em fazer nada por ela, quando isso não é real.

E por que as pessoas jogam ou por que as pessoas entram no Triângulo Dramático de Karpman?

Há várias razões. A principal delas é: para evitar intimidade. Ou seja, pessoas que não desenvolveram
seu potencial para amar se assustam diante da possibilidade de estarem diante de pessoas que não
escondem cartas na manga, onde possa haver uma rica troca de afagos, uma amizade autêntica e
profunda. Isso as assusta por ser uma forma de relacionamento que não foi introjetada, não foi
aprendida.

São pessoas que aprenderam o amor de troca, de barganha e se sentem vulneráveis diante de uma
proposta de comunicação onde não há armadilhas. Elas não acreditam que isso possa acontecer,
devido às suas experiências, seu histórico, suas mensagens introjetadas muito cedo na vida.

Quem entrou no Triângulo Dramático pode e deve sair dele, se quiser viver com tranqüilidade e
qualidade nas suas relações interpessoais. Berne e Karpman ensinam como. Desenvolver uma
comunicação direta, falar a linguagem dos sentimentos de forma inteligente é o caminho. Isso
significa não jogar. Muitos conseguem, pelo menos, na maior parte do tempo. Geralmente, quando há
uma período de fragilidade emocional, a pessoa pode entrar num jogo, cair no Triângulo, mas se ela
ficar atenta, saberá sair rapidinho e resgatar a comunicação saudável, voltando para a Posição
Existencial de bem estar.

Quem está na Posição de Salvador, pode aprender a sair dela deixando de ajudar quem não pede ou
não precisa ser ajudado, acreditando na capacidade das pessoas de existirem com autonomia e
acreditando que pode ser amado pelo que é e não apenas pelo que faz pelas pessoas. Digo sempre
para os Salvadores: “vá se divertir!”, “cuide de você!”.

Para sair da Posição de Perseguidor, a pessoa pode utilizar seu tempo e sua energia para considerar o
todo das pessoas e não apenas as suas falhas ou erros. Pode também buscar uma forma de se sentir
importante, pode construir sua existência de glória sem necessidade de destruir o que já foi
construído. Pode exercer seu poder sem humilhar ou denegrir as qualidades dos outros. Pode apontar
erros ao invés de criticar duramente.

Para sair da Posição de Vítima, a pessoa pode exercitar seu pensamento lógico. Como eu posso cuidar
de mim? O que eu posso fazer por mim? De que forma posso resolver isso sozinha? Desistir de
ter bengalas, de estabelecer simbioses permanentes com as pessoas que estão sempre prontas para
respaldar suas deficiências e buscar o fortalecimento de seus pontos fracos, é o caminho.

O Triângulo Dramático de Karpman, portanto, mostra a patologia das relações interpessoais. O


desgaste que isso provoca nos relacionamentos é resultado garantido, podendo chegar a algo doloroso
chamado fim.

Para Eric Berne, relacionamentos saudáveis são aqueles onde as pessoas se encontram para
compartilhar aquilo que são, num clima de espontaneidade, criatividade e autonomia. Segundo ele, a
intimidade é a mais arriscada e mais compensadora forma de relacionamento humano. Quem não a
pratica, vai praticar os jogos psicológicos, única forma negativa de estruturação do tempo, para
abastecer sua bateria com estímulos negativos, uma vez que ela não tem os positivos. E os Jogos
Psicológicos garantem este abastecimento. O mais grave deles chama-se guerra.

Tenho dedicado parte da minha vida a trabalhar contra a guerra que se estabelece no coração das
pessoas que, machucadas, me procuram porque um dia entraram e ainda não conseguiram sair do
Triângulo Dramático. Creio que assim, estou fazendo a minha parte para que este mundo seja melhor

Kátia Ricardi de Abreu, Psicóloga graduada pela PUCCAMP, especialista clínica em Análise
Transacional pela ALAT e UNAT-Brasil, consultora de empresas, palestrante e escritora

CLIENTE - a busca da qualidade nas relações interpessoais


Eder Pinhabel e
Kátia Ricardi de Abreu
Editora Casa do Livro

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