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RaxeeeS 218 Jorge Luiz Ferreira CONQUISTA E COLONIZACAO DA AMERICA ESPANHOLA 1 Introducao No inicio do século XVI, duas civilizagdes com experién- cias aist6rias ¢ culturais completamente diferentes encontra- ram-se nas terras americanas. Os homens vindos da Europa, sequ.osos de prestigio e de riquezas, logo se depararam com as civilizagBes do Novo Mundo. As populagdes americanas, por sua vez, surpresas com a chegada de homens tao estra- hos, inicialmente nao souberam distinguir se os estrangei- ros eram realmente homens ou se se tratava da chegada de deuses. O olhiar conquistador e aventureiro dos europeus cru zou com o olhar de estupor e de receio dos habitantes da ‘América. O resultado dificilmente poderia ser outro: ocorreu nesta época 0 maior genocidio de que se tem conhecimento na Historia, Em geral, o primeiro problema apresentado ao estu- dioso da conquista espanhola das regides de altas culturas pré-colombianas ¢ 0 seguinte: como civilizagdes altamente deseavolvidas, hierarquizadas militarizadas foram venci- das de maneira rapida por um pequeno grupo de estrangei- ros que se encontravam longe de seu territério e ainda asso- berbados de dificuldades? Esta questao ¢ tentadora, mas ‘a0 mesmo tempo superficial ¢ equivocada, pois parte da EEE 6tica dos conquistadores. Por escamotear ¢ omitir as ques- es centrais que permitiram a vitéria militar do europeu, este argumento possibilitou uma abordagem mais tradicio- nal que exaltava os feitos dos conguistadores, sublinhava sua coragem e heroismo ¢ alimentava a ilusio de uma suposta inferioridade dos povos americanos. Sabemos hoje que 0 processo da conquista espanhola da América ndo se reduziu apenas a atitudes admiraveis dos conquistadores. Aquilo que a historiografia tradicional cha- ‘mou de coragem e heroismo, as populagdes veneidas descre- veram como violencia e hipocrisia. @ rapidez com que incas, astecas ¢ intimeras outras civilizagées foram dominados pelos ‘Fitangerros melun_uma serie-de determmagoes das quae ‘Se pros conquiadores Tan Comes o Saaae ‘proprios_conquisiadores tinham_consciencia: 0 Choque ‘cultural _sofrido peas populacdes_amerindias com sew ‘desembarque na América, paralisando uma possivel reacdo aumada; as dif iéeni ccanhOes © espadas, além de cies e cavalos, contra arcos, fle es ran re REET ETRE ETE z ie implementaram 20 conte do poder politico, fatal pars aquelas sociedades tigi dministratv juas_aliangas com as varias comunidades dominadas pur Incas e astecas, possibilitandd aos invasores multiplicarem ‘por varias vezes o muimero de seus guerreiros. PEW HISTSGINE- pore de que apenes enumerar as razbes da vitéria militar dos Conquistadores é penetrar na atmosfera que envolveu o encontro de dois mundos que até entao corriam paralelos. De um lado, a eivilizacio europé que, apesar das grandes distancias, conhecia os povos asia ticos e africanos e com eles trocava idéias e padrées cultu- rais, mas ndo concebia a existéncia de outros povos a oeste do Atlantico. Para os europeus, imersos numa mentalidade medieval e crista, era admirdvel a existéncia daquelas popu- lagdes. Como explicé-las pela leitura da Biblia? Estariam elas excluidas dos planos de redengao tracados por Deus? Seria possivel tolerar uma religido como a dos astecas, que LT praticavam sacrificios humanos, ou como a dos incas, que adoravam o Sol? Diividas teoldgicas a parte, interessava ‘408 conquistadores compreender, tomar ¢ destruir, usando as palavras de Tzvetan Todorov, o que fizeram com rapi- dez 2 obstinagdo. De outro lado, as eivilizagées do Novo Mundo que cresceram e se desenvolveram de maneira auté- noma, sem contatos com culturas muito diferentes de seus padies de comportamento. Para incas, astecas e maias, paralisados por dtividas ¢ incertezas, 0 problema era com- preeader 0 fato adverso surgido com a chegada dos estran- geitos. Se, num primeiro momento, o aparecimento repen- tino daqueles estranhos homens confirmava as antigas pro- fecias que anunciavam a volta das divindades criadoras do Universo, mais tarde eles foram qualificados como piores que diabos. Ao mesmo tempo em que os estrangeiros se diziam naturais de uma civilizagdo superior e portadores da tinica ¢ verdadeira fé, agiam com extrema crueldade e. nas batalhas ndo se limitavam a prender 0 inimigo, como era a tradigdo, mas sim maté-lo — atitude que para os aste- ‘cas cra intoleravel do ponto de vista ético. Vitoriosos neste choque cultural, coube aos conquista- dores o prestfgio, a riqueza e 0 controle de um contingente de mao-de-obra praticamente inesgotavel. Para as popula- ‘des vencidas, porém, o destino foi outro. A Conquista sig- nificou a destruicao de suas civilizacdes, epidemas diversas, raballios foreados ¢ fome que foram responsaveis por uma brutal queda demografica num curto espaco de tempo- Sig ‘ifcou tambenr-a-desagregapio-violonis dos Tages sodas Tamffares e culturais, desarticulando a maneira como vivian, © como organizavam a realidade social em suas mente Ffeito ainda mais grave, a Conquista anunciou para estas poptlagdes um acontecimento eésmico e magic para 0s estrangeiros, no plano terreno, refletiu a derrota de seus entes sobrenaturais para a divindade crista no plano Segal gerandy enue eles um sentimento de Sbatone” gerando entre eles um sentimento de abandono Side nterdicao nas relagoes que mantinham com o sagrado. 10 Perdido aquilo que dava fundamentos a propria existéncia, Ts todo 0 aparato simbélico sofreu uma violenta ruptura que se_manifestou “Tun verdadeiro Trauma cultural A protbieno de seus cul os ¢ a evangelizaglo superficial retirou_deles_ os padiocs Spina de lature a rlldade foot), Sem. que Uvesser: SaROE RE Tee Ue ponte fubstiuicdo. Eatin, 0 significado da Conguista para as populacGes amerindias {ola violin on toden os planos © clasts Moston Sins aloieao ps is ¢ mulheres ee Hearaay SOMEETS no Indlgena, sabe- fie, xa we noharacn vemsyaneeiebles da Conta: seinen fc noms neat ees force eee oli ‘dos. Nao pretendemos com isso reduzir nossa andlise & ThaBi eicotomia branco "malvado™ versus dio “inocen- ter, mas, im, peroeber as tdgiensconseaéncias do con- tate ente cultures totalmente diversas: uma regia pelo indie ‘alm # pela lipca do iro; outra rida por relabes dereciprocande pds combinto eocta atutten. 28 a0, Tedecnatlnety asin op 2 Os homens da Conquista: idéias e culturas Os homens de Castela ‘Os homens que partiram para 0 Novo Mundo dispos- tos a conquistar novas terras e outros homens emergiram de tm momento hist6rico preciso: 0 contexto politico, eco- nOmico ¢ cultural da formacio da monarquia nacional espa- Tahoia na decorrer do século XV © no inicio da séeulo XVI Wo stculo XIIT, apesar de retalhada em varios reinos, a Peninsula Ibérica convivia basicamente com duas grandes “Espanhas”” que, embora nao estivessem sempre voltadas pare os mesmos interesses, nem por isso se apresentavam_ antag6nicas. Representando uma Espanha mediterranea, 0 reino de Aragao voltava-se para o comércio, particular- mente das especiarias, mantendo fortes interesses econdmi- cos com as cidades italianas e com © Norte da Africa — ouro, especiarias e Iucro moviam suas agées no Mediter- réneo. Representando uma Espanha interior ou atlantica, © reino de Castela era 0 mais poderoso ¢ rico dos reinos da Peninsula. Seus poderosos exércitos ha muito estavam engcjados na luta pela expulsdo do mouro infiel da Peni sula e, como prémio pelas vitdrias obtidas, a Coroa distri- Se 2 buia as terras reconquistadas a seus cavaleiros. Para os homens de Castela que lutavam contra 0 mouro, conquista militar e obtencéo de terras passaram a fazer parte de um _mesmo proceso, No século XV, 0s diferentes interesses convergiram para uma proposta de unificacdo politica. Os interesses comerciais, a idéia de lucro ¢ a busca incessante de ouro de um se encontraram com as concepedes de privilégio eco- n6mico conjugado & conquista militar de outro. O casa- ‘mento de Fernando de Aragéo com Isabel de Castela simbo- lizou a unificagao dos reinos. Todavia, fruto de conluios palacianos, a unificagio, sob a égide de Castela, no foi capaz, por exemplo, de padronizar a cobranca de i SR em on ‘de moedas ou de crap um sisiema nica de esos ¢ medidas. Imperfeita_e limitada, descentralizada Easterns # alleaplo fol aida malt preci devie Sabasidage dorsosumes, decor da ae OTe Tmento- dos Reis Catoucos- afm, nao-deu base eta mira Tanagiods Wade moe HESS tales peut Ge ett un tro cultural que rcunise os diverse interests © formasse uma identidade comum. Naauséncia de um sentimento de, racionalidado o lasro cultural da unfieaeao oi presnehigg Eo exialicismo para formagdo da ida de naciondlidade remonta 20 prépro proceso de expulsto do mouro infil Desde a Reconquista, a fonte malo de presigto ede leg midade da monarquia provinha de seu patrocinio da “guerra fant” contra 0 mugulmano © 2 conseqlenle expansto da andade. Para a5 pessocs comuns, paulatinamente, @ ail te sift a cas Mat, so redimmnonas 5 ronfunls gums vorto deeded, A maimed lg fc nacionslidade a nant da f¢ caidisa alma aoa maior “Soullcado com a intolerinea rlgiosa, Nao for casual que a Inquisi¢ao espanhola tenha surgido com os Reis Cat6li- a cos. A unidade religiosa, desta forma, legitimou e deu bases efetivas para a unidade politica Para 0 maior éxito do projeto de unificagdo, a monar- quia catdlica necessitava do apoio politico dos grupos senho- riais e da Igreja. Configurou-se, assim, uma rede de interes- ses comuns entre a monarquia, a nobreza fundiaria ea grea, que selaram uma alianca politica sob a égide da fe. A consegiiéncia mais imediata desta alianca foi o avango dos interesses privilégios da nobreza em detrimento de ‘outros grupos, particularmente do campesinato. Ao tragar ‘© quadro mais geral do periodo da unificacao, Ronaldo Vainfas afirma que os Reis Catélicos “‘definiram-se_por uma Espanha_agriria_e aristocritica, consolidando wma ‘esirulura fundidria patrimonial ¢ uma sociedade apezada Bhierarquia ¢ 4 pureza de sangue™” (1984, p. 15), ‘Os ideais de nobreza, de hierarquia ¢ de vida aristocra- tica tornaram-se ainda mais universais na Espanha unifi- cade, Todavia, com o progressivo aumento dos privilégios senhoriais, as possibilidades de ascensdo social tornavam- se cada vez mais dificeis. Nem todos os que aspiravam des- frutar desses valores tinham possibilidades concretas para tal, A Espanha, na virada do século XV para o XVI, nao tinha como alimentar as ilus6es de tantos cavaleiros. E foram estes homens, de familias médias ou sem recursos, de uma STATMeTOT Ou decadente — is veves real, as vezes ii ginada —, que partiram para o Novo Mundo. Buscavam “Zoportunidade de preencher suas vidas de prestigio ¢ de. jqueza em outras terras, uma vez que a sua Espanha nao Thes oferecia grandes Rorizontes. A aventura no Novo ‘Mundo ndo se resumia apenas & busca de ouro, mas tam- bem, ¢ fundamentalmente, buscar por meio dele o prestigio ©o status social_ que tanto_ambicionavam. AO descrever Stes homens, Ruggiero Romano enumera’ a composicao social da expedigao que acompanhou Valdivia na conquista do Chile: “dois ‘caballeros notorios’; dois ‘cabalieros"; Te 1s onze *hidalgos notorios’; 23 *hidalgos’; ués provaveis hidal- 808; nove ‘hombres de honra’ (homens honrados); seis mes- tigos; um escravo; enfim, 86 pessoas cuja condigao € igno- rada"". E € significativo, lembra 0 autor, que ndo haja nenhuma referéncia a um '*Grande’”, nem na do Chile, nem em qualquer outra expedi¢do. Para eles, afirma Romano, “a América é pois, uma grande ocasido, uma oportu dade que & preciso aproveitar com a quase certeza de no ‘a deixar passar"” (1973, p. 27). Podemos conhecer mais de perto a condigao social dos homens que buscaram fortuna e ideal na aventura tran- satlintica nas figuras de Herndn Cortez, conquistador da Confederacao Asteca, ¢ de Francisco Pizarro, conquistador do Império Inca. O primeiro, oriundo da pequena nobreza, interrompeu seus estudos de Direito para seguir a carreira militar. Ao partir para Hispaniola, atual ilha de Sao Domingos, deu sucessivas mostras de que sua ambigdo por ouro rivalizava com sua fé religiosa. O segundo, com a ‘mesma ambigao pelo ouro, mas sem tanto apego ao ideal religioso, era analfabeto, bastardo e vivia da criaglo de porcos. Historicamente, Cortez ¢ Pizarro refletiram as con- digdes sociais dos homens que os seguiram: ora uma pequena rnobreza sem maiores possibilidades de ascensio social, ora homens rudes que nao tinham como revestir de um verniz, de fidalguia sua baixa condigio social. ‘Sem maiores diividas diante das razBes que os moti- varam a partir para 0 Novo Mundo, estes homens estavam decididos a possuir terras, ouro e subjugar outros homens. E teciam seus planos sem hesitagao, pois a América, pensa- vam, era para ser conquistada, subjugada e explorada. Esta culluia conguistadora, no entanto, nao surgiu as vésperas do embarque para a América, mas ja circulava ‘nas mentes dos cavaleiros muito antes de saberem da exis- téncia de (erras no além-mar. Tal cultura surgiu das tradi- ges, valores ¢ experigncias dos homens que participaram do longo processo da Reconquista ¢ os seus antecedentes ‘podem ser buscados: 1) na pratica da Coroa de Castela de Seon tas eons come prem pe Eon a oes eee ‘Mo ‘osse brango ou catolico, Tuta contra ouira cor de pele, ‘Guiza religino, dutra_cultura; 3) na paulatina reconquista, de seu territoria_¢ na vitoria contra o mugulmano, fatos estes que criaram a mistica da - Tonle a oulros povas; 4) na lula contra o infiel que passou 4 ser, com a monarauia unificada, uma luta pela gloria de tla verdade que movia suas agdes: a {@ catdlica, Esta dltima ‘queso, inclusive, reveste-se de especial relevancia na for- magio de uma cultura conquistadora. Por um fundamento juridico muito em voga na época, era legitimo conguistar ‘uma nagao cujo monarca nao fosse cristo. Sesunde diziam, ‘expuusiio da fé crist4 era bem vista por Deus ¢ estava em ‘Seus planos de redengao dos homens que team, assim, # Sporenldade de sorhioos or everson Esta cara con Guisadors, GUE MOUeIOT a COMTETTT Social dos homens dda Reconquista, atravessou o Atlantico e teve continuidade no prosesr0 de conquista dar civilizagder do Novo Mundo. E curioso notar que 0 lema dos cavaleiros espanhéis na expansiio africana — “‘ouro, honra e evangelho” — tornou- se 0 objetivo dos conquistadores espanhdis na América, Em sama, o-quadro cultural dos homens com quem ‘08 amerindios se defrontaram este: homens embebidos de valores aristocraticos e hierdrquicos que compartilhavam a mistica superioridade do sangue espanhol; portadores da linica e verdadeira fé e, por isso mesmo, intolerantes com qualquer outra manifestagio religiosa que ndo fosse a cato- lica; certos da legitimidade da guerra santa contra o infil, cuja vitéria Ihes dava o direito de se apropriarem de suas terras e de suas riquezas; com a expectativa de fazer da America 0 meio mais répido e eficaz para a sua ascensto sociel, obtencao de prestigio e enriquecimento répido, 16 Os homens do Quinto Sol merxicas — ou aste- as — fundou a cidade de Tenochtitlin, constituindo mais uma cidade-Estado dentro do contexto da dispersao politica da regido conhecida como Meso-América. 10F sua hhegemonia sobre outras cidades-Estados, Tenochithin aliou- Se politicamente ts cldades de Texcoco © Tacopan em 1233 s.C., formando a “Triplice Alianca”” A posterior expansio militar, conquistando e tributando Tumeras comunidades, constituli'a assim chamada Confederagao Ateca, Pa Con- Tedera¢do formou uma rede de dominagao poderosissima, estendendo-se de costa a costa numa expansio militar conti nua. A expresso ““Confederacio Asieca” no caracteriza, iti fa in ¢ novos unificados de mancica gtnia — ndhwatl — que, em alianca com outras, submeteu Comunidades Teterogeneas_e culturalmente_diferenciadas, ‘Sula dominagio nem sempre for aceria faciimente. A.unidade sosial bisica era a comunidad ded, o ate Diss adnate auto de Coated ara em Gebran, 1978). Agnaioria da populacto que vivia na ‘somunidade era composta dos macehuali, ¢ assumia tal iden- tidade todo aquele que nao Tosse nobre ou escravo e PABase Tbuto_ao Estado. O aldeno maccliall ao_pertencer a SQmunidade ¢ a0 pagar wibuto, tinh cerlas premoganas ¢ determinados direitos sociais. Este aldeao tinha direito 40 usufruto da terra na comunidade, com acesso a uma par- cela onde construia sua casa. Em épocas de seca ou catastro: fes da natureza, recebia alimentos e vestuirio do Estado, ‘inha garantido o acesso de seus fillos & escola. Era-Ihe per mitido também tomar parte nos cultos religiosos e ascender socialmente via carreira militar, tendo ainda direito de ele- ger seus chefes locais. © contraponto a garantia aos dire 0 tos sociais residia em Uistinos de uibutos gue o aldeio! devia ao Estado: o primeiro era 0 servigo militar, que néo ‘EESMMIIT como um Tardo pelo camponés, mas geralmente “ ividade digna ¢ honsosa, o segundo era o (ribuio ‘em trabalho pessoal nas cidades: ¢ 0 terceiro, o tributo em ‘especies, o mais importante €4 base do sistema cconomico “Contederacao As relagoes mantidas entre Estado e comunidades aldeas assumiram uma complexidade social e politica que nio deve ser reduzida a uma mera explica¢o fundamentada apenas na forca e na coergao. E verdade que as comunidades foram conquistadas militarmente ¢ muitas delas, ao resistirem a dominagao, sofreram ocupacdes militares ¢ rigorosas puni- Ges. odes cuire Estado ¢ comunidade explicam-se, fundamentalmente, a partir do sentido social ‘TRATES Te retistriburgao ¢ de reciprocidade, nas quais Estado justificava a necessidade de sua existencia ¢ Tevave aS comunidades a reconiecer a legitimidade do iributo devido. Pela “redisiribuigao™, 0 Estado Tegitimava sua existencla jomentanenmene de-pro- duzit, quando garantia sua sobrevivéncia, Nas comunidades ‘Stine pele eieoe Talpetor Ta gueas ou devastadss Por distirbios naturais, cuja producdo encontrava-se desor- denada, 0 Estado garantia a alimentagio e o vestuario de seus membros, distribuindo uma parcela de seu excedente econémico. Com a “reciprocidade”’, as obrigagses miituas entre o Estado cay comun Tsseminavam_um sent mento de (roca igualitaria, 0 que justificava 0 pagamento ‘do trbuto pelos aldedes. Em outras palavras, o aldedo nha Stas nevessidades materiais ¢ de seguranca social garantidas, enquento o Estado assegurava a arrecadacao de um conside- ravel excedente econdmico. Surgia, assim, um sentimento de solidariedade entre governantes ¢ governados, Os grandes beneficiados com a estrutura de poder da Confederagio efam suas classes dirigentes, Sacerdotes de alta hierarquia, militares graduados e uma espécie de nobreza nnn nner tiie em {que ao mesmo tempo era funcionzria do Estado formavam 0s grupos privilegiados que existiam enquanto classe social a partir do Estado. Suas riquezas, na forma de casas, terras € tributos pagos pelas comunidades, eram conseqiiéncia ime- diata dos cargos © fungdes que exerciam no aparetho de Estado. No cume da hierarquia asteca, representando e sim- literal é “o que fala”. Falar, neste caso, referia-se A capact- ‘dade de comando ede ideranca nos campns.de batalia. A palavzaslgnificava no apenas uma das fungées do monarca, como também traduria a trajet6ria expansionista e béica dos mexieas. Um outro titulo, que reforca esta interpreta- co, era Tlacatecuhtli, ou seja, “senhor dos homens” ou “senhor dos guerzciros” No universo asteca, o aparato religioso no surgia parte ou com limitada penetragao na vida cotidiana, AS categorias religiosas formavam_um conjunto de priticas ¢ ge ee ‘que davam condicoes para o homem comum ver ‘Senlir e entender o mundo em que vivia. Pelas Felagoes com 2 sagado, cies tomer tes omens eclicnvam a Hrs rede Viviaus us astecas ua era do Quinio Sol, tempo ese precedido por outros quatro que terminaram abruptamente em catdstrofes. Escolhidos como povo eleito do Sol, os astecas, porém, acreditavam viver num universo fragil, ins- vel, permanentemente ameagado e & mercé de catistrofes. Assim, se 0 Sol foi criado pelos deuses, nada the garantia (© movimento, o retorno no dia seguinte. A responsabi dade pelo seu movimento cabia aos homens que injetavam no astro-deus 0 “liquido precioso”’: 0 sangue dos sacrifica- dos nos rituais religiosos. Sem muita confianga no futuro, a cada 52 anos 0 calendario asteca anunciava um ano ce-actl, um ano do possivel fim dos tempos, do Quinto Sol. Ao final desse ano, lum terror coletivo se disseminava pela populago, amedron- tada pela ameaca do Sol nao mais nascer. Multiddes atra- 1 vessavam as noites & espera de palavras reconfortadoras dos sacerdotes que, confusos, tentavam interpretar a posi- 20 das estrelas sacrificavam intimeros_prisioneiros. Embora acreditassem ser 0 povo eleito para conquistar os quatro quadrantes conhecidos, os astecas se viam constan- temeate ameagados por um universo instavel, inseguro € perecivel (Soustelle, s/d). Os homens do Tawantisuyu ; ; ee aig as ca es epee ilar sata ce eas shi A oe a expansio que se seguiu impulsionou os ineas de encontro a0 icino chinus, tltima barreira ao seu crescente expansio- nismo, que foi derrotado em 1463. sm 1470, Tupa Yupanki assumiu a chefia inca ¢ pas- sou TSE TN TERIA E a TSTOTA, © TUMTRTOY TO Tawar ‘Soy —Tmperio dos quatro quadrantes”-ou “impeno day ‘Guatio regioes”. Com este Inca, as comunidades mcorpora— Sago pero solreram Wm processo Ge uniMoaeTO © eT Trallzago a partir da capltal, for organtzada uma estratura Spe atta caienta & controls me rede de trans ‘Portes de comunicagdes, alem de ter sido erlada uma buro- ‘facia cficaz € um poderoso exército (Favre, 1967). im pouco mais de um séeulo, a pequena tribo dos ineas formou o império mais vasto de toda a América pre colombianae, sob seu podsr, foram jncorporados centsnas de arupos éinicos, culturais¢ lingUsticos com aproximada- 20 mente oito milhoes de habitantes. A justificago ideolégica para a expansio era semelhante a doeSpanho Nar Ten Taglo aos povor que vivir nr barbie Por ese tape, ‘stecas, o5 Incas construlram wir dscurso em que a paz era © bem supremo da humanidade — uma diva dos deuses. gra oT A posse da terra era comunal e se distinguig [ar terra cultivaveis e em pastos de uso coletivo, A area, cullivavel era dividida em Totes — /upus —, cuja extensio fra a terra necessaria para a alimentagao de_uma pessoa. for sta medida, cada familia recebta Toves de acordo com _nimero_de seus membros. Sua distribulgdo cra rotamha vyessem privilégios com o_usufruto_ por longo tempo das, ‘melhores parcelas de terra. Nos lotes, cada familia tinha sua casa, animais ¢ plantagoes, garantindo, desta maneira, sua subsisténci A chefia do ayilu cabia 20 kuraka, cujas principais Thad se ese felipe oe leee seein me eee Seguranga- metal da comaTade Taber ae Te oe Tibuigdo aegurar oSITENTS dos fden, vidvasedesval- dose, para tl, recebia a prestacdo de wabalho dos mem: bros. da comunidade, Exe tabalho= dente Ao TTS SCORN COS Td GETRTE OTN SRESTERTE RD ‘Tike que-are seuulado-s etatbaido oa oo Sols aie dono Sr ES ‘Com expansio inca, as nimeras comunidades foram Sendo incorporadas 40 império, Para o maior éxito da ominagao, os incas preservaram a autoridade d Treguardaram as relaroes sociais e culturais do ayilu. Em Toca de Fan sooperaydo com os Tovos seniores or hurd. ‘kas mantiveram seus privilégios de mando e, com sua figura Pn preservada aos olhos dos aldedes, transformaram-se no elo de ligagdo entre as comunidades ¢ 0 império. Agora, 0 tra- balho excedente que os aldedes deviam ao kuraka — a mita — também seria prestado ao Inca, sem que houvesse, com isso, uma subversdo total na ordem econdmica, nas rela- Ges sociais ¢ nos quadros culturais do ayllu (Goldelier em Santiago, 1973) Da mesma forma que interpretamos o caso asteca, com mais razio voltamos a ressaltar 0 sentido social das priti- cas de redistibuigio ¢ de reciprocidade disseminadas nos ‘Andes centrais ¢ redimensionadas com a expansio inca ais aiticas implicavam que as celacdes mantidas entre a, Tomnidade alded eo Auraka, antes da-expansio inca, ¢ $5 rolecbes ence ia mesma. cogunidide ¢ Qmuaslio lace —— apDeT oT eApATTD, criassen*everes maior entire ambor AITRVET To ale prestar_servigos nas terras do kuraka “Tignes Gann peo Senden aoumulado retommase {la, Mais do-que no caso asteca,o sucesso da dominagao ‘inca nos Andes centras implicava predominantemente uma via consensual e persuasiva, o que justificava a existéncia de un Estado unificado e a acumulagdo de um considera ‘el excedente econdmico produzide pelasinsimeras comuni dades incorporadas pelo império. ‘Como na Meso-América,o tributo era a pedea de toque do ppderio estatal inca, Toda ¢ populacho entre 25 c 50 dos era ributada e, ao Contrario dos asiecas, predominava inbuto na forma de trabalho ¢ nao em espécie, Particu. larmente dois tribufos garantiam a produgao do excedente Scondmico”_o primetro, o trabalho coletivo nas terras do Inca = do Sol que, direcionado para ¢ acumulacao de produ- {os apticolas, sustentava a vasta burocracia ¢ pessoal mili- ‘arinca, além de servir de “estoque regulador’” em épocas de crise agricola; o segundo, a 7d, era 0 SerICO DOM, igricola; o segundo, a Willd, era 0 Service pessoal tempordrio em que um certo numero de homens ficava i Tsponigo Wo Estado para a construgto e conservagio, Nee ee ae 2 cas, Esta tributapto, contudo, nfo deve ser ana- Tisada pelo seu aspectoexrtamente econbmico, seas cll ras ndo separsvam a dimensto economica das dimensOe social, politica, cultural e religiosa. Além de o iributo sursir_, para 1 comunidade come um esexgue anumaade aoe ce Telgtons eagle quando S Tea 6 "he date Tinsinitia a protecto ca seguranca do Universo, garantindo ‘qondem goes Sun “peneelinde acca eats dos velhos,ivdlidos e enfermos e, em nuagdes advereas, atria os armazins do Estado para a sobrevivneia de toa pavam dagula ape enregavam So Inet epee Sonat cat a 9 ge sre composto por um conjunto de prea, erengase costumes ue nto se reduziam a uma férmla unica: Contodo, oro, Jif de dominacto Inca parca recorrer atm mnlor edper: ‘ies contrugies provndus do rato, couoa woneniey do cult solar a todas ax comunidades don Andes conasie, Oaleancepoltico dena medida giava cm terme da fore: lal da una clbre begeiadas hc "A impos do cate solr noe Andes ceatris vou a figra do na a assume poss sem pual ne tngicds focal da époce, Uma vga que tla exis dsocnete one O chete poltcn + a Tu TTS SETS RE dor privilegiado entre este mundo e o além. Ao assegurar 4 tdinglo ene Boaeas « arte, ature ¢ cater Inca garantia a harmonia eo equlftaio do Univeos Guande duak tomou couhecineno dos homas aaruaier doeeberare oad Goes te império, vindos do mar, uma desconhecida doenca ja havia ceifado a vida de duzenos mil de seus governados nace, dos pela varola, que chegou no senno do impiio nas rapido do que os espanhels que a trouncram da Enropa, a ‘Ao ser também atacado pelo terrivel flageto, o Inca lem- brou de uma antiga profecia que dizia que no décimo segundo Inca os deuses fundadores da civilizagdo voltariam destruiriam 0 império. Antes de morrer, o Inca chamou seu povo se submetesse ap estrangciro, Wayna Kapak, 0 ‘décino primeiro Inca, faleceu em 1528, ¢ langou no Tawan- tisuyu 0 receio e a divida. Le nea

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