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A AUDIODESCRIÇÃO VAI À SALA DE AULA: DO DESCONHECIMENTO À UMA

FORMAÇÃO DOCENTE INCLUSIVA.

Felipe Leão Mianes – Universidade Luterana do Brasil

Introdução
Quando o tema é a formação de professores para lidar com os “novos” temas da
educação, como a inclusão de pessoas com deficiência, raça e etnia, gênero, sexualidade e
outras, há inúmeras argumentações que visam encontrar o diagnóstico e a solução para os
problemas na escolarização desses sujeitos. Alguns dos alvos preferenciais são os docentes e a
escassa preparação que tiveram para ensinar e conviver com esses grupos de alunos. Claro
está, que a educação inclusiva e mais especificamente o acolhimento desses sujeitos é uma
questão muito mais complexa do que apenas a formação adequada dos professores, pois há
muitos outros elementos envolvidos, como a acessibilidade arquitetônica e atitudinal da
comunidade escolar ou o acesso aos materiais adaptados para esses alunos.
Boa parte dos discursos circulantes quando sentencia o fracasso da educação brasileira
aponta a baixa qualidade da formação dos professores como um dos fatores fundamentais para
esse processo. E, ao mesmo tempo, apresentam-se os índices de investimento estrutural e
material das escolas, das políticas públicas e do contexto em que o docente está inserido. Ou
seja, se esse docente não está preparado a responsabilidade passa a ser dele, assim como o
“mérito” por ser um profissional capacitado e dedicado apesar das dificuldades.
E quando se trata da inclusão de alunos com deficiência, muitos são os fatores
atitudinais e sentimentais alegados para que o professor saiba lidar com ele, mesmo que não
tenha sido preparado para tal. Importa pouco ou quase nada que um estudante de graduação
tenha uma carga horária baixíssima de disciplinas para lidar com a inclusão desses alunos.
Nesse caso, o que importa de fato é a boa vontade, a caridade e a bondade do professor em
promover a inclusão da pessoa com deficiência na sala de aula.
Este artigo tem como objetivo analisar mais uma dessas possibilidades de formação de
professores para o ensino e aprendizagem para alunos com deficiência, no caso, a
audiodescrição a ser utilizada como ferramenta pedagógica. A audiodescrição uma
modalidade de tradução visual que transforma imagens em palavras, e que auxilia a que
pessoas cegas e com baixa visão tenham acesso á imagens.
Para tanto, esta pesquisa utiliza o campo dos Estudos Culturais em Educação como
esteira teórica e metodológica, além de analisar os processos de formação de professores em
educação inclusiva. A audiodescrição é inserida conceitualmente a partir da área da
linguística, especificamente da tradução visual, mas no caso desta pesquisa, a utilizamos
como uma ferramenta pedagógica, ou como uma técnica assistíva, se preferirem. Assim, a
questão a que este artigo deseja responder é: Como realizar a formação de professores para
utilizarem a audiodescrição como ferramenta pedagógica para uma educação mais inclusiva?

Formação de professores para uma educação de fato mais inclusiva


Nos dias atuais, a educação no Brasil tem sofrido com inúmeros discursos de fracasso
e de incapacidade de seus agentes para promover a qualidade desejada ou exigida pelos entes
estatais e órgãos de controle internacionais. A capacitação dos professores tem girado em
torno da necessidade da melhoria dos índices de aprovação, reprovação e evasão escolar
enquanto o modo como isso será feito ou se o aluno irá de fato adquirir o conhecimento e
souber interpretá-lo, fica para segundo plano.
O ingresso de alunos com deficiência nas escolas comuns tem aumentado
consideravelmente nos últimos anos. Até porque, a escolarização é obrigatória e condição
para a concessão de muitas das políticas sociais de transferência de renda. Mais do que isso, o
fechamento da maioria das escolas especiais tem feito com que os alunos dessas instituições
ingressem nas escolas comuns.
Ou seja, as políticas públicas obrigam a inclusão escolar dos alunos com deficiência,
mas a estrutura das escolas, a comunidade escolar e os docentes ainda não estão plenamente
preparados para lidar com esses sujeitos. Conforme podemos perceber no contexto atual, o
ingresso tem sido cada vez maior, mas a permanência e a conclusão desses alunos com
deficiência ainda são índices não apurados, e a qualidade dos conhecimentos desses sujeitos
para que sigam estudando ou que adentrem no mercado de trabalho também está longe de ser
aferida.
Os cursos de licenciatura tem cargas horárias muito baixas no que diz respeito a
educação inclusiva, o que causa defasagem no processo de formação dos professores. E como
a inclusão dos alunos com deficiência nas salas de aula tem sido feita sem um planejamento
adequado, os docentes acabam por receber esses alunos sem que estejam preparados para lidar
com suas especificidades.
Além de causar grandes embaraços, acarreta uma dificuldade a mais para o processo
de aprendizagem do alunado com deficiência. Muitos professores deixam esses alunos
isolados nas salas de aula, sem exigir que realizem as atividades como os demais, ou então,
sequer adaptam os materiais, ou ainda, deixam a cargo do Atendimento Educacional
especializado a tarefa de ensino dos alunos, quando deveria ser complementar ao ensino com
os demais alunos (RODRIGUES, 2010, p. 108).
Isso não quer dizer que os professores sejam culpados, inocentes, responsáveis ou não
por essas questões. Nos Estudos Culturais em Educação, buscamos não realizar esses juízos
de valores sobre o que e bom ou ruim, certo ou errado, tampouco de apontar culpados por
processos de práticas que correspondem a algo muito maior do que a postura isolada de um
docente. É preciso refletir sobre quais os caminhos de formação precisamos trilhar para
formarmos docentes capazes de lidar com os alunos com deficiência, ou pelo menos, que
estejam instruídos e amparados para buscar os conhecimentos necessários par tal.
Nessa investigação o enfoque diz respeito ao ensino e aprendizagem de alunos com
deficiência visual, e de que maneira podemos formar professores de modo a proporcionar
mais acessibilidade através de materiais e metodologias que privilegiem as peculiaridades
desses alunos, como o uso dos outros quatro sentidos. Isso porque, ao tirar o foco da
visualidade, pensa-se no sujeito a partir daquilo que ele tem como potencialidade e não como
algo que lhe falta.

O olhar tradicional partia da ideia de que o defeito significa menos, falha,


deficiência, limita e estreita o desenvolvimento da criança, o qual era
caracterizado, antes de mais nada, pelo ângulo da perda dessa ou daquela
função. [...] Para substituir essa compreensão, surge outra, que examina a
dinâmica do desenvolvimento da criança com deficiência partindo da
posição fundamental de que o defeito exerce uma dupla influência em seu
desenvolvimento.
Por um lado, ele é uma deficiência e atua diretamente como tal, produzindo
falhas, obstáculos, dificuldades na adaptação da criança. Por outro lado,
exatamente porque o defeito produz obstáculos e dificuldades no
desenvolvimento e rompe o equilíbrio normal, ele serve de estímulo ao
desenvolvimento de caminhos alternativos de adaptação, indiretos, os quais
substituem ou superpõem funções que buscam compensar a deficiência e
conduzir todo o sistema de equilíbrio rompido a uma nova ordem.
(VYGOTSKY, 2011, p. 869)

Embora o autor ainda analisasse a deficiência como falta, como anormalidade e como
defeito, é possível verificar que existe a possibilidade dos professores utilizarem outras
formas de linguagem, mais próximas ou mais adequadas às peculiaridades de seus alunos,
como verbalizar mais do que escrever ou utilizar a visualidade desde que seja fornecido o
acesso ao aluno que não enxerga por outros meios, sobretudo o auditivo.
Nem sempre rever as práticas é fácil, muitos professores já tem naturalizadas e
sistematizadas muitas de suas ações, e talvez diante das parcas formações para lidar com esses
alunos e da conscientização de que a inclusão deve se tratar de algo para além de cumprir a
lei. Deve fomentar a percepção de que modificar suas práticas conforme as especificidades
dos alunos com deficiência visual, representam também demonstrar que ele está acolhido,
ainda que as dificuldades sejam esperadas, e superáveis. Contudo, na maioria dos casos esses
professores ainda não se sentem preparados para tal:

Essa ideia indica que a formação docente deveria discutir em seus currículos
algumas estratégias que contemplassem a reflexão sobre os processos de
inclusão que deveriam desde já, fazer parte da rotina da sociedade e
principalmente do espaço escolar.
Os professores devem cumprir o papel que funciona como agente
organizador do currículo para o aluno, sempre atentos aos instrumentos
educativos: textos, filmes e softwares, que podem ajudar a transmitir os
conteúdos de maneira mais clara e efetiva para os alunos que apresentam um
modo característico de aprendizagem Gardner (1995). Caso o professor se
encontre em alguma situação na qual não saiba como agir, deve contar com
o apoio da equipe especializada que deve ter em sua escola, prevista na
LDB. (GONÇALVES, 2009, p.102)

Mais do que estar disposto e aberto para reconfigurar suas práticas é preciso que haja
um trabalho harmônico e entrosado com os demais professores e com a direção das escolas
para que haja o amparo necessário para que essas medidas sejam efetivas. Um exemplo disso
é que os processos de formação para uso da audiodescrição em sala de aula que realizei com
mais de 100 professores de sete cidades diferentes no estado do rio Grande do Sul, mostrou a
dificuldade existente em encontrar horários e datas nas quais esses professores pudessem ser
liberados de suas atividades nas escolas para realizar o curso de formação proposto.
Por mais que saibamos de todos os problemas enfrentados nas escolas, é sintomático
perceber que os docentes não possuem períodos específicos para suas formações, e que na
maioria das vezes, quando o fazem, estão em seus horários de folga. Isso quer dizer que se
esses professores desejarem qualificar suas práticas precisam realocar seus horários de
trabalho, investir do seu próprio bolso e muitas vezes enfrentar a burocracia necessária.
Muitas vezes isso acaba por desestimular a realização dessas atividades, sendo mais um
entrave nesse processo de inclusão dos alunos com deficiência visual na escola.
Certamente, haveria muito mais a ser dito sobre a formação docente para a educação
inclusiva, mas é preciso ir adiante. Mas, para seguirmos, na próxima seção irei apresentar e
analisar de que modo foram efetuadas as formações para os docentes utilizarem a
audiodescrição como ferramenta pedagógica em sala de aula.

A audiodescrição vai á escola


Este artigo é parte de uma pesquisa de pós-doutorado cujo objetivo é analisar as
diversas possibilidades de realizar a formação de professores para utilizarem a audiodescrição
como ferramenta pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem. Dessa forma, são
realizadas formações de 40 horas/aula em que forneço conhecimentos básicos sobre
audiodescrição nos mais diferentes tipos de materiais, de imagens de livros didáticos passando
por filmes, eventos ao vivo e outras.
Esses cursos introdutórios e voltados para essa especificidade foram realizados em
mais de dez municípios de Porto Alegre, na região nordeste e central do Rio Grande do Sul,
com mais de cem professores ao todo. Geralmente, são entre quatro e seis encontros
presenciais e atividades à distância.
No inicio realizo uma entrevista com pergunta previamente estabelecida para verificar
o que conhecem sobre audiodescrição, qual sua formação em educação inclusiva, e quais suas
expectativas sobre o curso. Em seguida, realizo aulas expositivas e dialogadas, exibindo
filmes e outros materiais audiovisuais com e sem audiodescrição, trazendo temas sobre
acessibilidade e inclusão, mas principalmente, ensinando as técnicas de como realizar
descrições de imagens.
São realizadas atividades práticas em que os professores descrevem vídeos, imagens
diversas e outros materiais vinculados às suas práticas em sala de aula. Por fim, realizo outra
entrevista ao final do curso para verificar quais as aprendizagens podem ajudar esses docentes
em sala de aula com os alunos usuários de audiodescrição, bem como suas dificuldades e
pontos positivos durante o processo de formação, além de sua percepção sobre como essa
prática formativa pode ser melhorada, assim como suas formas de ensinar também possam ter
sido modificadas diante dessas novas possibilidades.
Talvez o leitor ainda esteja se perguntando: afinal, o que e audiodescrição? Ela pode
ser conceituada de diversas formas de acordo com as lentes teóricas que utilizamos, seja da
área da tradução, passando pela comunicação, e no nosso caso, da mais próxima da educação.
Ela pode ser assim conceituada:

A audiodescrição é um recurso de acessibilidade comunicacional que amplia


o entendimento das pessoas com deficiência visual em todos os tipos de
eventos, sejam eles científicos, acadêmicos sociais ou religiosos. [...] É uma
tradução intersemiótica de imagens dinâmica (em filmes, vídeos,
documentários, programas de televisão e eventos), estáticas (em livros,
jornais, sites, redes sociais, catálogos e outras mídias) e animadas (gifs e
outras imagens digitais em movimento) em palavras. Transforma o visual em
verbal, abrindo possibilidade de acesso à cultura e a informação,
contribuindo para a inclusão social, cultural e escolar.. (MOTTA, 2016,
p.37)

A audiodescrição ainda é desconhecida por muitas pessoas, inclusive as potenciais


usuárias do recurso, como as pessoas cegas e com baixa visão. E isso não foi diferente nas
pesquisas que realizei, sendo assim, um dos principais resultados encontrados é que a imensa
maioria dos professores entrevistados sequer tinha ouvido falar em audiodescrição até o
momento em que fizeram sua inscrição para a formação realizada.
A audiodescrição chegou comercialmente ao Brasil nos primeiros anos do novo
século, mas apenas na atual década é que teve uma divulgação e ampliação em quantidade e
quantidade por todo pais. Sua utilização como recurso de acessibilidade e como ferramenta
pedagógica é mais recente ainda. Porém, muitos dos professores entrevistados já tinham
alunos cegos ou com baia visão a bastante tempo e mesmo assim desconheciam a
audiodescrição, inclusive os professores com deficiência visual em sua maioria também nunca
ouvira falar nesse recurso de acessibilidade.
A audiodescrição ainda está centrada nos grandes centros, a saber, nas grandes e
médias cidades do Brasil. Seu alcance mais amplo acontece através da audiodescrição nas
emissoras de TV aberta, que são obrigadas a transmitir 6 horas semanais de programação
audiodescrita. Somente aqueles que possuem aparelhos televisores com TV digital é que
podem acessar esse recurso, e ainda assim, como os controles remotos e os “menus” não são
acessíveis, poucas pessoas com deficiência visual conseguem de fato acessar esse recurso.
Diante disso, as pessoas cegas ou com baixa visão que residem nos pequenos
municípios brasileiros – que são a maioria – sequem desassistidas e com acesso praticamente
nulo à audiodescrição. No entanto, por mais que uma cidade não tenha um teatro, uma sala de
cinema, ou sinal da TV digital, todos as cidades brasileiras – ou quase – contam com uma
escola e, provavelmente, com algum aluno com deficiência.
A escola parece ser um dos meios mais importantes e potencialmente eficazes de
divulgação da audiodescrição, da mesma maneira, pode ser utilizada nas mais diferentes
situações nos processos escolares, desde a descrição de um gráfico, passando por um filme
exibido em sala de aula até um evento cultural realizado na escola.
Para isso, não se está exigindo que o professor seja um audiodescritor completo,
mesmo porque seu enfoque não é esse, mas que ele possa usar esses conhecimentos para fazer
o que tenho chamado de audiodescrição instrumental. Isso significa que é mais informativa do
que propriamente tradutória, pois ao fazer a descrição com o objetivo de fornecer
conhecimento através da imagem descrita, poderá e deverá inserir inclusive informações que
não constem diretamente na imagem, mas que possam permitir ao usuário entender o sentido
desta.
Não é uma descrição engessada nos parâmetros utilizados para descrever
profissionalmente, mas voltadas para a especificidade dos processos educacionais, trazendo
sentenças, elementos, palavras ou informações que suscitem o conhecimento e o
entendimento das imagens por parte dos alunos. Não se trata de fornecer a um aluno com
deficiência mais informações do que ao que enxerga, e sim de equiparar as oportunidades e as
possibilidades de acesso à imagem. Nesse sentido:

Ouvir a audiodescrição de um conteúdo visual não é o mesmo que conhecer


esse conteúdo. Da mesma forma que ver uma imagem não garante conhecer
o que o autor quis dizer com sua obra visual. [...]
O objetivo da audiodescrição didática é oferecer ao aluno cego o mesmo
conhecimento oferecido ao aluno que enxerga. O aluno com deficiência
visual na sala de aula inclusiva tem o direito de aprender os conteúdos
escolares ensinados com imagens como o fazem seus colegas sem
deficiência visual; isso pode ser feito com uma audiodescrição que tenha fins
didáticos. (VERGARA-NUNES, 2016, p.161)

Como dissera antes, uma audiodescrição com finalidade didática tem elementos um
pouco diferentes das que chamo de “profissionais”. No entanto, isso não significa dizer que os
professores descreverão de acordo com seus gostos e desejos pessoais, mas baseado em
técnicas e parâmetros que estejam de acordo com as normas de audiodescrição de cada país.
No caso do Brasil, há uma nota técnica estabelecida pelo Ministério da Educação (MEC), que
orienta sobre como descrever imagens para livros didáticos (MEC, 2012).
Mesmo depois de conhecer um pouco mais sobre audiodescrição durante o curso de
formação, percebi que muitos professores seguiam com a ideia de que as descrições deveriam
ser usadas apenas em filmes, vídeos ou imagens apresentadas em aula, quando o trabalho de
descrição pode ser bem mais amplo do que isso, conforme o exemplo abaixo sobre como
apresentar a escola para um aluno com deficiência visual:

Para que possam se localizar dentro da escola transitar com independência e


autonomia, realizar as atividades propostas e interagir com as pessoas que lá
trabalham, o ambiente escolar precisa ser apresentado aos alunos com
deficiência visual. A apresentação será mais do que um simples passeio pela
escola, e poderá ser compartilhada com os alunos que enxergam. Será um
passeio mediado pelo outro, exercitando o olhar em busca de elementos que
fazem parte e são característicos de cada lugar, como salas de aula e
departamentos.
Além disso, pretende proporcionar conhecimento sobre a escola e motivação
para discutir temas relacionados a acessibilidade arquitetônica, comunicação
acessível, reciclagem de lixo, vida na comunidade e outros. (MOTTA, 2016,
p. 27-28)

Os valores de respeito à diferença, de empatia com os educandos e educadores


usuários de audiodescrição são muito importante para a construção de uma sociedade
acessível e inclusiva. Ações como essa fomentam a consciência das pessoas para a
necessidade de utilização desses recursos como forma de oportunizar condições iguais e a
conquista de direitos.
Por outro lado, pode ser utilizada como uma atividade que envolva toda a turma,
podendo os colegas descreverem as imagens, ou dividir um filme em quatro partes na qual
cada grupo fica responsável por descrever uma delas. Ao mesmo tempo em que o trabalho
colaborativo estará sendo realizado, serão também atividades de língua portuguesa, por
exemplo, dado que a formulação das frases, a ortografia, o uso de sinônimos é muito comum
nas descrições.
Ainda que esse seja um artigo mais amplo no qual não tenha trazido as entrevistas,
mesmo porque ainda estão em processo de transcrição dos dados, foi possível notar durante as
formações que realizei que já no decorrer do curso – tinha duração aproximada de um mês
com encontros em semanas alternadas – que os professores passaram a utilizar as descrições
em suas práticas de sala de aula. Foi apenas um começo, mas que já podem trazer alguns
resultados muito interessantes, que mais adiante ficarão mais claros quando da etapa final da
pesquisa, mas já há certos caminhos que podemos apontar.
O que mais parece evidente nas entrevistas e nos cursos que ministrei para essa
pesquisa é que se faz necessário um trabalho de apresentação da audiodescrição tanto como
um recurso de acessibilidade que fomenta a inclusão cultural, quanto de sua utilização como
ferramenta pedagógica em sala de aula. Nas políticas públicas em educação não há nenhuma
menção à descrição de imagens em contextos educacionais. A exceção diz respeito à
obrigatoriedade de todos os livros didáticos adquiridos pelo governo brasileiro através do
Programa Nacional do Livro Didático devem conter uma versão em libras e com a descrição
das imagens.
Conforme consulta realizada nos demais documentos a audiodescrição não consta
sequer como possíveis tecnologias e recursos de acessibilidade assistívos a serem empregados
pelas escolas. Nem mesmo na Base Nacional Curricular Comum apresentada em 2017 contem
qualquer referencia à audiodescrição, ainda que na Lei Brasileira de Inclusão, Lei
13146/2015, já exista referencias a elas em áreas como a cultura e de acesso á informação. Ou
seja, enquanto a audiodescrição não estiver presente no cenário das políticas públicas,
dificilmente será possível ampliar sua divulgação e implementação.
Além disso, a escassez de produtos com audiodescrição que chega à maioria dos
municípios brasileiros faz com que seja ainda desconhecida da maioria da população, e por
consequência, dos professores. Aliado a isso, percebe-se a pequena quantidade de cursos de
formação para audiodescritores e/ou com enfoque para professores trabalharem nas descrições
de imagens em sala de aula.
Por mais que um docente venha a conhecer o recurso e a se interessar por obter
formação para realizar as descrições em seu cotidiano escolar, não há oferta continua e
suficiente que abarque todos os professores ou que possibilidade a uma grande quantidade de
educadores realizar essas formações. Portanto, verifica-se a carência e a premente necessidade
de ampliar esse processo formativo dos professores, para além de dar a conhecer sobre sua
existência e como utilizá-la.

Considerações finais
Na maioria das vezes as considerações finais não são um ponto final, mas outro
começo, o que também é o caso desse artigo. Procurei debater um pouco sobre a necessidade
de formar professores para que utilizem a audiodescrição como recurso pedagógico em sala
de aula não apenas para alunos com deficiência visual, mas para todos.
No principio discuti sobre os processos de formação de professores de uma maneira
geral e em seguida enfocando especificamente a questão formativa daqueles que trabalham
com alunos com deficiência, sobretudo, os cegos ou com baixa visão. É fato que diante das
políticas sociais existentes, os professores se dividem entre o grupo dos que já tiveram um ou
mais alunos com deficiência visual em suas turmas e o grupo daqueles que certamente um dia
terão.
Isso significa dizer que a defasagem encontrada nos cursos de licenciatura no que diz
respeito a essa temática precisa ser suprida de outras formas, com cursos de formação
complementar, ou com outros tipo de medidas que vise qualificar as práticas desses docentes,
de modo a melhorar os recursos de aprendizagem de alunos cegos ou com baixa visão, sendo
a audiodescrição um desses importantes elementos.
Audiodescrição, conceituada anteriormente como a transformação de imagens em
palavras através da tradução intersemiótica do meio visual para o verbal, é um dos recursos de
acessibilidade mais importantes no processo educacional dos seus usuários, ainda que seja
pouco utilizado nas escolas. Ao descrever as imagens em livros, de filmes e apresentações
culturais ou outras ocasiões que exijam tal recurso, o aluno cego ou com baixa visão tem sua
diferença respeitada, tem outras possibilidade de acesso ao conhecimento que outrora não era
possível. Sendo assim, é primordial fomentar a audiodescrição no processo formativo dos
professores, seja nos cursos de licenciatura ou nas formações complementares.
Como resultado final, o que pode ser apresentado é que uma das maiores dificuldades
encontradas para ampliar e implementar a audiodescrição nas escolas é o desconhecimento
dos professores quanto a existência desse recurso de acessibilidade. Para tanto, se faz
necessária a luta por sua inclusão nas políticas públicas em educação, bem como sua inserção
nas disciplinas dos cursos de licenciatura e uma maior divulgação da audiodescrição.
Outro resultado obtido que ajuda a explicar esse quadro de desconhecimento dos
professores é a quase inexistência de cursos de formação de audiodescritores e daqueles que
formem professores para utilizar audiodescrição nas salas de aula. Seria fundamental que as
universidades, grupos de pesquisas, usuários, alunos, e entes públicos percebessem a
importância da audiodescrição nos processos educacionais e que construíssemos outras
formas possíveis de ensinar os alunos com deficiência visual baseado nos parâmetros e nos
produtos que contem audiodescrição.
Por fim, é preciso dizer que temos ainda muito a avançar nesse cenário em que a
audiodescrição tem conquistado cada vez mais espaço e que cada vez mais alunos têm
ingressado nas escolas comuns e muitos dos professores ainda desconhecem os recursos mais
adequados e indicados para lidar com suas especificidades, respeitando suas diferenças e
buscando praticas mais e mais inclusivas.

Bibliografia
GONÇALVES, Renata Barbosa; VIANNA, Carlos Alberto Fonseca Jardim; SANTOS, Sirley
Brandão dos. Materiais didáticos alternativos para o ensino de ciências aos alunos com
deficiência visual. In: DIAZ, Féliz; BORDAS, Miguel; GALVÃO, Nelma; MIRANDA
Therezinha. Educação inclusiva, deficiência e contexto social: questões contemporâneas.
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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Nota Técnica 21/2012. Brasília: Ministério da educação;
2012
MOTTA, Lívia Maria Villela de Mello. Audiodescrição na escola: abrindo caminhos para
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2011.
RODRIGUES, Eline Silva. Inclusão escolar de pessoas com deficiência visual no município
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Gerais. Belo Horizonte. 2010
VERGARA-NUNES, Elton. Audiodescrição didática 2016. Florianópolis. Tese (doutorado) -
Universidade Federal de Santa Catarina, Centro Tecnológico. Programa de Pós-graduação em
Engenharia e Gestão do Conhecimento. 2016

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