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28/11/2019 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO KARINA BARBOSA CANCELLA - PDF Download grátis

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO KARINA BARBOSA CANCELLA


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Transcrição:

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO KARINA BARBOSA CANCELLA O ESPORTE E AS FORÇAS


ARMADAS NA PRIMEIRA REPÚBLICA: das atividades gymnasticas às participações em eventos esportivos internacionais
(1890-1922) RIO DE JANEIRO 2013

Karina Barbosa Cancella O ESPORTE E AS FORÇAS ARMADAS NA PRIMEIRA REPÚBLICA: das atividades gymnasticas às
participações em eventos esportivos internacionais (1890-1922). Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em História Comparada. Orientador: Prof. Dr. João Manuel Casquinha Malaia Santos. RIO DE JANEIRO 2013

FICHA CATALOGRÁFICA Cancella, Karina Barbosa O esporte e as Forças Armadas na Primeira República: das atividades
gymnasticas às participações em eventos esportivos internacionais (1890-1922). / Karina Barbosa Cancella. 2013. 219 f.: il.
Dissertação (Mestrado em História Comparada) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de História, PPGHC, Rio de
Janeiro, 2013. Orientador: Prof. Dr. João Manuel Casquinha Malaia Santos 1.Esporte Militar. 2.Forças Armadas. 3.Primeira
República. Teses. I. Malaia, João Manuel C.(Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de História, Programa de
Pós- Graduação em História Comparada. III. Título.

Karina Barbosa Cancella O ESPORTE E AS FORÇAS ARMADAS NA PRIMEIRA REPÚBLICA: das atividades gymnasticas às
participações em eventos esportivos internacionais (1890-1922). Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em História Comparada. Aprovada em: / / Prof. Dr. João Manuel Casquinha Malaia Santos PPGHC Universidade Federal

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do Rio de Janeiro Orientador Prof. Dr. Victor Andrade de Melo PPGHC Universidade Federal do Rio de Janeiro Prof. Dr. Paulo
André Leira Parente PPGH Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro Profa. Dra. Gracilda Alves (suplente) PPGHC
Universidade Federal do Rio de Janeiro Prof. Dr. Rafael Fortes Soares (suplente) Lab. Comunicação e História - Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro

DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a minha mãe, expressando em algumas linhas minha profunda e amorosa gratidão, uma vez
que superando todos os desafios, dedicou sua vida a me dar bons exemplos e apoio em todas as minhas decisões, mesmo que por
muitas vezes não as compreendesse de imediato. Foi mãe, pai, amiga, conselheira, tudo o que precisei e muito mais do que podia
entender em diversos momentos. Por tudo isso, pelo que representa na minha vida e pela pessoa maravilhosa que é, agradeço do
fundo do coração.

AGRADECIMENTOS Ao Prof. Dr. João Manuel Casquinha Malaia Santos, orientador deste trabalho, por sua total dedicação e
pelas preciosas contribuições para esta pesquisa e para minha vida profissional e acadêmica, meu profundo e sincero
agradecimento. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro durante o
período de realização deste Mestrado. Aos Prof. Dr. Victor Andrade de Melo e Prof. Dr. Paulo André Leira Parente por suas
considerações que foram fundamentais para o desenvolvimento qualitativo deste trabalho. Aos meus companheiros do Sport:
Laboratório de História do Esporte e do Lazer (UFRJ) por todas as discussões teóricas e contribuições para o aprimoramento da
pesquisa. A todos os professores, funcionários e colegas de Mestrado e Doutorado do Programa de Pós-Graduação em História
Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro por toda a atenção ao longo deste curso. Aos inúmeros mestres que, desde o
início de minha caminhada acadêmica, me auxiliaram na construção dos conhecimentos que serviram como base para este trabalho.
Ao Ministério da Defesa e à Comissão Desportiva Militar do Brasil (CDMB) pela atuação em prol do desenvolvimento do esporte
militar brasileiro e as atenções dispensadas ao longo da coleta dos materiais para a pesquisa. À Marinha do Brasil, aos comandantes
e subordinados das organizações militares Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha (DPHDM), Centro de
Educação Física Almirante Adalberto Nunes (CEFAN) e Comissão de Desportos da Marinha (CDM) pelo apoio, contribuições e
disponibilização de materiais fundamentais para o desenvolvimento da pesquisa. Ao Exército Brasileiro, aos comandantes e
subordinados das organizações militares Escola de Educação Física do Exército (EsEFEx), Comissão de Desportos do Exército
(CDE), Instituto de Pesquisa da Capacitação Física do Exército (IPCFEx) e Museu do Desporto do Exército pelas colaborações e
acesso aos materiais disponíveis. À Força Aérea Brasileira, aos comandantes e subordinados das organizações militares
Universidade da Força Aérea (UNIFA) e Comissão de Desportos da Aeronáutica (CDA) pela disponibilidade e atenção ao longo da
pesquisa. Aos funcionários da Biblioteca Nacional pela atenção de sempre.

Dedico agradecimentos especiais a minha família que, de formas diferentes, contribuiu para meu amadurecimento e equilíbrio,
fundamentais a esta caminhada. Ao Léo (ou Prof. Dr. Mataruna), ao meu amado companheiro, amigo, parceiro de todas as horas,
incentivador incansável, sempre orientador e crítico e muito mais confiante do que eu em minhas capacidades, agradeço pelo apoio
e dedicação em todo esse tempo juntos. Aos meus amigos pelo carinho de sempre e pela paciência e compreensão das ausências em
tantos momentos.

EPÍGRAFE MARINHA DO BRASIL Para nós officiaes de marinha essa corrente de symphatia pelos exercícios vigorosos é de
inestimável alcance, porque la encontraremos um viveiro abundante de moços fortes, habituados ao mar, e aos trabalhos, no dia em
que a Pátria ameaçada chame a postos seus filhos para defenderem-na. Nesse dia então essa mocidade toda affeita as lutas, nessa
aprendizagem continua, mais forte, mais rija, tem para secundar o seu enthusiasmo pela pátria o pulso mais vigoroso e o olhar mais
excitado. (Revista Marítima Brazileira. 2 o. Semestre de 1902, p. 381-388). EXÉRCITO BRASILEIRO Como se vê, é, pois, o
football, o desporto do soldado, por excellencia! É elle, dentre todos os desportos, o que melhor unifica todas as vontades; o que
melhor disciplina os temperamentos, modificando os vários instinctos dos que praticam [...] É no revigorar, com elle, o physico da
mocidade brazileira, civil ou militar o seja, cultivemos com amor, as bellas qualidades moraes que nos inspiram os seus
empolgantes torneios: Mens sana in corpore sano. (O Imparcial 22 de janeiro de 1920, p. 8)

RESUMO CANCELLA, Karina Barbosa. O esporte e as Forças Armadas na Primeira República: das atividades gymnasticas às
participações em eventos esportivos internacionais (1890-1922). Rio de Janeiro, 2013. Dissertação (Mestrado em História
Comparada) Programa de Pós- Graduação em História Comparada, Instituto de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 2013. 219f. O esporte atualmente é um fenômeno consagrado e praticado no meio militar em todo o mundo como
ferramenta de preparação do corpo e também na forma competitiva e de lazer, além de elemento de projeção do poder e força das
instituições. Ao longo de todo o século XX, a prática do esporte e da atividade física nas Forças Armadas brasileiras ampliou-se de
maneira significativa, tendo participado do processo de estabelecimento das primeiras escolas de formação em Educação Física do
país e atuaram de forma significativa na organização dos primeiros megaeventos esportivos no Brasil, como o caso dos Jogos do
Centenário de 1922. Esta pesquisa tem como objetivo principal analisar comparativamente o processo de introdução e organização
do esporte na Marinha do Brasil e no Exército Brasileiro e suas relações com os processos de reestruturação que cada uma destas
instituições empreendia na Primeira República. Utilizando os pressupostos da História Comparada e o método de análise crítica de
documentos, este trabalho operou com fontes documentais e de imprensa a fim de identificar as diferentes etapas de introdução das
práticas esportivas no Exército e na Marinha e suas relações com a atuação das instituições militares na sociedade entre os anos de
1890 e 1922. Palavras-Chave: Esporte Militar; Forças Armadas; Primeira República.

ABSTRACT CANCELLA, Karina Barbosa. O esporte e as Forças Armadas na Primeira República: das atividades gymnasticas às
participações em eventos esportivos internacionais (1890-1922). Rio de Janeiro, 2013. Dissertação (Mestrado em História
Comparada) Programa de Pós- Graduação em História Comparada, Instituto de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 2013. 219f. In the present time, sport is a long-standing phenomenon and it is played in the military environment all
around the world as a tool for body preparation and also in the form of entertainment and competition, as well as a means of
propagating the institutions, power and force. Throughout the 20th century, the practice of sports and exercises in the Brazilian

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Military Forces enlarged considerably. The Brazilian Military Forces took part in the institution process of the first Physical
Education formation schools in the country and played a very significant role in the organization of the first sport mega-events in
Brazil, just like the Centennial Games in 1922. The main objective of this study is to analyze by comparison the process of sport
institution and organization in the Brazilian Navy and in the Brazilian Army and their relations with the re-structural processes that
each one of those institutions undertook during the First Republic. Using the presuppositions from the Comparative History and the
method of documentary critical analysis, this paper worked with documentary and the press sources in order to identify the
different steps towards the introduction of sport practice in the Army and in the Navy and their relations with the military
institutions performance in the society from 1890 to 1922. Keywords: Military Sports; Armed Forces; First Republic.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1: Fotografias em sequência com as imagens de Sada Miyako e seu ajudante M. Kakihara;
Sensuke, o criado de bordo; e os marinheiros apresentando os golpes koshimago e kesagatame...92 Figura 2: O Almirante
Negro...96 Figura 3: Imagens publicadas na Careta dando destaque ao gol da vitória feito pelo Tenente Benjamin Sodré para o
Botafogo...115 Figura 4: Fotografias publicadas na revista Careta da Festa Esportiva Militar realizada entre Exército e Marinha no
campo do Clube de Regatas Flamengo Taça Flamengo 1920...142 Figura 5: Fotografias publicadas na revista Careta da Festa
Esportiva Militar realizada entre Exército e Marinha no campo do Clube de Regatas Flamengo Taça Flamengo 1921...143 Figura 6:
Fotografias publicadas na Revista Careta retratando as competições esportivas realizadas no festival em homenagem ao retorno da
Divisão Naval de Guerra...145 Figura 7: Equipe de Tiro nos Jogos Olímpicos da Antuérpia: Fernando Soledade, Tenente Guilherme
Paraense, Afrânio Costa, Tenente Mário Maurity e Dario Barbosa...152 Figura 8: Jogos Recreativos de marinheiros a bordo do São
Paulo...152 Figura 9: Fotografias da parada desportiva do Centenário ocupando página inteira da Revista da Semana, com destaque
na primeira fotografia para o Tenente Guilherme Paraense, campeão mundial de revólver ao lado de Alberto Fontan, campeão
mundial de fuzil...165 Figura 10: Fotografias dos campeões de Tiro, das provas de atletismo e boxe dos Jogos do Centenário. Em
destaque na foto com número 5 o marinheiro Góes Neto, classificado como o melhor pugilista do Brasil...169

LISTA DE QUADROS Quadro 1: Comparativo vantagens e desvantagens de utilização de bicicletas e cavalos...68 Quadro 2:
Comparativo do número de soldados por milhar de habitantes em tempo de paz...104 Quadro 3: Provas e locais de realização nos
Jogos do Centenário de 1922...162 Quadro 4: Programa dos Jogos Internacionais Navais...167

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ACM: Associação Cristã de Moços CBD: Confederação Brasileira de Desportos CISM:
Conseil International du Sport Militaire (Conselho Internacional de Esporte Militar) COI: Comitê Olímpico Internacional EB:
Exército Brasileiro EF: Educação Física EsEFEx: Escola de Educação Física do Exército FAB: Força Aérea Brasileira FFAA:
Forças Armadas JMM: Jogos Mundiais Militares LEM: Ligas Esportivas Militares LMF: Liga Militar de Football LMSA: Liga
Metropolitana de Sports Athleticos LSE: Liga de Sports do Exército LSM: Liga de Sports da Marinha MB: Marinha do Brasil
RMB: Revista Marítima Brasileira 5º. JMM: 5º Jogos Mundiais Militares

SUMÁRIO CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO...01 1.1 Aspectos Teóricos da pesquisa...04 1.2 Alguns estudos sobre Esporte Militar
no Brasil e no Mundo...06 1.3 O esporte e as FFAA brasileiras: problemas e questões da pesquisa...11 1.4 Conceitos
fundamentais...17 1.5 Aspectos Metodológicos da pesquisa...22 1.6 Estruturação do Trabalho...27 CAPÍTULO 2 - AS FORÇAS
ARMADAS E O CORPO: A UTILIZAÇÃO DA GYMNASTICA NOS PROCESSOS DE FORMAÇÃO MILITAR (1890-
1908)...28 2.1 Os militares e a Proclamação da República: novo papel na sociedade, novas preocupações...30 2.2 Para um soldado
mais forte e preparado, uma formação melhor: medidas para reformulação do processo de treinamento dos militares brasileiros...43
2.3 Primeiras atuações na divulgação esportivas: os militares, o remo e o turfe...47 2.4 Tensões políticas e busca constante por
reformas: as Revoltas da década de 1890 e os projetos de melhorias para as FFAA...54 2.5 Oligarquias no poder, desprestígio
militar: o problema da formação segue em debate...64 2.6 Povo forte e cidade renovada: os projetos do governo Rodrigues Alves e
suas relações com o esporte e as FFAA...73 2.7 Forças Armadas: grandes escolas de educação physica, intellectual e moral da
mocidade...77

CAPÍTULO 3 - UMA NOVA ESTRUTURA PARA AS FORÇAS ARMADAS BRASILEIRAS: OS IMPACTOS DAS
INFLUÊNCIAS ESTRANGEIRAS E O PAPEL DO ESPORTE ENTRE OS MILITARES (1909-1915)...85 3.1 O olhar para o
estrangeiro: influências externas no processo de organização das Forças Armadas brasileiras no início do século XX...86 3.2
Revoltas e tensões: os Marinheiros, o Contestado e a Primeira Guerra...94 3.3 Reformar e recrutar para aprimorar...102 3.4 Os
militares, as ginásticas e o esporte antes da fundação das Ligas Esportivas...107 CAPÍTULO 4 - ORGANIZAÇÃO ESPORTIVA
MILITAR NO BRASIL: UMA ANÁLISE COMPARADA DAS AÇÕES DA LIGA DE SPORTS DA MARINHA E DA LIGA
MILITAR DE FOOTBALL EM SEUS PRIMEIROS ANOS DE ATUAÇÃO (1916-1922)...118 4.1 Atuação das Ligas Esportivas
Militares: fundação e primeiras ações de promoção do esporte...119 4.1.1 Fundação e regulamentação institucional das Ligas
Esportivas Militares...120 4.1.2 A prática esportiva e a hierarquia militar: conviver, mas nunca descer a familiaridade...134 4.1.3 A
Taça Flamengo...139 4.1.4 O novo contexto: necessidades de ampliação das atividades físicas a partir das observações das
experiências na Primeira Grande Guerra...146 4.2 Militares nos Jogos Olímpicos: a primeira representação brasileira nos Jogos da
Antuérpia de 1920 e os Jogos Olímpicos do Centenário...150 4.2.1 Os militares nos Jogos da Antuérpia...150 4.2.2 As Ligas
Esportivas Militares e os Jogos do Centenário de 1922...153 4.2.3 As Escolas de Educação Física das Forças Armadas...170
CAPÍTULO 5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS...174

REFERÊNCIAS...179 Fontes...180 Leis e Decretos...180 Relatórios Ministeriais...180 Diários Oficiais da União...183 Revistas
Institucionais Militares...184 Periódicos...185 Registros das Ligas Esportivas Militares...191 Referências analisadas...191 Obras de
Referência...191 Obras sobre Esporte...193 Obras sobre História Militar...195 Teses e Dissertações...196 Artigos publicados em
periódicos ou anais de eventos...196 Sites Institucionais...203

1 1 INTRODUÇÃO

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2 Permitte jogos e exercícios sportivos nos navios, corpos e estabelecimentos de Marinha Snr. Chefe de Estado Maior da Armada,
declaro-vos, para fins convenientes, que, approvando os intuitos da Liga de Sports da Marinha, associação fundada por officiais
com o fim de concorrer para o desenvolvimento physico do pessoal da Armada, por meio dos jogos e exercícios, com campeonatos
annuaes, resolvi permittir que a citada Liga se corresponda com as autoridades da Marinha, em relação ao que for necessário a seus
fins, e que as autoridades lhe facilitem os meios de acção, sem prejuízo para o serviço, fazendo-se os jogos sob direção da referida
Liga e seus representantes nos navios, corpos, estabelecimentos, ficando a acção destes últimos sujeita a approvação dos
respectivos commandantes. Saúde e fraternidade. Assignado Alexandrino Faria de Alencar. 1 Ministério da Guerra - N. 966 - Rio
de Janeiro, 22 de junho de 1915. Sr. chefe do Departamento da Guerra - Declaro-vos que permito o funccionamento da Liga Militar
de Football, cujo projecto de estatutos a este acompanha, sendo facultado ao pessoal dos corpos do Exercito nella se inscrever.
Saúde e fraternidade. José Caetano de Faria. 2 Os dois trechos acima declaram o reconhecimento oficial das primeiras entidades
reguladoras da prática esportiva entre os militares no Brasil: a Liga de Sports da Marinha e a Liga Militar de Football. A fundação
de Ligas Esportivas 3 no interior das Forças Armadas (FFAA) 4 marcou um período de significativas aproximações entre o esporte
e tais instituições, sendo também o principal instrumento de controle destas práticas nas FFAA nos anos iniciais do século XX. O
esporte 5 militar, nas últimas décadas do século XX e início do século XXI, apresentou grande projeção em todo o mundo. As
estruturas ligadas a este movimento passaram a se equiparar às organizações esportivas de alta performance, assim como seus
torneios e campeonatos a ser inseridos com maior frequência no campo dos Megaeventos 1 BRASIL. Relatório do Ministério da
Marinha de 1916. Anexo A, p. 1. 2 BRASIL. Diário Oficial da União de 29 de junho de 1915, Seção 1, p. 5. 3 A organização
esportiva tendo como base a criação de ligas foi um movimento constante em fins do século XIX e início do século XX em todo o
mundo, não estando o Brasil distante deste processo. As ligas esportivas podem ser compreendidas como instituições responsáveis
pela administração dos interesses dos clubes das diferentes modalidades, atuando como normatizadoras das práticas através de
regras impostas (e aceitas) pelas equipes integrantes das ligas. O aceite por parte dos clubes das determinações com relação à
organização dos campeonatos, sistemas de promoção e rebaixamento eram partes fundamentais para o efetivo funcionamento
destas instituições. As primeiras ligas esportivas fundadas no mundo foram a Liga Inglesa de Futebol e a Liga Norte-Americana de
Beisebol, ambas no ano de 1871 (MALAIA, 2010). As estruturas específicas das Ligas Esportivas Militares brasileiras, suas
principais áreas de atuação e sua organização interna serão detalhadas e discutidas na quarta parte desta dissertação. 4 A partir
deste momento, a sigla FFAA será utilizada para Forças Armadas. 5 O termo esporte moderno foi forjado em contraponto às
práticas corporais identificadas desde a Antiguidade. No caso desta pesquisa, como mecanismo para garantir maior fluidez ao
texto, o termo esporte estará sempre se referindo ao conceito de esporte moderno. Este conceito, de acordo com Victor Melo
(2010), pode ser definido como um movimento característico da modernidade, organizado em torno de entidades representativas
com regras definidas e calendário de atividades próprio. Estas práticas envolveriam, ainda, diferentes áreas de atenção como
treinadores, gestores, profissionais de saúde. Esta estrutura em torno da atividade é o principal ponto de diferenciação com as
demais práticas corporais.

3 Esportivos. 6 O Brasil, em 2011, foi palco de um dos mais consagrados eventos esportivos militares: os 5º. Jogos Mundiais
Militares - Os Jogos da Paz, 7 realizados na cidade do Rio de Janeiro no período de 16 a 24 de julho. Atualmente, percebe-se o
esporte como um fenômeno consagrado e praticado no meio militar em todo o mundo como ferramenta de preparação do corpo e
também na forma competitiva e de lazer, além de elemento de projeção do poder e força das instituições. Ao longo de todo o século
XX, a prática do esporte e da atividade física nas FFAA ampliou-se de maneira significativa, tendo participação inclusive no
processo de estabelecimento das primeiras escolas de formação em Educação Física do país e atuação significativa na organização
de megaeventos esportivos no Brasil, caso dos Jogos do Centenário de 1922. Entretanto, algumas questões sobre este processo
suscitam interesses para os pesquisadores do tema: de que forma o movimento esportivo, ao se estabelecer no Brasil no século
XIX, introduziu-se nas Forças Armadas? Que instrumentos as FFAA utilizaram para introdução e legitimação deste movimento no
interior de suas corporações? Quais foram as semelhanças e diferenças na institucionalização do esporte na Marinha do Brasil
(MB) 8 e no Exército Brasileiro (EB) 9? Estes questionamentos sugerem a necessidade de uma análise do processo de inserção da
prática de atividade esportiva nas FFAA a fim de compreender os interesses e instrumentos envolvidos na difusão deste
movimento. Para tanto, vislumbra-se a possibilidade de analisar comparativamente o processo de institucionalização do esporte nas
FFAA no Brasil, assim como de seus principais antecedentes. 6 Roche (2000 apud Dinces, 2005) define os Megaeventos como
grandes eventos culturais, sejam comerciais ou desportivos, com intenso caráter dramático, apelo popular de massa e importância
internacional. A preparação de um megaevento esportivo pode ser compreendida em três etapas: processo de planejamento e
organização que o antecede; a execução real e apresentação do evento; e seus impactos a longo prazo. O autor ainda destaca que os
megaeventos urbanos são normalmente concebidos e produzidos por grupos poderosos das elites locais e apresentam poucas
oportunidades democráticas de entrada de cidadãos no processo de elaboração política dos projetos. Estas características de
megaevento serão debatidas no quarto capítulo desta dissertação ao serem analisadas as ações de organização dos Jogos Esportivos
do Centenário da Independência do Brasil, no ano de 1922. 7 Os Jogos Mundiais, idealizados pelo Conseil International du Sport
Militaire (CISM Conselho Internacional de Esporte Militar), instituição regulamentadora internacional do esporte militar fundada
em 1948, ocorrem a cada 4 anos, no ano anterior ao dos Jogos Olímpicos de Verão, com primeira edição em 1995 em Roma (ITA),
seguido de Zagreb (CRO) em 1999, Catânia (ITA) em 2003 e Hyderabad (IND), em 2007. Em 2010 foram realizados os 1º. Jogos
Mundias Militares de Inverno no Vale de Aosta (ITA) e os Jogos Mundiais de Cadetes em Ankara (TUR). 8 A partir deste
momento, a sigla MB passará a ser utilizada em referência à Marinha do Brasil. 9 A partir deste momento, a sigla EB passará a ser
utilizada em referência ao Exército Brasileiro.

4 1.1 Aspectos Teóricos da pesquisa A presente pesquisa transita nos campos da História do Esporte e da História Militar,
utilizando como abordagem as propostas da História Comparada. O surgimento do campo de estudos específicos sobre a história do
fenômeno esportivo ao redor do mundo traz como bases os pressupostos da Nova História Cultural ao colocar em evidência para
análises históricas aspectos da Cultura e de suas diversas práticas. À parte das discussões se a História do Esporte seria uma
subdisciplina consolidada ou em vias de consolidação ou mais um dos domínios da História que podem surgir ou desaparecer com
rapidez de acordo com as necessidades ou modas dos períodos, Victor Melo (2007a) destaca as características de consolidação do
campo a partir do levantamento de diversas sociedades nacionais e internacionais dedicadas ao estudo da História do Esporte, além
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de periódicos e eventos científicos específicos sobre a temática. 10 A consolidação e ampliação das discussões teóricas e
metodológicas no campo da História do Esporte destacam significativas aberturas para análise de diferentes aspectos deste
movimento, não somente por historiadores, mas também por profissionais de diferentes formações acadêmicas. Os estudos sobre a
história do fenômeno esportivo ganharam maior projeção no Brasil no final da década de 1990 e principalmente nos anos 2000,
sendo conduzidos se não somente [...] por 'historiadores de formação', certamente por pesquisadores que, independente de sua
filiação acadêmica original, procuram fazer uso das discussões metodológicas do campo da História (MELO, 2007b, p. 13). Em
relação à História Militar, campo colocado em diálogo com a História do Esporte neste trabalho, identifica-se o acompanhamento
dos movimentos de novos objetos e abordagens, passando a incorporar novas discussões em suas pesquisas. Comumente dedicada
aos estudos das guerras e batalhas e das instituições militares, este campo tem passado por significativas mudanças com a
introdução de novas metodologias que possibilitam a compreensão das múltiplas interfaces da História Militar, tais como social,
institucional, cultural, econômica, tecnológica, religiosa, sociológica ou política, entre outras (PARENTE, 2009, p. 3). 10
Sociedades nacionais como a North American Society of Sport History e internacionais como a International Society for the
History of Physical Education and Sport; Periódicos como Internation Journal, Sport History Review e Journal of Sport History; de
eventos científicos como o Congresso Internacional do Comitê Europeu de História do Esporte (MELO, 2007a, p. 12-13).

5 As aproximações entre a História Militar e a História Social propiciaram um fecundo campo na historiografia atual possibilitando
uma compreensão mais ampla das relações das instituições e fenômenos militares com a vida cotidiana das sociedades, deixando de
lado a pura História Batalha. Parente (2009) propõe que, dentro das novas perspectivas dos estudos militares, incorporando
propostas metodológicas não somente da História Social, mas também da História das Instituições, História das Ideias e estudos de
Memória, temáticas antes não contempladas passaram a ocupar espaço central nas discussões, tais como: origens geográfica, social
e familiar dos militares; influências educacionais; experiências administrativas das FFAA; relações familiares; participação dos
militares nas redes políticas, econômicas e intelectuais tanto no interior dos quartéis como fora deles; estudo de relações entre as
diferentes FFAA; inserção das instituições militares no cotidiano das diferentes regiões do país; estudos sociais de gênero; análises
das origens sócio-econômicas das diferentes camadas hierárquicas; mentalidade militar em diferentes momentos históricos;
relações entre a guerra e a sociedade; estudos dos símbolos, gestos, comemorações, cantigas e elementos presentes na memória
militar; construção dos vultos, dos ícones; e também algo bem específico destas novas propostas, o estudo do oposto da memória: o
esquecimento, os tabus, o que não é dito (PARENTE, 2009, p. 12). Dentre estas novas possibilidades de estudo em História Militar,
este autor não faz referência direta às práticas físicas ou esportivas. No entanto, no amplo universo de temáticas que tem emergido
neste campo e levando em consideração a ampliação da relevância dos estudos sobre esporte na atualidade, considero que este
movimento (o esporte) passa a ser um objeto de importância significativa para a compreensão das relações das instituições
militares brasileiras com as questões do corpo e das competições através do esporte. Este trabalho vem, portanto, contribuir no
aprofundamento das análises sobre a inserção do esporte na estrutura das FFAA brasileiras em fins do século XIX e início do
século XX e seus impactos na organização interna destas instituições, assim como nas relações com a sociedade civil.

6 1.2 Alguns estudos sobre Esporte Militar no Brasil e no Mundo Os estudos sobre história do esporte militar em países
estrangeiros têm recebido atenção dos pesquisadores desde a década de 1980. No processo de levantamento bibliográfico sobre este
movimento, foram localizadas produções que se dedicaram a analisar a inserção das práticas esportivas entre os militares dos
Estados Unidos, das Forças Armadas Britânicas, da França e da extinta União Soviética. Robert Baumann, no ano de 1988,
publicou o artigo The Central Army Sports Club (TsSKA) Forging a Military Tradition in Soviet Ice Hockey no Journal of Sport
History onde debate o processo de inserção dos esportes no Exército Soviético, culminando com as análises sobre o desempenho
superior dos militares no ice hockey. No artigo, Baumann afirma que o esporte e a ginástica passaram a fazer parte do cotidiano do
Exército Soviético ainda no século XIX, quando em 1844 a ginástica e a natação passaram a integrar o Programa Oficial de
formação dos Cadetes. Na década de 1870 foi instituído o serviço militar universal na União Soviética e os chamados tiros de
ginástica passaram a ser fortemente estimulados pelo governo como instrumento para formar competências para bons soldados. As
atenções com a condição física se intensificaram também pela entrada no Exército de indivíduos sem grande aptidão física por
ocorrência do serviço militar universal. A partir de 1898, os militares passaram a apoiar associações esportivas como forma de
estimular o preparo dos jovens para servir. Esse processo ampliou o movimento esportivo competitivo na Rússia com esportes
como futebol, iatismo, tênis, ciclismo, patinação no gelo. O autor prossegue no artigo analisando brevemente as fases do esporte
entre os militares soviéticos, dedicando espaço para observações sobre o processo de organização esportiva no interior do Exército
e seus reflexos sobre o desempenho em competições, analisando especificamente o caso do ice hockey (BAUMANN, 1988).
Wanda Wakefield, em sua obra Playing Win: sports and the American Military, 1898-1945, publicada em 1997, reforça que nos
Estados Unidos, assim como no restante do mundo ocidental, a cultura esportiva se desenvolveu no final do século XIX,
beneficiada pelas melhorias no transporte, pelo crescimento dos meios de comunicação, particularmente os jornais mais baratos,
pela urbanização e industrialização. Em 1898, o esporte já fazia parte do calendário nacional e garantia atenção de diferentes
grupos da população para competições de baseball e football. No entanto, a aproximação dos militares destas práticas somente
ocorreria na entrada dos Estados Unidos no conflito com a Espanha, conhecido como Guerra Hispano- Americana, pelo controle
das colônias espanholas no Golfo do México, no ano de 1898.

7 Segundo Wakefield, após a derrota da Espanha no conflito, os comandantes americanos criaram intencionalmente oportunidades
para os soldados e marinheiros praticarem baseball, corrida e experiências com outras competições atléticas. Neste movimento,
líderes nacionais, como o presidente Theodore Roosevelt e o General Leonard Wood, passaram a dar exemplos pessoais das
vantagens derivadas de aptidão física. O General Wood iniciou ainda um processo para garantir unidades no Exército Regular e na
Guarda Nacional com equipamentos envolvidos em treinamento físico compatível com as exigências para os soldados do país no
futuro. Determinando este momento descrito acima como o ponto de partida, a autora prossegue em sua obra discutindo as
diferentes fases do movimento esportivo no interior do Exército Americano, relacionando-os com os diversos conflitos onde o país
esteve atuando ao longo do século XX, seguindo até a Segunda Grande Guerra (WAKEFIELD, 1997). Ainda observando as
produções sobre esporte militar em outras nações, a obra Sport and the Military: the British Armed Forces 1880-1960, de autoria de
Tony Mason e Eliza Riedi e publicada em 2010, dedica-se a analisar o processo de estabelecimento das práticas esportivas entre os

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militares britânicos. Os autores iniciam a obra afirmando que, ainda nos dias de hoje, o esporte não é tema central de estudos de
História Militar, sendo citado (quando citado) como parte de um pacote de reformas destinadas a melhorar a preparação do soldado
comum, de estímulo para recrutamento nas últimas décadas do século XIX ou como um elemento de diversão que poderia ser
desfrutado pelos soldados do serviço ativo nas pequenas guerras do período imperial. As análises dos autores apresentam a inserção
do esporte entre os militares britânicos como um dos itens de um movimento que buscava o desenvolvimento de recreações
racionais entre os soldados e marinheiros, envolvido em um aumento da oferta educativa com a ampliação de bibliotecas e salas de
leitura, e ambientes para pausas e repousos livres de álcool. A expansão do esporte organizado no Exército e Marinha pode ser
vista como parte deste movimento para elevar o padrão moral e intelectual dos militares britânicos e, como afirmado pelos autores,
é principalmente neste contexto que os historiadores das Forças Armadas têm discutido o esporte. No entanto, os esportes em
serviço somente tiveram aprovação oficial no final do período Vitoriano e Eduardiano e o pessoal de Ginástica do Exército
forneceu ajuda preciosa. Antes de 1914 o esporte foi promovido por entusiastas pela prática e encontrou terreno principalmente
entre os oficiais subalternos e suas bases. Por esta razão, afirmam Mason e Riedi, o movimento se desenvolveu de forma desigual
entre navios e regimentos, e entre portos e guarnições. Assim como os demais autores já discutidos, prosseguem por toda a obra
relacionando o desenvolvimento da prática esportiva

8 com as diversas atuações das FFAA britânicas no período compreendido pela pesquisa (MASON e RIEDI, 2010). Para o caso
francês, foi localizado uma Tese de Doutoramento defendida na Universidade de Lion em 2010, de autoria de Arnaud Waquet
intitulada Football en guerre: l acculturation sportive de la population française pendant La Grande Guerre (1914-1919). No
trabalho, Waquet dedica-se a discutir o processo de aculturação esportiva ocorrido durante a Primeira Guerra, identificando uma
significativa redução na prática da ginástica e ampliação do que chama de desporto inglês, com especial atenção para o futebol.
Partindo desta premissa, analisa as relações entre o futebol e a guerra e seus impactos sobre a população francesa (WAQUET,
2010). Como é possível perceber com estes breves relatos de estudos, as análises sobre esporte militar na Europa e nos Estados
Unidos abarcam diferentes aspectos do movimento e suas relações com as FFAA e a sociedade. No caso brasileiro, as pesquisas
bibliográficas sobre a temática desta pesquisa apontaram uma significativa lacuna quanto a estudos historiográficos sobre esporte
militar. Apesar do processo histórico do fenômeno esportivo ter atraído a atenção de áreas múltiplas, a inserção deste fenômeno no
interior das estruturas das instituições militares brasileiras e seu desenvolvimento ainda mostram-se pouco visitados pelos
pesquisadores. Foram localizados alguns estudos que se configuram como Dissertação de Mestrado na área da Educação Física
(EF), artigos publicados em revistas científicas e obras de caráter enciclopédico também quase que totalmente produzidas por
estudiosos da área de EF. Celso Castro, em seu artigo In corpore sano - os militares e a introdução da educação física no Brasil
publicado em 1997 na revista Antropolítica, dedica-se a tratar as iniciativas militares para a introdução da educação física de forma
sistematizada e obrigatória no Brasil, na primeira metade do século XX. É examinada a institucionalização da educação física tanto
no Exército quanto nos estabelecimentos civis de ensino, sua vinculação a concepções de defesa nacional e a tentativa de se criar
um Método Nacional, adaptado ao temperamento brasileiro (CASTRO, 1997, p. 61). Com abordagem essencialmente política,
Castro discute as questões internas e as influências internacionais que propiciaram o processo de desenvolvimento da EF no
interior do Exército e que possibilitaram a sua influência na educação brasileira. Victor Melo, estudioso da História do Esporte, em
parceria com Randeantony Nascimento, tem trabalho dedicado à discussão do papel dos militares no desenvolvimento da formação
profissional na Educação Física brasileira, apresentado em Congresso de História da Educação em 2000, onde são trabalhadas
também as questões relacionadas à atuação dos

9 militares no processo de formação de professores civis e militares para atuação na educação básica e sua influência na fundação
de outras escolas de formação em EF no país. O trabalho discute questões políticas e analisa o contexto de atuação dos militares no
campo da EF no Brasil antes e depois da fundação da Escola Nacional de Educação Física e Desportos (MELO e NASCIMENTO,
2000). Com relação ao esporte na Marinha, apenas um artigo foi localizado analisando o processo histórico das regatas e do
Grêmio de Vela da Escola Naval desde sua fundação, em 1943, até a situação no momento de produção do trabalho. O artigo de
autoria de Fernando Garrido foi publicado na Revista de Villegagnon da Escola Naval, no ano de 2007. O trabalho, com a mesma
característica dos demais analisados, não se propõem a discutir as questões relacionadas ao esporte militar enquanto movimento
mais amplo, focando uma apresentação mais cronológica do desenvolvimento da modalidade Vela na Marinha do Brasil
(GARRIDO, 2007). Em artigo da Revista de Educação Física publicada pelo Exército, André Morgado Ribeiro discute as
contribuições da Missão Militar Francesa para o desenvolvimento do esporte no Exército Brasileiro, enfocando as influências da
estrutura francesa neste processo de difusão do esporte na instituição (RIBEIRO, 2009). Renato Soeiro, em dissertação de
Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Motricidade Humana da Universidade Castelo Branco defendida em
2003, aborda as contribuições da Escola de Educação Física do Exército (EsEFEx) para o Esporte Nacional tendo como recorte
temporal o período de 1933 a 2000. O autor apresentou como preocupações principais o levantamento das ações e influências da
EsEFEx no contexto esportivo nacional, realizando um breve histórico sobre o panorama do esporte no Brasil antes da fundação da
referida Escola e organizando o período posterior em cinco fases, segundo os objetivos de atuação identificados pelo autor. 11 Ao
longo do trabalho, enfoca prioritariamente as relações entre o Exército e os diferentes governos federais de seu recorte, realizando
contextualizações também de cunho essencialmente político do panorama internacional. O autor ainda realiza em alguns momentos
uma listagem cronológica das competições promovidas ou com participação de militares do Exército (SOEIRO, 2003). Apesar de
existir atuação no campo esportivo da Marinha e da Força Aérea Brasileira (FAB), após sua 11 Fase da busca da Eugenia e de
influência na formação de profissionais de Educação Física e de Medicina Esportiva (1933 a 1941); Fase do uso do esporte na
preparação para guerra e influência na administração esportiva (1942 a 1967); Fase de cientificação do treinamento esportivo (1968
a 1979); Fase de valorização dos esportes militares (1980 a 1989); Fase de reestruturação no sentido da ciência do esporte (1990 a
2000).

10 fundação em 1941, não se registra na obra qualquer discussão (e até mesmo menção) a respeito do desenvolvimento deste
movimento nas demais FFAA brasileiras. Duas obras publicadas entre os anos de 2005 e 2007 merecem observações. De
organização de Lamartine Pereira DaCosta, o Atlas do Esporte no Brasil, publicado em 2005, tem como estrutura a composição de
um catálogo de artigos sobre diferentes aspectos do movimento esportivo no Brasil ao longo da história. 12 Esta obra tem capítulos

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dedicados às relações dos militares com o esporte, organizados internamente de forma exclusivamente cronológica, apresentando
as diferentes etapas de desenvolvimento do movimento nas FFAA e Forças Auxiliares. 13 A obra, apesar de não aprofundar
discussões sobre as relações e influências ocorridas durante o processo de estabelecimento do movimento esportivo nas
instituições, aponta informações e caminhos importantes. A segunda obra de destaque é o Dicionário Enciclopédico Tubino do
Esporte, organizado por Manoel Tubino, Fábio Tubino e Fernando Garrido, publicado em 2007, e estrutura-se, como o título da
obra indica, em formato de dicionário. Composto por verbetes elaborados por diversos pesquisadores, dedica espaços para a
apresentação das diferentes modalidades de esportes militares e as principais instituições ligadas ao movimento. Como as demais,
não realiza discussões mais complexas sobre os diferentes processos de estabelecimento e institucionalização destas práticas. Esta
breve revisão bibliográfica buscou apresentar um levantamento do que já se produziu sobre a temática do esporte militar no Brasil,
assim como as principais abordagens e enfoques destas produções. Como foi possível perceber na exposição, o material localizado
apresenta características de enfocar apenas uma temática ou uma instituição e suas relações com o esporte, não discutindo o
panorama mais amplo do movimento esportivo no interior 12 Artigos sobre a relação do esporte com as FFAA e Forças Auxiliares:
BOUCAS, Renato; RABELO, Adalberto; LACERDA, Rogerio. Polícias Militares do Brasil Atividades físicas e esportivas. In:
DACOSTA, Lamartine. (Org.) Atlas do Esporte do Brasil. Rio de Janeiro: Shape, 2005. CORREIA, Roberto. Comissão Desportiva
Militar do Brasil CDMB. In: DACOSTA, Lamartine. (Org.) Atlas do Esporte do Brasil. Rio de Janeiro: Shape, 2005. GARRIDO,
Fernando; LAGE, Ângela. O Esporte na Marinha do Brasil. In: DACOSTA, Lamartine. (Org.) Atlas do Esporte do Brasil. Rio de
Janeiro: Shape, 2005. MOREIRA, Sergio. Aeronáutica esporte, Educação Física e aptidão física. In: DACOSTA, Lamartine. (Org.)
Atlas do Esporte no Brasil. Rio de Janeiro: Shape, 2005. PUBLIO, Nestor Soares; CATALANO, Ivens Martini. Escola de Educação
Física da Polícia Militar do estado de São Paulo. In: DACOSTA, Lamartine. (Org.) Atlas do Esporte do Brasil. Rio de Janeiro:
Shape, 2005. SILVA, José da. Corpo de Bombeiros no Brasil esporte e Educação Física. In: DACOSTA, Lamartine. (Org.) Atlas do
Esporte do Brasil. Rio de Janeiro: Shape, 2005. SOEIRO, Renato. Exército Brasileiro Atividades físicas e esportivas. In:
DACOSTA, Lamartine. (Org.) Atlas do Esporte no Brasil. Rio de Janeiro: Shape, 2005. SOEIRO, Renato; PINHEIRO, Rafael.
Escola de Educação Física do Exército EsEFEx.. In: DACOSTA, Lamartine. (Org.) Atlas do Esporte no Brasil. Rio de Janeiro:
Shape, 2005. 13 Forças Auxiliares é o termo utilizado para designar as Polícias Militares e o Corpo de Bombeiros.

11 das FFAA. Por esta percepção, destaca-se mais uma vez a relevância do desenvolvimento de uma pesquisa em perspectiva
comparada dos processos de inter-relação e de influências que ocorreram entre Exército e Marinha ao longo do desenvolvimento
das práticas esportivas. A contextualização destes processos com o panorama do esporte no Brasil no período mostra-se
fundamental com vistas a garantir uma compreensão mais aprofundada da complexidade e dos objetivos no estabelecimento de tais
práticas entre os militares. 1.3 O esporte e as FFAA brasileiras: problemas e questões da pesquisa Ainda no início do século XX,
registra-se a criação das primeiras instituições reguladoras da prática esportiva dentro do EB e da MB no ano de 1915: a Liga
Militar de Football e a Liga de Sports da Marinha. 14 No entanto, desde meados do século anterior, algumas atividades físicas e
esportivas foram introduzidas no cotidiano destas instituições de forma gradativa através de medidas normativas como a inserção
sistemática destas práticas no currículo das diferentes escolas de formação militar. O movimento republicano, em fins do século
XIX, defendia a construção de um Brasil moderno, civilizado e distante de práticas desorganizadas e descontroladas que, segundo
os grupos republicanos que criticavam a Monarquia, eram características do período imperial. As transformações políticas,
econômicas e sociais marcaram a história do país neste período, sendo introduzidos diferentes elementos em todas as instâncias da
sociedade visando a assemelhação às modernas nações europeias (CARVALHO, 1987). Neste novo formato de sociedade que se
buscava construir, as práticas de atividades físicas e esportivas foram identificadas como importantes contribuintes, já que traz[iam]
em suas bases o controle sobre corpo, mente e emoções, um equilíbrio visto como necessário nos indivíduos para a contribuição no
crescimento e desenvolvimento do país (CANCELLA, 2010, p. 8). 14 Este período da década de 1910 foi marcado também pelas
discussões sobre a criação da primeira entidade esportiva nacional no Brasil, a Confederação Brasileira de Desportos (CBD). A
fundação das Ligas esportivas nas FFAA, portanto, estava acompanhando um movimento maior que se desenvolvia no panorama
do esporte no Brasil. Este processo de fundação da CBD e a atuação dos militares neste movimento de criação de entidades
esportivas serão mais aprofundados ao longo deste trabalho.

12 Como trabalhado por mim em estudo anterior, o desenvolvimento deste movimento esportivo no Brasil teve como pano de
fundo uma sociedade em momento de transformação, onde se iniciava um processo de mudança no perfil do país, em destaque para
a capital, buscando aproximá-la das grandes cidades européias com processos de urbanização e sanitarização no final do século
XIX e início do século XX, introdução de hábitos considerados civilizados, como as práticas esportivas, e que privilegiassem
atitudes saudáveis, buscas por crescimento econômico e desenvolvimento do país, além da criação de um Estado Laico, visando
deixar para trás as características que ligavam a sociedade ao Império, classificado como símbolo do atraso (CANCELLA, 2010, p.
9). A cidade do Rio de Janeiro, então capital federal, foi a porta de entrada principal das práticas esportivas, desde meados do
século XIX, disseminando entre suas elites o apreço por tais práticas (MALAIA, 2010). As condições que levaram o Rio de Janeiro
a ser uma cidade esportiva 15 foram analisadas por Victor Andrade de Melo, destacando as características que propiciaram a
introdução e disseminação das práticas esportivas na sociedade carioca no século XIX e ao longo do século XX. Esta cidade,
principal canal de entrada das novidades europeias oitocentistas, passou por processos de mudança desde as primeiras décadas
daquele século que favoreceram a ascensão das ideias de necessidade de civilizar e modernizar o país, iniciando as ações pela
capital (MELO, 2001). O desenvolvimento da industrialização, o crescimento da zona urbana e o surgimento de outras camadas
sociais, como os industriais, alteraram a estrutura sociocultural da cidade, criando um ambiente propício ao crescimento do
movimento esportivo, principalmente a partir da segunda metade do XIX, com a ampliação das práticas esportivas vinculadas ao
cotidiano das cidades, como o caso do remo (MELO, 2001). 16 Ao longo do processo de difusão do movimento esportivo no
Brasil, inúmeras instituições como clubes, escolas e também as FFAA, até então Exército e Marinha 17, que originalmente não
apresentavam qualquer ligação com o esporte passaram a inserir tais atividades entre suas funções. 15 Conceito cunhado por Victor
Andrade de Melo em sua tese de Doutoramento, posteriormente publicada como a obra Cidade Sportiva: primórdios do esporte no
Rio de Janeiro no ano de 2001. 16 Este processo de intensificação das práticas esportivas nas áreas urbanas do Rio de Janeiro será
discutido no Capítulo 2. 17 A Força Aérea Brasileira foi criada em janeiro de 1941 através do Decreto-Lei N. 2.961 que estabelecia
a criação do Ministério da Aeronáutica, efetivando a transferência de todos os militares que compunham a Arma de Aeronáutica do
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Exército e o Corpo de Aviação Naval para a subordinação daquele Ministério. Como este trabalho tem por objetivo analisar as
ações dos militares brasileiros no campo esportivo no período compreendido entre 1890 e 1922, a Força Aérea Brasileira não será
alvo de observações.

13 O esporte passou, então, a figurar no seio das atividades das FFAA brasileiras, tendo alguns militares participado do processo de
difusão e regulamentação de diferentes modalidades na sociedade. 18 Além de contribuir para a ampliação do movimento esportivo
no Brasil, as FFAA ainda atuaram na introdução no país dos chamados esportes militares, atividades criadas especificamente dentro
das corporações militares envolvendo práticas específicas onde são simuladas partes do treinamento funcional exigido pela
atividade militar. 19 (CANCELLA e MATARUNA, 2012b). A ginástica foi introduzida e passou a fazer parte do cotidiano dos
militares brasileiros e, mesmo após sua implementação em meio civil, ainda guardava muito das características militarizadas.
Como afirma Soares, a ginástica, portanto, como expressão da cultura e como forma especifica e mais especializada de uma
educação do corpo urbano, guardou, assim, em seu conteúdo, relações próximas e mesmo de dependência de instituições bastante
fortes no período, como a militar e a médica. Da primeira, cabe repetir, guardou as paradas, as ordens coletivas, os uniformes, as
bandeiras, as vozes de comando, as destrezas arrojadas como forma de espetáculo coletivo, as ações ligadas ao salvamento de
pessoas, o auxílio a enfermos e proteção dos fracos, o transporte de pessoas e utensílios em situações de perigo, como inundações,
incêndios, desabamentos etc.; da segunda, apropriou-se do universo de conhecimentos, privilegiando aqueles consagrados na esfera
científica do período e que se localizavam, sobretudo, na anatomia, fisiologia, mecânica e higiene (2009, p. 145). Os militares
passaram a não somente praticar as ginásticas e os esportes no interior de suas corporações, mas também desempenharam
importante papel de fomentadores no meio civil, por meio da atuação na função de instrutores de ginástica em escolas civis, assim
como na participação como esportistas em competições de diferentes modalidades e também no papel de liderança em entidades
reguladoras esportivas (GARRIDO e LAGE, 2005; SILVA e MELO, 2011). No processo de difusão das práticas das atividades
ginásticas e esportivas, os militares desempenharam importantes papéis, não somente em fins do século XIX, quando ainda se
posicionavam no controle político do país, mas também nos anos iniciais do século XX. As análises desta pesquisa terão como
ambiente a cidade do Rio de Janeiro por algumas razões: 18 O remo e o iatismo são exemplos de esportes onde registra-se a
participação de militares em seus processos de institucionalização no Brasil. Estas ações serão detalhadas no Capítulo 2 desta
dissertação. 19 Atualmente, o CISM reconhece como integrantes da categoria esportes militares de verão as modalidades:
Orientação, Paraquedismo, Pentatlo Aeronáutico, Pentatlo Naval, Pentatlo Militar e Tiro Esportivo. No entanto, outras modalidades
hoje já consagradas em meio civil e até mesmo integrantes do quadro dos Jogos Olímpicos de Verão foram inicialmente praticadas
quase que exclusivamente por militares, sendo posteriormente difundidas para não-militares. Alguns exemplos são a Esgrima,
Hipismo e o Tiro Esportivo. Nos 5º JMM, as competições ocorreram em 20 modalidades organizadas em 05 categorias: Esportes
Individuais (Atletismo, Natação, Hipismo, Pentatlo Moderno, Vela, Triatlo), Esportes Coletivos (Basquete, Futebol, Vôlei), Esporte
de Exibição (Vôlei de Praia), Esportes Militares (Pentatlo Aeronáutico, Pentatlo Militar, Pentatlo Naval, Paraquedismo, Tiro,
Orientação), Esportes de Combates (Boxe, Esgrima, Judô, Taekwondo). (CISM, 2011; RIO2011, 2011).

14 sua característica de principal ponto de entrada e disseminação da prática esportiva no país, por questões já anteriormente
apresentadas; seu importante papel de capital da República e sede das instituições militares; e por ser o local de fundação e também
principal área de atuação das Ligas Esportivas Militares (LEM). 20 Importante também destacar que o recorte temporal adotado
por este trabalho se define por questões políticas do país (processo de proclamação e estabelecimento da República no Brasil) e
aspectos específicos do processo de desenvolvimento e difusão das atividades físicas e esportivas na estrutura das Forças Armadas.
O ponto inicial, situado no ano de 1890, foi selecionado por ser o primeiro ano da República do Brasil com governo de base militar,
além de ser o ano em que foram reforçadas as medidas normativas de introdução das atividades gymnasticas e natação nos
currículos de ensino no Brasil, tanto em instituições militares como civis através da Reforma de Benjamin Constant. 21 Já o recorte
final, o ano de 1922, marca o encerramento de um primeiro ciclo de atividades das Ligas Esportivas Militares e mudanças nos
processos de atuação a partir da participação nos Jogos do Centenário, como será apresentado a seguir. Das práticas de ginástica no
interior dos quartéis ao desempenho de funções de instrutores nas escolas civis, os militares, durante a década final do Oitocentos e
inicial do novecentos, atuaram de forma ativa na divulgação destas práticas para a sociedade. As preocupações com o processo de
formação destes instrutores, fortemente influenciadas por grupos militares estrangeiros, fomentaram as primeiras medidas para
criação de escolas de formação em Educação Física no Brasil na primeira década do século XX. Do período das atividades
ginásticas até a criação das Ligas Esportivas Militares, a prática de esporte de forma competitiva não era normatizada ou
regulamentada pelas instituições. A partir de 1915, as LEM assumiram este papel de entidades regulamentadoras da prática
esportiva entre os militares brasileiros, sendo responsáveis por ações de difusão e normatização de tais práticas. De 1915 a 1922, os
processos de organização esportiva e institucionalização das atividades fizeram com que o esporte adquirisse novas preocupações e
investimentos no interior das instituições militares. Com a ampliação da abrangência do esporte competitivo, os militares passaram
a especializar as práticas e garantiram espaço de representação entre as principais equipes esportivas do país e até mesmo em
seleções 20 A partir deste ponto a sigla LEM passará a ser utilizada em referência a Ligas Esportivas Militares. 21 Reforma
proposta pelo então Ministro da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, o General Benjamin Constant, e aprovada pelo Decreto n.
981 de 08 de novembro de 1890 que previa uma reestruturação do ensino público no Brasil. Dentre suas propostas, defendia o
espaço das aulas de gymnastica nos dois ciclos da escola primária, no currículo da Escola Normal e do Gymnasio Nacional. As
propostas e os desdobramentos desta reforma serão detalhados no Capítulo 2.

Jogos. 22 A participação das LEM na organização deste evento foi uma experiência fundamental 15 nacionais em eventos
esportivos internacionais, como nos Jogos Olímpicos da Antuérpia em 1920 (GARRIDO e LAGE, 2005). Com este processo no
início da década de 1920, em 1922 as Ligas Militares foram reconhecidas oficialmente como entidades representativas pela
Confederação Brasileira de Desportos (CBD), responsável pelo esporte nacional naquele momento. Este reconhecimento foi
efetivado em decorrência das funções desempenhadas por estas instituições no processo de organização dos primeiros Jogos
Multiesportivos Internacionais realizados no Brasil: os Jogos Esportivos do Centenário, competição maior onde também foram
realizados os Jogos Internacionais Militares. Estes eventos ocorreram durante os festejos pelo centenário da Independência do
Brasil, comemorados naquele ano de 1922, e no processo de organização foi criada uma Comissão Militar para as Festas Esportivas

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do Centenário, presidida pelo Coronel Estellita Werner que, em parceria com a CBD, foi responsável pela realização dos para
mudanças significativas nas perspectivas de atuação das Ligas Militares. Estas mudanças envolviam a ampliação das preocupações
não somente com a organização esportiva, mas também com investimentos em processos de capacitação dos envolvidos na prática,
com a contratação de técnicos estrangeiros para diferentes modalidades, e a criação de escolas de formação em Educação Física nas
duas instituições. O ano de 1922, portanto, é compreendido como o encerramento de um primeiro ciclo de atuações das LEM,
sendo um marco significativo no redirecionamento de suas abordagens e atividades. Esta pesquisa encerra suas análises com a
participação dos militares na organização deste evento esportivo internacional, destacando as principais mudanças nas estruturas
organizacionais das ligas, além das alterações na interpretação das funções destas entidades tanto no meio militar como no civil.
Indicarei, ainda, as próximas etapas de desenvolvimento das LEM já identificadas e que ainda requerem maiores investigações,
mas que este estudo no momento não apresenta condições de abarcar tais discussões devido aos limites deste trabalho. As FFAA,
portanto, passaram em aproximadamente três décadas das atividades ginásticas restritas ao interior dos quartéis para o processo de
divulgação de tais práticas em meio civil, fazendo a transição para a implantação e regulamentação de competições esportivas,
inicialmente entre seus militares e algumas equipes civis. Da organização 22 BRASIL. Diário Oficial da União de 26 de julho de
1922, seção 1, p. 1-4.

16 esportiva interna, passou à participação e organização de grandes eventos esportivos internacionais. Este processo, apesar de ter
se desenrolado de maneira similar entre as duas Forças Armadas em atividade naquele momento, apresentou peculiaridades por
características específicas de cada uma destas instituições. O desenvolvimento da pesquisa na perspectiva comparada, trabalhando
com as duas instituições militares, pode iluminar as principais abordagens e influências de cada uma com relação à estruturação do
movimento esportivo ampliando a compreensão deste processo e destacando as similaridades e especificidades identificadas em
seu desenvolvimento em ambas as instituições. Esta pesquisa tem como objetivo principal analisar comparativamente o processo de
introdução e organização do esporte na Marinha do Brasil e no Exército Brasileiro, suas relações com os processos de
reestruturação que cada uma destas instituições empreendia na Primeira República e os papéis que buscavam desempenhar na
sociedade. Além deste objetivo central, foram identificadas algumas questões a investigar que direcionaram os olhares ao longo do
desenvolvimento da pesquisa: 1. Quais foram os instrumentos e discursos utilizados pela Marinha do Brasil e Exército Brasileiro
para a introdução das atividades físicas e esportivas de forma regular no interior de suas instituições? 2. Como e por que as
questões do corpo e de seu preparo passaram a ser alvo de preocupação e de atenções normativas nas Forças Armadas? 3. As
influências estrangeiras tiveram papel significativo no desenvolvimento do esporte nas FFAA brasileiras? 4. Como as
determinações internas de hierarquia e disciplina foram tratadas no contexto das práticas esportivas? 5. Como se desenvolveu a
transição da prática de atividades físicas com objetivos de preparação do corpo para as práticas esportivas competitivas? 6. Qual foi
o modelo de Liga esportiva adotado em cada uma das FFAA quanto à organização e estruturação? 7. Quais foram as circunstâncias
que levaram o esporte militar a adquirir condições de representação nacional na década de 1920, com participação em eventos
esportivos internacionais? 8. Quais foram os desdobramentos das ações dos militares nestas primeiras décadas de estruturação das
atividades ligadas à prática esportiva para o Esporte e a Educação Física nas FFAA?

17 Como já apontado, o problema central a ser discutido nas análises reside nas relações estabelecidas entre as práticas esportivas e
seu papel de preparo do corpo, promoção da saúde e difusão dos preceitos da modernidade com os projetos de reestruturação
desenvolvidos por cada uma das instituições militares em atividade no período. Neste contexto, percebe-se como importante
observar como estas Forças se organizaram no início da República e como passaram a enxergar suas funções nesta nova sociedade
brasileira que se buscava construir, destacando o papel atribuído ao esporte e à atividade física neste processo de ressignificação de
funções. 1.4 Conceitos fundamentais Para a estruturação desta pesquisa, destaca-se a necessidade de utilização de alguns conceitos-
chave para a compreensão dos processos de desenvolvimento das práticas esportivas na sociedade brasileira e no interior das
FFAA. O conceito de esporte moderno tem sido alvo de debates a fim de definir suas origens e principais características. Não
ignorando as contribuições significativas destes debates, mas compreendendo que esta perspectiva não é o objetivo foco das
propostas aqui defendidas, esta pesquisa compreende o esporte moderno a partir das análises de Victor Melo que em recente
trabalho observa as diferentes fases de construção do conceito ao longo dos séculos XIX e XX, apontando algumas características
principais deste fenômeno. Melo afirma que, no século XIX, conforma-se um conceito moderno de esporte, marcado pelas novas
dimensões culturais relacionadas às classes médias, uma prática que, em linhas gerais, atende a algumas características. Organiza-
se em entidades representativas (locais, nacionais e internacionais); o club, que se delineara nos coffee shops e public houses
ingleses do século XVIII, será a unidade fundamental de estruturação. A palavra surgiu no século XIII e é somente no século XVII
que ganhou a acepção de associação de pessoas para um fim em comum. Os clubes se estruturaram como bases da sociedade civil,
uma forma de conformar novas identidades (de categoria, de classe, nacional, regional, local). [...] Possui um calendário próprio, já
não mais seguindo estritamente outros tempos sociais ou rituais. Envolve um corpo técnico especializado cada vez maior
(treinadores, preparadores físicos, dirigentes, gestores, psicólogos, médicos, entre muitos outros). Gera um mercado ao seu redor,
que extrapola até mesmo o que a princípio poderia ser considerado específico da prática esportiva (2010b, p. 4).

18 Este perfil de organização das práticas esportivas surgiu na sociedade europeia acompanhando as tendências de regulamentação
presentes naquele momento em diferentes espaços sociais. Estas práticas, rapidamente difundidas na Europa e em diversas regiões
do planeta onde o Velho Mundo exercia influência, traziam em suas bases características de distinção social e modernidade, sendo
assimilados e ressignificados pelos diferentes grupos sociais. O esporte seria, então, um esforço da sociedade inglesa do século
XIX de normatizar as atividades físicas, criando os desportos, destacando a visão de estabelecimento de um processo social onde as
regras de convivência e comportamentos determinariam as etapas de civilização alcançadas pelos indivíduos (ELIAS e DUNNING,
1992). Este esporte é característico de uma sociedade moderna, sociedade esta que deveria ser regulada e controlada,
principalmente com relação às atividades de tempo livre, tendo como bases, naquele momento, preocupações com a produtividade,
competição, especialização das funções, resultados, estabelecimento de regras. Estas regras, difundidas nas mais diferentes áreas da
vida dos ingleses, podem ser compreendidas como restrições de comportamento que permitem a vida em sociedade, controlam os
interesses individuais em nome do bem comum (FRANCO JUNIOR, 2007, p. 25). Sendo o esporte compreendido como uma dos
elementos da dita modernidade almejada pelas sociedades ao redor do globo no século XIX e início do século XX, a definição

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deste conceito é vista como significativa. Este trabalho compreende a modernidade a partir das contribuições de Norbert Elias. O
conceito de modernidade, para Elias, está interligado à sua teoria dos processos civilizadores. Ao analisar a sociedade, destaca as
mudanças nas formas de controle social, principalmente com relação a hábitos cotidianos, vestuário, práticas corporais, aspectos da
educação formal e até mesmo a relação familiar como esquemas de distinção social através do conhecimento e utilização de
determinados hábitos que se configuravam como elementos diferenciadores. A questão principal da modernidade seria a criação de
uma ordem social com a disseminação de práticas que favorecessem novas formas de sociabilidade, priorizando o refinamento das
ações dos indivíduos com vistas ao desenvolvimento de habilidades de respeitar as regras, de reconhecer a necessidade de um forte
autocontrole de suas ações e emoções, além da convivência em grupo e compreensão dos espaços individuais e coletivos de
atuação. Estes sistemas, associados ao processo de complexificação das redes de interdependência entre os grupos da sociedade,
seriam as chaves para a compreensão da ideia de sociedade moderna (ELIAS, 1990).

19 Os princípios de civilização e modernidade criavam novos esquemas de distinção social onde o reconhecimento do indivíduo ou
grupo social como civilizado dependia de sua capacidade de assimilar e praticar as novas normas sociais, sendo sempre criadas
novas formas de refinamento das ações ao longo do tempo como forma de manter o processo de distinção entre os grupos. Como
afirma Philippe Ariès, a modernidade não é somente uma mudança na sociedade que traz em suas bases uma característica de
afastamento dos hábitos do passado, é e talvez principalmente, a consciência que se vangloria de entrar em um novo mundo. Novo
a ponto de provocar vertigem!, separado por um abismo do tempo precedente (ARIÈS, 1994, p. 107, grifo do autor). Esta
concepção de modernidade vinculada aos hábitos ordenados, novos, organizada em torno de um Estado e com espaços sociais de
atuação definidos e ao mesmo tempo interdependentes são as aspirações de grande parte das sociedades oitocentistas no Ocidente,
mantendo-se como referência principalmente Inglaterra e França. A sociedade brasileira, inserida no contexto de busca por
assemelhação aos aspectos socioculturais e políticos europeus, logo passou a assimilar práticas que garantissem um ar moderno ao
país. Este movimento foi o que Nicolau Sevcenko chamou de febre esportiva com a ampliação da ideia de que o engajamento
corporal seria responsável pela realização plena do destino humano. As filosofias da ação, os homens de ação, as doutrinas
militantes, os atos de arrebatamento e bravura se tornam índices nos quais as pessoas passam a se inspirar e pelos quais passam a se
guiar. [...] Os clubes pululam, com destaque para o futebol, mas envolvendo todos os esportes. As modas mudam para se tornar
esportivas, leves, curtas, coladas ao corpo, expondo amplas áreas para respiração e a insolação, exibindo os músculos e formas
torneadas do físico. A modelação e o condicionamento do corpo e da mente se tornam uma obsessão, um culto (SEVCENKO,
1998, p. 568-569) A entrada do esporte na sociedade brasileira acompanhou estes ideais de modernidade e, como elemento de
distinção social, é primeiramente introduzida entre as atividades das elites. Peter Burke (1991) define as elites como grupos sociais
superiores definidos a partir dos critérios de status, poder e riqueza. No caso do Brasil nesta virada do século XIX para o XX,
seguindo estes critérios, as elites seriam não somente como os que detinham o poder econômico, mas também e principalmente o
poder de influenciar culturalmente o desenvolvimento da sociedade. Nesse caso, as elites seriam constituídas tanto por
proprietários dos meios de produção quanto pelo que pode ser chamado de setores médios ou pequena burguesia. Inicialmente, as
elites eram os nobres, políticos e aristocratas ligados à economia agroexportadora. Posteriormente, também se deve considerar a
ascensão de setores urbanos, como militares, parte da intelectualidade e industriais (MELO, 2001, p. 16-17).

20 Destaca-se esta definição principalmente por inserir entre os grupos de elite os militares, personagens centrais das propostas de
análise deste trabalho. 23 As atividades desenvolvidas no interior das FFAA estruturam-se em dois pilares básicos: hierarquia e
disciplina. Apesar de o esporte ter sido inserido no quadro de atividades das instituições militares acompanhando os ideais de
modernidade, as práticas esportivas também possuem em suas bases aspectos como disciplina, respeito às regras, controle do corpo
e trabalho em grupo. Como afirma Miller (1997), a estrutura do esporte, para que estivesse em conformidade com os modelos
comerciais e industriais estabelecidos ao longo do século XIX, elaborou significações adicionais para as competições. As
representações de força e energia nas arenas esportivas passaram a compartilhar espaços com aspectos como disciplina e
autocontrole. Os limites de tempo e território impostos pelas determinações do tamanho dos campos e precisão dos cronômetros
passaram a determinar ênfases na coordenação e trabalho em equipe bem ordenado. As codificações e publicações das regras dos
jogos destacam uma racionalização dos processos envolvidos no esporte, em contraponto às ações espontâneas. O estabelecimento
de hierarquias de autoridade, com os especialistas e treinadores profissionais no topo, era o modelo de gestão comumente adotado.
As afirmações de Miller sobre o processo de estruturação do esporte evidenciam que as questões disciplinares, o respeito às regras
e a organização hierárquica também são elementos fundamentais no movimento esportivo. As semelhanças entre características do
esporte e das atividades militares também foram destacadas por Norbert Elias e Eric Dunning (1992) ao analisarem as disputas
esportivas como competições entre grupos, assim como nas batalhas militares, porém com uso da violência de forma
institucionalizada, regrada e direcionada. Como estes autores definem, a peça fulcral da configuração de um grupo envolvido no
desporto é, sempre, a simulação de um confronto, com as tensões por elas produzidas controladas, e, no final, com a catarse, a
liberação de tensão (ELIAS e DUNNING, 1992, p. 235). Ao serem inseridas nas FFAA, as atividades esportivas precisaram
equilibrar seus aspectos característicos hierarquia e disciplina com aqueles específicos já existentes dentro das instituições. No
desenvolvimento da pesquisa, percebeu-se a necessidade de dialogar com estas questões disciplinares internas das FFAA que
interferiram ou alteraram as configurações 23 O grupo alvo da pesquisa (militares) é composto por diferentes camadas
hierárquicas: praças (soldados, marinheiros, cabos e sargentos), suboficiais e oficiais (subalternos, intermediários, superiores e
generais). A inserção do esporte no quadro de atividades das FFAA, no entanto, foi uma iniciativa empreendida basicamente por
oficiais, sendo estes os responsáveis pelas decisões normativas e todas as instâncias de organização. Já no âmbito da prática, os
demais grupos (praças e suboficiais) eram participantes e estarão contemplados na pesquisa, mas não compreendidos como
integrantes desta elite.

21 iniciais das atividades esportivas. Portanto, identifica-se como importante a definição dos conceitos de disciplina e hierarquia
para a melhor elucidação destas relações. A disciplina é neste trabalho compreendida a partir das proposições de Michel Foucault
(1984), sendo esta uma forma de poder e controle sobre o corpo que visa a sua domesticação. Os corpos domesticados, ou dóceis
como o autor refere, são de mais fácil domínio e manipulação. O autor explora a concepção de poder a partir da disciplina. A
sociedade está submetida à força desta e, ao mesmo tempo, assume papel de disciplinadora, uma vez que é utilizada para manter a

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ordem e a produtividade. Todas as instâncias da sociedade buscam regular umas às outras, como um movimento contínuo e
circular, onde a disciplina e o controle assumem o papel principal de ordenadores da sociedade. No caso do objeto desta pesquisa, a
aplicação da disciplina é base de definição da estrutura das FFAA, desde determinações comportamentais, passando pelos
movimentos do corpo e até mesmo em normas sobre vestimentas (sejam os uniformes ou as roupas fora das organizações
militares). As relações entre esporte e disciplina, utilizando a teoria de Foucault, já foram debatidas por alguns autores. Edwards e
Skinner (2001), analisando as relações de poder em uma franquia de esporte profissional da Liga Nacional de Rugby australiana,
aplicam as concepções de Foucault sobre as questões disciplinares internas desta entidade esportiva. Os autores afirmam que o
poder disciplinador, dissolvido nas diferentes relações da sociedade, emerge com as instituições modernas e utiliza basicamente
três mecanismos: o exame, o julgamento normatizado e a observação hierárquica. Para estes autores, estes mecanismos poderiam
ser compreendidos como uma metáfora da internalização dos mecanismos de controle, sendo mais importante do que a vigilância
dos supervisores a autovigilância aceita pelos indivíduos e a naturalização deste processo. A atenção às regras, a cobrança por
resultados, não é somente feita pelos grupos superiores na hierarquia, mas sim, através de tecnologias disciplinadoras (exposição de
desempenhos individuais, bônus por produtividade, exclusão de atividades, substituições), é fomentada a autocobrança e o controle
sobre seus companheiros dentro daquela mesma rede de poder. Estes aspectos disciplinares específicos da organização esportiva e
suas relações com aqueles oriundos da estrutura militar foram alvo de análise ao longo da pesquisa. Como já afirmado, as
determinações hierárquicas também são características fundamentais tanto no esporte como nas FFAA. A hierarquia é parte dos
sistemas sociais que é utilizada como forma de classificação e ordenamento, estabelecendo fronteiras e delimitando os espaços
sociais daqueles que determinam e daqueles que cumprem. Pode ser identificada nas mais diferentes esferas sociais como no
Estado, na religião, na família, na escola, no trabalho e também nas

22 instituições militares. No caso das FFAA, a hierarquia é uma segmentação escalonada no corpo do Exército que determina as
possibilidades e limitações de cada indivíduo de acordo com sua patente (LEIRNER, 1997, p. 73). As determinações da hierarquia
foram fundamentais tanto no processo de introdução das práticas esportivas nas FFAA como nas especificações sobre os processos
de organização e participação nas atividades, como será possível perceber ao longo deste trabalho. 1.5 Aspectos Metodológicos da
pesquisa Os novos trabalhos historiográficos na perspectiva comparada, discutindo abordagens e métodos a serem utilizados nas
pesquisas deste campo, têm ampliado as opções de olhares sobre os objetos, destacando novas e importantes possibilidades de
análise. As discussões sobre outros comparáveis criam um novo campo frutífero para pesquisas comparativas sobre sociedades e
tempos afastados entre si. 24 No entanto, o desenvolvimento de pesquisas comparativas de sociedades próximas é avaliado por
estudiosos da área como vantajoso já que pode abrir a percepção do historiador para as influências mútuas, o que também o coloca
em posição favorável para questionar falsas causas locais e esclarecer, por iluminação recíproca, as verdadeiras causas,
interrelações ou motivações internas de um fenômeno e as causas ou fatores externos. (BARROS, 2007, p. 12). Ao iniciar uma
pesquisa em História Comparada, as primeiras preocupações do historiador devem ser a definição dos objetos e como observá-los,
sendo neste caso um duplo ou múltiplo campo de observação. O pesquisador recairá sobre duas ou mais realidades com
características distintas, necessitando repensar sua abordagem e metodologia levando em consideração não somente semelhanças,
mas também (e principalmente) as diferenças entre estas realidades. Importante destacar que o pesquisador comparativista precisa
ter em vista que, ao observar as diferentes realidades, não se pode estabelecer qualquer delas como modelo, a fim de evitar uma
hierarquização na análise (BARROS, 2007). A utilização do comparativismo em pesquisas históricas possibilita analisar o objeto a
partir de diferentes pontos de observação, deixando de lado uma visão individual, passando da descrição para a explicação dos
fenômenos históricos. Esta abordagem deve mover-se em torno da definição de um conjunto de problemas que servem como
diretriz para o olhar do 24 Um dos autores mais significativos nesta linha é Marcel Detienne, que em sua obra Comparar o
Incomparável defende a ampliação da ideia de comparação até então aceita nas pesquisas históricas analisando o conceito de
comparável na História e defendendo o rompimento dos tempos e espaços nas análises comparativas.

23 pesquisador sobre as diferentes realidades analisadas. Este enfoque também possibilita o controle das hipóteses da pesquisa,
eliminando aquelas que não se comprovaram, ampliando as discussões sobre as que se efetivaram e apresentando novas
explicações localizadas ao longo das análises (THEML e BUSTAMANTE, 2007). A análise histórica em perspectiva comparada
pressupõe uma separação no processo de observação dos casos a serem comparados para um melhor conhecimento dos objetos da
pesquisa. No entanto, é fundamental a observância das inter-relações entre os casos (se e quando existirem) incorporando-os à
análise como fatores que influenciaram as semelhanças ou diferenças entre os objetos que estão sendo comparados. De acordo com
Kocka (2003), os propósitos desta abordagem podem ser categorizados em quatro grupos: 1) heurísticos, permitindo identificar
questões e problemas que não seriam percebidos em outras abordagens; 2) descritivos, ampliando a compreensão de casos
específicos através do contraste com outros casos; 3) analíticos, possibilitando a resposta a questões causais; 4) paradigmáticos,
afastando o historiador de seu ponto de observação que tem mais domínio, ocasionando a desreferencialização do pesquisador.
Seguindo estes referenciais metodológicos, esta pesquisa baseia-se na possibilidade de observação definida por Barros (2007)
como iluminação recíproca, quando duas realidades são confrontadas visando, através da acentuação de suas características
fundamentais, colocar em destaque os aspectos do outro fazendo iluminar as presenças ou ausências de determinados elementos.
Analisando o desenvolvimento esportivo no interior das duas instituições militares a partir de um conjunto de problemas definido e
dentro de um mesmo recorte temporal, é possível trazer à luz as diferenças ocorridas ao longo do processo de introdução e
institucionalização da prática esportiva entre os militares. Destaca-se ainda a relevância da História Comparada nesta análise por
seu caráter heurístico e pelo processo descritivo, defendidos por Kocka (2003), uma vez que pelo contraste das atividades
desenvolvidas pelas LEM pode-se perceber as perspectivas adotadas pelas instituições, destacando suas inter-relações e lançando o
olhar também para suas dinâmicas internas específicas, para a compreensão das circunstâncias que motivaram seus enfoques e
abordagens. Não perdendo de vista suas vantagens, contribuições ou limitações, é necessário também abordar os principais
problemas encontrados no desenvolvimento de uma pesquisa comparativa. Com afirma Gortázar (1992), um dos grandes entraves
encontrados pelos pesquisadores é o acesso a fontes primárias e obras secundárias em igual proporção para os objetos de análise. O
autor afirma que es difícil, si no imposible, disponer del tiempo, las

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24 aptitudes y el conocimiento requeridos para usar com eficacia amplios conjuntos de material de archivo en más de una cultura, a
no ser que el tema de la investigación esté muy estrictamente (GORTÁZAR, 1992, p. 53). A afirmação do autor refere-se às
problemáticas do método comparativo, mas sua observação pode ser também aplicada ao processo de consulta à documentação. No
caso desta pesquisa, o acesso e a preservação de fontes foram os principais problemas identificados. O conjunto documental
analisado para as atividades desenvolvidas pela Liga de Sports da Marinha (LSM) no período de 1915 a 1923 é composto por
registros de atas das reuniões de diretoria, assembleias de representantes, comunicados de organização de competições e resultados.
Documentações similares não foram localizadas para as atividades da Liga Militar de Football (1915-1920) e para a Liga de Sports
do Exército (1920-1929). As atividades desenvolvidas pela entidade diretiva de esportes no Exército foram identificadas e
analisadas a partir de registros de correspondências e resultados de competições integrantes das atas da LSM; menções em
relatórios e boletins ministeriais e Diários Oficiais; e a partir das publicações efetivadas no jornal O Imparcial, declarado como o
órgão oficial de divulgação desta entidade esportiva. 25 Em contraponto à ausência de documentações específicas sobre o esporte
no EB, identificou-se maior ocorrência de pesquisas acadêmicas e obras publicadas sobre as atividades desta instituição na área
esportiva e em suas demais atuações ao longo da História do Brasil. No aspecto bibliográfico, a defasagem foi identificada nas
publicações sobre as atividades da Marinha do Brasil, havendo também um desequilíbrio de material disponível. Considerando este
aspecto como uma problemática reconhecida da abordagem histórica em questão, esta pesquisa procurou minimizar as possíveis
deficiências através de observações e análises qualitativas cuidadosas sobre os materiais selecionados, levando em conta as
diferenças de quantitativo aqui apresentadas. O Corpus documental selecionado para esta pesquisa compreende documentos de
diferentes categorias. Segundo a definição de Pinsky (2006), existem pelos menos seis categorias de fontes: fontes documentais,
fontes arqueológicas, fontes impressas, fontes orais, fontes biográficas e fontes audiovisuais. Para esta proposta, destacamos as
categorias documentais e impressas (englobando as fontes da imprensa na compreensão da autora), pois foram as que se
apresentaram mais profícuas à pesquisa. 25 O Imparcial 01 de outubro de 1915, p. 9.

25 As fontes documentais, de acordo com Bacellar (2006), são encontradas em acervos de arquivos públicos e privados. Nesta
categoria, destacam-se os Livros Históricos do Departamento de Esportes da Marinha; Leis e Decretos relacionados ao processo de
institucionalização das práticas esportivas e da Educação Física; Diários Oficiais da União; Relatórios e Boletins do Ministério da
Guerra e do Ministério da Marinha (1890-1923). As publicações realizadas nos documentos acima listados que se referiam ao
esporte foram observadas a partir da concepção de que eram recortes do que o governo e as lideranças militares desejavam que
fosse a público. A preocupação, ao verificar tais fontes, era de localizar os instrumentos utilizados para a defesa dos ideais com
relação ao esporte. O foco era a discussão das propostas e dos instrumentos e não a identificação de seus efetivos cumprimentos.
As fontes impressas, ou fontes de imprensa, foram utilizadas com vistas a identificar os processos de aproximação entre os
militares e a prática esportiva e as medidas para divulgação do esporte no interior das instituições. Nesta categoria, destacam-se os
periódicos institucionais: Revista Marítima Brasileira 26 e Revista Militar. 27 Estas publicações, apesar de serem categorizadas
como fontes de imprensa, também receberam o tratamento de fonte institucional, uma vez que sua circulação era praticamente
interna e utilizada como instrumento de divulgação de informações, visões e propostas sobre as mais diversas temáticas das
instituições militares, inclusive assuntos esportivos. Além disso, as revistas ilustradas Careta e Fon-Fon e o jornal O Imparcial
foram utilizados visando identificar como estava o processo de aproximação dos militares das práticas esportivas observando as
formas de divulgação de suas ações neste campo para o meio civil. Para o uso desta categoria de fonte, é necessário considerar que
os periódicos são produzidos por grupos sociais com posições próprias e muitas vezes são utilizados como veículos de seus ideais.
Seguindo as sugestões metodológicas de Luca (2006), faz-se necessário observar os aspectos da materialidade dos impressos,
compreendendo quais as condições de produção vigentes na época e as opções feitas pelos impressos analisados. A autora ainda
destaca que é preciso verificar a função social destes documentos, para que públicos se destinam, como chega aos 26 Publicação
oficial da Marinha do Brasil desde 1851, editada trimestralmente com artigos de autores nacionais e estrangeiros sobre assuntos
históricos, técnicos e estratégicos até os dias atuais. Nesta pesquisa serão utilizadas publicações do período entre 1890 e 1922. 27
Primeiro periódico científico oficial do Exército, criada em 1882 com o nome de Revista do Exército Brasileiro com a atribuição de
ser o veículo oficial do conhecimento produzido na instituição. Circulou entre 1882-1888, sendo interrompida a publicação e
reiniciada em 1899 com o título de Revista Militar entre 1899-1908. Em 1911 a publicação é retomada com o nome de Boletim
Mensal do Estado Maior do Exército, circulando até 1923.

26 leitores e que linguagens e instrumentos utilizam em sua estrutura interna para informar e formar opiniões. 28 O tratamento das
fontes e a metodologia de análise no desenvolvimento de uma pesquisa podem ter diferentes configurações. Este trabalho, seguindo
a caracterização de Silva e Menezes (2001), do ponto de vista da abordagem do problema, caracteriza-se como qualitativo, uma vez
que se propõe a compreender os fenômenos em seu contexto, de forma descritiva, levando em conta a complexidade da relação
entre objetos e meio, relação esta que não pode ser caracterizada apenas em dados quantificáveis ou estatísticos. Para o processo de
coleta de dados, foram empreendidas pesquisas bibliográficas com vistas a contextualizar o período analisado e pesquisas
documentais para caracterizar o processo de introdução e desenvolvimento do movimento esportivo no país e no interior das
FFAA, em suas instâncias organizacionais e normativas, assim como as abordagens adotadas. Gil (1987) define a pesquisa
bibliográfica como aquela desenvolvida a partir de fontes secundárias, livros ou artigos científicos, publicados sobre a temática. Já
a pesquisa documental seria efetivada a partir do tratamento de fontes primárias inéditas ou revisitadas sob novos olhares. Os
materiais relacionados anteriormente na categoria de fontes documentais foram analisados a partir do método de análise crítica de
documentos. Este método foi empreendido em duas etapas: a crítica externa, a fim de identificar a efetiva relação da produção com
a datação do documento informada; e a crítica interna, onde é observado o conteúdo informado na fonte, o objetivo de produção do
documento, as características do produtor e as circunstâncias em que foi produzido, além de seu público alvo (CALADO e
FERREIRA, 2005). A definição e observação deste corpus documental, compreendendo documentos oficiais e de imprensa, buscou
coletar informações sobre o processo de organização interna do esporte nas FFAA, através dos registros de suas Ligas Esportivas, e
como as instituições repassavam seus ideais sobre esporte e Educação Física aos seus militares, por meio de suas revistas
institucionais. Destaca-se também a identificação de como a imprensa da época retratava e informava a sociedade carioca sobre as
atividades destes grupos, tanto em suas funções institucionais de defesa de território e garantia da lei e da ordem, como em

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questões sociais e no campo esportivo. 28 Nas transcrições de trechos dos documentos será preservada a grafia original utilizada à
época.

27 1.6 Estruturação do Trabalho A estrutura de apresentação deste trabalho seguiu uma configuração em cinco capítulos, sendo o
Capítulo 1 com a parte introdutória e o Capítulo 5 com as considerações finais. Os Capítulos 2, 3 e 4 dedicam-se às discussões da
pesquisa. O Capítulo 2, intitulado As Forças Armadas e o corpo: a utilização da gymnastica nos processos de formação militar
(1890-1908) dedicou-se a analisar os processos de intensificação das preocupações e ações com o desenvolvimento físico dos
militares e da população civil como instrumento para criação de um povo mais forte e preparado para a defesa nacional, elemento
integrante dos projetos para a nova nação brasileira que se buscava construir com a República. O Capítulo 3 Uma nova estrutura
para as Forças Armadas brasileiras: os impactos das influências estrangeiras e o papel do esporte entre os militares (1908-1915)
aborda os aspectos que fomentaram a busca por influências militares estrangeiras nos anos iniciais do século XX que, além de ter
como objetivo introduzir novas estruturas no interior das FFAA brasileiras, contribuiu de forma direta para a ampliação da
especialização do treinamento do corpo e a aproximação com as práticas esportivas. Este trecho da pesquisa ainda discute os
fatores que fomentaram a criação das Ligas Esportivas nas FFAA no ano de 1915. O Capítulo 4 desta dissertação, intitulado
Organização Esportiva Militar no Brasil: uma análise comparada das ações da Liga de Sports da Marinha e da Liga Militar de
Football em seus primeiros anos de atuação (1916-1922) procurou realizar um estudo do modelo de liga adotado por cada uma
destas instituições, seus principais objetivos e atividades desenvolvidas em seus anos iniciais de atuação, culminando com uma
análise da participação dos militares na organização dos Jogos Esportivos do Centenário. Este evento foi a primeira experiência em
jogos multiesportivos internacionais no país e teve papel fundamental na mudança das perspectivas de atuação das Ligas Esportivas
Militares. A ação nos Jogos, tanto em atividades na esfera de organização como no processo de concessão de atletas para a
delegação nacional, fomentou um novo movimento na Marinha e no Exército que objetivava melhorias no processo de preparação
esportiva. Estes novos objetivos propiciaram a contratação de treinadores especializados, a criação de Escolas de Educação Física
para formação de monitores com função de divulgar as diferentes modalidades e a também a inserção das Ligas Militares entre as
entidades esportivas reconhecidas nacionalmente pela Confederação Brasileira de Desportos.

28 2 AS FORÇAS ARMADAS E O CORPO: A UTILIZAÇÃO DA GYMNASTICA NOS PROCESSOS DE FORMAÇÃO


MILITAR (1890-1908)

29 No mundo moderno, a questão do treinamento é de fundamental importância para as Forças Armadas no cumprimento de suas
funções constitucionais. Para atingir a eficácia no desempenho de suas missões, o treinamento é um importante coadjuvante,
permitindo exercitar, ao máximo, todas as tarefas a serem executadas, antes de, realmente, entrar em ação (RIBAS, 2007, p. 55). As
preocupações com o preparo técnico e físico dos militares brasileiros ganharam maior projeção com o advento da República. A
nação brasileira que se buscava formar deveria ser forte, treinada e pronta para se inserir no âmbito das maiores nações do planeta.
Para isso, o projeto idealizado para este novo país passava por questões de modernização que envolviam não somente os aspectos
técnicos e jurídicos, mas também os processos de formação e preparação dos cidadãos e daqueles responsáveis pela garantia dos
poderes constitucionais, da lei e da ordem: os militares. As Forças Armadas brasileiras participaram de forma significativa em
diversos momentos da história do Brasil. Em fins do século XIX, este grupo estava posto nas maiores ações e discussões políticas
do país, sendo personagens centrais em diversos embates travados neste campo, além de terem desempenhado papel significativo
na virada política realizada em 1889 com a queda da Monarquia e a Proclamação da República. Compreender a atuação e as
perspectivas adotadas por estas instituições neste momento é ponto fundamental para a identificação dos interesses que motivaram
maiores preocupações com o preparo do corpo, sendo efetivadas aproximações com as atividades físicas e esportivas na virada
daquele século. Neste ponto da pesquisa, as análises se dedicam a perceber quais foram os motivadores das preocupações com o
corpo e as medidas tomadas para a melhoria da preparação dos militares, inicialmente através da inserção da ginástica e de alguns
esportes praticados como forma de treinamento, sem um caráter competitivo. Estas ações eram parte integrante dos projetos de
reorganização e revitalização das FFAA planejados para os anos iniciais da República. Este esclarecimento faz-se necessário, pois
ao longo deste capítulo serão discutidos os contextos que propiciaram uma maior aproximação entre os militares e as atividades
físicas, sendo este o ponto de partida para o desenvolvimento do movimento esportivo nas FFAA que culminaria com a fundação
das Ligas Esportivas na década de 1910 e os processos de organização de competições de forma sistemática. Para a melhor
compreensão das funções destinadas às atividades físicas dentro destes projetos maiores, destaco também a necessidade de
apresentar em linhas gerais as principais ações desenvolvidas com objetivo de implantação de melhorias para as FFAA em suas
diferentes áreas: materiais, técnicas e de formação. A discussão dos projetos de reestruturação do EB e

30 da MB possibilita uma interpretação mais ampla do efetivo papel das atividades físicas e do esporte entre os militares neste
período inicial da República brasileira. 2.1 Os militares e a Proclamação da República: novo papel na sociedade, novas
preocupações. Os processos que deram origem à República no Brasil já foram analisados e debatidos por diferentes correntes ao
longo do último século, cada uma delas lançando luz sobre os personagens e acontecimentos que, segundo seu ponto de análise,
possibilitavam uma melhor compreensão dos fenômenos. 29 Como afirma Emilia Viotti da Costa a proclamação da República é o
resultado, portanto, de profundas transformações que se vinham operando no país. A decadência das oligarquias tradicionais,
ligadas à terra, a Abolição, a imigração, o processo de industrialização e urbanização, o antagonismo entre zonas produtoras, a
campanha pela federação contribuíram para minar o edifício monárquico e para deflagrar a subversão (2010, p. 453). Este novo
perfil que se configurava no país alcançou também as FFAA com as ideias republicanas defendidas de maneira recorrente entre
alguns grupos destas instituições, sendo a República vista como a solução para os problemas do país. Associado a este fator, a visão
de que os militares deveriam ser os verdadeiros salvadores da pátria intensificava-se desde a Guerra do Paraguai e se ampliava nas
corporações à medida que estas se institucionalizavam (COSTA, 2010). A participação das FFAA na Guerra do Paraguai é
apontada por diversos autores como um marco no processo de reorganização destas instituições. Nascimento (2010) afirma que,
após esta experiência militar, ficou clara a necessidade de instituir o serviço militar obrigatório e melhorar os procedimentos de
formação e preparação técnica dos soldados em face aos constantes problemas de manuseio de materiais e grande inexperiência dos
voluntários que serviram nos combates. Neves ainda afirma que a partir da Guerra do Paraguai (1865-70), finalmente, o Exército

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ganhou outra dimensão na sociedade brasileira. A guerra contra Solano López, apesar de exitosa, chamou a atenção para as
debilidades da corporação diante de um aparato militar modernizado como o paraguaio. Surge daí a necessidade de aparelhamento
das forças armadas segundo novos padrões de eficiência e técnicas de combate. [ ] Diferentemente de países como Inglaterra e
França, que àquela altura enveredavam por um caminho industrializante, a economia nacional estava ainda inteiramente voltada
para o comércio de exportação de produtos primários e importação de manufaturas. É nesse contexto que começam os militares a
reclamar a ruptura do modelo agrário exportador e a estabelecer a relação entre indústrias estratégicas e de armamentos. A
conscientização dos militares para o problema do atraso brasileiro 29 Para maiores discussões sobre estas diferentes correntes, ver
COSTA, 2010.

31 alterou radicalmente o padrão de relacionamento do Exército com as elites civis do Império. Os jovens oficiais que antes se
pronunciavam sobre questões tocantes à vida política do país o fim da escravatura, a educação, a construção de ferrovias, a
imigração e o desenvolvimento da indústria, além da moralidade na administração dos negócios públicos aferravam-se agora contra
o próprio regime monárquico (2010, p. 472). Além da nova visão sobre a necessidade de modernização das FFAA brasileiras, as
experiências nesta batalha vieram a contribuir ainda no campo da saúde e da atividade física. Leonardo da Silva e Victor Melo
(2011) analisaram os escritos do médico Eduardo Augusto Pereira de Abreu, segundo cirurgião do Exército e filho do Comendador
Plácido Antônio Pereira de Abreu, 30 que foi enviado ao Uruguai em 1865 em meio aos acontecimentos da Guerra do Paraguai. O
doutor Pereira de Abreu permaneceu por dois meses na região e realizou extensas observações sobre os soldados no front que
renderam uma obra onde detalhava e discutia aspectos que lhe pareciam significativos. Um dos aspectos trabalhados foi a questão
do preparo do corpo dos soldados, discutido em texto específico Estudos higiênicos sobre a educação física, intelectual e moral do
soldado: escolha do pessoal para a boa organização do nosso Exército do ano de 1867. Neste trabalho o doutor defende o
estabelecimento de exames para o afastamento dos que tivessem estrutura física não qualificada para a atividade militar,
priorizando o corpo saudável e o treinamento, pontos fundamentais para o bom soldado em sua visão. Pereira de Abreu ainda
defendia a utilização da ginástica como instrumento de preparação física e manutenção do vigor, além de ser capaz de proteger os
adolescentes dos hábitos ociosos, e enfatizava sua relação com a educação de um jovem que, viril e fisiologicamente sadio, estaria
pronto para servir à pátria (SILVA e MELO, 2011, p. 344-345). As dificuldades enfrentadas na guerra possibilitaram avaliações em
diferentes aspectos das atividades militares brasileiras. Vidigal, discutindo as principais consequências para o poder naval brasileiro
ao final do conflito, aponta que Dos cerca de 160 mil brasileiros que tomaram parte na guerra, 50 mil perderam a vida e cerca de
mil ficaram inválidos. Da mesma forma que em outros conflitos no século XIX, as altas taxas de mortalidade foram uma
consequência das péssimas condições de higiene reinantes e da má alimentação das tropas, facilitando a propagação de doenças
que, mais que os combates, causaram os óbitos. [ ] Infelizmente, o avanço tecnológico na construção naval que teve lugar durante o
conflito não teria continuidade, já que as dificuldades financeiras do País impediram que a Esquadra se renovasse. O Brasil não
acompanhou as mudanças que tiveram lugar no resto do mundo e veria, a partir do fim da Guerra do Paraguai, o seu Poder Naval
se deteriorar inexoravelmente, o que só iria se reverter com a efetivação do Programa Naval de 1906 (2009, p. 13). 30 Plácido
Antônio Pereira de Abreu - barbeiro de dom João VI, criado de quarto de dom Pedro I, tesoureiro da imperatriz Leopoldina (SILVA
e MELO, 2011, p. 338).

32 A necessidade de ampliação e melhor treinamento dos militares evidenciada pelas experiências no Paraguai motivou a busca por
recrutamento de homens nos chamados Tiros de Guerra, associações civis onde técnicas de tiro ao alvo eram treinadas e passaram a
ser utilizadas como uma reserva para o Exército. Como afirma Nascimento, já em 1896 criouse a Confederação Brasileira como
forma de aproximar os jovens das classes média e alta do serviço militar (2010, p. 9). Para que se possa compreender a dinâmica
das FFAA e seu papel no processo de Proclamação da República, vê-se necessária uma caracterização destas instituições naquele
momento, identificando quem são seus integrantes, como são organizadas e que papel garantiam diante da sociedade brasileira do
período. O Exército Brasileiro, no início do século XIX, preservava ainda a estrutura do Exército Português que tinha seu oficialato
composto basicamente por jovens nobres. No entanto, ainda na década de 20 daquele século, para que fosse possível sua
sobrevivência, foi necessário que se relaxassem os critérios de nobreza passando a ser incorporados também como cadetes os filhos
de oficiais das forças de linha, das milícias, das ordenanças e de pessoas agraciadas com o hábito de ordens honoríficas
(CARVALHO, 2006, p. 16). Ao longo do século XIX, esse processo se intensificou e o recrutamento passou a ser realizado entre os
descendentes dos próprios oficiais, entre grupos de renda mais baixa e posição social mais modesta. Não existem bons dados sobre
a origem social dos oficiais durante a Primeira República. Mas, das várias biografias e autobiografias publicadas, pode-se perceber
que a quase totalidade dos líderes tenentistas, por exemplo, era proveniente de famílias pobres. [...] Alguns, como os Távora,
confessadamente entraram para o Exército como o único caminho disponível para continuarem os estudos, dada a insuficiência das
rendas familiares (CARVALHO, 2006, p. 17). Se entre o oficialato do Exército as posições sociais foram gradativamente de nobres
para as camadas de rendas mais baixas, entre as praças a predominância sempre foi de indivíduos pobres. Em 1913, Leitão de
Carvalho afirmou que os principais integrantes das fileiras do EB ainda eram a) nordestinos afugentados pelas secas; b) os
desocupados das grandes cidades que procuravam o serviço militar como emprego; c) os criminosos mandados pela polícia; d) os
inaptos para o trabalho. Era, segundo ele, uma seleção invertida (CARVALHO, 2006, p. 20). Nas primeiras décadas do século XX,
surgiu um movimento dentro do EB que tinha por principal objetivo programar ações para modernizar a instituição e melhorar a
qualidade de seus recursos humanos. Este grupo ficou conhecido como Jovens Turcos e apresentava fortes influências europeias, já
que a maioria havia acompanhado o Exército Alemão entre os

33 anos de 1906 e 1912 em estágio. Uma das principais defesas deste grupo era o estabelecimento do sorteio militar, entre todos os
grupos sociais, como forma de melhorar a qualidade dos integrantes da instituição seguindo modelos europeus que já utilizavam
esta ferramenta (CARVALHO, 2006). O caso da Marinha do Brasil foi um pouco diferente no que se refere ao recrutamento de
oficiais. Apesar de também existirem dados precários, verifica-se um caráter mais acentuado com relação à nobreza. Durante o
Império, a Marinha prosseguiu com parâmetros de recrutamento muito similares aos estabelecidos no regulamento da Academia
Real de Marinha, de 1782, que determinava que os candidatos a guarda-marinha deveriam ser fidalgos ou filhos de oficiais da
Marinha ou do Exército. Esta realidade se estendeu até a Primeira República, quando Tobias Barreto, em 1917, afirmou que as
famílias ricas queriam fazer dos filhos doutores em direito, medicina ou engenharia, e, fora isso, só talvez oficial da Marinha

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(CARVALHO, 2006, p. 19). Já no caso das camadas mais baixas da hierarquia militar, o caso naval não era muito diferente do
Exército. A composição básica dos marinheiros, como afirmado em Relatório do Ministério da Marinha de 1911, tanto no Corpo de
Marinheiros Nacionais como as escolas de Aprendizes Marinheiros, era de presos pela Polícia enviados para serem recrutas
(CARVALHO, 2006). Além da composição das FFAA, outro fator interno foi importante no envolvimento dos militares no
processo de Proclamação da República: a formação destes oficiais. As preocupações com a intelectualidade no Exército, por
exemplo, eram crescentes na década de 1880, sendo esta geração de oficiais, no geral, mais instruída que as anteriores e com
carreiras construídas basicamente em áreas urbanas. Os escalões superiores, no entanto, eram compostos basicamente por veteranos
da Guerra do Paraguai que se sentiam depreciados pelo regime e pela sociedade até os alunos das escolas militares e os oficiais
subalternos ridicularizavam suas medalhas de guerra (MCCANN, 2009, p. 28-29).

34 As ideias republicanas encontravam, neste momento, maior difusão entre os jovens oficiais e alunos da Escola Militar, enquanto
a Monarquia ainda era defendida nos escalões superiores. Por não ter ainda uma missão claramente definida, o processo de
formação nas escolas do Exército era focado em humanidades e ciências teóricas, deixando as práticas militares em plano
significativamente inferior. Estes currículos não proporcionavam a formação de uma força profissional e os militares oriundos deste
processo, ao concluir o curso, comumente requeriam ser chamados de doutor ou doutor tenente, enfatizando muito mais sua
formação em bacharel em matemática ou ciências físicas e naturais do que a condição de militar. O que a Escola formava, na
realidade, eram bacharéis de farda e não militares prontos para desempenhar as funções de defesa do território e garantia da lei e da
ordem. Ao lado destes jovens bacharéis-oficiais, havia outro grupo de militares de patentes mais altas e mais velhos, chamados de
tarimbeiros, veteranos da Guerra do Paraguai ou das guerras internas, e muitos sem curso na Escola Militar (CARVALHO, 2006;
COSTA, 2010; MCCANN, 2009). Como afirma Carvalho, se Benjamin Constant e Euclides da Cunha eram exemplos do primeiro
tipo de oficial, Deodoro era a personificação do segundo. As relações entre os dois grupos eram difíceis. Deodoro dizia que seu
único benfeitor fora Solano Lopez, a quem devia sua carreira militar; os bacharéis, ao contrário, adeptos do pacifismo positivista,
desprezavam as façanhas bélicas e consideravam a Guerra do Paraguai um desastre. [...] Unia, no entanto, os dois grupos, a farda.
O esprit de corps era, por certo, muito mais desenvolvido entre os tarimbeiros do que entre os bacharéis. Na Questão Militar, toda
calcada na alegação dos brios feridos da corporação, a iniciativa foi dos tarimbeiros. Mas os bacharéis de farda, embora algo
apaisanados, se viram forçados a aderir à corporação como único ponto de apoio disponível diante de sua marginalização social
(2006, p. 26). No caso da Marinha do Brasil, o treinamento era em parte semelhante ao Exército. O predomínio de ensino das
ciências teóricas e matemáticas também era presente na Escola Naval. No entanto, lá não houve a invasão positivista, fator de
mobilização política na Escola Militar. [...] Além disso, os alunos da Escola Naval eram submetidos a isolamento físico muito
maior. De 1867 a 1882, por exemplo, a escola funcionou a bordo de um navio. A partir desse último ano, foi transferida para a Ilha
das Enxadas [RJ] onde permaneceu até 1938. Para seus alunos era quase impossível invadir as ruas da cidade sempre que houvesse
agitações políticas, como faziam os colegas do Exército (CARVALHO, 2006, p. 26).

35 Duas outras entidades foram importantes no processo de disseminação das ideias republicanas entre os militares: o Clube Naval
e o Clube Militar. 31 O primeiro foi criado em 1884 com a união de 26 oficiais sobre a presidência do Capitão-de-Fragata Luis
Felipe Saldanha da Gama. Os objetivos do Clube Naval eram possibilitar um local onde os oficiais da Marinha pudessem se reunir
para estudo e realizar exercícios físicos a fim de melhorar o manejo de armas. 32 Neste ambiente, as ideias abolicionistas e
republicanas tiveram espaço e tomaram corpo, tal como ocorreu no Clube Militar, criado em 1887. No entanto, este segundo não
era uma instituição exclusiva de Força, sendo definido como suas finalidades 1º) Estreitar os laços de união e solidariedade entre os
oficiais das diferentes classes do exercito e da marinha; 2º) Desenvolver o gosto pelo estudo dos diversos ramos da instrução
profissional, por meio de palestras e conferências militares; 3º) Defender pela imprensa e junto aos poderes do Estado os direitos e
legítimos interesses da classe militar (CASTRO, 1995, p. 127). Estes clubes se tornaram terreno fértil para as aspirações da
oficialidade subalterna que retornou da Guerra do Paraguai consciente de sua importância na vida nacional, estava desolada com a
corrupção que permeava a vida pública e com o descaso com que era tratada, e mostrava disposição para a ação política, sentindo-
se incumbida de uma missão salvadora (MOURA, 2007, p. 22). Como foi possível perceber, o perfil e as influências presentes nas
FFAA naquele momento foram decisivos para suas ações no movimento político pela República. Um fator também significativo
para a adesão, especificamente de alguns do grupo de tarimbeiros, foi o processo de punições impostas a militares que se
posicionaram publicamente contra algumas políticas do governo imperial e o não cumprimento da retirada das acusações por parte
do Ministério da Guerra, mesmo com a ordem do Imperador. Estas tensões internas na instituição fomentaram grande insatisfação
com o ministério e com o governo, gerando um movimento que visava derrubar o então Gabinete imperial, mas de forma alguma
tinha em pauta por fim à Monarquia. De acordo com McCann, 31 A criação de clubes, associações profissionais, religiosas, foi
uma tendência no século XIX. Como mostra Sevcenko (1998), nos anos iniciais da República brasileira já eram identificados
clubes de música, como o Clube das Violetas, clubes esportivos de futebol e de automóveis. Na virada para o século XX, já se
registrava a criação de associações cientificas, religiosas, culturais, recreativas, desportivas, profissionais, de classe, beneficentes
com diferentes objetivos. Após a fundação das associações, deveriam ser realizadas reuniões para elaboração de estatutos para
reger suas atividades (JESUS, 2007). Seguindo este movimento de criação de associações, os militares fundaram os clubes Naval e
Militar. 32 O Clube Naval foi fundamental no processo de criação da Liga de Sports da Marinha, no ano de 1915, doando não
somente sua sede para a realização de reuniões como fez empréstimos para que a entidade pudesse iniciar suas atividades. Este
processo será debatido no Capítulo 4 desta dissertação.

36 a República nasceu de uma contradição. Como um ato ilegal, de traição, pode criar uma ordem política legal e segura? O artigo
15 dos artigos de guerra do Exército determinava o enforcamento como punição por motim ou traição e inclusive por ter
conhecimento de tais atos e não os impedir. Portanto, os oficiais e praças que participaram dos acontecimentos de 15 de novembro
de 1889 haviam decidido transgredir a lei que governava suas vidas. Muitos testemunhos indicam que a intenção inicial, sem
dúvida a de Deodoro da Fonseca, era substituir o gabinete imperial em exercício, mas, antes de encerrar-se o dia, Deodoro foi
manipulado para que proclamasse a República. O relato usual afirma que ele vacilou até o último instante (2009, p. 36). Grupos
que defendiam a República identificaram nesta crise entre os militares um importante espaço para a realização de um movimento
para a derrubada da Monarquia. Apesar das divisões e dos conflitos internos, os militares tiveram a representatividade

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progressivamente ampliada ao longo da segunda metade do século, principalmente após a Guerra do Paraguai e passaram a ser
compreendidos como importantes peças neste processo para a República, deixando-se de lado os estranhamentos entre civis e
militares em prol deste objetivo. Como afirma Emilia Viotti da Costa (2010), os grupos republicanos eram desorganizados e pouco
articulados e, sem o suporte dos militares, não teriam força política para efetivar o movimento. Seguindo estas perspectivas, em 11
de novembro, Rui Barbosa, Benjamim Constant, Aristides Lobo, Bocaiúva, Glicério e o coronel Solon reuniram-se na casa de
Deodoro com o fito de convencêlo a tomar partido. Mais uma vez, civis e militares conspiravam juntos contra o trono. Em 15 de
novembro de 1889 a Monarquia era derrubada por golpe militar e proclamava-se a República (COSTA, 2010, p. 491). Para que o
movimento fosse possível, foram conjugadas forças de três grupos principalmente: parte do Exército, fazendeiros do Oeste Paulista
e integrantes das camadas médias urbanas. Estes grupos, historicamente, demonstravam interesses e visões distintas sobre questões
políticas e econômicas. Uniram-se em torno de um objetivo comum, mas suas divergências logo se manifestariam no processo de
estabelecimento do novo regime político, marcando os primeiros anos da República com grandes turbulências. Esta República
brasileira foi categorizada como consequência de uma crise do projeto de sociedade baseado nos interesses materiais e na visão de
mundo das classes ligadas à agricultura escravista e exportadora e de seus aliados no comércio, finanças e burocracia, e sintetizado
no Estado monárquico centralizado (LEMOS, 2006, p. 1). Construído sobre contradições, tentando equilibrar interesses políticos e
econômicos de grupos distintos, o movimento republicano encontrou nas FFAA sua efetiva possibilidade de concretização. A
aspiração por mudanças, mas com permanências estrategicamente pensadas garantiu entre os militares a transição de regime
político sem grandes transformações econômicas ou sociais. Como afirma Lemos,

37 ainda que divididas, as Forças Armadas se tornaram um ator político protagonista tanto por seu papel institucional de garantia
de uma transição isenta de ameaças revolucionárias quanto pelo envolvimento de muitos de seus membros no processo político
prático. Se entendida como um importante episódio da modernização capitalista tardia da sociedade brasileira, a implantação da
ordem republicana surgira concentrada na definição de um novo formato de Estado, capaz de garantir a unidade nacional sem
violentar na raiz a força dos focos de poder regionalizados. Na falta de um partido político de âmbito nacional ou de instituições
que fizessem a mediação entre os diversos setores postulantes à direção política do país, as Forças Armadas cumpriram esse papel
(2006, p. 1-2). Enfim concretizada a partir do movimento de 15 de novembro de 1889, a República dos Estados Unidos do Brasil
passava ao controle dos militares que, com o poder em mãos, não se mostravam dispostos a se desfazer dele em prol dos interesses
civis. No interior das próprias instituições militares este poder gerou uma onda de ideias de que estes poderiam agir e intervir
quando achassem necessário. Este ideário originou rebeliões em quartéis, regimentos e escolas, por diferentes motivações, além de
conflitos internos entre generais, entre generais e almirantes, entre a polícia e o Exército. O equilíbrio destas tensões internas e
externas demoraria ainda algum tempo a se estabelecer (CARVALHO, 1987; COSTA, 2010). No governo provisório estabelecido
após a proclamação, Deodoro da Fonseca assumiu o cargo de Presidente da República se mantendo até 1891. O período inicial da
República foi bastante conturbado entre os militares gerando severos descontentamentos e entraves. Os conflitos entre as Forças
envolviam, além de questões de opção política, medidas administrativas que beneficiavam as instituições de forma desequilibrada.
O governo republicano aumentara os soldos militares de forma desigual, promovera oficiais do Exército em número maior do que
na Marinha, afora os cargos políticos que contemplaram os primeiros muito mais do que os segundos (CUNHA, 2011, p. 2). O
projeto de nação idealizado pelo EB envolvia uma perspectiva nacional. Como afirma Cunha (2011, p. 2), apesar de ter seus
contingentes fundamentalmente no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, a presença do Exército era sentida por todo o país e, pouco
a pouco, incorporou a visão fundamentadora de seu papel, ademais o de mantenedor da unidade territorial, num quadro de
formação do Estado-Nação. No caso da Marinha, os projetos de modernização gerados a partir das aspirações republicanas não
eram únicos ou coesos e apresentavam tanto continuidades como descontinuidades, bem como diferentes visões, e os ideais
republicanos de modernidade, muitas vezes, somente existiam em discursos e modelos sendo valorizados mais os aspectos
materiais do que de pessoal (ALMEIDA, 2010, p. 148).

38 Característica fundamental para a estrutura das FFAA, as questões disciplinares foram alvo de discussão já no início do Governo
Provisório sendo lançada atenção por parte dos ministros militares. Empreendendo tentativas de modernização da legislação
judiciária militar, foi baixado (16/11/1889) decreto que aboliu os castigos corporais na Marinha e reduziu o tempo de serviço
militar obrigatório. As duas medidas buscavam eliminar tradicionais focos de insatisfação entre os marinheiros (LEMOS, 2006, p.
2-3). Em contrapartida, com vistas a desestimular aventuras subversivas, foi baixada (23/12/1889) uma medida que ameaçava os
indivíduos que conspirassem contra a República e o seu governo com julgamento por uma comissão militar e punição por crime de
sedição (LEMOS, 2006, p. 3). No entanto, as ações de suavização dos castigos disciplinares não agradou aos oficiais da Marinha
do Brasil. Lemos ainda aponta que a pressão de oficiais levou o Governo a rever a abolição dos castigos físicos e a criar a
Companhia Correcional (12/4/1890). Considerava-se que o castigo severo era uma necessidade reconhecida e reclamada por todos
os que exercitam a autoridade sobre o marinheiro. A nova unidade da Marinha se destinava a isolar e punir sumariamente
marinheiros de má conduta habitual em casos que não exigissem a formação de Conselho de Guerra, primeira instância da Justiça
Militar. As sanções previstas iam de prisão e ferro na solitária, a pão e água, a chibatadas. O objetivo era corrigir o praça no prazo
de três meses, findo o qual ele retornaria à sua unidade de origem. Se resistisse a corrigir-se, sofreria maior castigo que os
combinados no presente regulamento, o qual ficaria ao prudente arbítrio do comandante, portanto, por fora das instâncias formais
da Justiça Militar (2006, p. 3-4). O aspecto disciplinar no interior dos navios ainda era um tema de atenção e debates pois, com os
processos de modernização das estruturas navais empreendidas após a Guerra do Paraguai e a introdução de navios a vapor com
operação mecânica, passou-se a necessitar de mão de obra com maior especialidade, algo difícil na Marinha por suas características
de composição já anteriormente discutidas. Discutindo a disciplina militar, Adriana Bellintani argumenta que a disciplina é um dos
aspectos doutrinários que mantém a força coesa, permitindo que o poder hierárquico não seja quebrado. Está diretamente
relacionada à obediência e à servidão militar; ela é o élan de sustentação da estrutura militar [ ] Não há disciplina sem submissão,
independentemente de ser tempo de paz ou de guerra; em qualquer circunstância, as ordens são acatadas pelos subordinados de
acordo com o grau da cadeia hierárquica (2009, p. 137). Este sentido de submissão característico da disciplina militar era o
argumento utilizado para a imposição dos castigos corporais, uma vez que as tripulações dos navios eram compostas comumente
por indivíduos com histórico de problemas de comportamento. O trabalho realizado nos navios a vela, tradicionais na Marinha do

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Brasil até fins do século XIX, exigia verdadeiros homens fera recrutados tradicionalmente pela polícia e adestrados por uma
disciplina rigorosa que compreendia diferentes formas de castigos corporais

39 (ALMEIDA, 2010, p. 148). No entanto, com a mecanização e necessidade de maior especialização no treinamento, estes
homens fera foram substituídos por um novo tipo de pessoal, oriundo comumente das Escolas de Aprendizes Marinheiros e com
aversão às medidas disciplinares de castigo corporal. A resistência dos altos escalões em aceitar o fim destas antigas práticas
somado às aspirações de melhores condições de trabalho e rendimentos por parte deste novo perfil de marujo, com melhor
formação técnica e intelectual, culminaria em uma rebelião que marcou a história da Marinha do Brasil: a Revolta da Chibata ou
Revolta dos Marinheiros do ano de 1910. A necessidade por melhorias materiais passou a ser mais evidente após as dificuldades
enfrentadas na Guerra do Paraguai, mas estes investimentos não foram imediatos. Com a República, as reclamações por maiores
investimentos por parte dos Ministros da Marinha se intensificaram, ano após ano, em seus relatórios ministeriais. Assim, o final do
século inaugura uma retomada dos investimentos na Armada brasileira. Dotar a República de uma Marinha poderosa, que
garantisse visibilidade ao país e a presença de sua bandeira no exterior, além de um lugar hegemônico na América do Sul e a defesa
do território nacional, torna-se uma necessidade primordial, sobretudo durante o período em que Rio Branco ocupa o Ministério
das Relações Exteriores entre 1902 e 1912 (ALMEIDA, 2010, p. 150). As preocupações em se tornar a grande potência militar na
América do Sul se justificavam, já que países como Argentina e Chile passaram a intensificar seus investimentos em material
bélico e em assemelhar suas estruturas a de grandes potências militares europeias (ALMEIDA, 2010; NASCIMENTO, 2010). O
processo de profissionalização dos militares brasileiros somente se intensificou a partir das influências estrangeiras no século XX,
notadamente da Missão Militar Francesa de 1919, apesar de tentativas constantes de estabelecimento do serviço militar obrigatório
33 e de reformas desde a década de 1870. A adoção de missões estrangeiras para reformar e modernizar a estrutura material e de
pessoal das FFAA não foi uma exclusividade do Brasil. Em fins do século XIX e início do século XX as grandes potências
militares do período, especialmente França e Alemanha, voltaram suas atenções para a América Latina identificando potenciais
mercados para sua indústria bélica. Argentina e Chile receberam grupos de militares alemães com objetivos de modernização desde
a década de 1880, já no Brasil, após uma disputa 34 entre defensores da influência alemã e francesa, optou-se pela segunda no final
da década de 1910 (LUNA, 2007; NASCIMENTO, 2010). 33 O Serviço Militar Obrigatório estabelecido somente em 1916 apesar
de este instrumento ser previsto já na Constituição de 1891 e de a Lei do Serviço Militar Obrigatório datar de 1908
(NASCIMENTO, 2010). 34 Estas disputas serão discutidas ainda neste Capítulo 2.

40 O processo de modernização das Forças Armadas idealizado para a República passava também por questões ligadas à formação
e ao ensino. O Colégio Militar foi criado em 1889 em meio às transformações pelas quais passava o Exército objetivando uma
especialização do processo de profissionalização dos militares com a ampliação e diversificação do ensino. Como afirma Cunha
(2011, p. 1), o Exército passou a assumir o papel de prover o ensino secundário aos jovens que quisessem seguir a carreira das
armas, em virtude da pouca qualificação de seu efetivo. Esta instituição teria ainda como função principal incutir na infância
brazileira o gosto pelas armas. 35 De acordo com seu regulamento aprovado pelo Decreto N. 371 de 02 de maio de 1890, o curso
seria composto por 16 disciplinas envolvendo aspectos teóricos e práticos. O artigo 24 do regulamento ainda destacava que Art. 24.
Além das disciplinas que foram especificadas, o curso do collegio comprehenderá o ensino das seguintes materias: educação moral,
direitos e deveres do cidadão e do soldado, noções praticas de disciplina, economia e administração militar, nomenclatura e manejo
de armas em uso, tiro ao alvo, esgrima e evoluções das tres armas, desde a escola do soldado até a do batalhão, do esquadrão e da
bateria, natação gymnastica e musica. 36 Como é possível perceber através deste trecho do documento, os interesses na criação
desta instituição de ensino envolviam não somente incutir o gosto pelas armas, mas efetivamente iniciar um processo de preparação
de verdadeiros cidadãos-soldados, inserindo inclusive um tópico onde seus direitos e deveres fossem claramente identificados. A
união das duas figuras (o cidadão e o soldado) em um só tópico de ensino possibilita a percepção de que neste momento, para os
militares, não haveria distinção entre elas. Todo bom cidadão seria, por consequência, um soldado em potencial pronto a defender a
nação em momento de necessidade. Vale destacar que havia ainda outro fator nesta associação soldadocidadão: a masculinidade.
Neste momento, o papel da mulher na sociedade não permitia sua participação em nenhuma das duas instâncias. Nas FFAA era
vetada a entrada de mulheres, não sendo esta capaz de ser soldado ; na vida política também não havia espaço garantido, uma vez
que não era previsto o voto feminino, limitando sua cidadania. Portanto, todo cidadão seria sim um bom soldado, desde que fosse
homem. 35 BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra, 1890, p. 22. 36 BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra, 1890, anexo
93-94 (grifo meu).

41 No processo de preparação destes novos indivíduos, não somente o ensino teórico era priorizado. As preocupações com o corpo
forte e preparado eram expressas a partir da inserção das disciplinas de gymnastica e natação no programa do Colégio. Este
argumento do soldado-cidadão era um importante instrumento de afirmação militar e seria utilizado ao longo dos primeiros anos da
República para a defesa das melhorias na preparação dos militares. Este novo militar, mais preparado e ativo politicamente era o
desejo principal das FFAA ao assumir o comando da República brasileira sendo uma das bases de seus projetos para a nova nação.
As reformas nos processos de ensino alcançaram também as Escolas Militares já existentes no país. A justificativa para esta
reformulação dos currículos foi apresentada por Deodoro da Fonseca e Benjamin Constant no texto que introduz o regulamento que
reorganiza as escolas do Exército. O Generalissimo Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório dos Estados
Unidos do Brazil, constituído pelo Exercito e pela Armada em nome da Nação: Considerando que é de urgente e indeclinavel
necessidade aperfeiçoar e completar, tanto quando possível, o ensino nas escolas destinadas a instrucção e educação militar, de
modo a attender os grandes melhoramentos da arte da Guerra conciliando as suas exigencias com a missão altamente civilisadora,
eminentemente moral e humanitaria que de futuro está destinada aos Exercitos do continente sul-americano; Considerando que o
soldado, elemento de força, deve ser de hoje em diante o cidadão armado, corporificação da honra nacional e importante
cooperador do progresso como garantia da ordem e da paz publicas, apoio intelligente e bem intencionado das instituições
republicanas, jamais instrumento servil e maleavel por uma obediencia passiva e inconsciente que rebaixa o carater, aniquila o
estimulo e abate a moral; Considerando que, para perfeita comprehensão deste elevado destino no seio da sociedade, como o mais
solido apoio do bem, da moralidade e da felicidade da patria, o militar precisa de uma succulenta e bem dirigida educação
scientifica que, o preparando para com proveito tirar toda a vantagem e utilidades dos estudos especiaes de sua profissão, o habilite,

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pela formação do coração, pelo legitimo desenvolvimento dos sentimentos affectivos, pela racional expansão de sua intelligencia, a
bem conhecer seus deveres, não só militares como, principalmente sociaes. 37 Este documento apresenta as principais visões a
respeito do papel dos militares nesta nova sociedade, compreendidos como uma missão civilizadora, moral e humanitária,
expandindo inclusive esta missão para os demais Exércitos do continente. Este novo Exército, com outras funções políticas e
sociais buscava imprimir a ideia de que cada cidadão deveria ser (e se ver) como um soldado honrando a pátria, sendo o processo
de capacitação e preparação fundamental para o fortalecimento das instituições militares. Esse novo ensino deveria contemplar a
mudança deste soldado força para o cidadão armado, consciente de seus deveres e direitos e não instrumento servil e maleável por
uma obediência passiva e 37 BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra, 1890, anexo, p. 33.

42 inconsciente. No entanto, apesar do discurso defender esta conscientização e abandono desta obediência passiva, no interior das
instituições militares, em todas as esferas, a disciplina sempre foi um ponto fundamental do estabelecimento das ações, como foi
debatido anteriormente. O uso da força e dos castigos corporais ainda eram discussões em pauta no século XX. Alguns artigos do
Código Disciplinar da Armada de 1890 proibiam, por exemplo, 34 - Representar contra qualquer punição antes de cumprir o
castigo que lhe tiver sido imposto; [ ] 38 - Dirigir aos superiores representações ou manifestações collectivas; 39 - Discutir, pela
imprensa, assumptos attinentes á disciplina militar, ou altercar, por esse meio, com outro ou outros militares; 40 - Autorizar,
promover ou assignar petições collectivas entre militares; 41 - Tomar parte em jogos de parada ou azar; 42 - Fazer commercio
qualquer que elle seja; 43 - Casar-se: o official - sem prévia communicação ao seu commandante, e as praças - sem que este lhe
haja concedido licença. 38 Como o texto do Código afirma o militar cidadão, consciente, sem obediência passiva, não poderia se
defender de uma punição antes de cumprir a pena; não poderia discutir questões relacionadas à disciplina; não poderia se unir com
outros companheiros para pleitear solicitações coletivas; além de também não poder se casar sem ser autorizado. Este é um
exemplo das muitas contradições e incoerências neste período inicial da República brasileira. Contradições estas que também serão
identificadas nas análises das relações com o esporte. Fica claro, no entanto, que as aspirações dos militares residiam em uma
maior aproximação dos civis de suas atividades a fim de engrossar suas fileiras e, através de melhorias técnicas e de formação,
fortalecer as instituições. 38 BRASIL. Decreto n. 509 de 21 de junho de 1890. Crêa o Codigo Disciplinar para a Armada.

43 2.2 Para um soldado mais forte e preparado, uma formação melhor: medidas para reformulação do processo de treinamento dos
militares brasileiros. Benjamin Constant, participante ativo no movimento republicano, assumiu no Governo Provisório a pasta do
Ministério da Guerra e, logo após ser substituído em 1890 por Floriano Peixoto, a do Ministério da Instrução Pública, Correios e
Telégrafos. Nesta segunda função, idealizou uma reforma no ensino que ficou conhecida como Reforma Benjamin Constant que
tinha como princípios orientadores [...]: liberdade e laicidade do ensino e gratuidade da escola primária. A organização escolar
estruturava-se da seguinte forma: a) escola primária organizada em dois ciclos: 1º grau para crianças de 7 a 13 anos; 2º grau para
crianças de 13 a 15 anos; b) escola secundária com duração de 7 anos; c) ensino superior reestruturado: politécnico, de direito, de
medicina e militar (PALMA FILHO, 2005, p. 50). O Ministro, além de sistematizar os diferentes níveis de ensino, buscava
defender o espaço das aulas de gymnastica e exercícios militares nos dois ciclos da escola primária, com exigência da existência de
um ginásio para exercícios físicos e pátio para jogos. Estabelecia também a gymnastica como item do currículo da Escola Normal,
órgão responsável por fornecer os docentes para a escola primária. O ensino secundário seria responsabilidade do Gymnasio
Nacional que também garantia espaço curricular destinado às atividades ginásticas, evoluções militares e esgrima durante os sete
anos de ensino. 39 A intensificação das preocupações com o espaço da atividade física, através da destinação de espaços
curriculares no cotidiano educacional tanto nas instituições militares como em meio civil, estava inserido no projeto maior de
formação de um povo mais forte e preparado para defender sua nação. Este momento, no entanto, foi um período de intensificação
das ações. As relações dos militares brasileiros com a prática da gymnastica e de esportes datam de meados do século XIX, quando
estas atividades passaram a fazer parte dos currículos de formação das escolas militares. As escolas de formação de oficiais das
duas Forças, ainda em meados do século XIX, já haviam estabelecido a obrigatoriedade da prática de atividades físicas e esportivas
de forma regular. Conforme Decreto n. 2.116, de 01 de março de 1858 que aprovou o regulamento que reformava a Escola Militar
da Corte, a Escola de Aplicação do Exército e a Escola de Infantaria e Cavalaria da província de São Pedro do Rio Grande do Sul,
os alunos dos cursos 39 BRASIL. Decreto n. 981 de 08 de novembro de 1890. Approva o Regulamento da Instrucção Primaria e
Secundaria do Districto Federal.

44 teriam em seus ensinos práticos aulas de tiro, equitação militar e hipiátrica, natação e esgrima. 40 No mesmo ano, o Decreto n.
2.163 de 01 de maio reorganizou a Academia de Marinha tornando-a Escola de Marinha e dentre suas reformulações curriculares,
inseriu como item comum do currículo aos aspirantes de todos os anos a prática de esgrima uma vez por semana, ginástica uma vez
por semana e natação duas vezes por mês e aos domingos antes da missa. 41 Após o ano de 1858, quando se empreendiam
modificações e reestruturações das escolas militares, sempre foi explicitamente considerada a necessidade de ensino e prática de
atividades físicas, o que sem sombra de dúvida tornou as Forças Armadas pioneiras em tal preocupação. A valorização dos
exercícios físicos, provavelmente pela sua utilidade na manutenção da boa forma do combatente e pela crença de que era de
utilidade na disciplinarização da tropa, não é somente observável nas Forças Armadas brasileiras (MELO, 2007c, p. 114). Percebe-
se a aproximação dos militares não somente das atividades ginásticas, mas também de práticas que possibilitassem o
desenvolvimento de habilidades fundamentais para o exercício militar no período, práticas que posteriormente passariam a ser
realizadas também em caráter esportivo como a natação, a esgrima e a equitação. Este processo acompanhou um movimento
crescente na sociedade brasileira no século XIX com preocupações com a saúde e a higiene. Como afirmam Silva e Melo nos
primeiros anos do século XIX, as cidades brasileiras - entre elas o Rio de Janeiro, a capital apresentavam condições deficientes de
saneamento e eram constantemente agredidas por epidemias. A partir do segundo quartel da centúria, em meio às crescentes
preocupações com a saúde, uma das iniciativas foi o aperfeiçoamento da formação do médico e a reformulação da Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro. Entre as inovações, implementou-se a exigência de apresentação de teses para a concessão do título de
doutor. Algumas dessas teses se debruçaram sobre a educação física, que ainda não era concebida como disciplina escolar,
constituindo antes um conjunto de cuidados ligados à higiene, à puericultura e também, de forma geral, à prática de atividades
físicas. Manoel Pereira da Silva Ubatuba, em 1845, apresentou o trabalho Algumas considerações sobre a educação física; no ano
seguinte, Joaquim Pedro de Mello defendeu a tese Generalidades acerca da educação física dos meninos; em 1852, Antonio

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Francisco Gomes submeteu a julgamento Influência da educação física do homem; e, no decorrer do século XIX, muitos outros
exemplos poderiam ser citados (2011, p. 2). O aumento das atenções com as questões relacionadas com a educação physica neste
momento do século XIX envolvia conjunto de ações englobando higiene e atividades físicas. No entanto, a partir de meados do
século tais atividades foram gradativamente incorporadas aos currículos das principais instituições de ensino do país, sendo
iniciado este processo pelas 40 BRASIL. Decreto n 2.116, de 01 de março de 1858. Aprova o Regulamento reformando os da
Escola de aplicação do exercito e do curso de infantaria e cavalaria da Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul, e os estatutos
da Escola Militar da Corte. 41 BRASIL. Decreto n 2.163, de 01 de maio de 1858. Reorganiza a Academia de Marinha em virtude
da autorização concedida no parágrafo 3º. do artigo 5º. da Lei n. 862 de 30 de julho de 1856.

45 escolas de formação militar. A defesa pela ampliação desta disciplina no sistema de ensino ao longo daquele século baseava-se
nos benefícios que as atividades físicas sistematizadas trariam para o corpo e mente dos jovens. No meio militar, esta defesa era
reforçada pelas observações dos cuidados de instituições militares de outros países com os processos de preparação do corpo dos
combatentes, considerando os exercícios físicos como um dos melhores instrumentos para a manutenção da forma e da disciplina
das tropas. Este olhar para o estrangeiro trouxe diversas influências para a estruturação da educação física no Brasil. A adoção do
método alemão de ginástica pelo Exército Brasileiro ainda no século XIX e a tradução para o português do Novo guia para o ensino
da ginástica nas escolas públicas da Prússia no ano de 1870 pode ser citado como um dos exemplos destas influências. Com o
crescimento da prática da ginástica nas instituições militares ao longo do oitocentos, muitos de seus membros passaram a atuar no
meio civil como instrutores de ginástica nas escolas, uma vez que ainda não existiam escolas de formação em Educação Física no
país naquele momento e os militares eram os principais promotores destas práticas no Brasil (SILVA e MELO, 2011). As
discussões sobre a necessidade de intensificação na educação física em meio civil iniciaram-se ainda no Império, com as propostas
de Rui Barbosa em 1882 ao apresentar o projeto nº. 224 Reforma do Ensino Primário e Várias Instituições Complementares da
Instrução Pública, onde defende a criação de uma escola de formação de professores de Ginástica. Segundo Rui Barbosa, a
ginástica não é um agente materialista, mas, pelo contrário, uma influência tão moralizadora quanto higiênica, tão intelectual
quanto física, tão imprescindível à educação do sentimento e do espírito quanto à estabilidade da saúde e ao vigor dos órgãos.
Materialista de fato é, sim a pedagogia falsa, que, descurando o corpo, escraviza irremissivelmente a alma à tirania odiosa das
aberrações de um organismo solapado pela debilidade e pela doença. Nessas criaturas desequilibradas, sim, é que a carne governará
sempre fatalmente o espírito, ora pelos apetites, ora pelas enfermidades (BARBOSA, 1946, p. 80). Em outro trecho de sua obra,
Barbosa afirma que a ginástica seria fundamental para a reconstituição de um povo cuja virilidade se depaupera, e desaparece de
dia em dia a olhos vistos, é, ao mesmo tempo, um exercício eminentemente, insuperavelmente moralizador, um germe de ordem e
um vigoroso alimento da liberdade. Dando à criança uma presença ereta e varonil, passo firme e regular, precisão e rapidez de
movimento, prontidão no obedecer, asseio no vestuário e no corpo, assentamos insensivelmente a base de hábitos morais,
relacionados pelo modo mais íntimo com o conforto pessoal, e a felicidade da futura família; damos lições práticas de moral, talvez
mais poderosas do que os preceitos inculcados verbalmente (BARBOSA, 1946, p. 98-99).

46 Os discursos de Rui Barbosa defendiam a educação física como um elemento formador de caráter, de moral, disciplinador e
instrumento fundamental para a formação de um povo produtivo e ordenado. Os benefícios da educação física, então, foram mais
frequentemente divulgados como um dos caminhos para criação do povo forte, saudável e equilibrado que republicanos e militares
almejavam. 42 Mesmo com a proposta desde 1882, a ampliação das atividades ginásticas no ensino brasileiro intensificou-se nos
anos finais do século XIX. Para ilustrar este processo, em 1890 (ano da Reforma de Ensino Benjamin Constant) a disciplina de
gymnastica e natação ou somente gymnastica foi identificada como parte integrante do currículo da Escola Militar da Capital,
Escola Militar do Ceará, Escola Militar do Rio Grande do Sul, Colégio Militar, Escola de Artífices do Arsenal de Guerra do Pará,
Corpo de Marinheiros Nacionais, Escola Naval, Gymnasio Nacional, Escola Normal, Escola Mixta da Quinta da Boa Vista, Escola
Mixta de Santa Cruz, Instituto Nacional dos Cegos. Todas estas instituições possuíam em seu corpo docente a vaga de instrutor de
ginástica, função corriqueiramente desempenhada por militares neste período mesmo nas instituições civis de ensino. 43 42 É a
partir da defesa que faz esse político brasileiro, que o discurso sobre a ginástica sueca ganha visibilidade. Rui Barbosa era defensor
do método de Ling também porque nele estavam inseridos a formação moral, higiênica e disciplinadora, além de ser uma prática
científica, já que era constituída de pesquisas nas áreas de fisiologia, anatomia e biologia. O papel da ginástica tocava em quatro
importantíssimos pontos sociais: o higiênico, o moral, o estético e o econômico. Respeitados como leis, esses pontos deviam estar
em equilíbrio numa sessão de ginástica, pois favoreceriam a harmonia do corpo humano (MORENO, 2003, p. 57). 43 BRASIL.
Diário Oficial da União de 26 de janeiro de 1890, seção 1, p. 9; BRASIL. Diário Oficial da União de 05 de fevereiro de 1890,
seção 1, p. 1; BRASIL. Diário Oficial da União de 19 de maio de 1890, seção 1, p. 1-4; BRASIL. Diário Oficial da União de 21 de
maio de 1890, seção 1, p. 1-7; BRASIL. Diário Oficial da União de 21 de maio de 1890, seção 1, p. 8; BRASIL. Diário Oficial da
União de 24 de maio de 1890, seção 1, p. 3; BRASIL. Diário Oficial da União de 31 de maio de 1890, seção 1, p. 1-9; BRASIL.
Diário Oficial da União de 12 de agosto de 1890, seção 1, p. 4; BRASIL. Diário Oficial da União de 23 de agosto de 1890, seção 1,
p. 8; BRASIL. Diário Oficial da União de 28 de setembro de 1890, seção 1, p. 8; BRASIL. Diário Oficial da União de 06 de
dezembro de 1890, seção 1, p. 1-7.

47 2.3 Primeiras atuações na divulgação esportiva: os militares, o remo e o turfe. Os militares incorporaram as práticas esportivas
não somente como parte de seus treinamentos funcionais. Algumas modalidades eram corriqueiramente praticadas por oficiais e
praças tanto do Exército como da Marinha, estando alguns inclusive envolvidos nos processos de divulgação e organização destes
esportes. Membros da Marinha, especificamente da Armada, por exemplo, foram importantes para difusão e organização do remo
na sociedade carioca. Antes mesmo dos primeiros clubes de regatas surgirem, a Marinha já organizava competições entre seus
militares (MELO, 2007c). Esta prática passou a ser defendida como integrante do projeto de modernização da sociedade e
concebida como uma estratégia de controle corporal e de adequação da população aos novos valores que estavam sendo forjados
(MELO, 2010a, p. 42). Esta atividade, disseminada entre diferentes grupos sociais, era ressignificada por cada um deles,
alcançando desde elites às camadas populares. Como afirma Melo, parece mais produtivo considerar que houve um processo de
interpenetração e circularidade cultural. Se algo das representações encaminhadas pelas elites foi incorporado pelas camadas
populares, também os dirigentes dos clubes tiveram que considerar e se adequar a certas solicitações populares, mesmo que não se

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deva negar o quão fortes foram as ações de controle de difusão de símbolos (2010a, p. 43). A intensificação da prática do remo na
sociedade carioca acompanhou um movimento crescente de busca por hábitos saudáveis e modernos ao ar livre, em contraponto às
atividades desorganizadas e confusas, sempre como tentativa de associar o novo, o moderno, à ambiência republicana. A defesa da
disciplina, do controle e da ordenação social fazia parte do projeto de país moderno que se idealizava após a República, integrando-
se de forma efetiva aos ideais militares de nação. Neste novo perfil de sociedade que se buscava construir, alguns esportes
ganharam maior projeção por serem manifestações que garantiam o controle do corpo, da mente e das emoções, itens entendidos
como fundamentais nos indivíduos integrantes de uma sociedade moderna e desenvolvida do final do século XIX. A cidade do Rio
de Janeiro, como sede do governo imperial e, após a República, capital federal do Brasil, foi a porta de entrada da maioria das
influências europeias, inclusive as práticas esportivas. Suas características de cidade litorânea favoreceram a introdução e difusão,
principalmente, das atividades ligadas ao mar como o remo, o hábito de tomar banhos de mar e a natação. Posteriormente, as
práticas de iatismo também ganharam projeção na cidade. Outros sports ligados às elites aristocráticas brasileiras já se
configuravam bastante difundidos no século XIX no Rio de Janeiro. Desde meados daquele século, o turfe já se

48 apresentava organizado e com modelos fixos de competição. Os páreos realizados nos hipódromos atraiam atenção de grande
parcela da sociedade, incluindo muitos apostadores, já que uma das características da prática era o jogo de apostas. As
arquibancadas dos hipódromos, separadas de acordo com os grupos sociais, estavam sempre cheias na cidade do Rio de Janeiro,
pioneira na atividade, e diversas outras como São Paulo, Belém, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Juiz de Fora, Campos, Pelotas e
Petrópolis (MELO, 2007c). A ampliação da prática esportiva na sociedade criou um movimento de reconhecimento social. Não
somente praticar o esporte tornou-se símbolo da civilidade, mas também a ação de participar assistindo às competições ganhou
status nesta sociedade. Passaram a ser reais encontros sociais com regras rígidas de conduta, vestimenta e etiqueta, seguindo os
padrões de sociedade civilizada. Um dos esportes que garantia estas características era o turfe, que se manteve como o principal
esporte ao longo de quase todo o século XIX, entrando em certo declínio na virada do século. O primeiro clube exclusivamente
esportivo fundado na cidade do Rio de Janeiro era um clube de turfe, fundado em 1849 após dois anos de discussões com o nome
de Club de Corridas. No entanto, este não foi o primeiro contato da população carioca com as corridas de cavalo. Desde a década
de 1810 imigrantes ingleses que vieram acompanhando a Família Real Portuguesa instituíram a prática na Praia de Botafogo,
atividade já habitual na Inglaterra. Existem registros de corridas de cavalo a partir desta década, destacando-se que em 1825 a
prática já se encontrava bastante difundida. A institucionalização da atividade, no entanto, só se iniciou a partir da iniciativa do
grupo criador do Club de Corridas, entre eles militares como Major Suckow e Luiz Alves de Lima e Silva, então Conde de Caxias e
atualmente Patrono do Exército Brasileiro. No final do século XIX o turfe chegou a ter cinco hipódromos funcionando
simultaneamente na cidade do Rio de Janeiro, o que denota a grande aceitação da prática (MELO e MAIA, 2005). As atividades
desenvolvidas nos hipódromos e suas características esportivas eram observadas pelos militares do Exército e passaram a ser
utilizadas até mesmo como analogias para a explicação de atividades profissionais. O Alferes Enéas P. Pires publicou um artigo na
Revista Militar em 1904 intitulado Combate de cavallaria contra a infantaria. No documento, o militar discutia a necessidade de
melhor organizar as fileiras de atiradores e de evitar a queda dos cavalos. Para exemplificar sua explanação, afirmava que este
phenomeno é facilmente observado nos hyppodromos; ahi o temos visto por varias vezes, e nem o jockey e nem o próprio cavallo
puderam evital-o. 44 O uso de termos e elementos específicos do 44 PIRES, Enéas P. Combate de cavallaria contra infantaria.
Revista Militar, ano VI, 1904, p. 166.

49 esporte para ilustrar situações do cotidiano militar pode ser destacado como um importante sinal da aproximação que ocorria
neste final do século XIX e início do século XX entre os militares e as práticas esportivas. A importância da montaria e dos cavalos
era significativa no século XIX, o que explica em parte essa grande aceitação. Este era o principal meio de transporte nas cidades,
seja de pessoas ou produtos. Ao longo do século XIX, especialmente na década final, o processo industrial fez crescer as
modificações nas zonas urbanas introduzindo processos de urbanização e sanitarização que englobavam em suas propostas a
ampliação das ruas, melhorias nas redes de esgoto e abastecimento de água e introdução de meios de transporte mais eficientes e
confortáveis (ARAUJO, 1995). A busca por novos ares para a cidade, com ruas mais largas, áreas amplas e praças que
favorecessem a circulação de ar e melhoria das condições higiênicas da cidade, foi o principal objetivo em fins do século XIX. A
introdução de linhas de ferrovia que ligavam a área central da cidade às freguesias mais distantes como Queimados e Sapopemba
(atual Deodoro) favoreceu um fluxo de ocupação dos subúrbios em regiões cortadas por tais transportes, gerando um afastamento
dos grupos mais pobres das áreas centrais, após a extinção dos cortiços, para estas áreas da cidade. Além do trem, outro meio de
transporte que mudou significativamente a dinâmica da cidade foi o bonde. Este transporte ligava diferentes regiões da cidade ao
centro, principalmente as áreas das zonas central e sul da cidade, já neste momento ocupadas preferencialmente pelos grupos mais
abastados. Este transporte garantiu um acesso mais rápido e regular, tornando estas regiões pontos bastante procurados para fins de
lazer e divertimento (ABREU, 1987). Com a introdução destes novos meios, os transportes utilizando animais, principalmente os
cavalos, perderam sua significância nesta nova sociedade. Como aponta Melo sobre os cavalos, se no século XIX ele era
fundamental como meio de transporte e para carregamento de produtos, a chegada da eletricidade o substituiu, a ele relegando, na
cidade, um espaço único como forma de diversão. Quando as cidades começam a se modernizar e desenvolver uma cultura
tipicamente urbana, os cavalos passam a ser símbolos muitas vezes incômodos de um passado rural (2007c, p. 155). Nesta nova
sociedade onde se valoriza a saúde, a higiene e os bons hábitos, as atividades físicas e esportivas ao ar livre passaram a ganhar mais
espaço. Uma área da cidade, favorecida pela ligação ao Centro por meio do bonde, passou a ser a grande busca de famílias de
diferentes grupos sociais no final do XIX. A zona sul e suas praias, propícias aos banhos de mar, tornaram-se ponto de encontro
principalmente nos finais de semana ampliando-se a

50 prática ao longo do século XX. Na primeira década deste século, os banhos de mar figuraram quase que semanalmente nos
periódicos de circulação na cidade que tratavam de assuntos sociais. Em diversas edições da revista Careta 45 do ano de 1908
encontramos inúmeras páginas dedicadas a relatar as atividades das famílias cariocas nas praias da zona sul. Assim como o turfe, o
remo também iniciou seu processo de institucionalização com a criação de diferentes clubes. No Rio de Janeiro, desde meados do
século XIX, surgiram clubs de regata que promoviam seus páreos (utilizando a mesma nomenclatura do turfe para suas
competições), nas regiões litorâneas da cidade. 46 Estes dados nos destacam o perfil de organização e ampliação destas práticas

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esportivas na cidade do Rio de Janeiro em fins do século XIX e início do século XX. As diferentes modalidades, após o
estabelecimento, passaram por processos de normatização e institucionalização que acompanhavam as tendências de ordenação
presentes em diferentes setores da sociedade. Nesse processo de sistematização das atividades físicas e introdução de atividades
esportivas, podemos destacar que o esporte que contou com grande atuação na MB no processo de difusão na cidade do Rio de
Janeiro foi, sem dúvida, o remo. 45 O periódico Careta foi criado por Jorge Schmidt e identificado desde sua primeira edição em 06
de junho de 1908 como uma publicação da Kosmos, outra revista circulante à época criada pelo mesmo Jorge Schmidt em 1904 de
apresentação requintada e conteúdo erudito e destinada a um público mais restrito por seu alto custo de 2.000 reis. A Careta seria
um projeto oposto à Kosmos com trato e diagramação mais simples e temáticas destinadas a um público mais geral, alcançando a
diferentes grupos sociais por seu preço mais acessível de 300 reis (DIMAS, 1983 apud NOGUEIRA, 2010). No ano de 1908 seu
preço semanal para a capital era de 300 reis e demais estados de 400 reis. A assinatura anual custava 15.000 reis e a semestral,
8.000 reis. Como evidência de seus objetivos de maior alcance na sociedade, o editorial da primeira edição da Careta de 06 de
junho de 1908 definia a revista como uma publicação direcionada ao Público, ao grande e respeitável Público com P grande. A
revista circulou entre 1908 e a década de 1980 com períodos de interrupção nos anos 60 e 70. No período analisado, a revista era
publicada em preto e branco, tinha em torno de 36 páginas e apresentava sempre em sua capa uma caricatura de personalidade da
política ou da sociedade brasileira. Logo após, seguia-se uma sequência de 04 a 05 páginas de anúncios, muitos com fotogravuras
ou ilustrações com grande apelo visual. Essa sequência de páginas integrais destinadas aos anúncios se repetia ao final das edições,
com a reserva de mais uma média de 05 páginas para este fim. (Anúncios dos mais diferentes artefatos do cotidiano: roupas,
chapéus, sapatos, águas perfumadas, óleo de fígado de bacalhau, xarope contra coqueluche, espartilhos, tecidos, apólices de seguro,
fósforos, líquido para limpeza dos dentes, tônicos, relógios, sabonetes, pianos). Como afirma Nogueira (2010, p. 63) a revista
ilustrada Careta marcou época não somente por ser representativa de uma cidade que se queria símbolo de modernidade, mas por
ser a própria publicação representante da evolução técnica que mudaria de certa forma os paradigmas do jornalismo literário do
momento em questão. 46 As primeiras tentativas datam de 1862, quando surgiram o grupo Regata e o British Rowing Club, este
composto basicamente por ingleses residentes na cidade. Entretanto, a primeira associação estruturada ligado ao remo foi criada em
1867: o Club de Regatas. Deste ano até o final do século, surgiram mais inúmeros clubes ligados à prática: Club de Regatas
Guanabarense (1873); Club Náutico Saldanha da Gama (1876); Paquetaense (1884); Cajuense (1885); Internacional (1887); Union
des Canotiers e Fluminense (1892); Club de Regatas Botafogo, Grupo de Regatas da Escola Militar, Club de Regatas Luiz Caldas,
Sul Americano e Veteranos do Remo (1894); Gragoatá, Icaraí e Flamengo (1895); Natação e Regatas (1896); Boqueirão do Passeio
(1896); Caju (1897); São Cristóvão e Vasco da Gama (1898); Guanabara (1899); Náutico e Internacional de Regatas (1900)
(MELO, 1999).

51 De acordo com Licht et al (2005), existem registros de realização de regatas a remo na Baía de Guanabara desde o ano de 1851,
promovidas por membros da aristocracia. No entanto, a partir de 1862 iniciaram-se competições de remo organizadas pela Marinha
do Brasil. Neste ano foram realizadas duas regatas na Enseada de Botafogo com a participação de diferentes tipos de barcos. A
realização de regatas promovidas pela Marinha passou a se expandir não somente no Rio de Janeiro, mas também em outras áreas
onde estava presente e atuante no país. No ano de 1863 foram realizadas regatas na enseada de Botafogo, além da Regata Imperial,
em 1865, com assistência do Imperador D. Pedro II no Rio Grande-RS, em comemoração à rendição do General Estigarriba
durante a Guerra do Paraguai. Neste momento deve ser considerada como relevante a adesão de importantes personalidades da
Armada (Marinha), que passaram a exaltar o remo como uma prática louvável (MELO, 2001, p. 67). Com a chegada dos militares
no poder após a República, este esporte ganhou mais destaque entre as instituições e as regatas passaram a ser realizadas com
maior frequência pela MB, como nos anos de 1892, em homenagem ao Almirante Barroso, e 1893, em benefício das vítimas do
Encouraçado Solimões (GARRIDO e LAGE, 2005; SOEIRO, 2003). Em 1895 ocorreu uma tentativa de criação de uma entidade
representativa dos clubes de remo, com a união dos clubes Botafogo (1894), Union de Cantioners (1892), Luiz Caldas (1894),
Gragoatá (1895) e Icarahy (1895) para este fim. No entanto, os dois primeiros anos foram sem atividades pela inexperiência dos
envolvidos e baixa adesão de clubes. No ano seguinte, o Clube Naval iniciou um processo de organização de provas de remo a
partir da criação de um estatuto e código de regatas para o campeonato de remo do Rio de Janeiro (MELO, 2007c, p. 157). A partir
de 31 de julho de 1897, sob a presidência do Capitão-Tenente da Marinha do Brasil Eduardo Ernesto Midosi, oficializou-se a
criação da União de Regatas Fluminense, com a entrada de outros três clubes: o Clube de Regatas do Flamengo (1895), Grupo de
Regatas Praia Vermelha (1896) e Veteranos do Remo (1894). Esta instituição regulamentadora posteriormente se tornaria o
Conselho Superior de Regatas com a finalidade de organizar os clubes de regatas existentes no Rio de Janeiro. 47 No ano seguinte,
em 05 de junho de 1898, realizou-se o Primeiro Campeonato Náutico Brazileiro, na enseada de Botafogo RJ, organizado pela
União de Regatas Fluminense tendo em sua plateia o presidente da República Prudente de Moraes (LICHT et al, 2005, p. 213). 47
PORTO, Santos. O sport náutico no Brazil. Revista Marítima Brazileira. 2 o. Semestre de 1901, p. 6-19.

52 A União de Regatas Fluminense, três anos após sua fundação, passou por uma reformulação e teve alterada sua nomenclatura
para Conselho Superior de Regatas (02 de março de 1900). Essa mudança ocorreu por uma tentativa de dominar as sociedades de
regatas, controlando a organização do remo. O código do Conselho Superior de Regatas apontava que seus objetivos eram
representar o Sport náutico brasileiro, defendendo seus interesses e promovendo seu engrandecimento. Propunha a abrangência do
código a todos os clubes de regatas existentes no país, desde que suas propostas fossem integralmente aceitas. No entanto, com a
existência de outras instituições regulamentadoras do esporte em outros estados, como o Comitê de Regatas do Rio Grande do Sul,
criado em 1894, e clubes que não manifestavam interesse em ter um Conselho regulamentador fora de seus estados, esta tentativa
de unificação do controle do remo não teve o sucesso esperado pelos idealizadores. No entanto, esta tentativa persistiu com a
alteração em 29 de novembro de 1902 de seu nome para Federação Brazileira de Sociedades de Remo, reforçando a perspectiva
unificadora do remo nacional almejado pela instituição carioca (REEBERG, 2007). Este esporte foi apontado como um dos
significativos no processo de criação de entidades regulamentadoras do esporte no país. De acordo com Victor Melo se o turfe
estabeleceu pioneiramente os parâmetros do que deveria ser a organização esportiva, o remo reformulou-a e aperfeiçoou-a (2007c,
p. 140). O então Capitão-Tenente Eduardo Ernesto Midosi dirigiu a entidade de 1897, sua efetiva fundação, até 1906. Seguiram-se
na presidência inúmeros representantes militares, tanto do Exército como da Marinha, ressaltando a significância destes grupos
para o fomento da organização esportiva no Brasil. Em 1906 ocorreu também a criação do Yacht Club Brazileiro, com o auxílio da
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Marinha do Brasil, que fez despontar outro importante esporte marítimo: o iatismo. Sua influência no desenvolvimento do esporte e
do clube foi direta, sendo inclusive seu primeiro Comodoro 48 o então Ministro da Marinha, Almirante Alexandrino Faria de
Alencar, que criou uma competição com seu nome a fim de chamar a atenção dos jovens praticantes para as coisas do mar
(ALMEIDA, 1997; GARRIDO, 2007). Como foi possível destacar até aqui, Marinha do Brasil e Exército Brasileiro participaram
do processo de regulamentação de modalidades esportivas no Rio de Janeiro. Suas atuações, através de oficiais engajados na causa
esportiva, contribuíram para a divulgação das práticas auxiliando na difusão dos esportes entre o público em geral. Muitas praças e
oficiais das FFAA passaram a se envolver na prática esportiva competitiva, 48 Equivalente a um diretor ou presidente.

53 inicialmente fora de suas organizações militares, já que não existia até meados da década de 1910 nenhuma entidade esportiva
no interior das instituições militares. Neste ponto faz-se necessário o destaque de uma contradição identificada ao longo da
pesquisa. O Exército Brasileiro tem, desde sua formação, como uma das armas mais tradicionais a Cavalaria. A equitação,
portanto, foi prática corriqueira entre seus militares desde o início da formação da instituição por motivos já pontuados, mas que
merecem nova menção. Os cavalos eram o principal meio de transporte no século XIX e, inclusive em combates militares, eram
ainda largamente utilizados no Brasil. Em meio civil, no entanto, a equitação e a propriedade de animais de grande porte eram
atividades ligadas à aristocracia rural, principalmente pelos altos custos de manutenção e tratamento dos animais. Como foi
comentado no início desta parte no processo de caracterização das FFAA brasileiras no período em análise, o EB era composto
basicamente por camadas menos abastadas da sociedade e mais próximas do cotidiano citadino. Os membros da aristocracia, ao
buscar o militarismo, comumente direcionavam-se para a Marinha do Brasil. O remo, atividade extremamente ligada à cidade e aos
critérios modernos defendidos à época, teve maior aproximação e aceitação por parte dos militares da MB, muitos inclusive
envolvidos na organização da modalidade e competidores em clubes no meio civil desde meados do século XIX. Identifica-se,
portanto, uma inversão nas aproximações com as modalidades esportivas: integrantes do Exército, relacionados ao cotidiano da
cidade, ligaram-se ao turfe e à equitação, atividades típicas da aristocracia rural; enquanto isso, os militares da Marinha,
comumente aristocráticos, aproximaram-se do remo, esporte do ambiente urbano. Esta breve explanação sobre as aproximações
com modalidades esportivas distintas por parte de cada uma das instituições militares demonstra apenas um espectro das inúmeras
contradições que compunham a sociedade brasileira neste momento.

54 2.4 Tensões políticas e busca constante por reformas: as Revoltas da década de 1890 e os projetos de melhorias para as FFAA.
Os anos iniciais da República Brasileira, apesar de fecundos no campo das propostas de melhoria e tentativas de estabelecimento
de novos paradigmas de modernidade para o país, no campo político foram caracterizados por intensas disputas entre as elites. Os
tênues objetivos em comum que uniram estes diferentes grupos no momento de proclamação da República, passaram a
necessidades bastante distintas após a finalização do movimento. As disputas por espaço e representatividade marcaram o Governo
de Deodoro. Suas medidas de concessão de privilégios a colegas de farda contrariavam tanto os militares da Marinha, que
aspiravam por mais espaço político, como os civis que temiam o estabelecimento de um governo militar ditatorial (COSTA, 2010).
Neste quadro de instabilidade política, aproximava-se o fim do Governo Provisório e as eleições previstas para 1891 para escolha
de presidente e vice-presidente pelo Congresso. O então presidente Deodoro da Fonseca verificou o declínio de sua popularidade
com a manifestação de muitos opositores que acabaram por indicar Prudente de Morais para a presidência e Floriano Peixoto para
vice. No entanto, entre os militares havia apoiadores que defendiam que Deodoro assumisse o governo a força, caso outro
candidato fosse escolhido. Ao lado de Deodoro, candidatava-se para vice o Almirante Eduardo Wandenkolk, que foi derrotado.
Após ter sido eleito pelo Congresso e tendo como Vice Floriano Peixoto, Deodoro buscou equilibrar as tensões, mas seus
opositores mantinham-se atuando intensamente. Então, sentindo-se pressionado, no dia três de novembro de 1891, deu um golpe,
fechou o congresso e decretou estado de sítio, a fim de neutralizar qualquer reação e tentar reformar a Constituição, no sentido de
conferir mais poderes ao executivo. Seu empreendimento foi um fracasso. Na manhã do dia vinte e três de novembro, a esquadra,
revoltada sob o comando do contra-almirante Custódio de Melo, intimou o governo a depor-se. Deodoro não resistiu e passou o
poder ao Marechal Floriano Peixoto, vicepresidente da República (ALMEIDA, 2004, p. 196). Este movimento empreendido pela
Esquadra ameaçava bombardear a cidade do Rio de Janeiro e tinha objetivo de pressionar a saída de Deodoro do cargo. Ficou
conhecido como primeira Revolta da Armada, sendo a segunda realizada pouco tempo depois, no ano de 1893. Com a renúncia do
presidente, o Vice Floriano Peixoto assumiu o cargo, mas o ambiente político não melhorou e o governante encontrou muitas
resistências. Como antídoto para estes constantes embates, o novo presidente adotou a postura dura, irredutível, que o fez ficar
conhecido como Marechal de Ferro. Existiam grandes opositores do

55 Marechal entre os grandes escalões militares. No entanto, Floriano com toques nacionalistas e populares, [ ] angariou o apoio da
jovem oficialidade e da população urbana da capital para as suas propostas modernizadoras, que previam a reestruturação do
sistema bancário, o estímulo à indústria, a construção de estradas de ferro e a expansão da educação quase todas contrariadas pelas
oligarquias políticas dos grandes proprietários (NEVES, 2010, p. 474). Os problemas de Floriano, mesmo com o apoio popular, não
finalizaram e as divergências se manifestavam em diferentes grupos, inclusive dentro de seu partido (Republicano Paulista),
composto por muitos cafeicultores paulistas que não viam com bons olhos sua postura autoritária, e também entre os militares. Um
de seus maiores oponentes era o Almirante Wandenkolk (candidato a vice-presidência que perdeu o cargo para Floriano) que não
reconhecia o direito do Vice-Presidente assumir o governo e exigia a convocação de eleições imediatas sob a pena de seu grupo se
mobilizar para realizar um novo golpe. Como tentativa de amenizar esta efervescência política, defendia-se a realização de novas
eleições presidenciais. No entanto, a tentativa não se concretizou e Floriano se manteve na Presidência até 15 de novembro de 1894
(ALMEIDA, 2004; MCCANN, 2009; NEVES, 2010). O governo de Floriano Peixoto enfrentou muitos problemas políticos
internos em grande parte ocasionados por sua postura inflexível. Suas ações criaram dissensão e rancor nas fileiras republicanas.
Sua insistência em depor todos os presidentes dos estados, que haviam apoiado Deodoro na crise de novembro, desencadeou a
violência regional em muitas partes do país (MCCANN, 2009, p. 51). Um dos mais importantes conflitos ocorreu no sul do país
por questões de sucessão ao governo e se prolongou por mais de dois anos e ficou conhecida como Revolução Federalista. No
entanto, o conflito de maior destaque no governo Floriano foi a chamada segunda Revolta da Armada. Membros das FFAA,
insatisfeitos com a permanência de Floriano do poder contrariando uma determinação da Constituição Federal 49 redigiram em
1892 o Manifesto dos Treze Generais, documento onde 13 oficiais generais 50 da Marinha e do Exército exigiam que Floriano

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deixasse a presidência e que novas eleições fossem realizadas. Floriano reagiu rapidamente mandando prender alguns e reformar
outros alegando insubordinação por parte dos militares (MCCANN, 2009; SILVA e ARIAS NETO, 2010). 49 Art. 42 - Se no caso
de vaga, por qualquer causa, da Presidência ou Vice-Presidência, não houverem ainda decorrido dois anos do período presidencial,
proceder-se-á a nova eleição. BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 24 de fevereiro de 1891. 50
Oficiais signatários do documento: Marechal José de Almeida Barreto, Vice-Almirante Eduardo Wandenkolk, General de Divisão
José C. de Queirós, General de Divisão Antônio Maria Coelho, General de Divisão Cândido José da Costa, Contra-Almirante José
Marques Guimarães, General de Brigada João Nepomuceno de Medeiros Mallet, Contra-Almirante Dionísio Manhães Barreto,
General de Brigada Dr. João Severiano da Fonseca, Contra-Almirante Manuel Ricardo de Cunha Couto, General de Brigada João
José de Bruce, General de Brigada José Cerqueira de Aguiar Lima, General de Brigada João Luís de Andrade Vasconcelos
(MARTINS, 1995).

56 Em meio a esta crise, o então Ministro da Marinha Almirante Custódio de Mello, renunciou ao cargo e iniciou um movimento
para forçar a saída de Floriano tendo apoio de outros membros da Marinha como Luis Felipe Saldanha da Gama, diretor da Escola
Naval. Como afirma McCann (2009, p. 56) em 06 de setembro de 1893, véspera do dia da independência, os conspiradores do
almirante Mello tomaram quinze navios de guerra e nove embarcações comerciais e tentaram, sem êxito, cortar o acesso ao Rio
pela Estrada de Ferro Central do Brasil. Floriano, no entanto, não se preocupou com as ameaças da revolta, que eram efetivamente
sérias. A Esquadra revoltada bombardeou a cidade do Rio de Janeiro e os fortes entraram em conflito. No entanto, o grupo de
militares da Marinha atuantes pelo governo, sob comando do Almirante Jerônimo Gonçalves desbaratou, com o apoio na artilharia
de terra, a frota rebelada. Saldanha e seus comandados apinhavam-se agora, no tombadilho de duas naus portuguesas (SODRÉ,
2010, p. 224). As consequências deste conflito para a Marinha foram destacadas no Relatório Ministerial de 1894, afirmando que
este movimento, si trouxe funestas consequências para a nação em geral, mais do que a todos prejudicou o Ministério da Marinha,
cujas repartições e estabelecimentos ficaram desorganisados, cujos corpos foram dissolvidos e cujo material foi consumido e
estragado, ora pelos próprios revoltosos, ora pelas necessidades de defesa. 51 Se a força já passava por problemas que eram
constantemente destacados, solicitandose reforma desde os navios até as escolas de formação, após esta revolta estas solicitações se
tornaram ainda mais constantes. Ainda em 1901, o Relatório 52 apontava a necessidade de maiores investimentos a fim de
viabilizar obras e reparos necessários desde os conflitos de 1893 e alcançar, novamente, o posto de marinha forte entre as nações da
América do Sul. O documento destaca que o momento não era propício para comparar a esquadra de outrora e a que possuímos
actualmente, mas sim entre a que possuímos e as que possuem outras nações da América do Sul. Esta preocupação é destacada pela
observação de processos de reaparelhamento que vinham sendo realizados pelas marinhas do Chile, da Argentina. No ano seguinte,
em 1902, o relatório 53 fez um comparativo entre os investimentos empreendidos pelo Chile e pelo Brasil entre 1891 e 1900. O
governo chileno, neste período, teria investido em média, 24.576:000$000 anuais adquirindo unidades de combate, realizando
obras em portos militares, construindo depósitos de carvão, além de criar um regimento de artilharia para defesa de costas. Já o
Brasil, no mesmo período, despendeu 28.657:181$651 anualmente, 51 BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha, 1894, p. 3. 52
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha, 1901, p. 5. 53 BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha, 1902, p. 3-4.

57 em média, e somente adquiriu navios de 27.179 toneladas de deslocamento para o aumento de seu poder naval. Mesmo com
valor maior de investimentos, prosseguiu o Ministro, a Marinha brasileira ficou muito aquém da chilena em termos de aumento
efetivo do poder naval. Os problemas estruturais das FFAA eram constantemente destacados nos relatórios dos Ministérios da
Guerra e da Marinha submetidos ao governo federal. Tanto as dificuldades de material como as defasagens no processo de
preparação de soldados e marinheiros eram temas recorrentes nestes documentos. O treinamento dos militares era sempre apontado
como um grave problema sendo este fator atribuído à falta de uma instrução profissional adequada, tanto nos aspectos técnicos
quanto práticos. O relatório do Ministério da Marinha do ano de 1892 defendia que a má organização das escolas de aprendizes e a
falta de navios preparados para as instruções práticas dificultava aos jovens a aprendizagem da arte do marinheiro e adquirirem as
qualidades physicas e moraes indispensáveis ao homem do mar. 54 Como solução para estes problemas, defendia-se a reforma das
escolas e estabelecimento de viagens de instrução. Ainda no início da década seguinte a preparação se mostrava problemática,
sendo tema de discussão no Relatório do ano de 1900, quando afirmava-se a necessidade de aumento das viagens de instrução pois,
segundo os dados do relatório, era mais dispendioso para os cofres do governo manter os navios atracados do que em viagem.
Além disso, é do marinheiro, desse factor intelligente e preparado, que depende o bom êxito da manobra. Si a escola em terra dá ao
aprendiz-marinheiro a devida theoria, o navio no mar dá-lhe a pratica indispensável. 55 O Exército Brasileiro também defendia a
necessidade de viagens para a melhor preparação de seus militares. Em edição da Revista Militar do ano de 1900, relatou-se
aspectos da primeira viagem de instrução do Estado-Maior do Exército em serviço de campanha. No artigo intitulado Uma viagem
do Estado-Maior no Chile, 56 aponta-se como necessidades do EB naquele momento 1 o.) Habituar officiais ao serviço de guerra,
collocando-os em situações idênticas as que se apresentam em campanha e fazendo-os applicar sobre o terreno os methodos e
soluções dos problemas tácticos, que aprenderam theoricamente; [...] 3 o.) Nestas expedições o estado-maior experimenta a
robustez physica e o preparo intellectual dos officiaes. 54 BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha, 1892, p. 40. 55 BRASIL.
Relatório do Ministério da Marinha, 1900, p. 4. 56 Revista Militar, Uma viagem do Estado-Maior no Chile, ano II, 1900, p. 48.

58 Acompanhando as preocupações com os conhecimentos táticos e técnicos da guerra, destaca-se também a busca pela melhoria
do físico, do corpo dos militares. As observações sobre como os exércitos estrangeiros realizavam seus processos de preparação e
como eram organizados enquanto estrutura eram temas recorrentes em todas as edições da Revista Militar analisadas para este
trecho da pesquisa. 57 Nestes documentos foram publicados extensas traduções de revistas militares do exterior onde eram
detalhados os procedimentos, atos e contingentes dos exércitos de países da Europa, América, Ásia e África. 58 Estas notas eram
utilizadas para reafirmar a necessidade de maior especialização das FFAA brasileiras a partir destes modelos de exércitos vistos
como exemplos de sucesso. Além disso, este acompanhamento possibilitava a percepção do nível do EB em relação aos demais
exércitos em atuação no mundo naquele momento. 59 O problema na formação dos militares foi sempre presente nos relatos
oficiais dos dois Ministérios (Marinha e Guerra). No Relatório do ano de 1894, o Ministro da Guerra, por exemplo, apontou que,
apesar das tentativas constantes de reformas nos processos de instrução militar com reestruturação dos regulamentos dos
estabelecimentos de ensino, o resultado não estava de acordo com o desejado. Os programmas de ensino eminentemente theoricos,

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a pouca importância ligada a instrucção propriamente militar, a diffusão pelos alumnos de estudos meramente especulativos, de
theorias philosophicas, com prejuízo da instrucção de que mais carece o militar; a multiplicidade de escolas, a duplicada de
programmas e até a de um mesmo curso, o de artilharia, revelando tudo isto falta de unidade de ensino, são, em rápidos traços, a
causa da decadência da instrucção militar entre nós. 60 57 Para este segundo Capítulo, foram analisadas as edições de janeiro a
dezembro dos anos de 1899, 1900, 1901, 1902, 1903, 1904, 1905, 1906 e 1907; e as edições de janeiro, fevereiro e março do ano
de 1908 já que no acervo da Biblioteca Nacional não foram localizadas as edições de abril a dezembro deste ano. Como afirma
Oliveira (2011, p. 59) a Revista Militar foi extinta em 1908, quando o EME passava por uma intensa reorganização. No seu lugar
foi criado, em 1911, o Boletim Mensal do Estado Maior do Exército, que até 1923 ocuparia o lugar de periódico oficial da
corporação. Não consegui localizar a data de encerramento das publicações. A ausência das edições de abril a dezembro de 1908
pode ser em decorrência da finalização da revista ou da falta destes documentos no acervo. 58 Nos relatos da Revista Militar do
período entre 1899-1908, foram publicados artigos sobre a estrutura dos exércitos dos seguintes países: Portugal, Alemanha,
Rússia, Grã-Bretanha, Itália, Espanha, França, Suíça, Suécia, Servia, Dinamarca, Romênia, Hungria, Áustria, Bélgica, Estados
Unidos, Chile, Equador, Uruguai, Peru, Argentina, Colômbia, Bolívia, Guatemala, México, Japão, China, Turquia, Marrocos e
Egito. 59 Os artigos ainda exploravam temáticas como as diferentes formas de criptografia de mensagens utilizadas pelos exércitos
nesta virada do século XIX para o XX. Em 1899, o artigo Sobre sistemas esteganographicos afirmava-se que neste sistema eram
avaliados a formação de criptografia em hieróglifos egípcios; inscrições cuneiformes de Persépolis na Babilônia e de Ninive;
inscritos de cavernas na Índia; movimentos da Lycia e dos túmulos da Etruria; os processos de taquigrafia no alfabeto morse;
alfabeto beneditino; alfabeto romanini; alfabeto franc-masson; além de sistemas numéricos e literários. Revista Militar, ano I, 1899.
60 BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra, 1894, p. 14.

59 A necessidade de maior militarização das escolas de formação e de investimentos para o reaparelhamento das FFAA eram
componentes de projetos ligados à visão que estas instituições expressavam sobre as suas funções neste novo Brasil. As ideias
sobre o papel das FFAA nesta nova República eram constantemente reforçadas em seus documentos oficiais. O Relatório do
Ministério da Guerra do ano de 1896 defendia que o aumento da importância e dos investimentos nas instituições militares era uma
característica dos países civilizados e que com melhor estrutura poderiam desenvolver com maior eficácia suas funções de garantia
da estabilidade, de ordem e desenvolvimento social. 61 Ter Forças Armadas fortes e preparadas seria, então, um dos caminhos para
a inserção do Brasil no cenário das sociedades modernas e civilizadas. Estas necessidades de reforma na estrutura das instituições
foram evidenciadas mais claramente com as derrotas militares em conflitos internos enfrentadas na década de 1890 pelas FFAA,
gerando não somente um problema interno de organização, mas também um desprestígio político das instituições. As derrotas na
Revolta da Armada e na Revolução Federalista no sul do país enfraqueceram os anseios dos militares em prosseguir no governo.
Desgastado pelos constantes embates e doente, Floriano chegou ao fim do mandato em 1894 e, com a eleição de Prudente de
Morais para a presidência, encerrou-se o ciclo de militares no poder desde a Proclamação da República. No entanto, as influências
florianistas prosseguiram durante o governo do primeiro presidente civil que assumiu em 15 de novembro de 1894 (ARQUIVO
NACIONAL, 2009; SODRE, 2010). O governo do novo presidente marcou o início da representação das oligarquias,
especialmente aquelas ligadas ao café. Este novo perfil de governo enfrentou muitas oposições políticas lideradas por militares
florianistas e pelo grupo dos jacobinos que lutavam pela consolidação do poder republicano; pelo Partido Monarquista, que
buscava se reorgarnizar; e por parcela dos setores médios da população, descontente com o governo de um presidente civil
(ARQUIVO NACIONAL, 2009, p. 14). 61 BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra, 1896, p. 3.

60 Além das instabilidades políticas ocasionadas por este extenso grupo de opositores, o governo ainda precisou lidar com os
incidentes da Guerra de Canudos (1897) 62. A intensidade dos conflitos preocupou os políticos da capital federal, ainda sob as
lembranças dos recentes problemas da Revolta da Armada e da Revolução Federalista. Ao perceber a irredutibilidade do
movimento em Canudos às forças policiais e aos contingentes militares encaminhados à região, Manuel Vitorino, vice-presidente
que substituía Prudente de Morais por motivo de doença desde novembro de 1896, concordou em mandar contra Canudos uma
terceira expedição, integrada por cerca de 1.281 soldados do Exército, sob o comando do coronel Antônio Moreira César, que fora
governador militar de Santa Catarina e responsável pelo fuzilamento e degola dos prisioneiros durante a guerra civil no Sul do país
(1893-1895) [ ] os militaristas, partidários radicais do marechal Floriano Peixoto, cujo falecimento em 29 de junho de 1895 privara-
os de um líder, depositavam suas esperanças e esperavam, provavelmente, que ele, ao regressar vitorioso de Canudos, aceitasse
liderar um golpe de Estado contra o governo dos casacas, o poder civil, considerado débil na defesa da república. Nem os 1.281
soldados, comandados pelo coronel Moreira César, a quem os sertanejos deram o apelido de corta-cabeças, com quinze milhões de
cartuchos e setenta e três tiros de artilharia, conseguiram, contudo, esmagar o movimento de Antônio Conselheiro. Completamente
desbaratada, em 3 de março de 1897, a terceira expedição também foi, com o seu comandante, coronel Moreira César, morto por
duas balas, e a notícia desencadeou no Rio de Janeiro e em São Paulo violenta agitação em que os radicais da república, os
florianistas, não só invadiram e depredaram os jornais monarquistas como assassinaram um dos seus diretores, o coronel Gentil de
Castro [ ] (BANDEIRA, 2005, p. 7). A derrota desta terceira expedição e morte do provável líder de uma reação ao governo
intensificou os descontentamentos dos militares vendo neste episódio um fortíssimo argumento para questionar a legitimidade dos
verdadeiros princípios de um governo que não conseguia proteger suas instituições contra os defensores da restauração monárquica
(HERMANN, 1996, p. 3). A referência aos monarquistas é em decorrência da associação que se fez à época entre os objetivos do
movimento que originou os conflitos em Canudos e uma reação de grupos a favor do retorno à Monarquia. 62 A eclosão do
conflito em Canudos, no interior da Bahia, motivado pela questão do corte da madeira e liderado por Antônio Vicente Mendes
Maciel, conhecido como Antônio Conselheiro, que, pregando uma vida ascética, havia atraído ao seu redor uma comunidade de
quase trinta mil sertanejos. A revolta foi vista como uma reação monárquica, apesar de seu caráter messiânico e regional. A derrota
das tropas baianas levou o presidente do estado a solicitar o envio de tropas federais. O fracasso de duas expedições e as mortes de
seus comandantes republicanos gerou uma onda de protestos e de violência na cidade do Rio de Janeiro. Os florianistas
organizaram-se em milícias fardadas e assassinaram alguns monarquistas cariocas. Somente com a devastação do arraial de
Canudos, ocorrida em agosto de 1897, por uma expedição militar federal composta por oito mil homens, e após o atentado sofrido
por Prudente de Morais, cometido por um soldado vitorioso em Canudos, deuse fim à crise p político-institucional, com o
restabelecimento da ordem republicana (ARQUIVO NACIONAL, 2009, p. 14.)
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61 Este evento em Canudos foi expressivo para as FFAA, pois ilustrou as graves deficiências que ainda persistiam. Apesar de toda
a defesa por modernização e maiores investimentos, a defasagem técnica e material ainda era muito significativa (SODRE, 2010).
Neste mesmo ano de 1897 ocorreu ainda a chamada Revolta da Escola Militar. De acordo com Sodré (2010) este movimento foi
motivado por decisões do governo em enviar para o Rio Grande do Sul as armas e munições que pertenciam à Escola. No entanto,
o próprio autor destaca que, em essência, essa revolta se fermentava nos grupos florianistas que almejavam mobilizar uma reação
ao governo. O levante não contou com o respaldo das forças policiais e de outros militares, como se imaginava, e recuou
(BANDEIRA, 2005). Já de volta ao governo desde março de 1897, Prudente de Morais precisou lidar com toda a instabilidade com
os militares pelos efeitos das revoltas e também com problemas internos em seu próprio partido, o Partido Republicano Federal,
que tinha em sua presidência Francisco Glicério. Neste mesmo ano o partido passou por uma cisão política que ocasionou uma
colisão entre o então Presidente da República e Glicério (FREIRE, 2000). Mesmo com o panorama de agitação política e conflitos
eclodindo no país, o ideal de modernização era um dos objetivos comuns destes diversos grupos divergentes em tantos outros
pontos. A necessidade de estabelecimento de parâmetros específicos para a melhoria do preparo do corpo do homem republicano
era expressa através da divulgação de textos e materiais traduzidos de outros países, destacando os benefícios e a necessidade de
ampliação da educação física de forma efetiva no Brasil. Já em 1892, no Diário Oficial da União de 01 de abril, foi traduzido e
publicado o texto A educação physica moderna que tinha como objetivo divulgar as ações bem sucedidas dos franceses no processo
de inserção da educação física no cotidiano de sua população. 63 As buscas por divulgar os benefícios da prática da ginástica entre
os jovens e efetivamente implantá-la no ensino brasileiro, seguindo os padrões já existentes em diversos países europeus,
prosseguiram ao longo da década de 1890. Em 1894, já no governo civil de Morais, o Dr. Vicente de Souza, professor do Gymnasio
Nacional, apresentou um relatório ao Ministro do Interior sobre comissão no exterior realizada a fim de permanecer em estágio no
ensino secundário da França. Em trecho do relatório publicado no Diário Oficial da União de 02 de agosto de 1894, 64 o médico
debate a aplicação da ginástica no ensino francês e afirma que 63 BRASIL. Diário Oficial da União, 01 de abril de 1892, seção 1,
p. 6-7. 64 BRASIL. Diário Oficial da União, 02 de agosto de 1894, seção 1, p. 4-6.

62 o fim da gymnastica nao e crear artistas, amestrados em exercícios difficeis e perigosos, mas formar homens que por trabalho
progressivo e methodico, por exercicios razoavelmente graduados, cheguem ao desenvolvimento, saude e robustez do corpo. [...] E
não so do curso regular e hygienico da gymnastica se ocupa a autoridade francesa, espontaneamente e incessantemente secundada
pelo espirito popular, sinao tambem da esgrima; do exercicio de florete, do sabre e da espada de combate. [...] É um ensino esse que
eu desejaria ver applicado por obrigatório nas escolas primarias, no Gymnasio Nacional e nos cursos profissionaes. Assim o
desejaria, em nome da hygiene escolar e do incontestavel resultado beneficio para grande massa de anemiados e de lymphaticos,
para numerosos doentes por ausência ou descuido dos exercicios physicos. Não ha quem com vantagem conteste que em nossa
população nacional, ha milhares de individuos de saude precaria, sem energia physica, sem resistencia a oppor ao clima,
trabalhando sempre na desassimilação organica, incapazes de romper com os habitos de todo contrarios a educacao e a expansão da
forca muscular. [...] Para actuarem em sentido inverso a esses preconceitos de possança e saude bastaria entrarem a exercer essa
força e essa resistencia, e veriam como os invadiria o cansaço; como os dominaria a fadiga. Que se entregassem gradualmente,
ordenadamente aos exercicios de gymnastica e de esgrima, e chegariam, em curto período, a corrigir e rectificar o emprego da
actividade organica. [...] Que ao corpo se de cuidadosamente todo esse conjuncto de elementos para sua inteira vitalidade; que aos
órgãos e os systemas da economia humana se prestem todas as condiçoes para a evolucao das forças e, ao lado destas, o cerebro,
irrigado francamente, abundantemente guardara correctas as suas funçoes psychicas. Para a mentalidade sa e vigorosa a preliminar
indispensavel e inadiavel é a cultura physica pelo exercicio, que actua em todo o organismo, desde os centros nervosos ate aos
apparelhos de eliminação. A maxima epicurista mens sana in corpore sano será inscripto, em cada edificio de educaçao official ou
privada; será bem applicada no codigo de instruçao, quando o Estado, ainda tutor ou o preceptor livre tenha chegado a convicçao
pela doutrina exposta e defendida por physiologista, por hygienistas, por pedagogos. Que os competentes queiram realisar esse
plano de educaçao popular ainda olhado com indiferença ou suspeiçao. Eis, Sr. ministro, quando tive por opportuno dizer em
desempenho do honroso encargo a mim confiado pelo governo da Republica. Capital Federal, abril de 1894 - Dr. Vicente de Souza.
O trecho do relatório ilustra as grandes preocupações do governo com os cuidados dedicados ao preparo do corpo naquele
momento. Enviado a observar o ensino de educação física na França, o autor destaca as importantes ações realizadas pelo governo
francês neste campo e defende que os objetivos do exercício não devem residir na formação de artistas ou especialistas em tais
atividades, mas sim ser utilizado como instrumento para o desenvolvimento da saúde e do corpo forte. Estes argumentos
retomavam as defesas da necessidade de um povo mais robusto, preparado e saudável. A introdução das atividades gymnasticas e
da esgrima no cotidiano escolar era a grande defesa do Dr. Vicente de Souza, argumentando que esta ação poderia corrigir os
problemas ocasionados pela falta de exercício do corpo, como saude precaria, sem energia physica, sem resistencia a oppor ao
clima, trabalhando sempre na desassimilação orgânica e se tornar o grande impulsionador da evolução das forças físicas e
psíquicas, já que segundo seus estudos, o cérebro seria altamente beneficiado pelos exercícios ao ser mais irrigado e que para a
mentalidade sa e vigorosa a preliminar indispensavel e inadiavel é a cultura physica pelo exercício. O relatório reforça as

63 proposições já defendidas desde a Reforma Benjamin Constant em 1890 de inserir a ginástica no dia a dia escolar desde as
turmas primárias, objetivando iniciar a criação deste povo forte o mais breve possível. A divulgação dos benefícios da prática
esportiva através dos instrumentos oficiais (relatórios ministeriais, diários oficiais) era constante. No entanto, identificou-se artigo
que buscava não somente destacar os proveitos destas práticas para o indivíduo, mas também seus perigos. Em 29 de Janeiro de
1898, foi publicada uma análise desenvolvida a partir da tradução de um texto do British Medical Journal comparando o nível de
acidentes entre os praticantes de futebol, equitação e ginástica da Academia Militar de West-Point. O texto sem autoria destacava
que Os resultados condemnam eloquentemente o foot-ball: entre as 84 pessoas que se dedicam a esse jogo, houve 51 accidentes,
determinando perda de 277 dias; em 181 individuos que se exercitam em equitação houve 17 accidentes, occasionando a perda de
11 dias; finalmente nos 106 homens que trabalham em gymnastica, houve apenas nove accidentes com a perda de 11 dias. Não
somente os accidentes pelo foot-ball são muito mais frequentes, mas tambem são mais graves, porquanto a perda de dias
occasionada pelo foot-ball é de 5,1, para a equitação 3,4 e para a gymnastica 1,02. Mas o que evidencia o perigo desse jogo é o
numero total dos dias de incapacidade para o trabalho causada para cada homem pelos accidentes; esses numeros são os seguintes:
para o foot-ball 8,01, para a equitação 0,31, para a gymnastica 0,15. Em resumo, as probabilidades de accidentes são 18 vezes
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maiores no football do que na equitação e 20 vezes maiores do que nos exercicios gymnasticos; o numero de dias perdidos é 26
vezes superior nos accidentes devidos ao football do que nos occasionados pela equitação e 50 vezes superiores aos determinados
pela gymnastica. 65 Este texto traz à luz uma preocupação ainda não evidenciada nas fontes até este momento: os riscos da prática
esportiva. No entanto, estes riscos não foram destacados por preocupações imediatas com a saúde ou bem estar dos indivíduos, mas
sim os prejuízos que poderiam ocasionar às engrenagens profissionais e produtivas pelo tempo de ausência em seus postos de
trabalho que os acidentes poderiam gerar. Ao longo das discussões realizadas até este ponto, foi possível perceber que o estímulo à
prática esportiva através da divulgação de seus benefícios e de suas vantagens no processo de preparação de um povo mais forte
passou por diferentes governos militares e civis desde a proclamação da República. Os ideais de modernização do Brasil, passando
também pelas questões ligadas à formação física, intelectual e moral dos indivíduos, eram propostas comuns aos diferentes
governos estabelecidos, não sendo encontradas grandes discrepâncias nas divulgações sobre estas práticas. 65 BRASIL. Diário
Oficial da União de 29 de Janeiro de 1898, seção 1, p. 7-8.

64 2.5 Oligarquias no poder, desprestígio militar: o problema da formação segue em debate. Ao final do século XIX, ocorreu uma
nova mudança no governo federal com a saída de Prudente de Morais e eleição de Campos Salles no ano de 1898. Com o
presidente, iniciouse uma nova lógica política onde os partidos nacionais perderiam sua força e as decisões seriam baseadas nas
relações entre os interesses políticos estaduais e o governo federal, sistema que ficou conhecido como política dos governadores,
ou política dos estados (VENEU, 1987). Esta nova organização inaugurada por Campos Salles possibilitou um período de paz
oligárquica, baseado em uma combinação de cooptação e repressão, interrompido apenas em 1922, quando se deu a primeira
revolta tenentista (CARVALHO, 2002, p. 61). Este sistema minimizou os conflitos que existiam entre as oligarquias, e também
entre os militares, em busca do poder. No entanto, neste processo ocorreu uma predominância de grupos de Minas Gerais, São
Paulo e Rio Grande do Sul no comando do governo federal, fato que desagradou às outras unidades da federação brasileira. Como
afirmam Ferreira e Pinto, no condomínio oligárquico em que se transformou a política brasileira havia oligarquias de primeira e
segunda grandezas, além dos chamados estados satélites. Como resultado concreto deste modelo vigente durante grande parte da
Primeira República os conflitos políticos, embora não eliminados, foram minimizados e as sucessões presidenciais marcadas por
disputas controladas, sendo o candidato da situação aquele que a priori tinha garantida sua eleição salvo alguns momentos
excepcionais, conforme ocorrido na disputa presidencial de 1909/1910 que deu origem à Campanha Civilista (2006, p. 5). Neste
novo sistema, os militares e militaristas perderam seu espaço e caíram no ostracismo político com a perda de prestígio progressiva
desde a Revolta da Armada e da Guerra de Canudos (RODRIGUES, R., 2011a, p. 5-6). Mesmo com o enfraquecimento político, as
necessidades de modernização e melhorias para as FFAA continuavam sendo constantemente reafirmadas nos relatórios dos
ministérios militares. Comentando o projeto de reorganização das instituições de formação do Exército, o Ministro da Guerra
Marechal Mallet em seu Relatório do ano de 1899 defendia a necessidade deste processo, pois alem de proporcionar maior diffusão
da instrucção pelo Exército, [...] será esse projecto de incomparável utilidade para a disciplina, visto accentuar o principio da
hierarchia militar, evitando a promiscuidade de oficiais e praças na mesma escola. 66 A separação dos níveis hierárquicos também
foi tema de discussão na Revista Militar do ano de 66 BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra, 1899, p. 16-17.

65 1899. O artigo Bases para a reorganização do Exercito, de autoria do Coronel F. Abreu Lima, Chefe da 2 a. Seção, defendia que
todo o projeto de reorganização deveria se basear no meio de obter soldados: o recrutamento. Este processo estaria estruturado em
três níveis: oficiais, praças e reservas do exército. O autor destaca que dizem as autoridades militares que nos exércitos se devem
distinguir dous mundos: de officiaes e praças. Os officiaes se constituem os profissionaes na sciencia militar; as praças representam
os simples operários que executam os trabalhos de guerra. 67 Esta preocupação com a mistura entre oficiais e praças perpassa todas
as esferas de organização das FFAA, sendo também um ponto de discussão importante no processo de estruturação das atividades
esportivas, como veremos ainda neste trabalho no Capítulo 4. A falta de preparo físico e técnico dos militares continuava sendo um
problema que chamava a atenção dos Ministérios da Guerra e da Marinha e inspirava maiores investimentos por parte do governo.
No mesmo documento citado acima, o Coronel Abreu Lima ainda reforçava que o processo de especialização das instituições
militares, assim como a formação de seus oficiais, deveriam acompanhar a evolução científica dos Exércitos. Para isso, deverse-ia
fechar a porta aos que vierem sem ser pelo caminho das escolas militares. 68 Esse debate constante por melhores condições de
treinamento para os militares brasileiros era uma busca por assemelhação com as grandes potências armadas do período. Por meio
dos estudos da estrutura destas instituições, como já destacado, projetava-se a renovação das FFAA brasileiras. O Major
Engenheiro Dias de Oliveira, em publicação da Revista Militar de 1901 sobre a organização e ações do Exército Alemão destacava
as principais vantagens deste exército e afirmava que o official d estado-maior não deve somente desenvolver o espírito, completar
a instrucção, já pelo útil jogo da guerra, a resolução de themas tácticos, conferencias, já pelos trabalhos d inverno ou de viagens d
estado-maior. É-lhe igualmente necessário desenvolver as qualidades physicas, tonificar e robustecer o organismo, para supportar
com vantagem a inclemência da vida em campanha, como convem a um homem de guerra. Por isso o official alemão, alem das
grandes manobras do outomno, dedica-se com paixão aos diversos gêneros de exercícios physicos, como a gymnastica, o cyclismo,
a equitação, as marchas de guerra e as demais úteis e atraentes diversões creadas pelo sport moderno. 69 67 LIMA, F. Abreu. Bases
para a reorganização do Exercito. Revista Militar, ano I, 1899, p. 167. 68 ibidem, p. 167. 69 OLIVEIRA, Dias de. O Exercito
Alemão. Revista Militar, ano III, 1901, p. 188-189.

66 Pode-se afirmar que a necessidade de maior preparo físico era um ponto de discussão para todos os níveis hierárquicos das
FFAA. Como destacado nas documentações analisadas até aqui, seja para os soldados ou marinheiros, seja para os oficiais de
Estado-Maior, havia sempre a defesa de uma maior dedicação às atividades ginásticas e esportivas como um instrumento de
preparação importante para a construção de instituições militares mais fortes. Acompanhando os ideais de modernização técnica,
alguns elementos inicialmente esportivos passaram a ser vistos como potenciais instrumentos para a atividade militar. A bicicleta
(ou velocípede) foi um deles. O ciclismo era, como referenciado no trecho da Revista Militar destacado acima, uma prática
esportiva vista como contribuinte da preparação dos militares. Desde os anos iniciais da República estes novos instrumentos para a
prática da ginástica recebiam atenção das publicações oficiais em relação aos seus benefícios. Em 1892, o Diário Oficial da União
publicou no dia 06 de janeiro um texto nomeado O velocipede. 70 Este artigo tinha como objetivo apontar os grandes benefícios
que este instrumento poderia trazer aos seus praticantes, afirmando ser o velocipede um dos artefactos mais modernos de

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gymnastica ambulatoria e que ha trazido ao homem civilisado uma nova alegria e um novo instrumento de saude. Ele deveria ser
utilizado por todos, exceto os que tivessem algum problema no coração ou doenças do aparelho respiratório, sendo não somente
uma gymnastica salutar, mas é medicina soberana para os sedentários, os de vida mole e aqueles que tivessem pulmões fracos. O
trabalho ainda defendia que o velocipedismo deveria ser praticado ao ar livre, e afirmava que ao vermos o velocipedista montado
em seu cavalo de aço, invejamol-o por ser tão ligeiro o vehiculo em que elle assenta, que nos parece um homem transformado em
passarro; e quando depois se põe em movimento e deixa ficar atraz, na sua corrida vertiginosa, os bipedes que transitam a pé ou a
carro, então interrogamo-nos estupefactos, porque o homem demorou até ao seculo XIX a invenção de um meio de transporte tão
elegante quanto economico e ligeiro? 71 Em defesa do velocipedismo ainda era destacado que pernas, troncos e braços eram
tonificados pelos movimentos de pedalar e manter o equilíbrio. As funções respiratórias também melhorariam, de acordo com uma
pesquisa realizada na Alemanha que media a capacidade respiratória dos velocipedistas antes e após a prática, reforçando que
haveria augmento singular no volume de ar introduzido no peito. Como vantagem complementar, destacou-se o seguinte: 70
BRASIL. Diário Oficial da União, 06 de janeiro de 1892, seção 1, p. 6. 71 BRASIL. Diário Oficial da União, 06 de janeiro de
1892, seção 1, p. 6.

67 no exercicio do velocipede tem-se uma outra vantagem. Devendo levantar muito as coixas, chegamos a fazer, mesmo sem
proposito, uma pressão no ventre e d'ahi resulta evitar-se a circulação do ventre e dos movimentos intestinaes. E assim combate-se
indirectamente a constipação do ventre, previnem-se as hemorahoidas ou por ventura curam-se estas. 72 Mantendo a visão dos
benefícios do ciclismo e acrescentando a possibilidade de utilizá-lo como um instrumento militar, Tenório de Albuquerque
publicou na Revista Militar em 1901 o artigo Cyclismo nas Tropas 73 onde defendia a adoção da bicicleta nos batalhões militares
pela grande agilidade que poderia imprimir e por ser um nobre exercício. Albuquerque afirmava que qualquer que seja o meio de
locomoção, quer encarado sob o ponto de vista militar, quer civil, deve obdecer além de outras condições, a de ter grande
velocidade, de modo a poder no minimo tempo percorrer uma distancia dada. Para exemplificar sua proposição, o autor comenta
que uma mensagem poderia ser enviada a pé ou a cavalo e que dificilmente um destes dois meios conseguiria ultrapassar a
velocidade de 20 quilômetros por hora ( que nem mesmo os cavalos árabes são capazes de obter ) e que, sendo assim, a bicicleta
estaria em vantagem. Ao longo do artigo, relata-se ainda que, ao se comparar o animal com a machina algumas vantagens seriam
observáveis em segmentos de orientação específica de cunho militar. Estas comparações realizadas pelo autor foram compiladas no
Quadro 1. 72 BRASIL. Diário Oficial da União, 06 de janeiro de 1892, seção 1, p. 6. 73 ALBUQUERQUE, Tenório de. Cyclismo
nas tropas. Revista Militar, Ano III, 1901, p. 437-446.

68 Quadro 1. Comparativo vantagens e desvantagens de utilização de bicicletas e cavalos. 74 Item Avaliado Bicicletas Cavalos
Conforto e Domínio O bom cyclista está tão bem sobre a machina [ ] [ ] como o cavalleiro sobre o cavallo Tempo menor para se
tornar um bom ciclista. A bicicleta só realiza as manobras que o ciclista determina e deseja. As quedas são menos prejudiciais a
quem pilota. Preço e manutenção Uma boa machina militar, segundo vimos em catalogos, custa um pouco menos que um cavallo [
] Danos e Estragos A máquina pode estragar com mais facilidade e neste caso nada se gasta enquanto esta parar. Tempo muito
maior para se tornar um bom cavalheiro. O cavalleiro depende da vontade do animal para sua condução e nem sempre domina suas
derivações de direcionamento. As quedas são mais lesivas a quem cavalga. O gasto com forragem e arreios que se estragam é
maior que os gastos com a bicicleta que exige apenas de cuidados com a limpeza. O cavalo pode adoecer e irá parar com a sua
função, assim como a quebra da machina, mas passará a gerar um custo maior para sua recuperação. De acordo com Albuquerque,
a utilização primária da bicicleta levaria a inúmeras vantagens sobre o cavalo, mas não em todas as situações, pois caso contrário
ter-se-ia no lugar de cavalarias, in totum, grupos de ciclistas para os combates militares. Para a adoção da bicicleta era necessário
levar em consideração, além da agilidade e dos custos, as condições dos terrenos (subidas de taludes, entranhas de florestas,
montanhas e campos), transporte de cargas, entre outras aplicações que mereciam estudos em relação ao seu uso. O autor destaca
ainda que a utilização do cavalo era bastante conhecida, enquanto que a bicicleta era uma novidade no país, e que, mesmo em
países europeus como França e Alemanha, a sua aplicação ocorria moderadamente, visto que as tropas não marchavam apenas em
estradas reaes ou em um méro passeio hygienico pelas ruas de Berlim, marcha como se fosse para uma guerra, em qualquer
terreno, e esses exercicios não duram um dia nem dous, differem apenas da guerra real, talvez por não haver mortos nem
prisioneiros. 75 Finalizando, Albuquerque defendia que 74 ALBUQUERQUE, Tenório de. Cyclismo nas tropas. Revista Militar,
Ano III, 1901, p. 437-446. 75 Ibidem, p. 440.

69 a bicycletta se não vem formar uma nova arma, nem por isso deixa de participar da velocidade da cavallaria, sendo em tudo o
mais o cyclista, o verdadeiro infante, e n essas condições, parece-nos que perfeitamente, e com mais vantagem do que qualquer
uma d elas, poderá desempenhar certos serviços, embora em número restricto. É exacto que nem todo terreno se presta as marchas
cyclistas, mas de ahi não se deve concluir, pensamos nós, que ella nem ao menos mereça ser experimentada. Os cyclistas marcham
em suas machinas e quando o terreno não se prestar, continuam a pé, com a machina as costas, e em vez de cyclistas, haverá uma
força de infantaria, nada mais simples. É isto que temos lido e temos visto em gravuras e se o soldado francez, inglez, allemão, ou
de qualquer outra nação póde fazer isso, o soldado brazileiro também póde, a questão é querer. 76 A defesa da utilização de
elementos esportivos como instrumentos de preparação para a atividade militar não ficou restrita ao EB. Como já comentado, os
militares da Marinha do Brasil atuaram de forma efetiva no processo de divulgação e organização do remo na sociedade carioca.
Os interesses dos militares em destacar os benefícios desta prática, no entanto, não se restringiam somente aos aspectos de saúde e
modernidade característicos da época. O entusiasmo dos militares em divulgar as atividades pode ser identificado nas ideias
expostas e defendidas pelo Capitão-Tenente Santos Porto, autor do artigo O sport náutico no Brazil publicado na Revista Marítima
Brasileira na edição do 2 o. Semestre de 1901. O autor se apresenta como oficial de Marinha e sócio do Clube Naval desde seus
primeiros dias de formação e defendia uma maior aproximação da instituição dos clubes de regata do Rio de Janeiro e que o Clube
Naval empreendesse ações mais efetivas para o desenvolvimento das regatas a Vela também, até aquele momento pouco
exploradas. Segundo Santos Porto, em nenhum porto as condições serão mais vantajosas para ella. 77 No entanto, o artigo ainda
traz elementos muito importantes para compreendermos os interesses da Marinha em defender um maior desenvolvimento da
modalidade Remo, integrando esta prática aos seus ideais de cidadão para a República brasileira neste momento inicial do século
XX. Os trechos abaixo ilustram o pensamento do autor sobre os benefícios do remo para a construção de uma sociedade mais forte

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e preparada para enfrentar todas as dificuldades, inclusive no que se refere à defesa do território nacional, principalmente sua parte
costeira. [...] Em boa hora, felizmente, sentiu a nossa mocidade que no sport náutico encontraria as melhores e mais salutares
distracções e, impulsionada por admirável enthusiasmo começou a fundar ao longo do littoral novos clubs, centros de animação e
actividade. [...] Mas não é somente a regeneração das nossas forças, uma modificação nos nossos habitos; é também uma obra de
defesa nacional. Diante dos crescentes dispêndios com a manutenção das forças de mar e terra permanentes, cujo objetivo é
garantir a paz, espíritos bem intencionados teem inscripto na sua bandeira, que se deve educar o povo de modo a transformal-o em
legiões de soldados na hora, em que possa perigar a integridade da nação. 76 ALBUQUERQUE, Tenório de. Cyclismo nas tropas.
Revista Militar, Ano III, 1901, p. 446. 77 PORTO, Santos. O sport náutico no Brazil. Revista Marítima Brazileira. 2 o. Semestre de
1901, p. 11.

70 A situação do Brazil não é, porem, a dos estados europeos. Lutas futuras, si infelizmente tivermos, terão que se liquidar sobre o
mar ou ao longo de nossas costas, e para que os futuros voluntários, a nação em armas prompta a defender os seus lares, o possam
fazer com segurança e vantagem, é preciso que o povo se eduque sob este ponto de vista, no amor das cousas do mar, seguros os
nossos estadistas de que, todo o auxilio prestado é um elemento de trabalho da defesa nacional. Não basta que <<cada cidadão seja
um soldado>> é preciso que <<cada cidadão seja 78, 79 um marinheiro, na mais lata accepção d essa palavra>>. A necessidade de
um povo forte e preparado passou a ser um importante ponto de discussão nesta nova sociedade brasileira que se buscava construir
e norteou ações nas esferas educacionais, políticas e materiais. Como foi possível perceber nos trechos destacados acima, a
Marinha do Brasil, através de seu principal instrumento de divulgação na época, a Revista Marítima Brasileira (RMB), buscava
evidenciar suas perspectivas sobre esta necessidade emergente de maior preparação do corpo deste novo cidadão, que deveria ser
acima de tudo um soldado-cidadão, ou como defende o autor, um cidadão marinheiro. As questões de defesa da integridade da
nação ainda aparecem nas declarações sobre os benefícios do remo. Ao afirmar que a adoção do esporte náutico pela população
brasileira não é somente a regeneração das nossas forças, uma modificação nos nossos hábitos; é também uma obra de defesa
nacional, o autor evidencia pontos fortes do projeto da Marinha para o povo brasileiro. A necessidade de formação de indivíduos
para a defesa da nação que estivessem habituados ao mar foi o principal argumento utilizado ao longo do artigo para destacar os
benefícios que tais práticas poderiam trazer para o país como um todo, já que, em trecho seguinte, afirma-se que A situação do
Brazil não é, porem, a dos estados europeos. Lutas futuras, si infelizmente tivermos, terão que se liquidar sobre o mar ou ao longo
de nossas costas, e para que os futuros voluntários, a nação em armas prompta a defender os seus lares, o possam fazer com
segurança e vantagem, é preciso que o povo se eduque sob este ponto de vista, no amor das cousas do mar, seguros os nossos
estadistas de que, todo o auxilio prestado é um elemento de trabalho da defesa nacional. Ao evidenciar estes aspectos dos esportes
náuticos, o artigo não somente buscou aproximar os seus militares destas atividades, como também a juventude em geral. Estes
argumentos foram elaborados com objetivo de enfatizar a necessidade do "amor das cousas do mar" na tentativa de atrair esta
juventude para as atividades militares, já que as FFAA enfrentavam sérios problemas quanto ao número de integrantes, estando
seus efetivos sempre 78 PORTO, Santos. O sport náutico no Brazil. Revista Marítima Brazileira. 2º. Semestre de 1901, p. 6-19. 79
O artigo ainda prossegue apresentando a situação naquele momento dos clubes de remo do Rio de Janeiro e os preparativos para o
campeonato de 1901 e apontava como uma importante evolução a fundação do Conselho Superior de Regatas, tendo em sua
presidência um representante da Marinha, o Capitão-Tenente Eduardo Ernesto Midosi.

71 abaixo das necessidades expressas nos planejamentos anuais. Atrair a mocidade para seus corpos era imperativo e inúmeros
argumentos e estratégias eram utilizadas, inclusive por meio da prática esportiva (CANCELLA, 2012c). No ano seguinte, 1902, a
RMB voltou a publicar um artigo sobre os benefícios e a necessidade da juventude brasileira se aproximar das práticas náuticas. A
matéria sem autoria Campeonato de 1902 - Clube de Natação e Regatas argumentava que ao historiador contemporâneo, que
estudar a evolução da nossa nacionalidade, que pretender definir as causas do nosso desenvolvimento, não escapará certamente o
influxo poderoso prestado pelo cultivo do sport náutico entre nós. Accentuar que essa sympathia dos moços actuaes pelos
exercícios vigorosos, em que adquirem não só linhas mais firmes e mais bem lançadas, como hábitos de resistência as fadigas e
contra-tempos tem produzido resultados tão precisos, que os mais alheiados dessas cousas delles facilmente se apercebem, é
fornecer ao historiador contemporâneo dados para a apreciação do nosso problema de nação nova, e que tradições antigas
sopitavam o desenvolvimento. Pelas suas condições physicas, pela abundancia de portos e pela sua extensa costa, o Brazil é uma
nação marítima. Marítimos são os mais promptos e rápidos meios de communicação, marítima é a grande parte da população, pois
se acha condensada n uma facha de terreno beirando a linha da costa, marítima é a nossa ascendência os grandes navegadores
portuguezes. E se durante muitos annos os brazileiros andaram arredios do mar, no dia em que para elle, para a sua conquista uma
corrente se formasse, fatalmente essa corrente engrossaria, até formar legiões. Essa epocha se avisinha. Hoje a ninguém passam
indifferentes as festas esportivas marítimas, e desperta mesmo grande enthusiasmo a do campeonato annual, em que os clubs
apparelhados por mais regulares exercícios enviam os seus campeões a conquista da victoria. Para nós officiaes de marinha essa
corrente de symphatia pelos exercícios vigorosos é de inestimável alcance, porque la encontraremos um viveiro abundante de
moços fortes, habituados ao mar, e aos trabalhos, no dia em que a Pátria ameaçada chame a postos seus filhos para defenderem-na.
Nesse dia então essa mocidade toda affeita as lutas, nessa aprendizagem continua, mais forte, mais rija, tem para secundar o seu
enthusiasmo pela pátria o pulso mais vigoroso e o olhar mais excitado. A Revista Marítima Brazileira exulta com as festas do sport
náutico. Como no anno findo ella desejaria registrar a situação dos clubs de regatas. Na impossibilidade de fazel-o por não ter
obtido as informações que insistentemente solicitou limita-se ao club vencedor do campeonato de 1902, honrando as suas paginas
com o retrato dos campeões, que triumpharam, e a photo-gravura da embarcação vencedora. 80 A matéria prossegue apresentando
o vencedor do Campeonato daquele ano de 1902, o Clube de Natação e Regatas, por meio de fotografias e dos regulamentos do
clube. Este trecho inicial transcrito acima reforça os ideais defendidos no ano anterior de que a prática do esporte náutico, no caso o
remo, seria um celeiro de construção de homens fortes, preparados para a defesa nacional e habituados ao mar, atendendo aos
interesses militares navais já que, como o autor afirma, o Brasil era uma nação essencialmente marítima. Como afirmado, os
oficiais viam com grande simpatia a prática dos esportes náuticos, pois eles seriam um viveiro abundante de moços fortes,
habituados ao mar, e aos trabalhos, no dia em 80 Revista Marítima Brazileira. Campeonato de 1902. 2 o. Semestre de 1902, p. 381-
388.

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72 que a Pátria ameaçada chame a postos seus filhos para defenderem-na. O esporte, nesta interpretação, seria um importante
instrumento preparatório para as funções militares em batalhas marítimas. O autor ainda realiza algumas observações teóricas e
metodológicas que atraem a atenção. Logo nos primeiros parágrafos, destaca que o objetivo do texto era elaborar subsídios para o
historiador daquele tempo sobre os aspectos de desenvolvimento da nacionalidade brasileira e evidenciar os benefícios da prática
do esporte náutico para o povo. Esta preocupação com o levantamento dos dados e, especialmente, a menção do papel do
historiador com atenções voltadas para o esporte ainda no ano de 1902 merece destaque, uma vez que este objeto (o esporte) foi
apenas recentemente inserido entre as temáticas de análise da História, como já discutido na introdução deste trabalho. Ainda
tratando de aspectos intrínsecos à pesquisa histórica, no trecho final do texto analisa a problemática de acesso a fontes e nos
evidencia que as dificuldades não são características exclusivas das atividades dos historiadores da atualidade. Ainda no ano de
1902, apesar das solicitações que afirmou realizar, o autor do artigo destaca que a ausência de algumas informações sobre os clubes
se efetivou pela não disponibilidade dos documentos solicitados. A exultação dos esportes náuticos e o forte discurso de estímulo
marcaram a postura de favorecimento e divulgação destas práticas por parte da Marinha do Brasil. Vale lembrar que neste
momento, anos iniciais do século XX, não existia qualquer entidade especificamente relacionada com o esporte na estrutura das
FFAA brasileiras, fato que somente ocorreu em 1915, em ambas as instituições (EB e MB) com a criação da Liga Militar de
Football e da Liga de Sports da Marinha. Neste período, os militares participavam das atividades e competições esportivas nos
clubes civis das modalidades. As preocupações com a maior divulgação e melhor estruturação para a prática do esporte náutico não
ficaram restritas à MB. Atenções com o esporte fizeram parte do grande pacote de melhoramentos urbanos empreendidos nos anos
iniciais dos novecentos, principalmente na capital federal, como veremos no próximo item.

73 2.6 Povo forte e cidade renovada: os projetos do governo Rodrigues Alves e suas relações com o esporte e as FFAA Em 1902 o
Presidente Campos Salles foi substituído por Rodrigues Alves, após vitória nas eleições daquele ano. Seu governo foi marcado, em
grande medida, por suas ações de modernização da capital federal, objetivos concretizados pelos projetos de reurbanização do
então prefeito e engenheiro Pereira Passos. Como afirma Malaia, a cidade precisava destas mudanças para ser inserida na esfera das
grandes cidades do mundo. Não só avenidas foram alargadas, cortiços derrubados, bondes elétricos instalados, novas áreas
urbanizadas, como também os esportes foram dinamizados. Estes também eram símbolos da civilização, atividades cotidianas das
grandes cidades européias e norte-americanas. Durante a reforma, uma atenção especial foi dada aos esportes, principalmente ao
remo, com a construção do Pavilhão de Regatas, na Lagoa Rodrigo de Freitas (2008a, p. 2). Neste novo projeto para a capital, as
atividades de lazer públicas garantiram atenção no processo de reorganização urbana. A construção do Pavilhão de Regatas pode
ser referenciada como uma das ações empreendidas neste campo. Melo destaca que podemos observar na cidade o
desenvolvimento e melhor estruturação de um mercado de diversões, que incluía espetáculos musicais e teatrais, os primeiros
momentos de nosso cinema e o crescimento das práticas esportivas, onde se destaca o remo. Ele é fundamentalmente um esporte
conduzido e apreciado pelas camadas médias em formação (profissionais liberais, gente do comércio e primeiros industriais). Sua
identidade se constrói em oposição ao turfe, muito relacionado à aristocracia de origem rural (2006, p. 5). O prefeito Pereira
Passos, neste novo espectro de ações para promoção de atividades de lazer, passou a se aproximar do remo a partir de 1903 e
inseriu em seus projetos a construção de um espaço que possibilitasse a melhor alocação dos barcos utilizados na prática,
privilegiando as áreas da zona sul da cidade. A construção da Avenida Beira-Mar era uma de suas prioridades, nada como celebrar
tal avenida simbólica com um divertimento moderno e civilizado como o remo (MELO, 2006, p. 12). O Pavilhão de Regatas foi
construído na praia de Botafogo na altura das ruas D. Carlota e São Clemente, no ano de 1905 (vide Figura 1). O espaço,
inicialmente projetado para ser um local fixo de realização de regatas, por sua privilegiada localização passou a se tornar um centro
de divertimentos para as elites. Com sua estrutura em estilo eclético, espaço para bandas, buffet, bares com orquestra, passeios de
barco pela Baia de Guanabara, casa de chá e luz elétrica, o que garantia seu funcionamento noturno, o Pavilhão se transformou em
importante espaço cultural da cidade, auxiliando na divulgação da prática esportiva que motivou sua construção (MELO, 2011).

74 Durante o governo Rodrigues Alves, não somente os processos de reurbanização da cidade foram empreendidos. As ações de
reorganização e reaparelhamento das FFAA voltaram ao cenário de preocupações nacionais, principalmente após o conturbado ano
de 1904 no Exército Brasileiro com a Revolta da Escola Militar. Este movimento tinha como um dos objetivos reconquistar espaço
político derrubando o governo oligárquico que se estabeleceu após a saída dos militares da presidência. Os líderes da revolta
tentaram mobilizar as Escolas Militares da capital para tal ação, tendo êxito somente na Escola Militar do Brasil na Praia Vermelha,
já que na Escola Preparatória de Realengo o mobilizador foi interceptado pelo então comandante da escola General-de-Brigada
Hermes da Fonseca antes de alcançar seus objetivos. O movimento, que contou com 300 estudantes da Escola Militar, foi
suprimido após confrontos entre os rebelados e as tropas legalistas da Chefia de Polícia. Após esses incidentes, as ideias de reforma
já em discussão na instituição se intensificaram associando a necessidade de melhorias e maior rigidez no processo de formação
com o estabelecimento do serviço militar obrigatório (MCCANN, 2009). Hermes da Fonseca, por suas ações no controle do levante
entre seus comandados, foi nomeado pelo Presidente Rodrigues Alves Comandante do 4º. Distrito Militar, do qual fazia parte a
capital, ainda em 1904. Dois anos após, com a eleição de Afonso Pena para a Presidência da República, Hermes foi nomeado
Ministro da Guerra e iniciou projetos e ações para reforço das tropas e melhorias do aparato do Exército. Estas ideias de reforma e
a necessidade de criação de um corpo de reserva militar preparado para atender ao país em situações de conflito impulsionaram a
aprovação de um projeto de lei de 1906 que tornava o serviço militar obrigatório, sendo aprovada tal lei em 1908 (MCCANN,
2009). Como parte deste projeto previa-se ainda aquisição de armamentos e uma reorganização completa do ensino militar, visando
atender à necessidade histórica de quadros bem formados para a corporação (CUNHA, 2011, p. 4). A urgência das melhorias no
pessoal militar foi apontada como a prioridade para o Exército no Relatório do Ministério da Guerra de 1903. O então Ministro
Marechal Argollo foi bastante enfático ao afirmar que a primeira medida que se impoe, aquella que mais esforco exige, pois tem
que vencer preconceitos e modificar ate certo ponto a indole do nosso povo, mas da qual depende a dignificação da profissão
militar é tornar uma realidade o serviço militar obrigatorio nas fileiras. Emquanto não conseguirmos levar ao espirito dos nossos
compatriotas ou pela educação ou por força de lei, a convicção de que um dos principaes deveres é pagar o imposto de sangue, que
não pode injustamente recahir sobre os desprotegidos da sorte, o Brazil não será uma nação realmente forte e respeitada. 81 81
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra, 1903, p. 5.

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75 Esta afirmação do então Ministro e as ações com foco educativo justificavam-se pelo grande problema de formação dos
indivíduos que optavam pelo serviço militar, ponto de incômodo para o EB desde o século XIX. Como afirma Cunha a aversão dos
civis ao serviço militar, levando a um voluntariado saído das fileiras de desempregados, redundava numa grande dificuldade de
preencher os efetivos de praças que se mantiveram, invariavelmente, abaixo do número autorizado pelo governo. Quanto ao
recrutamento de oficiais, a depreciação social atribuída ao Exército durante o Império foi atenuada com os governos militares e a
profusão de promoções que os acompanhou, se tornando um atrativo para os filhos das camadas médias emergentes. Outrossim, a
oportunidade de educação gratuita, para os que não tinham posses, atraía jovens para o corpo de oficiais possibilitando a ascensão
social (2011, p. 4). Os projetos de revitalização na Marinha do Brasil também foram retomados nos anos iniciais do século XX. As
primeiras propostas surgiram com o Ministro da Marinha Júlio César de Noronha acompanhando os anseios modernizadores do
então Presidente da República. O chamado Projeto de 1904 defendia a compra de navios menores e com custo mais baixo 82 e,
apesar de ter sido aprovado no Congresso e tornado lei, passou por críticas por prever navios com tonelagem muito baixa. Este
projeto não saiu do papel e seu sucessor na pasta da Marinha em 1906, o Almirante Alexandrino de Alencar, 83 buscou opções para
a mudança das propostas iniciais e a passagem da encomenda dos navios para os recémlançados dreadnoughts ingleses,
encouraçados mais potentes e com maior tonelagem. Houve intenso debate entre os defensores da proposta de Noronha e as novas
aspirações de Alexandrino. Diante da situação, o Ministro ordenou a elaboração de um novo projeto, mantendo, contudo,
características e os créditos ao projeto de 1904. As novas propostas ficaram conhecidas como projeto Rumo ao mar do almirante
Alexandrino e, em 1907, foi dada a ordem para a construção dos dreadnoughts Minas Gerais e São Paulo, de mais de 18.000
toneladas de deslocamento (ALMEIDA, 2010, p. 7). Como afirma Martins Filho, o novo plano se concentrou em três encouraçados
do tipo dreadnought, classe de navios inaugurada em 1906 na Inglaterra. Sua marca registrada era a padronização do calibre dos
canhões, concentrados em torres rotatórias avante e a ré, ou seja, podiam disparar contra alvos inimigos localizados à frente e atrás
da embarcação, além do disparo usual, em ambos os bordos. Outra característica desse tipo de navio era a velocidade, que no
modelo fabricado para a Marinha brasileira chegava a vinte e um nós a plena força de seus motores de vapor a turbina. Velocidade
e potência de fogo exigiam dimensões imensas. Com mais de 150 metros de popa a proa, o Minas deslocava 19 mil toneladas
(2008, p. 1). 82 O projeto de Noronha previa a aquisição de três couraçados inicialmente inspirados na classe britânica Triumph,
com 13 mil toneladas de deslocamento, além de três cruzadores couraçados (MARTINS FILHO, 2008, p. 1). 83 Este foi o primeiro
dos três períodos em que Alexandrino de Alencar ocupou o Ministério da Marinha: 1906-1910, 1913-1918 e 1922-1926.

76 O terceiro encouraçado previsto no projeto, o Rio de Janeiro, acabou sendo vendido para a Turquia por desistência do governo
brasileiro. O programa final adquiriu para a frota brasileira dois dreadnoughts, dois scouts e dez destroyers que foram entregues ao
país a partir de 1908 (ALMEIDA, 2010). Com projetos de modernização e reaparelhamento em andamento, tanto MB quanto EB
ainda enfrentavam um grave problema quanto à composição de suas fileiras. A defasagem entre a necessidade numérica expressa
pelos planejamentos e o efetivo do Exército era grande. Como exemplo, para o ano de 1904 previa-se 28.000 homens em suas
fileiras, mas o número real era de 15.000 apenas. Como alternativa para solucionar o problema, buscou-se colocar em atividade um
instrumento previsto na Constituição de 1891, o de recrutamento militar estabelecido através de sorteio. O caso da Marinha não era
muito diferente. Como já pontuado anteriormente, as praças eram comumente indigentes, condenados, homens pobres que eram
recrutados a força para completar os quadros navais devido ao baixo número de voluntários 84 que buscavam o serviço militar. No
mesmo ano de 1904, as previsões para o efetivo eram de 4.000 homens, mas seu número real era de apenas 2.661, com defasagem
de mais de 1.000 homens e apenas 67% de suas fileiras preenchidas (ALMEIDA, 2010; NASCIMENTO, 2010). Dentro das ações
de modernização da Marinha, algumas atenções específicas sobre o processo do treinamento e formação de seus militares foram
enfatizadas. Suas escolas de aprendizes marinheiros passaram por reformulações de regulamento entre 1885 e 1907, havendo
especial destaque para as questões físicas. O curso tinha a duração de três anos e os militares não poderiam deixar a MB por
nenhuma outra razão que não fosse a incapacidade física ou mental. Entre as mudanças no currículo, em 1907 as aulas de doutrina
cristã passaram a não ser mais exigência e as aulas de aritmética e língua portuguesa foram intensificadas. O regulamento aprovado
no ano de 1907 ainda previa a existência, em todas as escolas de aprendizes marinheiros de utensilios requisitados pelo jogo de
esgrima, um pateo ou area contendo todos os apparelhos para o exercicio de, gymnastica, embarcações apparelhadas
convenientemente para exercidos de remos e bordejos á vela, devendo ser as mesmas em numero suficiente para exercicio de
metade dos aprendizes que comportar a escola. 85 84 Vale destacar ainda que muitos dos voluntários eram de fato coagidos pelas
autoridades policiais, sobretudos a partir das brechas abertas pelo código penal da República de 1890, que punia, em seus artigos
399 e 404, a vagabundagem, a capoeiragem e a mendicância. Segundo os termos da lei, a pessoa em uma dessas situações poderia
ficar detida por alguns dias e se engajava a encontrar uma ocupação, que podia ser o enquadramento militar (ALMEIDA, 2010, p.
12-13). 85 BRASIL. Diário Oficial da União de 24 de março de 1907, Seção 1, p. 7.

77 Além destas, destacavam-se ainda as preocupações com a formação técnica com a inserção de oficinas, como a carpintaria
(ALMEIDA, 2010). 2.7 Forças Armadas: grandes escolas de educação physica, intellectual e moral da mocidade O Almirante
Alexandrino de Alencar assumiu a pasta da Marinha no governo do mineiro Afonso Pena, eleito em 1906 para suceder o paulista
Rodrigues Alves de quem havia sido vice-presidente. Pena não era o nome de preferência do então presidente, que tinha como
primeira indicação Bernardino de Campos. No entanto, após três presidentes paulistas (Prudente de Morais, Campos Sales e
Rodrigues Alves), ocorreu uma forte reação contra a escolha do governo e o nome do vice-presidente mineiro ganhou força para a
candidatura (PAES, 2006). Ao assumir o governo, Afonso Pena tinha como objetivos a continuidade dos programas de melhorias
nas ferrovias e portos, as ações de reorganização das FFAA e os projetos de saneamento e colonização do interior do país, liderados
pelo Marechal Rondon. Seu governo ainda foi marcado pela opção de selecionar para seus ministérios políticos jovens, fazendo-os
ficar conhecidos como Jardim de Infância. O presidente não completou seu mandato, tendo falecido em junho de 1909 (CRHRB,
2012). Os ministérios da Guerra e da Marinha, ocupados respectivamente por Hermes da Fonseca e Alexandrino Faria de Alencar,
prosseguiram as atividades de reaparelhamento e reorganização das FFAA, projetos intensificados no governo Afonso Pena. As
atenções de ambas as instituições recaíram tanto sobre os aspectos materiais, como com relação ao pessoal militar. O Ministro da
Marinha Almirante Alexandrino em seu relatório do ano de 1906 reforçava a necessidade urgente de maiores investimentos nas
escolas de formação, uma vez que o processo de aquisição de novos navios para a Marinha já estava encaminhado. O Almirante
defendia no documento a popularização das vantagens que as escolas de aprendizes ofereceriam às famílias menos abastadas e
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reforçava a melhoria das condições materiais e higiênicas já que faltavam elementos tanto para a educação intellectual e physica,
como de ensino profissional e technico. 86 86 BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha, 1906, p. 6.

78 No ano seguinte, em 1907, Alexandrino destacou em seu relatório os três pontos principais de atuação no processo de
reorganização da Marinha: melhorias na eficiência da esquadra, com a aquisição de novos navios; educação do pessoal, com a
ampliação das escolas de aprendizes, reformulação dos currículos das escolas de formação de praças e oficiais e o estabelecimento
das manobras práticas nos navios e viagens de instrução; e as reformas na administração da força naval. 87 Com estas ações, a
Marinha do Brasil finalmente iniciou a reforma que se defendia desde o século XIX. Os projetos desenvolvidos para o Exército
espelhavam-se nos modelos de organização das forças estrangeiras. Como já destacado, estes modelos eram constantemente
divulgados na Revista Militar sendo sempre reforçado que o EB precisava de reestruturações que levassem em conta um processo
de maior profissionalização de seus militares. Na edição de 1906 da Revista Militar, o Capitão do Estado-Maior de Artilharia
Liberato Bittencourt destacou no artigo Princípios geraes de organização dos exércitos os 12 temas que devem ser levados em
conta neste processo: 1- Principio da nacionalização das forças; [...] 2- Principio da unidade de organização; [...] 3- Principio da
rapidez de mobilização; [...] 4- Principio da rapidez de concentração; [...] 5- Principio do constante effectivo de guerra; [...] 6-
Principio da unidade de direção; [...] 7- Principio da uniformidade dos serviços militares; [...] 8- Principio de elevação moral; [...]
9- Principio de afastamento político; [...] 10- Principio de educação physica, intellectual e moral: organisar os exércitos de modo a
serem elles grandes escolas de educação physica, intellectual e moral da mocidade. O serviço pessoal e obrigatório por um lado e
um sábio systema de educação intellectual e pratica por outro bastarão ao desejado alvo. Tanto valera adiantar que este décimo
principio decorre naturalmente da existência de dous outros o da nacionalização das forças e da unidade de direcção. E si subsiste
isolado, é porque, isoladamente considerados, aquelles dous princípios não lhe explicam satisfactoriamente o objectivo alevantado
e patriótico; 11- Principio do mínimo dispêndio; [...] 12- Principio da victoria provável. 88 87 BRASIL. Relatório do Ministério da
Marinha, 1907, p. 3. 88 BITTENCOURT, Liberato. Princípios geraes de organização dos exércitos. Revista Militar, ano VIII, p.
341-348.

79 O destaque para a função de ser grandes escolas de educação physica, intellectual e moral da mocidade, atribuídos ao Exército,
enfatiza os ideais sobre a necessidade de uma sociedade envolvida com as atividades militares, com as ações de defesa da pátria.
No artigo, o Capitão Bittencourt ainda defende que a atenção criteriosa a estes 12 princípios seria o caminho para uma boa e efetiva
organização militar, já que, segundo ele, estes elementos contemplariam todas as questões militares fundamentais para uma nação.
Esta perspectiva do Capitão acompanhava, em grande parte, as discussões sobre a necessidade de um novo formato para o EB,
mais operativo e menos teórico, seguindo os modelos adotados pelas grandes potências militares como França, Alemanha e Estados
Unidos. 89 As ações de revitalização das FFAA desenvolvidas na primeira década do século XX foram amplamente divulgadas na
imprensa carioca. Ao observar as edições do ano de 1908 das revistas ilustradas Careta e Fon-Fon 90, percebe-se o destaque das
publicações para estas atividades. O ano de 1908 foi marcado pela publicação da Lei nº. 1.860, de 04 de Janeiro de 1908 que
regulava o alistamento e sorteio militar e reorganizava o Exército estabelecendo que todo cidadão brasileiro de 21 a 44 anos
completos seria obrigado ao serviço militar, por voluntariado ou através de sorteio, sendo a duração do serviço na primeira linha de
nove anos com até dois na ativa e mais sete na sua reserva. As fileiras ativas do Exército seriam 91, 92 constituídas por dois
grupos: sorteados e voluntários especiais. 89 BITTENCOURT, Liberato. Princípios geraes de organização dos exércitos. Revista
Militar, ano VIII, p. 341-348. 90 A Fon-Fon, assim como a Careta, era uma revista ilustrada de publicação semanal, inicialmente
dirigida por Lima Campos, Gonzaga Duque e Mário Pederneiras até 1914 e posteriormente por Álvaro Moreyra e Hermes Fontes e
circulou de 1907 a 1945. Trazia no perfil, segundo Nogueira (2010, p. 14), um certo esnobismo urbanizante, ansiado pelo seu
público leitor mais cativo: a elite burguesa letrada. Como a Careta, surgiu em uma fase de mudança na forma de produzir da
imprensa brasileira quando o método artesanal foi substituído pelo industrial aproximando este segmento dos novos padrões e
características da sociedade burguesa, seguindo os modelos dos periódicos europeus. A revista Fon-Fon preocupava-se em registrar
a vida sócio-cultural brasileira, destacando amplos espaços para as atividades dos cavalheiros e damas da sociedade, assim, da
maneira leve, irônica, cômica ou lírica das crônicas, a Fon-Fon, fazendo o registro da vida mundana carioca, das notas sociais, da
euforia da Belle Époque no Rio, contribuiu para documentar esse período tão instigante da história do Brasil (ZANON, 2005, p.
30). No ano de 1908 seu preço semanal para a capital era de 400 reis e demais estados de 500 reis. A assinatura anual custava
18.000 reis e a semestral, 10.000 reis. A revista Fon-Fon trazia em sua capa principal, no período analisado neste trabalho,
diferentes temáticas trabalhadas através de ilustrações representando personalidades, questões sociais ou políticas. Também
apresentava páginas integrais de anúncios (anúncios de relojoarias, lojas de tecidos, charutos, cervejaria, chapéus, leite maltado,
tônicos, sabonetes, chás, licores, loteria, apólices de seguro, pianos, remédios, Maison de roupas refinadas, Gillete, chocolate e
cacau solúvel, máquina de fazer pão, sucos diversos, cintas abdominais, espartilhos) e muitas fotografias do cotidiano da cidade. 91
BRASIL. Lei nº 1.860, de 04 de Janeiro de 1908. Regula o alistamento e sorteio militar e reorganiza o Exercito. Disponível em:
<http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1900-1909/lei-1860-4-janeiro-1908-580934- publicacaooriginal-103780-pl.html>.
Acesso 20 jul. 2011. 92 As condições de alistamento dos voluntários especiais foram regulamentadas por decreto específico sob nº.
6.850 de 20 de Fevereiro de 1908. Este decreto aprovava as instruções que fixavam as forças de terra para o exercício de 1908
estabelecendo o recrutamento de voluntários especiais para a composição e ampliação das tropas e Tiros do Exército. Poderiam ser
admitidos somente brasileiros natos ou naturalizados, até 21 anos

80 Em seu relatório referente ao ano de 1907 e concluído em junho de 1908, o Ministro da Guerra Hermes da Fonseca destacava os
grandes benefícios para as fileiras do Exército trazidos pelo regulamento do sorteio militar. Segundo o Marechal, o regulamento foi
recebido com symphatia e geraes applausos pelo povo e especialmente pela mocidade estudiosa, que desde então tem affluido aos
quartéis do Exercito para receber a instrução militar, indispensável ao cumprimento oportuno do seu dever cívico de defender a
integridade da Pátria e a manutenção das instituições nacionaes. [...] O interesse do Governo não é perturbar os interesses do povo,
e sim montar esse grande apparelho da defesa que é o alistamento militar e fazel-o funccionar permanentemente, não tanto para
obter soldados para o serviço ordinário de guarnição, pois não nos faltam voluntários, mas para que no momento preciso, sem
entrave nem confusão, se possa chamar ás armas a Nação inteira. 93 Esta adesão da mocidade relatada pelo Ministro foi tema de
diversas matérias na imprensa carioca. A primeira página da revista Careta de 06 de junho de 1908 apresentava uma foto ocupando

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quase meia página, na vertical, com fotografia de um rapaz fardado e em posição de continência abaixo do título Reorganização do
Exército e legenda que identificava o retratado como Luiz Bergamm indicando que seria o voluntário que teve a virtude de vestir a
honrosa farda do Exército, destacando ainda que o jovem era integrante de uma família ilustre. 94 Nas 30 edições da revista Careta
e 30 edições da Fon-Fon publicadas no segundo semestre de 1908, foram localizadas inúmeras referências aos voluntários
especiais. No dia 06 de junho de 1908, a Fon-Fon publicou uma matéria de 03 páginas chamada A Vida Militar sobre o cotidiano
do 1º. Batalhão de Infantaria do Exército mostrando o cotidiano do quartel (dormitórios, rancho, instrução de recrutas, exercícios
de esgrima, viaturas). 95 A (menores dessa idade somente com autorização da família), não podendo se alistar os casados, viúvos
com filhos ou os arrimos de família e indivíduos que tivessem sido condenados por crime previsto no parágrafo único do art. 46 do
Código Penal da Armada. Neste período, o Código Penal da Armada era aplicado também às fileiras do Exército. O artigo em
referência neste decreto, determina que Art. 46. A pena de degradação se haverá como pronunciada pela sentença que impuser a
pena principal, nos crimes que tornarem o condenado indigno de pertencer ao serviço militar.parágrafo único. Para este efeito
consideram-se crimes que acarretam indignidade: os cometidos contra a independência e integridade da Pátria (arts. 74, 75 e 76); os
de traição e covardia. (arts. 81, 82 e 84); os de revolta ou motim (arts. 93 e 94 parágrafo único); e roubo (arts. 156, 157, 158 e 159).
Os voluntários e engajados também não poderiam se casar enquanto estivessem cumprindo o serviço de 03 anos. Para a categoria
de voluntários especiais, o decreto trazia elementos distintivos que os dispensava de pernoitar nos quartéis ou permanecer tempo
além daquele destinado aos exercícios (exceto em casos de manobra onde ficariam no regime militar comum), determinava abono
de faltas para aqueles que fossem alunos de escolas superiores e estivessem em manobra. Em caso de manobras, estes seriam
organizados em unidades especiais. BRASIL. Decreto nº 6.850, de 20 de Fevereiro de 1908. Approva as instrucções para a
execução dos arts. 3º o 4º da lei n. 1767, de 31 de outubro de 1907, que fixa as forças de terra para o exercicio de 1908. Disponível
em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/listapublicacoes.action?id=6 1292>. Acesso 12 jul. 2011. 93 BRASIL. Relatório do
Ministério da Guerra, 1907, p. 3; p. 5. 94 Revista Careta 06 de junho de 1908, p. 9. 95 Revista Fon-Fon 06 de junho de 1908.

81 esgrima, já presente no cotidiano dos militares desde o século anterior, passou a ocupar espaço de divulgação na imprensa entre
as principais atividades dos novos militares. Na semana seguinte, mais uma matéria com duas páginas inteiras apresentando os
jovens voluntários especiais do Exército com imagens da cerimônia de juramento a bandeira, desfile do Batalhão de Infantaria e
uma foto de topo de página dos sete primeiros voluntários especiais, alunos das escolas superiores, que se alistaram no Exército. 96
A Careta também publicou algumas fotografias sobre esta temática mostrando os processos de treinamento, formatura dos
voluntários e apresentação dos novos militares antes de serem distribuídos pelas fileiras do Exército. 97 Assim como a
reorganização do Exército, o processo de renovação técnica na Marinha também recebeu atenção da imprensa. As revistas Careta e
Fon-Fon dedicaram espaço para apresentar a Reorganização da Marinha com fotografias do novo Cruzador Minas Gerais em
construção no porto de New Castle na Inglaterra, desde suas primeiras estruturas até o lançamento ao mar. 98 O papel do Ministro
da Marinha Almirante Alexandrino de Alencar foi destacado através de notas intituladas O reorganizador da Armada onde aparecia
posando ao lado da família e de seus oficiais subordinados. 99 As festas em comemoração a Batalha Naval do Riachuelo,
celebradas tradicionalmente pela Marinha em 11 de junho, foram amplamente noticiadas nos dois periódicos, com fotografias
ocupando páginas inteiras com os participantes das festas e os três vencedores do Concurso de Tiro da Marinha Nacional realizado
na comemoração. 100 A disputa de caráter esportivo do Concurso de Tiro foi noticiada como uma das partes mais importantes das
comemorações da data magna da Marinha do Brasil 101, evidenciando o já significativo papel das competições esportivas entre os
militares da MB naquele momento. 96 Revista Fon-Fon 13 de junho de 1908. 97 Revista Careta 15 de agosto de 1908; Revista
Careta 12 de setembro de 1908; Revista Careta 19 de setembro de 1908. 98 Revista Careta 25 de julho de 1908; Revista Careta 01
de agosto de 1908; Revista Careta 12 de setembro de 1908; Revista Careta 10 de outubro de 1908; Revista Fon-Fon 05 de
dezembro de 1908. 99 Revista Careta 17 de outubro de 1908; Revista Careta 26 de dezembro de 1908. 100 Revista Careta 13 de
junho de 1908; Revista Careta 20 de junho de 1908; Revista Fon-Fon 20 de junho de 1908. 101 A Batalha Naval do Riachuelo,
ocorrida durante a Guerra do Paraguai ou Guerra da Tríplice Aliança, foi finalizada no dia 11 de junho de 1865 com o Brasil
assumindo o controle dos rios da região e a quase destruição da esquadra paraguaia e foi um momento decisivo para o desfecho do
conflito. Esta batalha passou a ser considerada uma das vitórias mais relevantes da história marítima brasileira e a data de 11 de
junho tornou-se a data magna, a mais importante comemoração da Marinha do Brasil (VIDIGAL, 2009).

82 A chegada do Cruzador Amélia de Portugal com a comitiva que representaria o país na Exposição Nacional realizada naquele
ano e a viagem de circunavegação realizada pelo Navio-Escola Benjamin Constant 102 da Marinha do Brasil foram também alvo
da imprensa. Os eventos em homenagem aos portugueses como almoço no Corcovado com aspirantes brasileiros, senhoritas e
integrantes do Clube Naval; evoluções, formaturas e tiros de canhão realizados na Escola Naval; almoço a bordo do Cruzador
oferecido ao Ministro de Portugal; e visita dos oficiais da Marinha Portuguesa a Fortaleza de Villegagnon para observação de
exercícios e partida de futebol realizada pelos marinheiros brasileiros ocuparam páginas inteiras das edições com fotografias. 103
Os navios estrangeiros que vieram para a Exposição Nacional foram retratados pelos periódicos (Esquadra Inglesa, Navio Belga),
dando destaque aos eventos realizados em homenagem aos oficiais da Esquadra Inglesa como almoço nas Paineiras e visita ao
Corcovado; uma partida de futebol entre um time brasileiro e um composto por oficiais ingleses realizado no campo do Fluminense
Football Club; corrida de cavalos realizada no Jockey Club em homenagem aos oficiais ingleses; além de uma matinê realizada a
bordo do capitânea 104 da Esquadra Inglesa, o Good Hopes, com visita do Presidente da República. Foi também noticiada a
instalação de posto de correspondências montado pela Associação Cristã de Moços para atender aos marinheiros ingleses. 105
Outro evento que recebeu destaque foi o torneio de football realizado entre Brasil e Argentina no campo do Fluminense Football
Club, sendo apresentadas imagens nas duas revistas desde a chegada do time argentino ao país, diversas fotos da partida, passeios
dos argentinos a Petrópolis e almoço em homenagem aos visitantes oferecido no Itamaraty. 106 As regatas realizadas no ano de
1908 e os principais clubes também tinham espaço nas publicações. A Careta de 13 de junho apresentou fotos da regata realizada
em Botafogo em montagens ocupando meia página da edição. Em outubro, novembro e dezembro a revista ainda publicou mais
imagens das últimas regatas do ano de 1908 e do Clube de Regatas São 102 Viagem realizada ao redor do planeta, atracando em
portos de diferentes continentes com os alunos do quarto ano da Escola Naval, último ano de formação que era realizado com
atividades práticas a bordo do Navio- Escola. 103 Revista Careta 01 de agosto de 1908; Revista Careta 08 de agosto de 1908;
Revista Careta 22 de agosto de 1908; Revista Careta 12 de setembro de 1908; Revista Careta 19 de setembro de 1908; Revista Fon-
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Fon 08 de agosto de 1908; Revista Fon-Fon 15 de agosto de 1908; Revista Fon-Fon 22 de agosto de 1908 104 Capitânea é o navio
onde o Comandante da Esquadra segue a viagem e de onde as ordens para ação dos demais navios são emitidas. 105 Revista Careta
12 de dezembro de 1908; Revista Fon-Fon 05 de dezembro de 1908; Revista Fon-Fon 12 de dezembro de 1908; Revista Fon-Fon
19 de dezembro de 1908. 106 Revista Fon-Fon 11 de julho de 1908; Revista Fon-Fon 18 de julho de 1908; Revista Careta 11 de
julho de 1908; Revista Careta 18 de julho de 1908.

83 Cristóvão. Fon-Fon também dedicou espaço nas edições para imagens das competições realizadas no Pavilhão de Regatas e
sobre eventos nos clubes. 107 Outras atividades esportivas também receberam destaque dos dois periódicos com a publicação de
fotografias como as Corridas no Jockey Club e no Derby Club 108, Concursos de Tiro realizados em Realengo 109, a Corrida de
Automóveis realizada em Itapecerica, identificada pela Fon-Fon como a Primeira corrida de automóveis no Brasil 110, Corrida de
Touros realizada em Santa Rita do Passa Quatro 111, Concurso de Esgrima organizado pelo Clube Força e Coragem de São Paulo
112 e uma partida de Basketball realizada entre as alunas em inauguração de escola modelo na cidade de Vitória no Espírito Santo.
113 Os destaques para as ações dos militares neste ano podem ser identificadas como desdobramentos das medidas iniciadas ainda
nos anos de 1905/1906. A visibilidade dedicada aos processos de reorganização e reaparelhamento de EB e MB tinham como
objetivo a construção de uma imagem forte e estruturada para estas instituições. É importante destacar a significativa importância
dada ao esporte, em fins da primeira década do século XX, pelos militares inserindo estas atividades no cotidiano das instituições
não somente em seus treinamentos funcionais e para manutenção do corpo, mas também como elemento comemorativo e de
confraternização tanto entre suas corporações como com militares estrangeiros. Ao receberem visitas oficiais, tanto Exército como
Marinha além dos tradicionais jantares e bailes, passaram a promover partidas de futebol, regatas e apresentação de exercícios. O
esporte passou de elemento de preparação de novos soldados em meio à população, para um instrumento de diplomacia para com
nações amigas. O período analisado neste Capítulo 2, compreendido entre o início da República e os anos finais da primeira década
do século XX foi marcado pela maior aproximação dos militares das práticas de atividade física e esportiva de forma sistematizada,
sendo estas defendidas principalmente como ferramentas de preparação do corpo dos soldados e dos cidadãos para uma melhor
defesa do território. Neste sentido, o esporte e a gymnastica passaram, ao longo da primeira década do século XX, a ocupar outros
espaços no interior da estrutura das instituições. A prática esportiva ganhou formas de ferramenta de atração da 107 Revista Careta
12 de setembro de 1908; Revista Careta 03 de outubro de 1908; Revista Careta 14 de novembro de 1908; Revista Careta 05 de
dezembro de 1908; Revista Fon-Fon 20 de junho de 1908. 108 Revista Careta 20 de junho de 1908; Revista Careta 08 de agosto de
1908. 109 Revista Careta 18 de julho de 1908. 110 Revista Careta 01 de agosto de 1908; Revista Fon-Fon 08 de agosto de 1908.
111 Revista Careta 19 de dezembro de 1908. 112 Revista Fon-Fon 28 de novembro de 1908. 113 Revista Fon-Fon 05 de dezembro
de 1908.

84 juventude para as FFAA, elemento disciplinador, instrumento diplomático, além de práticas de recreação e lazer. Esta transição
se desenrolou ao longo da primeira década, mas se intensificou significativamente em meados dos anos 1910, quando o processo de
organização destas práticas iniciou sua efetiva estruturação dentro das FFAA com a fundação das Ligas Esportivas Militares. Estas
entidades passaram a ser responsáveis pela divulgação e organização das atividades esportivas entre os militares tanto no interior
dos quartéis como nas participações de seus membros em competições civis. O Capítulo 3 deste trabalho dedica-se a discutir como
algumas influências estrangeiras foram incorporadas no processo de aprimoramento das ações com relação ao preparo das FFAA
brasileiras e possibilitaram novas perspectivas com relação ao esporte e à educação física e os fatores internos e externos que
fomentaram a criação das Ligas Esportivas nas FFAA no ano de 1915.

85 3 UMA NOVA ESTRUTURA PARA AS FORÇAS ARMADAS BRASILEIRAS: OS IMPACTOS DAS INFLUÊNCIAS
ESTRANGEIRAS E O PAPEL DO ESPORTE ENTRE OS MILITARES (1908-1915)

86 3.1 O olhar para o estrangeiro: influências externas no processo de organização das Forças Armadas brasileiras no início do
século XX. As influências estrangeiras nas FFAA brasileiras na primeira década do Novecentos eram identificadas em diferentes
esferas de atuação. As aproximações com Forças Armadas estrangeiras foram realizadas tanto pelo Exército como pela Marinha
através de períodos de observação de suas atividades e processos de organização (como é possível perceber por meio dos relatos
em suas revistas institucionais desde o século XIX) e das ações realizadas em visitas oficiais a outros países e recepções de Forças
amigas em território nacional. Em meio às ações de reestruturação das FFAA brasileiras empreendidas nos primeiros anos do
século XX, o olhar para o estrangeiro foi um movimento constante, uma vez que os modelos de organização e treinamentos dos
militares da Europa, América e Ásia eram observados com vistas a elaborar um modelo adequado à realidade nacional. Neste
processo de aproximações, o Exército Brasileiro passou a estudar a possibilidade de buscar oficiais estrangeiros para implementar
ações de modernização em suas estruturas estabelecendo renovações de ordem material e técnica. Sobre este ponto, Luna afirma
que a prática de convidar oficiais para fazer estágios de maior ou menor duração no corpo de tropa ou cursos de especialização
inseria-se no conjunto de iniciativas sistemáticas e de longo curso dos países desenvolvidos que visavam à conquista de posições
privilegiadas na venda de armas e equipamentos, no estabelecimento de eventuais alianças militares estratégicas e na disputa por
mercados (2007, p. 2). Seguindo esta perspectiva de aproximação com prováveis potências no Cone Sul, a Alemanha, que já
mantinha presença entre as FFAA de Argentina e Chile desde fins do século XIX, emitiu convite em 1905 ao EB, por parte do
Imperador Guilherme II, para o envio de oficiais para estagiar junto a seus militares. O convite foi apoiado pelo Barão do Rio
Branco, então Ministro das Relações Exteriores do Brasil (LUNA, 2007). Esta proposta foi veiculada também em países não
envolvidos no acordo, mas com possível interesse nas repercussões desta aproximação. A nota a seguir foi publicada no jornal The
Washington Times, periódico norte-americano, em 23 de maio de 1905 114 Brazilian Army Officers will train in Germany Rio de
Janeiro Brazil May 23 The German legation has made communication to government In this name of the Emperor William that the
Brazilian officers would be well received by the imperial army on their being sent to Germany complete their course of military
instruction The officers are Capt Arturo Sarmento and Lieutenants Melo, Mattos, Constancia Deschamps, Estellita Werner, Benito
Marinso and Manuel Busregard. 114 Jornal The Washington Times, 23 de maio de 1905, p. 6.

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87 Segundo Luna (2007) foram enviados ao estágio junto aos militares alemães três turmas de oficiais brasileiros. A primeira
realizou os treinamentos entre 1906 e 1908. As duas turmas seguintes foram enviadas em 1908 e 1910. Vale destacar que no ano de
1908, ano de conclusão da primeira turma e envio da segunda, ocorreu a primeira visita oficial do Ministro da Guerra Marechal
Hermes da Fonseca à Alemanha. Estes grupos de oficiais que estagiaram entre 1906 e 1912 no Exército Alemão receberam a
alcunha de jovens turcos. Ao retornarem ao país, passaram a defender a implantação da estrutura militar germânica no EB
divulgando as práticas aprendidas durante o estágio e as qualidades técnicas e de equipamento. O objetivo dos alemães era o envio
de uma missão militar ao Brasil, como já haviam feito na Turquia, para reformar o Exército. Estas aspirações, no entanto, traziam
preocupações ao alto escalão hierárquico que via nas renovações um caminho para a redução das projeções e destaques pessoais.
Como forma de reforçar seus propósitos, o então Ministro da Guerra Marechal Hermes da Fonseca foi convidado pelo Imperador
Guilherme II para assistir a uma série de exercícios militares no ano de 1908. 115 Esta visita recebeu espaço importante em alguns
periódicos em circulação no período, sendo noticiados os eventos de partida e chegada do Marechal, além de atividades realizadas
pelo Ministro e sua comitiva naquele país em duas revistas ilustradas que circulavam na cidade do Rio de Janeiro. Na revista
Careta, o destaque maior foi dedicado às cerimônias de partida e chegada dos militares brasileiros, sendo publicadas fotografias
destes eventos nos dias 15 de agosto e 07 de novembro daquele ano. Já a Revista Fon-Fon reservou espaço para apresentar os
aspectos da partida do Marechal; suas atividades na Alemanha observando as paradas e manobras militares do Exército; visitas a
fábricas de armamento e canhões; e as festividades em sua homenagem no retorno ao Brasil. 116 Nunca um oficial brasileiro
recebera tantas considerações da parte de uma grande potência [ ] depois desta viagem, Hermes da Fonseca teria assumido o
compromisso de contratar uma missão alemã para instruir o Exército brasileiro (DOMINGOS, 2001, p. 199). As aproximações
entre brasileiros e alemães passaram a preocupar também os militares franceses, uma vez que França e Alemanha eram grandes
concorrentes na venda de materiais bélicos. Como afirma Luna, 115 Mais tarde, sob esta influência, o Marechal Hermes realizou as
primeiras grandes manobras militares em Realengo. 116 Revista Careta 15 de agosto de 1908; Revista Careta 07 de novembro de
1908; Revista Fon-Fon 03 de outubro de 1908; Revista Fon-Fon 10 de outubro de 1908; Revista Fon-Fon 24 de outubro de 1908;
Revista Fon-Fon 07 de novembro de 1908.

88 picuinhas e boatarias foram veiculadas em jornais franceses, alemães e brasileiros. O jornal Lé Brésil, por exemplo, anunciou
que o Marechal Hermes da Fonseca não visitara a França, que, na época, também realizava suas manobras de guerra, porque o
itinerário de sua viagem fora determinado pelo Kaiser, o que causou nos circuitos oficiais franceses uma impressão desagradável
(2007, p. 4). Diante deste quadro de clara disputa por influência militar, dois anos depois, em 1910, já como presidente eleito, mas
ainda não empossado Hermes da Fonseca visitou novamente a Alemanha no mês de setembro. Neste mesmo ano, no mês de
agosto, também havia visitado a França e cumprido extensa agenda de compromissos oficiais. No entanto, ao contrário do que se
esperava e do que os jornais brasileiros, alemães e franceses tentavam defender, após assumir a presidência nenhum dos países
europeus foi privilegiado na disputa, ficando as decisões sobre a vinda de uma missão militar estrangeira suspensas durante todo o
seu mandato (1910-1914). As discussões sobre o tema, no entanto, prosseguiram com o destaque pela necessidade de renovação no
EB seguindo a estrutura alemã de forma acirrada pelos jovens turcos (LUNA, 2007). Em paralelo a estas discussões e buscando
não ficar fora da disputa, ainda em 1905 os militares franceses haviam recebido o convite para enviar uma missão para atuar na
Força Pública de São Paulo. Este convite tinha como objetivo o fortalecimento das polícias estaduais por parte das oligarquias
locais na busca por resgatar o prestígio e o controle sobre estas corporações, progressivamente perdidos desde a Guerra do
Paraguai. Apesar de as negociações terem se desenvolvido de forma rápida, o Exército Francês não apresentou grande entusiasmo
em enviar uma missão para uma Força Policial. Segundo Manuel Domingos (2001), seus reais objetivos eram a entrada no Exército
Brasileiro e estabelecimento de sua estrutura militar naquela instituição, mas como discutido anteriormente o EB estava em
processos de aproximação com os militares alemães. O Ministério de Negócios Estrangeiros da França, no entanto, resolveu
atender ao pedido do então Embaixador brasileiro na França, Toledo de Piza (membro da oligarquia paulista), com vistas a
estabelecer uma infiltração em um Estado muito próspero, conforme suas declarações. Sendo assim, foi encaminhada uma missão
coordenada pelo Coronel Paul Balagny para atuar em São Paulo no ano de 1906 (DOMINGOS, 2001). 117 117 Neste mesmo
período, as preocupações com o processo de formação em Educação Física entraram em pauta nos debates legislativos. Em 1905, o
deputado amazonense Jorge de Morais apresentou projeto ao Congresso Nacional propondo a criação de duas escolas de Educação
Física, sendo uma civil e a outra militar. Previa ainda o envio de oficiais de terra e mar para a Europa e América do Norte para se
especializarem na área. Declarava a necessidade de se adquirir terrenos para a realização de jogos ao ar livre e a instituição da
ginástica sueca e jogos ao ar livre no Ginásio Nacional, Colégio Militar e Escola de Aprendizes e Marinheiros. Entretanto, apesar
de ter sido aprovado o projeto não foi concretizado (GRUNENNVALDT, 2006).

89 Os franceses iniciaram suas atividades junto a Força Pública de São Paulo e, após sua chegada, passaram a buscar apoio junto
ao General Luiz Mendes de Morais, provável substituto de Hermes da Fonseca na pasta da Guerra. As ações realizadas em São
Paulo foram utilizadas como propaganda das possibilidades de atuação e das contribuições que uma missão francesa poderia
estabelecer no EB (DOMINGOS, 2001). Focando na temática de estudo deste trabalho, pode-se destacar esta atuação dos militares
franceses em São Paulo como um marco importante para as relações entre esporte, educação física e militares no Brasil. Como
desdobramentos das renovações implementadas pela Missão Francesa, foi criada a primeira Escola de Educação Física do país com
o objetivo de formar monitores para divulgar a prática de esporte e atividade física. Publio e Catalano (2005) transcreveram o
documento que oficializou a criação da Escola de Educação Física da Força Pública de São Paulo que inicialmente foi nomeada de
Curso de Esgrima e Ginástica e esteve sob a direção do Capitão do Exército Francês Delphin Balancier. A sede da Escola foi
estabelecida próximo ao rio Tietê, espaço tradicional de concentração dos clubes esportivos paulistas desde o final do século XIX.
O documento de criação, Aviso da 3 a. Seção nº 185 de 03 de março de 1910, foi publicado na Ordem do Dia nº. 52 do Comando
do 1 Batalhão da Força Pública e tinha o seguinte teor Senhor Comandante Geral da Força Pública. Declaro-vos em referência ao
Ofício nº 330 de 14 do mês passado que fica creado um Curso de Esgrima e Gymnastica, destinado aos officiais da Força Pública
do Estado, devendo serem tomadas as providências para instalação do respectivo apparelho em sala adrede preparada. Saúde e
fraternidade. (Assinado) W.Luiz (PUBLIO e CATALANO, 2005, p. 414). A oficialização da criação da primeira Escola de
Educação Física do Brasil veio a consolidar as influências recebidas pela presença do Exército Francês desde 1906. As atividades e
treinamentos desenvolvidos eram divulgados para a sociedade em geral através de notícias publicadas na imprensa enfatizando a
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importância das atividades físicas neste período. No início do século XX, as preocupações com estas atividades ocupavam espaço
nos periódicos, tal como os eventos sociais e as cerimônias das diferentes forças militares do país. A experiência da Missão
Francesa pela Força Pública de São Paulo não passou em branco. A revista Careta, no dia 13 de junho de 1908, 118 publicou
matéria relatando a experiência da Força Pública de São Paulo com as propostas da Missão Francesa chefiada pelo Coronel Paul
Balagny, representado a cavalo em imagem ao lado do Tenente-Coronel Pedro Arbues. O destaque de página inteira para as
atividades demonstra a importância atribuída pela revista à chegada deste grupo de oficiais franceses na Polícia de São Paulo. 118
Revista Careta 13 de junho de 1908, p. 8.

90 Estas influências estrangeiras tanto no Exército quanto na Força Pública de São Paulo auxiliaram na implantação das ações para
um maior profissionalismo nestas instituições, envolvendo além de mudanças nas estruturas internas, reforma de regulamentos e
inserção de novas práticas, a intensificação das preocupações com as atividades físicas. A criação da Escola de Educação Física em
São Paulo é um exemplo deste novo movimento. No caso da Marinha do Brasil, a aproximação com influências estrangeiras na
área da atividade física ocorreu de uma forma um tanto inusitada. No ano de 1908 o Navio-Escola Benjamin Constant realizou uma
viagem de circunavegação ao redor do globo como parte da conclusão do curso de oficiais da MB. Ao chegar ao Oriente, no trajeto
entre Honolulu e Yokohama, o navio encontrou e resgatou 22 japoneses que haviam naufragado próximo à Ilha Wake no Pacífico
que foram levados de volta ao país de origem pelo navio brasileiro. Este evento fez com que a viagem do Benjamin Constant
recebesse destaque da imprensa com publicação de diversas notas acompanhadas de fotografias, tanto na revista Careta como na
Fon-Fon, divulgando as celebrações realizadas pelo Império Japonês aos militares brasileiros. No entanto, as publicações tiveram
enfoques distintos. Enquanto a primeira publicou imagens em plano geral do navio, com os oficiais brasileiros e os japoneses
resgatados posando a bordo, apenas acompanhada de legendas sem matérias explicativas mais completas, a Fon- Fon publicou
matérias completas sobre partes da viagem, com fotografias dos locais por onde o navio passou, como o Estreito de Magalhães e
Havaí, e a recepção dos militares brasileiros no Japão inclusive trajando os tradicionais kimonos em cerimônia do chá oferecida aos
oficiais. Pelas ações de resgate dos náufragos japoneses, o comandante do navio Capitão-de- Fragata Antonio Coutinho Gomes
Pereira recebeu a medalha de ouro do mérito naval 119, 120 japonês. Esta visita ao Japão e as aproximações estabelecidas
resultaram na vinda de alguns japoneses a bordo do Benjamin Constant em seu retorno ao Brasil. Os asiáticos aproveitaram a
viagem para introduzir junto à tripulação brasileira a prática do jiu-jitsu, arte marcial de origem japonesa. O retorno do navio ao
país com estes convidados foi noticiada na revista Careta do dia 19 de dezembro de 1908. Com imagens ocupando página inteira, a
publicação destacava a vinda do professor Sada Miyako, seu ajudante M. Kakihara e Sensuke He, que se tornou criado de bordo do
Benjamin Constant após ter sido resgatado na Ilha Wake. Além das fotografias dos cavalheiros, a revista ainda publicou duas fotos
onde os marinheiros 119 Revista Careta 01 de agosto de 1908; Revista Careta 17 de outubro de 1908; Revista Careta 19 de
dezembro de 1908; Revista Fon-Fon 01 de agosto de 1908; Revista Fon-Fon 29 de agosto de 1908; Revista Fon-Fon 10 de outubro
de 1908 120 BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha de 1908, p. 5.

91 brasileiros recebiam lições de jiu-jitsu a bordo do navio com os nomes das técnicas aplicadas: o koshimago e o kesagatame
(vide Figura 1). 121 Após sua chegada ao país, o professor Sada Miyako passou a dar lições de jiu-jitsu na Fortaleza de
Villegagnon. Logo no ano seguinte à sua chegada, Miyako protagonizou um evento interessante para a história do esporte nacional.
Em exibição da arte marcial japonesa no Pavilhão Paschoal Segreto, no Rio de Janeiro, o locutor anunciou que o lutador convocava
um desafiante. O praticante de Capoeira Francisco da Silva Ciríaco, conhecido na cidade como Macaco Velho, aceitou o convite e,
em um movimento muito rápido, golpeou o japonês sendo declarado vencedor do combate (INOUE, 2009). A realização do curioso
combate foi noticiada na imprensa em diferentes periódicos, como o Jornal do Comércio de 02 de maio de 1909 122 e a Revista
Careta de 29 de maio de 1909. No jornal foram publicadas duas notas sobre o evento. A primeira informava que sportman japonez
do tão apreciado jogo jiu-jitsu foi hontem vencido pelo preto campista Cyriaco da Silva, que subjugou o seu contendor com um
passo de capoeiragem. No mesmo jornal, em um pequeno box no canto direito da página em meio aos anúncios de vende-se e
preciza-se foi publicada uma nota divulgando os serviços prestados por Miyako como treinador de jiu-jitsu. JIU-JITSU: Mr. Sada
Miyako, professor contratado para leccionar jiu-jitsu na marinha brasileira, encarrega-se de dar licções particulares e a domicílio;
cartas para a rua Gonçalves Dias n. 73, ou para a Fortaleza de Willegaignon. 123 121 Revista Careta 19 de dezembro de 1908, p.
21-22. 122 Jornal do Commercio, 02 de maio de 1909, p. 7; p. 19. 123 Jornal do Commercio, 02 de maio de 1909, p. 19.

Figura 1: Fotografias em sequência com as imagens de Sada Miyako e seu ajudante M. Kakihara; Sensuke, o criado de bordo; e os
marinheiros apresentando os golpes koshimago e kesagatame. Fonte: Revista Careta, 19 de dezembro de 1908, p. 22. 92

93 As aproximações com militares e modelos de FFAA do exterior prosseguiram nos anos iniciais da década de 1910. Neste
período o país passava mais uma vez por um movimento intenso no campo da política. Nilo Peçanha, vice-presidente de Afonso
Pena, assumiu o governo em 14 de junho de 1909 por ocorrência do falecimento do presidente. Ficou no cargo até 15 de novembro
de 1910 quando passou a presidência ao Marechal Hermes da Fonseca, eleito após o conturbado pleito daquele ano. Os debates
durante a campanha eleitoral giraram em torno de Rui Barbosa e Hermes da Fonseca, sobrinho de Deodoro da Fonseca e ministro
da Guerra no governo de Afonso Pena. Neste contexto de disputas, Paulistas e mineiros, que durante anos estiveram unidos em
torno de um mesmo candidato, fazendo a conhecida política do café com leite, desta vez estavam em lados opostos. Hermes da
Fonseca foi apoiado por Minas Gerais, pelo Rio Grande do Sul e pelos militares, enquanto o candidato Rui Barbosa recebeu o
apoio de São Paulo e da Bahia. A campanha de Rui Barbosa ficou conhecida como campanha civilista, ou seja, como uma oposição
civil à candidatura militar de Hermes da Fonseca. O estado de São Paulo proporcionou os recursos financeiros necessários à
campanha de Rui Barbosa, que percorreu o país procurando o apoio popular, fato inédito na vida republicana brasileira (ARQUIVO
NACIONAL, 2009, p. 32). O Marechal Hermes da Fonseca foi o primeiro militar a ser eleito presidente de forma direta, após esta
acirrada disputa com Rui Barbosa. Seu governo foi marcado por inúmeras tensões em diferentes regiões do país. Logo nos
primeiros meses no cargo, o Marechal precisou lidar com um movimento de levante de marinheiros no Rio de Janeiro, além de
conflitos no sul do país e a eclosão da guerra de proporções mundiais na Europa em 1914. Estes acontecimentos e seus
desdobramentos para as FFAA brasileiras serão discutidos no tópico a seguir.

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94 3.2 Revoltas e tensões: os Marinheiros, o Contestado e a Primeira Guerra. O movimento de levante de marinheiros no Rio de
Janeiro que marcou o período inicial do governo do Marechal Hermes, entre diversas reivindicações, buscava a extinção dos
castigos físicos ainda existentes na Marinha do Brasil. O movimento ficou conhecido como Revolta dos Marinheiros ou Revolta da
Chibata e, de acordo com Cláudio da Costa Braga (2010), teve fortes influências da agitada campanha presidencial daquele ano. O
autor comenta que a Campanha Civilista empreendida por Rui Barbosa levou a exaltações nos ânimos em todo o país e afirma que
Mais parecia uma campanha pró ou contra militares, sendo estes enxovalhados das mais vis acusações, insultos e agressões, [...]
tudo isso muito bem explorado pela imprensa sensacionalista, vindo a influenciar, de forma perniciosa, a hierarquia e disciplina na
Armada e no Exército (BRAGA, 2010, p. 39, grifo do autor). Sobre as origens do movimento, Nelson Werneck Sodré afirma que
este foi desencadeado por conta das condições de trabalho na MB naquele momento, entre elas: Alimentação deficiente, sobrecarga
de trabalho e, principalmente, castigos corporais, foram as causas próximas do motim. Casos esparsos já haviam ocorrido,
devidamente sonegados ao conhecimento geral; agora o caso era gravíssimo: poderosas naves de guerra dominadas pelos
marinheiros assestavam os seus canhões para a terra exigiam para a tropa treinamento humano. A rebelião surgiu quando um
marinheiro sofreu o castigo de 250 chibatadas e foram sacrificados, de início, alguns oficiais e praças. (SODRÉ, 2010, p. 243).
Como aponta o autor, as rebeliões foram desencadeadas pela insatisfação dos grupos com a punição de 250 chibatadas imposta
contra o marinheiro Marcelino Rodrigues, do Encouraçado Minas Gerais. Liderado pelo também marinheiro João Candido, o
movimento de rebelião iniciou em novembro de 1910 e envolveu diversos navios da Marinha do Brasil onde os marinheiros
assassinaram ou fizeram reféns os oficiais comandantes e tomaram as embarcações até que suas reivindicações fossem atendidas.
Segundo a carta ultimato enviada ao Presidente da República em 22 de novembro de 1910 pelos revoltosos, as principais
solicitações dos marinheiros eram o fim dos castigos corporais na Marinha, o aumento do soldo, melhorias na educação dos
marinheiros e a efetivação da tabela de serviços diários (BRAGA, 2010). Entre os navios tomados pelos marinheiros estavam os
Encouraçados Minas Gerais e São Paulo, frutos do programa de reaparelhamento da Marinha e com alto poder de fogo. José
Murilo de Carvalho (1995), analisando a revolta, afirmou que este poder de destruição dos navios rebelados causou grande pânico
na sociedade carioca, uma vez que alguns tiros e granadas chegaram a ser disparados contra a cidade.

95 A revolta dos marinheiros recebeu da imprensa um nome e um rosto: João Candido. 124 Como aponta Tania Ferreira (2010), O
marinheiro João Cândido foi a face visível da Revolta da Chibata na imprensa da época, seja pelo seu papel durante a rebelião, ou
pelo reconhecimento que seus companheiros da Armada lhe deram (MOREL, 2008). Personagem discutido e identificado com
destaque também nos meios militares, do governo, parlamentares, e da população em geral deu um novo destaque aos indivíduos
envolvidos em movimentos populares do Rio de Janeiro da Primeira República. Marco Morel destaca no livro citado que em cinco
dias o marujo gaúcho transformou-se, de ilustre desconhecido, na maior celebridade do Brasil naquele momento, atraindo sobre ele
não só entusiasmo, solidariedade e admiração, mas também implacáveis ódios, vinganças e difamações que o acompanhariam por
toda vida. Atestam isso a quantidade de fotos, charges e artigos publicados em destaque nos principais jornais, os discursos na
Câmara Federal e no Senado, diálogos registrados nas ruas, casas e cafés. [...] (FERREIRA, 2010, p. 18). Os conflitos se
desenrolaram entre 22 e 26 de novembro de 1910 na cidade do Rio de Janeiro. Inúmeras tentativas de acordo foram efetivadas pelo
governo com os marinheiros nos navios rebelados. Uma reação armada contra os navios revoltosos chegou a ser planejada e
autorizada, mas foi suspensa pelo governo na madrugada do dia 25 de novembro (BRAGA, 2010). O Ministro da Marinha, em seu
relatório anual de 1910, apresentou análises sobre a revolta e informou que ocorreram levantes das guarnições dos Encouraçados
Minas Gerais, São Paulo, Deodoro e do Scout Bahia. O documento ainda detalha todas as ações durante a revolta e informa que ao
final os revoltosos foram anistiados e seguiram servindo nos mesmos navios onde se rebelaram. Nem os oficiais ficaram satisfeitos
com essa decisão, pois determinava a não punição de uma grave quebra na disciplina e na hierarquia militar; nem os revoltosos
ficaram contentes, pois temiam represálias. 125 A imprensa dedicou espaços a noticiar as repercussões da rebelião. A revista
Careta, por exemplo, dedicou quase uma edição inteira em 03 de dezembro de 1910 com a publicação da matéria Os últimos echos
da rebelião com fotografias de todas as etapas do movimento com imagens dos líderes, dos navios envolvidos, dos confrontos
realizados. 126 A imagem de João Candido ocupou espaço na publicação e como aponta José Murilo de Carvalho, o marinheiro foi
inclusive promovido a almirante pela imprensa, para ódio dos oficiais da Marinha (CARVALHO, 1995, p. 72). A edição da revista
Careta de 10 de dezembro daquele 124 José Murilo de Carvalho o descreve como um crioulão alto e forte e feio, boca enorme,
maçãs salientes, trinta anos de idade em 1910. Filho de ex-escravos, pai alcoólatra, entrara para a Marinha em 1895 com 15 anos.
Em 1910 ainda era semi-analfabeto, lia mas não escrevia. Nos 15 anos de engajamento, fora promovido a cabo, mas por mau
comportamento tinha sido rebaixado a marinheiro de primeira classe. Envolvera-se em lutas corporais com colegas e espancara
outros. Em 1909, dera uma chibatada em um grumete que, em represália, o esfaqueara nas costas (CARVALHO, 1995, p. 70). 125
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha de 1910, p. 4-24. 126 Revista Careta 03 de dezembro de 1910, p. 8-9, 13-14, 16-17,
21-22, 25-26.

96 ano publicou em sua capa o novo almirante da Marinha, o almirante negro a bordo do navio com dois marinheiros prestando
continência em sua passagem. (vide figura 2). Figura 2. O Almirante Negro. Fonte: Revista Careta 10 de dezembro de 1910, p. 1
(capa).

97 Ao final dos conflitos, foi designado novo comandante para o Minas Gerais que recebeu o comando das mãos do Almirante
Negro João Candido (SODRE, 2010). Apesar da anistia concedida pelo Congresso aos revoltosos do movimento de novembro, os
oficiais de Marinha não se conformavam com esta decisão e a rebelião do Batalhão Naval em 09 de dezembro foi utilizada como
justificativa para a prisão de João Candido e dos demais marinheiros envolvidos no movimento, apesar de ter ficado ao lado do
governo durante a última revolta, de ter mesmo ordenado o bombardeio do quartel de fuzileiros, enquanto os oficiais do Minas
Gerais abandonavam covardemente o posto (CARVALHO, 1995, p. 72). Estas rebeliões de 1910 tiveram impactos sobre as
questões de hierarquia e disciplina na Marinha do Brasil. A quebra destas determinações, com a revolta do grupo mais baixo na
escala hierárquica contra os oficiais e comandantes, inclusive com a morte de alguns deles, foi um marco na história da instituição.
As reações ao movimento de novembro chegaram a considerar a destruição dos navios, caso fosse necessário, para debelar os
revoltosos: Desde o primeiro momento uma forte corrente dentro da Marinha e do Governo defendia uma reação militar contra os
revoltosos. Uns chegavam a defendê-la veementemente, indo até às últimas consequências, com a destruição dos encouraçados se

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preciso fosse. Não suportavam a desonra a que estavam submetendo uma das mais briosas instituições nacionais, a Marinha de
Guerra, com a quebra de seus dois sustentáculos, a hierarquia e disciplina (BRAGA, 2010, p. 160). As preocupações com a
manutenção da disciplina e do respeito à hierarquia passaram a ser ainda mais um ponto fundamental para as FFAA brasileiras.
Estes movimentos evidenciaram a fragilidade nestas relações e a necessidade de intensificar a determinação dos espaços sociais e
políticos de atuação no interior das instituições militares. Neste sentido, estas experiências são compreendidas como influências
importantes nas decisões tomadas no processo de organização das práticas esportivas nas FFAA ainda em meados da década de
1910. Ao analisar os modelos adotados pelas Ligas Esportivas Militares, é possível perceber a incorporação e o reforço das
determinações da hierarquia e disciplina militar como elementos de distinção na gestão e na participação esportiva tanto no EB
como na MB, evidenciando que estas separações e a limitação dos espaços de atuação dos degraus mais baixos da hierarquia, seja
em qualquer área, passaram a ser ainda mais importantes após estes movimentos rebeldes de 1910. O governo Hermes da Fonseca
ainda foi marcado por mais dois conflitos: a Guerra do Contestado, no sul do país; e a Primeira Guerra, conflito armado
internacional. As relações de Hermes com as oligarquias foram intensas ao longo de seu governo. As ações de intervenção nos
estados efetivadas pelo presidente não agradaram aos grupos dominantes regionais e

98 evidenciaram novas formas de organização militar irregular utilizadas por estas lideranças locais: os bandos de jagunços,
recrutados em regiões em que predominavam absolutas as relações feudais (SODRE, 2010, p. 247). A chamada Guerra do
Contestado foi um conflito na região entre os atuais estados de Paraná e Santa Catarina onde foi necessária a intervenção das FFAA
e, segundo Sodré (2010), o Exército atuou com força e violência para conter o movimento, que teve as seguintes características:
Em 12 de setembro de 1912, foi deflagrada uma rebelião de caráter messiânico, na região de litígio entre os atuais estados do
Paraná e Santa Catarina, conhecida como zona do Contestado. As tropas do governo do Paraná iniciaram o primeiro confronto na
cidade de Irani. Entre os 23 sertanejos mortos, estava o beato José Maria, líder do movimento que pretendia fundar uma monarquia
celestial na região. Na área sob a sua influência não era aceita a cobrança de impostos nem permitida a propriedade da terra. Após
vários conflitos armados, nos quais morreram cerca de vinte mil pessoas, a rebelião foi liquidada em 1915, já no governo de
Venceslau Brás. (ARQUIVO NACIONAL, 2009, p. 36). A intensidade dos conflitos e a incapacidade das autoridades locais de
conter os grupos rebeldes geraram a criação de um Comando especial para atuar na repressão. Para a função de comandante foi
nomeado o General Fernando Setembrino de Carvalho. De acordo com Rogério Rodrigues, Em termos legais a nomeação de
Setembrino de Carvalho e a consequente submissão dos governadores a autoridade militar buscava anular o espectro político da
ação e incluí-la dentro da lógica de campanha de guerra. [...] Consciente da embaraçosa missão que receberia, Setembrino de
Carvalho articulou nova proposta de intervenção no Contestado. Ao invés de Estado de sitio, propunha declarar Estado de guerra,
ou em suas palavras, ao invés de uma intervenção política, propunha-se uma intervenção eminentemente militar. [...] A opção foi
radical, mas atendia perfeitamente aos interesses do exército no momento. Isso porque a corporação clamava pela modernização
dos seus quadros e pela implementação da lei do sorteio militar. Uma guerra no sul do Brasil colocaria o exército em evidência e
possibilitaria experimentar equipamentos e estratégias, além de que serviria para desviar uma ação de matiz política para o militar
em face de uma disputa que se estendia por anos entre os dois estados. Não pode ser ignorado, a favor dessa proposta, o fato de que
no calor dos acontecimentos a presidência da República está representada por um oficial do exército: o Marechal Hermes da
Fonseca (1912-1914). (RODRIGUES, R. 2011b, p. 73-74). Cláudio Calaza (2009) afirma que neste conflito ocorreu o primeiro uso
militar da aviação no continente americano. Importante destacar que a aviação no Brasil, até este momento, estava ligada às
práticas esportivas. Como afirma Moreira (2005), a aviação iniciou como esporte sendo seus pioneiros conhecidos como sportman,
caso de Santos Dumont, brasileiro que entrou para a história como pai da aviação. Seus feitos foram registrados pela Fédération
Aéronautique Internationale atribuindo-lhe o título de sportman e primeiro aeronauta com recordes certificados no mundo. Santos
Dumont chegou a seguir para os Estados Unidos, em 1904, para participar nos Jogos Olímpicos de Saint Louis em

99 competições de balonismo, mas por falhas no equipamento o objetivo não se concretizou. No ano seguinte recebeu do Comitê
Olímpico Internacional o Diploma Olímpico pela constituição do novo esporte: a aviação. Ainda no início do século XX foram
fundados os primeiros clubes esportivos de aviação no Brasil: os aeroclubes. No dia 14 de outubro de 1911 foi fundado o
Aeroclube Brasileiro, considerado o precursor da aviação no país, com participação direta de militares no processo de formalização
de suas atividades, uma vez que seu primeiro presidente foi o Almirante José Carlos de Carvalho. (AECB, 2011). No entanto,
apesar de iniciar com caráter esportivo, esta nova atividade rapidamente passou a ser alvo de interesse dos militares por seus
grandes potenciais para observação aérea de zonas de combate. Ainda no início do século XX há registros da utilização de
aeronaves em combate na Guerra Ítalo-Turca, em 1911, quando um piloto italiano fez um voo de reconhecimento em 23 de outubro
daquele ano sobre as posições do Exército inimigo na região de Trípoli. Nove dias depois, ocorreu o primeiro bombardeio feito por
aeroplano em toda a história, quando outro piloto italiano lançou quatro granadas sobre posições turcas. (NAVARRO, 2006, p. 1)
Enquanto Santos Dumont se posicionava inicialmente contra o uso dos aeroplanos para fins militares, os irmãos Wright, norte-
americanos, consideravam a atividade militar como um das mais importantes aplicações do instrumento. Em 1908, assinaram
contrato com o governo norte-americano para o desenvolvimento de um avião militar com capacidade de transporte para duas
pessoas e velocidade de 64 km/h, entregando a primeira unidade cerca de um ano depois. Ainda em 1910 iniciaram-se as
experiências para inserir armamentos nos aviões, sendo o alemão August Euler detentor da primeira patente para instalar uma
metralhadora em uma aeronave. (NAVARRO, 2006). No Brasil, desde 1911, as edições da publicação oficial do EB, o Boletim
Mensal do Estado Maior do Exército, já discutiam a possibilidade do uso da aviação em combates. As edições de 1911 e 1912
iniciaram a ênfase nos debates pela utilização de aeroplanos, balões e dirigíveis por Exército e Marinha em combate bélico,
vislumbrando estudos sobre peso dos armamentos e número de tripulantes, por exemplo. O primeiro uso militar do avião no Brasil,
como já pontuado, ocorreu durante os conflitos no Contestado. As aeronaves utilizadas foram concedidas pelo Aero Clube ao
Exército Brasileiro e adquiridas através do então Tenente do Exército Ricardo Kirk, que cursou a Escola de Aviação como aluno do
italiano Ernesto Darioli e se especializou na École d Aviotion d Ètampes, na França, recebendo seu brevet em 22 de outubro de
1912. Nesta

100 viagem o Tenente realizou a aquisição dos aviões para o Ministério da Guerra brasileiro que ficaram sob responsabilidade do
Aero Clube. A decisão pelo uso dos aviões partiu do General Setembrino de Carvalho que, quatro dias após assumir o Comando de

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Operações na região do Contestado, enviou uma mensagem ao ministro da Guerra requisitando o emprego de aeroplanos no
conflito. O dia era 16 de setembro de 1914, apenas oito anos decorridos do vôo do 14 bis de Alberto Santos Dumont no Campo de
Bagatelle, na França. Somente dois dias depois o general constituiria seu Estado-Maior da campanha. Nesse momento,
transcorriam na Europa as frentes iniciais da Primeira Guerra Mundial, onde os aviões já eram intensamente testados nas batalhas,
atestando suas potencialidades. [...] Sob forte apoio da opinião pública cinco aviões foram embarcados de trem rumo ao Sul.
Durante a viagem, uma falha na alimentação da locomotiva provocou fagulhas pela chaminé que atingiram o vagão de
combustíveis e provocaram uma explosão que desencadeou um trágico incêndio na composição, resultando na destruição de duas
aeronaves. (CALAZA, 2009, p. 434; p. 438). Entretanto, o uso bélico da aviação foi empreendido de forma precipitada e não
obteve os resultados esperados. Sem preparações prévias ou atenções a planos estratégicos para a atuação e manutenção das
aeronaves, a única efetiva aplicação deste instrumento foi o de reconhecimento aéreo da região em conflito em janeiro de 1915.
Com o avanço dos combates em terra, esta missão de reconhecimento foi ordenada e colocou um ponto final na iniciativa dos
aviões no Contestado, uma vez que ocorreu o grave acidente aéreo que levou à morte o piloto da aeronave Tenente Ricardo Kirk
(CALAZA, 2009, p. 438). O uso dos aviões como instrumento de reconhecimento foi aplicado por diferentes exércitos, como o
inglês e o francês, durante a Primeira Grande Guerra (1914-1918) aperfeiçoando-se a prática ao longo do conflito com modelos de
aeronave com novas funções como bombardeios com bombas lançadas a mão pelo co-piloto e armamento para alvejar os inimigos,
como a metralhadora. (NAVARRO, 2006). O processo de inserção da aviação nas FFAA brasileiras se efetivou com a criação da
Escola de Aviação Naval, primeira escola de aviação militar do país, oficializada pelo Decreto n. 12.167 de 23 de agosto de 1916
127, assinado pelo então presidente Wenceslau Braz. A divulgação da aviação na Marinha do Brasil se intensificou a partir da
criação da Escola, tendo inclusive como ilustre visitante Santos Dumont, no ano de 1917, conforme noticiado na revista Careta de
03 de fevereiro daquele ano. As imagens publicadas retratam sua visita à Escola de Aviação da Marinha, realizando inclusive um
sobrevoo sob a ponte Almirante 127 BRASIL. Decreto n 12.167 de 23 de agosto de 1916. Crêa sem augmento de despeza, as
escolas de Aviação e de Submersíveis.

101 Alexandrino de Alencar 128 na Ilha das Cobras (RJ) como passageiro do Tenente Delamare a bordo do Hydroplano C1. 129
Ao longo das duas décadas seguintes, 1920 e 1930, a aviação militar adquiriu cada vez mais características de instrumento para
combates e proteção do território, deixando um pouco de seu caráter esportivo inicial, porém sem extinguir esta aplicação ficando
ela a cargo dos Aeroclubes espalhados pelo Brasil. Com o crescimento da prática da aviação tanto na Marinha como no Exército,
passou-se também a ter maior preocupação com a preparação física dos pilotos a fim de melhorar o poderio aéreo, sendo também
discutida a implementação de exercícios e do esporte para os pilotos com vistas ao preparo do corpo (MOREIRA, 2005) A
experiência nos conflitos do Contestado mais uma vez evidenciou as dificuldades enfrentadas pelas FFAA brasileiras naquele
momento. Seguia-se discutindo a necessidade de reestruturação, mas para isso era necessário o apoio do Congresso para liberação
das verbas. De acordo com McCann (2009), a eclosão da Primeira Guerra amedrontou tanto as elites nacionais que o governo
aprovou um orçamento para as FFAA que possibilitava a implantação dos projetos de reorganização. O problema do recrutamento
seguia preocupando as lideranças militares, como foi possível perceber nos relatórios ministeriais tanto da Marinha como do
Exército publicados neste período. Pinheiro et al (2006) afirmam que o sistema de recrutamento realizado até 1916 não
possibilitava o processo de modernização que tanto se almejava por garantir recursos humanos de má qualidade. A solução para
esta problemática, segundo as percepções da época, seria o estabelecimento do sorteio universal, mas a resistência a este sistema
era grande em diferentes esferas da sociedade (políticos, imprensa e até operários). As necessidades de recrutamento mais efetivo e
de treinamento especializado passaram a ser uma discussão ainda mais urgente com a eclosão dos conflitos da Primeira Grande
Guerra na Europa. Inicialmente o Brasil manteve-se em posição de neutralidade no conflito, conforme o Decreto n. 11.037 de 04 de
agosto de 1914 assinado pelo presidente 128 A ponte pênsil Almirante Alexandrino de Alencar ligava a Ilha das Cobras, onde
ficavam o Hospital Central da Marinha, o Batalhão Naval e outros estabelecimentos da Marinha, ao continente. Foi inaugurada em
1915 e recebeu o nome do Ministro da Marinha que ordenou sua construção. A ponte era dotada de um transportador volante que
percorria seus 288m de comprimento conduzindo cargas, e até 400 pessoas em pé. Com a transferência do Arsenal de Marinha para
a ilha e a construção de um novo Depósito Naval, a ponte pênsil já não atendia às necessidades, razão pela qual foi necessário
substituí-la pela ponte Arnaldo Luz, no ano de 1930. Atualmente, a Ilha das Cobras ainda é ligada ao 1º. Distrito Naval, situado no
continente, pela ponte Arnaldo Luz, que já completou mais que 70 anos de uso. 129 Revista Careta 03 de fevereiro de 1917, p. 12.

102 Hermes da Fonseca. Os Boletins do Estado-Maior do Exército, ao longo do ano de 1914, publicaram inúmeras notas sobre a
guerra analisando diferentes aspectos do conflito. Ainda em 1914, o Marechal passou o cargo de presidente ao seu vice, Venceslau
Brás que foi eleito naquele ano para o posto. Após assumir o governo, Brás adotou uma austera política financeira para enfrentar a
redução drástica das exportações brasileiras, devido à desorganização do mercado internacional provocada pela Primeira Guerra
Mundial (ARQUIVO NACIONAL, 2009, p. 41). 3.3 Reformar e recrutar para aprimorar. A questão do ensino militar sempre foi
um ponto debatido e discutido nos diferentes meios de divulgação das ações das FFAA brasileiras desde os anos iniciais da
República. A necessidade de reformar os métodos e processos de treinamento, além de melhorias materiais, era defendida como o
caminho para se estabelecerem melhorias efetivas no interior das instituições militares. O Aviso do Ministério da Guerra de 19 de
maio de 1911, publicado no Relatório do Ministério da Guerra de 1911, reforçava a necessidade de reformas no sistema de ensino
militar, enfatizando a questão das instruções práticas como um fator fundamental a ser considerado nesta reorganização. 130 O
Boletim Mensal do Estado Maior do Exército de novembro deste mesmo ano de 1911 publicou na coluna Notas Editoriais um texto
intitulado A reforma no Ensino Militar debatendo novamente as necessidades de reestruturação da formação dos militares no
Brasil. O artigo de autoria do Major João Vespúcio de Abreu e Silva, relator da Comissão responsável pelo projeto de reforma,
afirmava que era fundamental o desenvolvimento das aptidões físicas paralelamente às habilidades profissionais no processo de
formação dos militares brasileiros e, para justificar sua afirmação, apresentava os modelos de ensino nas FFAA francesas, alemãs e
argentinas. 131 Seguindo neste mesmo sentido, o Relatório do Ministério da Marinha de 1913 discutia as questões de formação dos
oficiais indicando que a melhoria da qualidade nesse processo era fundamental para o crescimento da Marinha. Como afirmou o
Ministro Almirante Alexandrino de Alencar formar o official é, pois, formar a própria marinha; esta é o seu reflexo. Reforçava-se,
então, a necessidade de intensificar os processos de treinamento e aperfeiçoamento dos oficiais. No caso da formação de inferiores

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e marinheiros, o relatório 130 BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1911, Anexo B, p. 49. 131 Boletim Mensal do Estado
Maior do Exército, vol. II, n. 2, novembro de 1911. Ministério da Guerra, Imprensa Militar: 1911, p. 105.

103 afirmava que para a boa instrução era necessário que se iniciasse o treinamento na mais tenra idade. Sob este argumento,
reafirmava o valor das escolas de aprendizes como indispensáveis ao desenvolvimento de bons marinheiros. O Ministro ainda
justificou que não havia abandono da situação dos marinheiros, como afirmavam algumas análises do movimento de 1910, e
apontou a criação de diversas escolas de aprendizes entre 1906 e 1910 em todo o país, ampliando-se o número já existente,
destacando que [...] Estas escolas de aprendizes, tomando crianças de 12 a 16 annos, preparavam-nas em noções elementares do
navio de guerra, obras do marinheiro, rumos de agulha, gymnastica, exercícios de toda a sorte, inclusive o jogo do foot-ball, para
desenvolver-lhes o physico e adaptar-lhes a intelligencia ao estudo mais elevado, nas escolas modelo.[...] 132 A indicação clara à
prática de ginástica e do football entre os aprendizes marinheiros nos evidencia a efetiva inserção destas atividades no cotidiano
dos militares da MB nas diferentes esferas hierárquicas. Ao identificar a menção às práticas esportivas ao lado das disciplinas
técnicas e profissionais como um dos itens indispensáveis para a boa formação dos militares, é possível a interpretação de que neste
momento o esporte e a ginástica já garantiam espaço assegurado no processo de treinamento e formação dos integrantes da
Marinha do Brasil. Além da ênfase na necessidade de melhoria nos processos de treinamento, discussão presente nos relatórios e
revistas institucionais das FFAA brasileiras desde os anos iniciais da República como já vimos nos debates até este ponto, havia
ainda outra questão que seguia na ordem do dia : os contingentes e o processo de recrutamento. O Relatório do Ministério da
Guerra de 1910 apontou que uma das maiores dificuldades na organização do EB naquele momento era o recrutamento. 133 No
relatório anual deste mesmo Ministério de dois anos depois, 1912, discutiu-se a questão do contingente necessário para as FFAA
brasileiras, apontando que o efetivo para tempo de paz previsto na lei orçamentária não era compatível com as funções
constitucionais estabelecidas para estas instituições, de acordo com as análises do EB. O documento ainda fez um comparativo com
o número de soldados por milhar de habitantes em tempo de paz de alguns países: 134 132 BRASIL. Relatório do Ministério da
Marinha de 1913, p. 196. 133 BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha de 1910, p. 32. 134 BRASIL. Relatório do Ministério
da Guerra de 1912.

104 Quadro 2: Comparativo do número de soldados por milhar de habitantes em tempo de paz. País Número de soldados por
milhar de habitantes França 13,2 Alemanha 8,7 Áustria 7,2 Rússia 6,5 Itália 6,1 Inglaterra 4,6 Japão 3,5 México 2,2 Brasil 1,1 O
documento aponta esses dados como base para afirmar que o contingente de 25 mil do Exército Brasileiro não era suficiente para
atender às necessidades do país, com seus então 21 milhões de habitantes e extenso território. Como proposta para mudar este
panorama, reforçava a urgência em aumentar o contingente a fim de possibilitar para a nação brasileira, em relação à defesa, uma
era nova, toda feita de calma, tranquilidade e confiança. 135 No relatório do ano seguinte o Ministério da Guerra seguia apontando
as dificuldades de se ter o contingente mínimo estabelecido pela diminuição progressiva dos voluntários. Neste sentido, reforçava a
necessidade da efetiva realização do sorteio militar em todas as regiões. 136 Sobre a legislação relativa ao recrutamento militar no
Brasil 137, Frank McCann afirma que depois de ser aprovada, em 1908, a lei permanecera engavetada porque o Congresso cortara
tão drasticamente o orçamento do Exército que o pequeno efetivo autorizado era preenchido por voluntários (MCCANN, 2009, p.
229). Rogério Rodrigues, ainda sobre as novas determinações de recrutamento militar brasileiro a partir de 1908, aponta que Entre
1908 e 1916 muito se debateu, contestou e defendeu a citada lei. O auge dessa discussão aconteceu no ano de 1914, período que
coincidia com a incidência da Primeira Guerra Mundial na Europa. O momento era estratégico para os discursos militaristas, pois
garantia maior visibilidade às forças armadas e animava os sentimentos nacionalistas na sociedade. Nesse contexto o exército
aparecia como uma das poucas instituições legítimas capazes de defender a nação das mazelas políticas e sociais. [...] O que se
almejava era instituir o serviço militar obrigatório no Brasil, reequipar belicamente o exército, melhorar a formação dos oficiais por
meio da contratação de instruções militares estrangeiras, bem como melhorar as condições físicas das instalações militares no país
[...] (RODRIGUES, R., 2011b, p. 77). 135 BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1912, p. 6. 136 BRASIL. Relatório do
Ministério da Guerra de 1913, p. 4-5. 137 BRASIL. Lei nº 1.860, de 4 de Janeiro de 1908. Regula o alistamento e sorteio militar e
reorganiza o Exército.

105 Uma das ferramentas utilizadas pelas FFAA para aproximar e atrair os jovens para suas atividades eram as Sociedades de Tiro
espalhadas por todo o país. Estas instituições atuavam não somente com os exercícios de tiro, mas garantiam aos sócios uma
instrução completa de soldado de infantaria 138 e eram organizadas e normatizadas pela Confederação de Tiro Brasileiro. As
associações de Tiro foram propostas com o objetivo de possibilitar aproximações entre os militares e a sociedade civil. A fundação
da Confederação de Tiro Brasileira como entidade para organizar as associações em todo o país e atuar no fomento destas
atividades não teve êxito imediato, mas ao ser reativada por Hermes da Fonseca em 1906 quando ocupava a pasta da Guerra,
passou a ampliar gradativamente o número de associações federadas (PINHEIRO et al, 2006). Em 1910, ano de regulamentação de
seus estatutos, a Confederação contava com 137 sociedades confederadas. O Decreto n. 8.083 de 25 de junho de 1910 que aprovou
seu regulamento e os estatutos das sociedades de tiro incorporadas, determinou que a entidade nacional estava subordinada ao
Ministério da Guerra e dependente na parte técnica do Departamento da Guerra. Segundo o decreto, [...] Art. 2º. A Confederação
de Tiro Brasileiro é a reunião de todas as sociedades nacionaes de tiro de guerra que preencherem e acceitarem as condições
estabelecidas neste regulamento. Art. 3º. O fim da Confederação é methodizar a instrucção militar nas sociedades de tiro, auxiliar e
encorajar os esforços destas sociedades e promover a incorporação de outras, de modo que cada município tenha, pelo menos, uma
[...]. 139 Os relatórios do Ministério da Guerra dos anos seguintes informavam sobre as atividades da Confederação de Tiro e os
processos de ampliação (ou não) do número de sociedades confederadas. No relatório de 1911, comunicou-se que o numeral de
federados havia passado para 195 naquele ano, indicando um importante crescimento dos celeiros de potenciais militares pelo país.
140 Já o relatório de 1912 apontou um declínio das sociedades de tiro pela falta de interesse da juventude por suas atividades, mas
ainda assim informou a entrada de 22 sociedades na Confederação de Tiro. 141 Sobre estas sociedades, McCann afirma que Após o
surto de entusiasmo pela aprovação da lei do serviço militar obrigatório em 1908, os Tiros declinaram em número e atividade, por
duas razões: primeira, quando a lei não foi implementada, muitos dos que se haviam alistado com o intuito de escapar do serviço
militar ativo não viram necessidade de continuar; segunda, políticos locais haviam usado aquelas sociedades como expedientes
para conseguir votos (2009, p. 228). 138 BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1917. 139 BRASIL. Relatório do

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Ministério da Guerra de 1910, Anexo A, p. 37. 140 BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1911, p. 13. 141 BRASIL.
Relatório do Ministério da Guerra de 1912, p. 36-37.

106 O Relatório do Ministério da Guerra de 1915 afirmava que a maior necessidade do Exército naquele momento seguia sendo a
execução do serviço militar obrigatório. A base de observação para esta afirmativa era o conflito da Primeira Grande Guerra. 142
Mesmo após a efetivação deste modelo de recrutamento, Frank McCann analisa que O sistema do serviço militar obrigatório,
conquistado a duras penas, revelou-se muito diferente do que seus proponentes haviam esperado. Desde o início [...] o número de
homens que se recusaram a responder ao chamado do país foi maior que o dos que se apresentaram. De 1917 até 1929 foram
sorteados 619753 nomes, dos quais 75286 foram dispensados e 409111 não se apresentaram, restando apenas 135354 para
ingressar nos quartéis. [...] O sonho de que o serviço militar obrigatório forneceria um exército qualificado que, por sua vez, geraria
uma reserva numerosa, treinada e mobilizável foi abalado pelas realidades brasileiras. (MCCANN, 2009, p. 295) O mesmo
relatório referenciado acima ainda discute que somente o aumento dos contingentes não era o suficiente para a garantia da defesa
nacional. Era necessário que se dispensassem atenções com as questões de armamento, munição, fardamento, viaturas. Os
equipamentos estavam em situação complicada, pois as encomendas feitas a algumas nações estrangeiras não foram entregues em
função da ocorrência dos conflitos na Europa. O relatório ainda destacou que o processo de instrução e educação das tropas vinha
melhorando significativamente, graças à dedicação de oficiais e aspirantes envolvidos nestas atividades. 143 Com o novo
panorama mundial marcado pelo conflito armado, o estabelecimento de diretrizes mais claras para os processos de treinamento
passaram a ser uma preocupação ainda mais importante. A Portaria de 02 de maio de 1914, publicada no Relatório do Ministério da
Guerra de 1914, por exemplo, determinava as instruções para a esgrima de baioneta a ser utilizada no EB como forma de
uniformizar os processos de treinamento e preparação dos militares. 144 Esta necessidade de maior especialização fomentou a
criação de manuais de instrução que eram vendidos para a disseminação das normas físicas. O Aviso n.1 de 11 de março de 1916
do Ministério da Guerra, por meio do Departamento Central, normatizava o processo de venda das publicações do EB. Dentre os
inúmeros títulos constavam: Esgrima de Espada, Instrução de Esgrima de Lança, Regulamento de Ginástica para infantaria e tropas
a pé, Regulamento de Ginástica para tropa montada. 145 Com estas publicações, buscava-se estabelecer uma diretriz de preparação
física dos integrantes do Exército Brasileiro. Neste mesmo período foram também normatizadas as novas determinações sobre 142
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1915. 143 BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1915. 144 BRASIL.
Relatório do Ministério da Guerra de 1914, Anexo B, p. 35-41. 145 Boletim Mensal do Estado Maior do Exército, vol. XI, n. 1,
janeiro de 1916. Ministério da Guerra, Imprensa Militar: 1916.

107 os índices físicos mínimos para o ingresso na instituição indicando um maior rigor e preocupação com o corpo das tropas
militares brasileiras. 146 No próximo tópico, serão discutidos os principais métodos de ginástica defendidos pelas FFAA na década
de 1910 e as ações de promoção da prática esportiva no período anterior à fundação das Ligas Esportivas Militares. 3.4 Os
militares, as ginásticas e o esporte antes da fundação das Ligas Esportivas. Com o processo de ampliação das práticas esportivas e
da ginástica ao longo dos anos iniciais do século XX, foi identificada uma crescente necessidade de profissionais para a função de
instrutores em todo o país, principalmente após a introdução da ginástica como item dos currículos das escolas civis e militares.
Neste novo cenário profissional, retomaram-se os debates sobre a criação de escolas de formação em Educação Física (EF) por
todo o país visando à preparação de profissionais para atuação nestes novos espaços de trabalho (PUBLIO e CATALANO, 2005).
A partir das observações da experiência de estabelecimento da primeira escola de formação de monitores de educação física na
Força Pública de São Paulo, sob influência da Missão Francesa que estava instalada, iniciou-se na Marinha do Brasil uma discussão
sobre a criação da Escola de Gymnastica no Corpo de Marinheiros Nacionais. Esta instituição teria como objetivo a formação de
monitores de ginástica com responsabilidade de divulgar os jogos e a ginástica sueca pelas escolas e navios. Esta proposta foi
defendida pelo Tenente Alfredo Colônia em artigo publicado na Revista Marítima Brasileira no 4º. Trimestre de 1910, destacando o
reforço na preocupação com a condição física dos militares. No entanto, este projeto não teve aplicação imediata e a efetiva criação
da Escola só foi concretizada 15 anos depois, já sob a coordenação da Liga de Sports da Marinha. 147 Neste momento era possível
identificar três principais correntes de influências estrangeiras nos modelos de ginástica e esportes praticados no Brasil: alemão,
sueco e francês. O método alemão de ginástica já era presente no Brasil desde o século XIX quando foi traduzido o manual Novo
guia para o ensino da ginástica nas escolas públicas da Prússia no ano de 1870. Suas propostas ganharam ainda mais força no
Exército Brasileiro através da 146 O Aviso do Ministério da Guerra n. 1.113 de 27 de novembro de 1916 alterou o índice de
robustez de 25 cm para 33 cm e a altura para 154 cm. 147 COLONIA, Alfredo. Introdução das atividades gymnasticas na Marinha
do Brasil. Revista Marítima Brasileira, 4º bimestre de 1910, p. 7-16.

108 defesa de adoção desta metodologia por parte dos grupos de oficiais jovens turcos pelas experiências com estas práticas em
território germânico durante os estágios realizados entre 1906 e 1912. O destaque para as grandes qualidades físicas dos militares
alemães e a eficácia do método aplicado por eles para o preparo e desenvolvimento do corpo eram o argumento comumente
utilizado. Renato Soeiro (2003, p. 29) afirma que O método Alemão [...] pensava a prática da ginástica com forte caráter militar,
como forma de manter o povo 'forte e saudável'. Com forte teor de civismo e patriotismo, estava diretamente ligado aos
movimentos nacionalistas alemães. Corroborando esta definição, Carmen Lucia Soares (2004) comenta que a Escola Alemã de
ginástica surgiu como uma ferramenta de defesa da pátria pautada em um espírito nacionalista sob o argumento de que para se
efetivar a unidade do país seria necessário que seus homens e mulheres fossem fortes, saudáveis e robustos. Acreditava-se que este
desenvolvimento físico somente seria possível por meio da prática de uma ginástica com bases científicas (biológicas, fisiológicas
e de anatomia). A ginástica deveria ser organizada pelo governo e ministrada diariamente para homens, mulheres e crianças e seria
um meio educativo fundamental da nação, disseminando cuidados higiênicos com o corpo e com o espaço onde se vive (SOARES,
2004, p. 53). Além do método alemão ainda era recorrente no Brasil a defesa das vertentes suecas e francesas. O método sueco de
ginástica, criado no início do século XIX, preocupava-se com a execução correta dos exercícios para o desenvolvimento e
robustecimento dos diversos órgãos do corpo humano, buscando-se o espírito corretivo das formas. Soares afirma que o método foi
criado para extirpar os vícios da sociedade, entre os quais o alcoolismo, o método sueco de ginástica se colocava como o
instrumento capaz de criar indivíduos fortes, saudáveis e livres de vícios, porque preocupados com a saúde física e moral. Esses
eram os indivíduos necessários, já que seriam úteis a produção e a pátria. Bons operários, uma vez que por esta época a Suécia dá

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início ao seu processo de industrialização, e bons soldados, uma vez que a ameaça de guerras estava sempre presente. Pehr Henrick
Ling (1776-1839), poeta e escritor, propõe um método de ginástica impregnado de nacionalismo e destinado a regenerar o povo,
formar, enfim, homens de bom aspecto que pudessem preservar a paz na Suécia. Seu método ou escola de ginástica se baseia na
ciência, deduzindo de uma análise anatômica do corpo uma serie racional de movimentos de formação. Ling considerava que a sua
ginástica poderia ser dividida em 4 partes, de acordo com os diferentes fins visados. Assim, ela poderia ser: a) Ginástica
pedagógica ou educativa [...]; b) Ginástica militar [...]; c) Ginástica médica e ortopédica [...]; d) Ginástica estética [...] (SOARES,
2004, p. 57-58).

109 O artigo do Tenente Alfredo Colônia na Revista Marítima Brasileira de 1910 defendia a implantação na Marinha do Brasil do
método sueco de ginástica, afirmando que Os antigos exercícios de gymnastica athletica allemã tem sido substituídos pelos
methodos scientificos da gymnastica sueca. Hoje, em toda parte onde se pratica verdadeiramente a arte de embellezar e de enrijecer
o corpo os apparelhos e methodos violentos de Friederich Jahn estão sendo, mesmo na própria Allemanha, substituídos pelos jogos
ao ar livre e pela gymnastica creada pelo anatomophysiologista sueco Pedro Henrique Ling. [...]. Há pouco tempo foi ella iniciada
na nossa Escola Naval, onde com todo o critério é executada sob a direcção de um professor competente. Coube ao Couraçado
Minas Gerais introduzir a bordo dos nossos navios o methodo de Ling, o qual já esta sendo praticado também no Batalhão Naval.
148 Argumentando sobre os benefícios da ginástica sueca, o autor informa a introdução oficial do método junto à MB não somente
nos batalhões e escolas, mas também a bordo dos navios, iniciando o processo pelo recém incorporado Minas Gerais, fruto do
programa de reaparelhamento iniciado na década anterior. A chegada do navio ao país foi festejada com uma cerimônia com a
presença do Almirante Alexandrino de Alencar, Ministro da Marinha, e do Marechal Hermes da Fonseca, naquele momento ainda
Ministro da Guerra. 149 Ao longo do artigo, o Tenente Colônia ainda discute os benefícios do método sueco e dos sports ingleses
em relação à ginástica atlética (método alemão). O autor defende que Os exercícios gymnasticos alem de serem inferiores aos jogos
na quantidade de exercício ainda o são como qualidade. [...] De facto, nos jogos de campo como no football, golf, lawn tennis,
cricket, etc., e na natação, no rowing, o executante tem occasião de accionar grande quantidade de músculos ao mesmo tempo, de
modo que não há nelles o defeito grande da fadiga localisada;[...] Os jogos têm ainda esta boa qualidade, são recreativos, agradam
mais e podem ser feitos sem sacrificio; antes, pelo contrario, todos conhecem o prazer com que as crianças se preparam para as
suas partidas de sport. É este estado moral de alegria, de prazer que, diz Spencer, faz augmentar o beneficio material sobre o corpo.
Os jogos desenvolvem a iniciativa, a confiança em si, o espírito de ordem e de disciplina, sem os quaes nunca um partido poderá
vencer o adversário. 150 As afirmações dos benefícios do sport e do método de Ling são os argumentos utilizados pelo militar para
a necessidade da ampla divulgação destas práticas na Marinha a partir da implantação da Escola de Ginástica para formar
monitores que atuariam nestas funções, onde após este curso os alumnos diplomados monitores de gymnastica, seriam distribuídos
pelos navios e escolas, onde, sob a fiscalisação do medico de cada um destes logares, ensinariam a gymnastica sueca, a esgrima e
dirigiriam os jogos. 151 Como já discutido, este estabelecimento de ensino não foi implantado até o ano de 1925, mas as ideias 148
COLONIA, Alfredo. Introdução das atividades gymnasticas na Marinha do Brasil. Revista Marítima Brasileira, 4º bimestre de
1910, p. 7; 9. 149 Revista Careta 23 de abril de 1910. 150 COLONIA, Alfredo. Introdução das atividades gymnasticas na Marinha
do Brasil. Revista Marítima Brasileira, 4º bimestre de 1910, p. 12. 151 ibidem, p. 16.

110 defendidas pelo autor do artigo apresentam algumas das discussões que seguiam em pauta sobre a educação física no Brasil. A
terceira proposta de metodologia de ginástica que garantia espaço no país neste período era a francesa. Ao observar este método é
preciso considerar que a França é o berço das concepções liberais clássicas de educação, concepções essas que incluíam também o
exercício físico como elemento indispensável a educação do Homem universal. [...] Na França, a ginástica integra a ideia de uma
educação voltada para o desenvolvimento social, para o qual são necessários homens completos. [...] E nesta perspectiva que a
ginástica será organizada não somente para militares, mas também para toda a população, colocando-se como uma prática capaz de
contribuir para a formação do homem completa e universal. [...] Para seu fundador, D. Francisco de Amoros y Ondeano (1770-
1848), a ginástica na França deveria abranger a prática de todos os exercícios que tornam o homem mais corajoso, mais intrépido,
mais inteligente, mais sensível, mais forte, mais habilidoso, mais adestrado, mais veloz, mais flexível e mais ágil, predispondo-o a
resistir a todas as intempéries das estações, a todas as variações dos climas, a suportar todas as privações e contrariedades da vida, a
vencer todas as dificuldades, a triunfar de todos os perigos e de todos os obstáculos que encontre, a prestar, enfim, serviços
assinalados ao Estado e a humanidade. (SOARES, 2004, p. 60-61). Este método foi utilizado na base de organização da primeira
Escola de Educação Física do Brasil, fundada em São Paulo na Força Pública a partir das ações da Missão Militar Francesa. Em 19
de abril de 1913 a revista Careta publicou uma extensa notícia sobre estas ações da Missão Francesa dando destaque para as
instruções físicas implementadas como a prática do boxe, do jiu-jitsu, ginástica e ciclismo com imagens retratando diferentes
processos de treinamento. 152 As propostas francesas de atividade física seriam também posteriormente adotadas pelo Exército
Brasileiro com a chegada de outro grupo de militares para uma segunda Missão no ano de 1919. No entanto, neste momento inicial
da década de 1910, as influências alemãs no EB ainda eram muito marcantes. O Boletim Mensal do Estado Maior do Exército em
1912 publicou no item Informação uma nota de autoria do Capitão de Artilharia Emilio Rosauro de Almeida que estava servindo
no 6º. Regimento de Artilharia da Prússia apresentando o modelo de incorporação e treinamento do soldado alemão. No relato
havia um item exclusivo para a ginástica onde o autor afirmava que 152 Revista Careta 19 de abril de 1913, p. 39-48.

111 [...] A gymnastica não é ensinada unicamente a um restrito numero de indivíduos para serem exhibidos em occasião de festa,
não; porém, conscientemente praticada para dar ao soldado a conveniente destreza e desenvolvimento physico indispensáveis ao
officio e, isto é conseguido plenamente no espaço de cerca de cinco mezes da data de incorporação. Mal se descobre nos lestos e
robustos soldados os bisonhos alistados de outubro. Divide-se a gymnastica em três partes: exercício livre, exercício de apparelho e
exercício a cavalo. [...] Esta providencia rudimentar mas indispensável não era observada em nosso tempo na Escola Militar;
resultado 90% de cada turma de alumnos não fazia uma flexão, alias a gymnastica era tida em menosprezo. 153 Em edição do
mesmo Boletim publicada no ano seguinte, o Segundo-Tenente Estevão Leitão de Carvalho divulgou um artigo com notas sobre a
infantaria alemã onde destacava também as atenções dedicadas ao preparo do corpo dos soldados pela Alemanha Marchas de
Instrução Gymnastica É pela cuidadosa cultura muscular, praticada nos constantes exercícios e sports, que se consegue dar ao
soldado alemão essa rigorosa firmeza com que elle executa os movimentos da ordem unida e a agilidade e destreza que o

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caracterizam na ordem dispersa os exercícios de gymnastica propriamente ditos se juntam a esgryma de bayoneta e aos jogos
sportivos. A esgryma de bayoneta começa a ser ensinada nas últimas semanas do período de instrução individual e faz parte do
programma do exame de recrutas [...] Dentre os jogos sportivos é o football o preferido, ainda que outros sejam também praticados.
154 Ao longo das edições de 1911, 1912, 1913 e 1914 foram publicados inúmeros relatórios destes oficiais que estagiaram junto ao
Exército Alemão. Com a divulgação destes relatos, exaltava-se a metodologia de preparação dos militares alemães sendo sempre
enfatizada a necessidade de implementação de melhorias no processo de treinamento dos brasileiros seguindo estes modelos de
sucesso. O esporte e a ginástica seguiram fazendo parte das celebrações de datas importantes para as FFAA brasileiras, como nas
execuções de exercícios de esgrima no aniversário do Colégio Militar 155 ; na festa militar com apresentação de manobras e
exercícios de ginástica realizada em São Cristovão com presença do Marechal Presidente 156 ; e na festa realizada pelo Exército
em homenagem a Marinha no campo de São Cristovão com a presença do Presidente da República e exibições de exercícios
militares e ginásticos pelo Colégio Militar e Escola de Grumetes 157. Estas práticas também eram item comum das festividades
realizadas em visitas 153 Boletim Mensal do Estado Maior do Exército, vol. IV, n. 1, outubro de 1912. Ministério da Guerra,
Imprensa Militar: 1912, p. 75-78. 154 Boletim Mensal do Estado Maior do Exército, vol. V, n. 5 e 6, maio e junho de 1913.
Ministério da Guerra, Imprensa Militar: 1913, p. 551-552. 155 Revista Careta 14 de maio de 1910, p. 23. 156 Revista Careta 18 de
janeiro de 1913, p. 8-9. 157 Revista Careta 21 de junho de 1913, p. 28-29.

112 oficiais de Forças estrangeiras ao país, como na realização de exercícios de baioneta em visita de oficiais da Marinha
Portuguesa em 1910. 158 A defesa pela intensificação constante da prática de atividades esportivas e das ginásticas fazia parte dos
projetos de reformulação da organização das FFAA brasileiras. Estas ações acompanhavam também o movimento de ampliação
destas práticas na sociedade em geral, uma vez que o esporte passou a fazer parte do cotidiano social e cultural das cidades
brasileiras ao longo dos anos iniciais do século XX. A formação dos clubes esportivos ampliou-se desde fins do século XIX nas
diferentes modalidades já praticadas no Brasil. Inicialmente, envolviam prioritariamente três esportes na cidade do Rio de Janeiro:
turfe, primeiro esporte institucionalizado no país, remo, seu sucessor, e o futebol (DACOSTA, 2005). A partir da divulgação sobre
as práticas esportivas nos periódicos analisados para esta pesquisa foi possível perceber que as competições mais comuns no
período envolviam as seguintes modalidades: turfe, regatas a remo e vela, futebol, water polo, natação e tiro. A partir da década de
1910, alguns esportes que estavam em processo de ampliação de divulgação passaram também a ocupar espaços nas publicações
como o jiu-jitsu, o boxe, o motociclismo, a aviação e o lawn tennis. Outras práticas como a Caça a Raposa (grupos a cavalo
buscando encontrar a pessoa que foi designada como raposa) e a Pega do pato (lançamento de um pato na água para ser capturado
pelos nadadores) também garantiram espaço de destaque com notícias acompanhadas de fotografias em edições da Revista Careta.
159 Outras notas sobre a atuação dos militares em diferentes modalidades esportivas foram publicadas em suas revistas
institucionais e nas publicações da imprensa. A revista Careta, em março de 1912, por exemplo, publicou a notícia The Rio de
Janeiro knockout boxing group apresentando imagens de homens treinando boxe com a legenda sócios preparando os muques para
resistir às intervenções militares. 160 A mesma revista, no ano seguinte, divulgou a participação da Escola Naval em competição
de remo em páreo específico para os militares. 161 A revista institucional do EB, o Boletim Mensal do Estado Maior do Exército,
dedicou espaço ao longo das publicações dos anos de 1911 e 1912 para uma coluna chamada Pela Cavallaria, onde divulgava
orientações sobre adestramento e equitação, utilizando elementos 158 Revista Careta 22 de janeiro de 1910, p. 28-30. 159 Revista
Careta 02 de março de 1912, p. 29; 03 de agosto de 1912, p. 17. 160 Revista Careta 16 de março de 1912, p. 35. 161 Revista Careta
16 de agosto de 1913, p. 17.

113 da hipologia 162 com imagens trabalhadas em planos cartesianos simulando os movimentos a serem realizados, além de notas
sobre concursos de hipismo e ciclismo no Brasil e no 163, 164 exterior. O Boletim do EB ainda publicou inúmeras notas
descrevendo os prêmios, vencedores e cerimônias dos campeonatos de tiro e dos raids militares. Estas competições eram as mais
detalhadas nos boletins com regulamentos, mapas de percurso, instruções, premiações. 165 Existem também registros da
participação de militares da Marinha no primeiro campeonato de Basket-Ball, organizado pela Associação Cristã de Moços em
1915. 166 Além destas atividades, o Livro Histórico do Departamento de Esportes da Marinha ainda afirmou que Era comum, nas
festas que ordinariamente se realizavam, a inclusão de números jocosos, como pau de sebo, corrida de pato e outras brincadeiras.
167 Sendo assim, neste contexto de ampliação das práticas esportivas no Rio de Janeiro, os militares passaram a se envolver com
modalidades antes não contempladas, como as descritas acima. Como foi possível discutir até este ponto, tanto os integrantes da
Marinha como do Exército participavam prioritariamente de competições ou apresentações de esgrima, tiro, natação e remo
(práticas comuns no cotidiano militar nos processos de treinamento para praças e oficiais), além do futebol que já se apresentava
como uma modalidade em grande ascenção nos anos iniciais do século XX. As FFAA não ficaram alheias a este processo de
difusão e passaram a incorporar esta prática tanto em seus quartéis e navios como em suas festividades oficiais, conforme já
discutido. O caso da expansão do futebol por diferentes regiões da cidade e incorporação da prática por diferentes grupos sociais
neste período foi analisado por João Malaia. O pesquisador afirma que 162 Ciência ou estudo sobre cavalos ou suas utilizações
(SILVA, 2009). 163 Boletim Mensal do Estado Maior do Exército, vol. IV, n. 2, fevereiro de 1913. Ministério da Guerra, Imprensa
Militar: 1913. 164 Boletim Mensal do Estado Maior do Exército, vol. II, n. 1, outubro de 1911. Ministério da Guerra, Imprensa
Militar: 1911, p. 79. 165 Boletim Mensal do Estado Maior do Exército, vol. VII, n. 6, junho de 1914. Ministério da Guerra,
Imprensa Militar: 1914, p. 469. 166 Livro Histórico do Departamento de Esportes da Marinha, Vol. II, Histórico Liga a C.E.M., p.
1. 167 Livro Histórico do Departamento de Esportes da Marinha, Vol. II, Histórico Liga a C.E.M., p. 1.

114 O próprio processo de urbanização e reforma da cidade do início do século XX foi decisivo para a difusão do futebol pelos
subúrbios cariocas. A expansão urbana levava a população de baixa renda para os subúrbios, com espaço suficiente para a
improvisação dos campos de futebol. [...] Diferentemente do turfe e do remo, o futebol não precisa de muito capital para a sua
organização. A prática é barata, os instrumentos (a bola, as traves, a rede para as metas) eram relativamente baratas e campos, no
subúrbio não era dos mais difíceis de se arranjar. Dezenas de clubes começaram a se organizar nesse período, clubes com
mensalidades mais baratas que variavam de 1$000 a 2$000, contra 10$000 de clubes como o Fluminense. As ligas que
organizavam o futebol de subúrbio também eram muito mais acessíveis. A Liga Suburbana de Football, fundada em 1912, cobrava
10$000 por mês e 20$000 de taxa de inscrição, no ano de 1919 (MALAIA, 2008a, p. 5). A prática do futebol inicialmente foi

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associada a clubes já existentes, principalmente de criket e regatas, ampliando o quadro de atividades de tais associações
esportivas. Não houve, portanto, um movimento de institucionalização específico para o futebol. As estruturas já existiam e
incorporaram mais uma prática esportiva. Neste movimento surgiram diversos times de futebol dentro de clubes brasileiros: em
1895 o São Paulo Athletic Club incorporou o futebol; em 1898, o Colégio Mackenzie de São Paulo criou um time
predominantemente brasileiro; em 1899 o Sport Club Vitória, clube de criket da Bahia, incorporou o futebol; em 1900 criou-se o
Sport Club Rio Grande, no Rio Grande do Sul. Como é possível observar, o futebol conseguiu rapidamente ser incorporado nas
mais diferentes regiões brasileiras a partir dos clubes esportivos já existentes nestas localidades (HELAL, SOARES e SALLES,
2005). No Rio de Janeiro, os primeiros clubes de futebol foram fundados a partir de 1902. O primeiro clube foi o Fluminense
Football Club (1902), seguido por Bangu Atlético Club (1904), América Football Club (1904) e Botafogo Football Club (1904). O
crescimento do número de clubes neste início do século iniciou um processo de estruturação das atividades e competições dos
clubes, uma vez que o esporte já garantia grande público nas exibições e encontrava-se bastante difundido entre os diferentes
grupos da sociedade como forma de lazer. Com este processo de ampliação, identificou-se a necessidade de organização de uma
Liga de Futebol no Rio de Janeiro, aos moldes do que já existia em São Paulo e na Bahia, para organização de competições entre os
clubes de futebol do Rio de Janeiro e Niterói. Criou-se, então, em 08 de junho de 1905 a Liga Metropolitana de Football, com
participação dos seguintes clubes: Football Athletic Club, Fluminense Football Club, Botafogo Football Club, América Football
Club, Bangu Atlético Club, Sport Club Petrópolis, Rio Cricket and Athletic Association e Paysandu Cricket Club. De acordo com a
Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro, os dois últimos tornaram-se membros em dezembro, mas são considerados
fundadores da Liga (FFERJ, 2009).

115 Após assembleia realizada em 18 de fevereiro de 1907, e sem qualquer menção ao motivo, a Liga mudou de nome e passou a
se chamar Liga Metropolitana de Sports Athleticos (LMSA), com as mesmas responsabilidades de coordenar as ações relativas ao
futebol carioca, tendo como dirigentes os membros da diretoria dos clubes mais ricos do Rio de Janeiro: Botafogo, Fluminense,
América e Flamengo (SILVA e SANTOS, 2006; MALAIA, 2010). Neste processo de ampliação da prática do futebol, alguns
militares passaram a integrar equipes dos clubes da cidade do Rio de Janeiro. Este era o caso do então Tenente da Marinha
Benjamin Sodré, conhecido no meio futebolístico como Mimi Sodré, que representou, entre 1910 e 1916, os clubes cariocas do
América e do Botafogo e foi um dos fundadores da Liga de Sports da Marinha em 1915. A edição da revista Careta de 27 de junho
de 1914 retratou uma partida de futebol do Botafogo dando grande destaque ao gol da vitória efetivado por Benjamin Sodré, oficial
da Marinha e sportmen do clube. 168 (vide figura 3). Figura 3: Imagens publicadas na Careta dando destaque ao gol da vitória feito
pelo Tenente Benjamin Sodré para o Botafogo. Fonte: Revista Careta 27 de junho de 1914, p. 16. 168 Revista Careta 27 de junho
de 1914, p. 16.

116 Seguindo as tendências de regulamentação da prática esportiva, na década de 1910 foram empreendidas iniciativas para criação
de uma instituição única para regulamentar os esportes no Brasil. A Liga Metropolitana de Sports Athleticos, fundada em 1907,
propôs a convocação de uma reunião, em 1914, realizada na sede da Federação Brasileira das Sociedades de Remo para criação de
tal instituição. Uniram-se aos representantes da Liga integrantes de algumas das principais entidades esportivas do período, como o
Aero Club Brasileiro, o Automóvel Club Brasileiro, Centro Hípico Brasileiro, Club Gymnastico Portuguêz, Commissão Central de
Concursos Hípicos, Jockey Club Brasileiro e a Federação Brasileira de Sociedades de Remo, naquele momento também
responsável pelo controle do pólo aquático e da natação, além do remo, no Rio de Janeiro (REEBERG, 2007). Esta reunião teve
como resultado a fundação da Federação Brasileira de Desportos, que após dois anos alteraria o nome para Confederação Brasileira
de Desportos. O regulamento da instituição apontava como objetivo dirigir todas as federações, ligas e clubes das diferentes
modalidades esportivas do país. De acordo com Rúbio (2005), este trecho do referido regulamento deixa clara esta expectativa: Art.
1º - A Confederação Brazileira de Desportos, fundada em 08 de junho de 1914, com a denominação de Federação Brazileira de
Sports, é constituída por todas as Federações, Ligas e Clubs, que nos Estados dirigem os respectivos desportos. Paragrapho 1º - Em
cada Estado e no Distrito Federal, à proporção do desenvolvimento desportivo, existirão três instituições, uma do desporto terrestre,
outra de desporto aquático e a terceira de desportos aéreos, e só estas serão filiadas à Confederação. Paragrapho 2º - À
Confederação poderão ser filiadas sociedades desportivas isoladas, desde que no respectivo Estado não exista outra sociedade do
mesmo desporto. Art. 2º - A C.B.D. terá as seguintes atribuições: 1º - Representar os desportos nacionaes junto aos poderes
constituídos. 2º - Representar os desportos nacionaes no estrangeiro. 3º - Promover o desenvolvimento e congraçamento dos
desportos. 4º - Servir de tribunal de última instância para derimir as questões que surgirem entre federações ou sociedades
desportivas directamente filiadas. 5º - Procurar uniformizar os regulamentos e códigos desportivos. 6º - Fazer convenções, tratados
e relações com sociedades desportivas estrangeiras O processo de estruturação de entidades reguladoras esportivas no interior das
FFAA acompanhou este movimento crescente na sociedade brasileira desde fins do século XIX. A necessidade de criação de
instituições para reger a organização do esporte intensificou-se pelo aumento dos clubes em diferentes modalidades esportivas no
país. Como já discutido, apesar de inúmeros esportes já serem praticados corriqueiramente entre praças e oficiais da Marinha e do
Exército, até 1915 não existia nenhuma forma de regulamentação institucional destas práticas em nenhuma das duas Forças.

117 O Capítulo 4 desta dissertação dedica-se a discutir, de forma comparativa, os modelos de liga esportiva adotados por cada uma
das instituições militares, seus principais objetivos e atividades desenvolvidas em seus anos iniciais de atuação, culminando com
uma análise da participação dos militares na organização dos Jogos Esportivos do Centenário de 1922 e seus desdobramentos para
a relação dos militares com a prática esportiva e com a Educação Física.

118 4 ORGANIZAÇÃO ESPORTIVA MILITAR NO BRASIL: UMA ANÁLISE COMPARADA DAS AÇÕES DA LIGA DE
SPORTS DA MARINHA E DA LIGA MILITAR DE FOOTBALL EM SEUS PRIMEIROS ANOS DE ATUAÇÃO (1916-1922)

119 4.1 Atuação das Ligas Esportivas Militares: fundação e primeiras ações de promoção do esporte. A organização esportiva
tendo como base a criação de ligas foi um movimento constante em fins do século XIX e início do século XX em todo o mundo,
não estando o Brasil distante deste processo. As ligas esportivas podem ser compreendidas como instituições responsáveis pela
administração dos interesses dos clubes das diferentes modalidades, atuando como normatizadoras das práticas através de regras

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combinadas e aceitas pelas equipes integrantes das ligas. As primeiras ligas esportivas fundadas no mundo foram a Liga Inglesa de
Futebol e a Liga Norte-Americana de Beisebol, ambas no ano de 1871 (MALAIA, 2010). João Manuel Malaia, comentando o
processo de fundação de ligas e federações esportivas no Brasil nas décadas iniciais do século XX, afirma que o esporte foi
traduzido, codificado e monopolizado por esse pequeno grupo que fazia com que os incentivos governamentais, econômicos e
políticos fluíssem apenas para seus clubes e federações, e marginalizava todos aqueles que deixassem de seguir os modelos de
práticas esportivas controladas por essas entidades. O Estado elegia tais entidades e dava a elas o título de entidades oficiais,
responsáveis pela representação do país em competições internacionais [...]. (2011a, p. 72). Apesar das diferenças entre os formatos
de ligas adotados pelos países, estas entidades, na estrutura econômica do esporte, seriam aquelas com maior poder. Stephen Hardy
(1986) comentando o poder das ligas sobre as decisões no processo de gestão afirma que para a efetivação de um produto
comercializável no mercado esportivo é necessário que exista um departamento central (ligas) com poder administrativo para
coordenar as atividades das empresas individuais (clubes) dentro de uma rede que possibilite sistemas estáveis de competição para
a geração de um produto (jogo) que atenda ao mercado. Neste sentido, as ligas, federações e confederações esportivas assumem o
papel de normatizadoras e controladoras das ações dos clubes no processo de gestão e as relações entre eles na geração do produto
a ser apresentado ao mercado. As ligas esportivas teriam como atribuição organizar as regras de funcionamento, definindo questões
como tamanho dos estádios; quantidade de competições a serem realizadas; número de jogadores que cada clube poderia contratar
e questões relacionadas a transferências; e atuando como um verdadeiro cartel, excluindo ou inserindo times de acordo com seus
interesses visando à maximização dos lucros e monopólio do mercado (MALAIA, 2008b).

120 Como já apontado, o processo de estruturação dos esportes em torno de ligas chegou também às FFAA ainda nas décadas
iniciais do século XX. No tópico a seguir serão analisados os formatos de organização esportiva adotados pelas entidades diretoras
do esporte nas FFAA brasileiras, assim como suas principais iniciativas de atuação nos primeiros anos de funcionamento. 4.1.1
Fundação e regulamentação institucional das Ligas Esportivas Militares Entre 1915 e 1920 o Exército contou com uma liga
esportiva criada com o intuito de atuar na organização do futebol: a Liga Militar de Football (LMF). A criação de uma liga
monoesportiva específica desta modalidade justificava-se por vários militares do EB participarem de equipes dos principais clubes
do Rio de Janeiro, promovendo também competições amistosas entre os regimentos onde serviam. De acordo com Ribeiro (2009),
por iniciativa do Tenente Francisco Mendes, atleta do Fluminense Football Club foi instalado um campo ao lado do 1º. Regimento
de Artilharia Montada, na Vila Militar para a realização de partidas. Já na Marinha do Brasil as ações de organização esportiva se
iniciaram com características distintas. Em 25 de novembro de 1915 um grupo de oficiais efetivou a fundação da Liga de Sports da
Marinha (LSM), primeira entidade de direção do esporte na MB, e desde suas primeiras determinações focou no desenvolvimento
de diferentes modalidades, garantindo um caráter poliesportivo. As duas entidades, LMF e LSM, buscaram junto aos seus
respectivos Ministérios o processo de reconhecimento de suas fundações e propostas de atuação junto aos militares de cada uma
das Forças. A LMF foi reconhecida institucionalmente através de Aviso do Ministério da Guerra nº. 966 de 22 de junho de 1915:
Ministério da Guerra - Nº. 966. - Rio de Janeiro, 22 de junho de 1915. Sr. chefe do Departamento da Guerra - Declaro-vos que
permito o funccionamento da Liga Militar de Football, cujo projecto de estatutos a este acompanha, sendo facultado ao pessoal dos
corpos do Exercito nella se inscrever. Saúde e fraternidade. José Caetano de Faria. 169 169 BRASIL. Diário Oficial da União de 29
de junho de 1915, seção 1, p. 5.

121 A partir da autorização do Ministério da Guerra, a LMF passou a tomar medidas para a divulgação do futebol entre o pessoal
dos corpos do Exército e a inscrição na referida Liga e participação em suas atividades era facultativa. A LSM foi criada
oficialmente em 25 de novembro de 1915, conforme a data da ata de fundação. No entanto, sua regulamentação institucional foi a
partir da publicação da Ordem do Dia do Ministério da Marinha nº. 01 de 04 de janeiro de 1916 onde o Ministro Almirante
Alexandrino Faria de Alencar autorizava o funcionamento da LSM com o seguinte disposto: Sr. Chefe de Estado Maior da Armada,
declaro-vos, para fins convenientes, que, approvados os intuitos da Liga de Sports da Marinha, fundada por officiais com o fim de
concorrer para o desenvolvimento physico do pessoal da Armada, por meio dos jogos e exercícios, com campeonatos annuaes,
resolvi permittir que a citada Liga se corresponda com as autoridades da Marinha, em relação ao que for necessário a seus fins, e
que as autoridades lhe facilitem os meios de acção, sem prejuízo para o serviço, fazendo-se os jogos sob direção da referida Liga e
seus representantes nos navios, corpos, estabelecimentos, ficando a acção destes últimos sujeita a approvação dos respectivos
comandantes. Saúde e fraternidade. Assignado Alexandrino Faria de Alencar. 170 Como referenciado no documento, o objetivo de
autorização de funcionamento da LSM era o desenvolvimento physico do pessoal da Armada, por meio de jogos e exercícios, e
para tal as autoridades navais deveriam facilitar seus meios de ação para a organização das atividades esportivas. Neste documento
identificam-se algumas regulamentações partindo do Ministério da Marinha sobre os processos de organização e participação nas
atividades, destacando a necessidade de autorização dos comandantes (oficiais superiores) para que seus subordinados
participassem das atividades da Liga e que esta instituição deveria se corresponder com as autoridades navais para a comunicação
de suas propostas, fato este somente possível por se configurar como uma iniciativa de oficiais (envolvendo também oficiais
superiores), já que os processos de comunicação e correspondência também deveriam respeitar a ordem hierárquica (CANCELLA
e MATARUNA, 2012b). Ao longo das investigações documentais para a elaboração desta pesquisa, não foi possível ter acesso aos
registros específicos da LMF, tais como atas de reuniões ou relatórios. No entanto, identificou-se uma publicação de imprensa que
era utilizado como órgão oficial de divulgação das atividades de inúmeras associações esportivas, entre elas a Liga Militar de 171,
172 Football: o jornal O Imparcial. 170 BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha de 1916. Anexo A, p. 01. 171 O Imparcial 01
de outubro de 1915, p. 9. 172 Como define Luca (2006), a categoria de fontes de imprensa jornal se caracteriza por ser uma
publicação diária em folhas separadas. O jornal em análise O Imparcial foi fundado por José Eduardo de Macedo Soares após sua
saída da Marinha do Brasil com o financiamento feito por seu irmão, José Carlos de Macedo Soares. O jornal foi criado para apoiar
a campanha de Rui Barbosa à presidência da República em 1909. O periódico foi utilizado largamente para a defesa das propostas
de Barbosa e o ataque ao principal adversário político, o

122 Neste periódico foram publicados os processos de organização e resultados de partidas realizadas entres os regimentos do EB;
convocações de esportistas e da diretoria para reuniões; atas de conselho. Neste sentido, as ações realizadas pela LMF (entre 1915 e
1920) e da Liga de Sports do Exército (entre 1920 e 1922) foram analisadas a partir das publicações sobre estas entidades no

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referido jornal. Ainda em seu primeiro ano de atuação, em 06 de novembro de 1915, foi publicado em seu jornal de divulgação
oficial a convocação de jogadores do Exército, de acordo com a seguinte determinação O uniforme official da Liga Militar fica
assim: calça e camisa branca, escudo encarnado vivo com as iniciaes brancas L. M. F. B. Quem fornece o uniforme acima é a Liga
Militar, no dia e na hora do jogo, portanto, os jogadores indicados devem levar as chuteiras e as meias pretas. Sabemos que no dia
21, por occasião de uma festa sportiva a ser realizada no campo do Fluminense, será travado um encontro entre o scratch do
Exército e um outro da Armada. Será um jogo digno de ser apreciado. 173 Nesta convocação já se evidenciam as primeiras ações
de divulgação da LMF: a elaboração de um uniforme específico a fim de facilitar a identificação dos jogadores do EB e a
promoção de um jogo entre estes e uma equipe da Armada. A Liga de Sports da Marinha, desde sua fundação em 1915 até 1940
quando foi extinta para a criação do Departamento de Educação Física da Marinha, atuou na organização das atividades esportivas
na MB. Suas ações iniciais foram a programação de competições internas de natação, pólo aquático e futebol, ainda em 1915, como
instrumento de divulgação; comunicação oficial às autoridades navais superiores da criação da Liga; e solicitação ao Ministro da
Marinha para assumir a direção dos sports de bordo, conforme registrado na ata Marechal Hermes da Fonseca. Foi ainda
instrumento em campanhas contra os governos de Epitácio Pessoa e Artur Bernardes. (BIBLIOTECA NACIONAL, 2012; SILVA,
1998). A apresentação do periódico Diário Carioca, outro jornal fundado por Macedo Soares, na Hemeroteca Digital Brasileira
organizada pela Biblioteca Nacional informa que Preso por ordens do primeiro [Marechal Hermes], Macedo Soares promoveu, em
O Imparcial e ao lado do Correio da Manhã, Época e A Noite (cujos diretores também haviam sido detidos), intensa campanha em
favor da liberdade de imprensa. Em 1922, por ocasião da primeira rebelião tenentista (episódio conhecido como Os 18 do Forte ),
já no governo de Epitácio Pessoa, José Eduardo voltou a ser preso. Solto meses depois, seu jornal seria novamente fechado por
ordem do novo presidente, Artur Bernardes, a quem também fazia oposição. José Eduardo então se exilou na Europa com a mulher
e filhas para retornar alguns anos depois, já durante o governo de Washington Luís, e fundar o Diário Carioca (BIBLIOTECA
NACIONAL, 2012). Este periódico, como já comentado, era o órgão oficial de publicação de diversas entidades esportivas
cariocas. Além do esporte já garantir seu espaço de divulgação na imprensa nas primeiras décadas do século XX, esta atuação do
jornal se deve, em parte, ao apreço de seu fundador e diretor pelo esporte. José Eduardo de Macedo Soares foi dirigente esportivo e
chegou a presidir a Confederação Brasileira de Desportos entre 1921 e 1922 (CABO e HELAL, 2010). 173 O Imparcial 06 de
novembro de 1915, p. 9.

123 da 1ª. Sessão da Diretoria, datada de 16 de dezembro de 1915 na sala de conferências do Clube Naval. 174 (CANCELLA,
2011a). Os processos de organização interna das LEM foram definidos ainda nos momentos iniciais de suas atividades. Os modelos
de gestão adotados tanto pela LMF como pela LSM tinham como principal característica a estruturação em torno de diretorias com
funções administrativas e de organização das competições esportivas. Já na reunião de fundação da LSM, realizada em 25 de
novembro de 1915 na sede do Clube Naval, foram estabelecidas questões relacionadas ao seu processo de organização
administrativa. Definiu-se que ela seria comandada por um sistema de Diretorias, sendo três com funções de gestão e diretorias
específicas para a organização das modalidades esportivas que compunham o quadro de atividades; sócios com características pré-
definidas com possibilidade de votação nas questões internas da LSM; além da designação de representantes da entidade nos
navios, corpos e estabelecimentos da Marinha que teriam função de divulgar as atividades da Liga entre a tripulação e coordenar as
ações de organização e inscrição dos esportistas nas competições. Os cargos de Diretor-Presidente, Diretor-Secretário e Diretor-
Tesoureiro foram definidos e ocupados ainda nesta primeira reunião dos oficiais. O Capitãode-Corveta Adalberto Nunes, por
indicação dos presentes, foi nomeado Diretor-Presidente da LSM, sendo acompanhado pelo Capitão-Tenente Alberto de Lemos
Basto na função de Diretor-Secretário e o Primeiro-Tenente Alfredo Sinay para Diretor-Tesoureiro. O pavilhão da Liga também foi
tema de discussão nesta primeira reunião, ficando a cargo do Primeiro- Tenente Gustavo Goulart a elaboração de opções para a
bandeira. As propostas foram analisadas pelos presentes e votou-se pela adoção, por escolha da maioria, da bandeira constituída
por uma âncora vertical feita a risco preto sobreposta com um salvavidas circular vermelho, sobre o qual se vêm em preto as
iniciaes do nome da Liga, estando este conjunto sobre um campo branco. 175 (CANCELLA e MATARUNA, 2012a). As definições
e nomeações dos diretores dos diferentes jogos a serem coordenados pela Liga foram realizadas em sua segunda reunião de
diretoria. Para dirigir os Serviços de Remo da LSM foi convidado o Capitão-de-Corveta Amphilóquio Reis, já para os Serviços de
Vela, convidou-se o Primeiro-Tenente Eleazar Tavares, e para os Serviços de Football, 174 1ª. Sessão da Directoria de 16 de
dezembro de 1915. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I. 175 Reunião de officiaes para
fundação da Liga de Sports da Marinha. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I.

ilha. 177 Para ser consórcio (sócio) da LSM eram exigidas algumas características 124 o Segundo-Tenente Benjamim Sodré 176,
ficando também responsável de realizar combinações para utilizar campos particulares pela LSM. O Primeiro-Tenente Gustavo
Goulart, autor do pavilhão da Liga, recebeu a responsabilidade de realizar estudos para a construção de um campo de football na
Ilha das Cobras e havendo a possibilidade espacial, combinar a cessão do espaço com o Engenheiro Chefe do Novo Arsenal que
estava sendo construído naquela específicas. Na 1ª. Assembleia de Representantes, realizada em 24 de dezembro de 1915, 178 foi
definido quem poderia fazer parte da Liga como sócio. As opções colocadas em votação eram: oficiais honorários da Armada,
professores e dentistas civis com honras, aspirantes de Marinha, sub-comissários e sub-maquinistas. Após a votação definiu-se que
poderiam integrar a LSM: oficiais honorários, dentistas e professores com honras e guardas-marinha alunos. Com esta definição,
caracteriza-se a participação na Liga a partir dos níveis hierárquicos (oficiais, suboficiais e praças), priorizando-se o oficialato e
seus assemelhados (caso dos professores civis e dentistas), excluindo do processo decisório de gestão do esporte na MB todos os
demais integrantes da Força (marinheiros, cabos, sargentos e suboficiais). As diretorias da Liga eram escolhidas a partir do voto
individual entre os sócios, ocorrendo votação para os cargos de Diretor-Presidente, Diretor-Tesoureiro e Diretor- Secretário, assim
como os suplentes. Este processo era realizado durante as Assembleias Gerais, como registrado em Ata da 1ª. Assembleia Geral de
20 de novembro de 1916 para a escolha do corpo diretivo para o ano de 1917. 179 Apesar do processo democrático de escolha,
somente poderiam se candidatar aos cargos de direção os sócios da Liga que, por sua vez, eram compostos por oficiais e guardas-
marinha, conforme determinações definidas desde 1915. 180 Desta forma, aos suboficiais e praças era permitida apenas a
participação nas competições, desde que devidamente autorizada por seus Comandantes. 181 176 Benjamin Sodré, também
conhecido como Mimi Sodré, foi jogador de futebol e representou, entre 1910 e 1916, os clubes cariocas do América e do
Botafogo. 177 2ª. Sessão da Directoria de 20 de dezembro de 1915. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha -
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Volume I - Anexo I. 178 1ª. Assembleia de Representantes de 24 de dezembro de 1915. Livro Histórico Departamento de Esportes
da Marinha - Volume I - Anexo I. 179 1ª. Assembleia Geral de 20 de novembro de 1916. Livro Histórico Departamento de Esportes
da Marinha - Volume I - Anexo I. 180 1ª. Assembleia de Representantes de 24 de dezembro de 1915. Livro Histórico Departamento
de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I. 181 As relações da hierarquia militar com o processo de organização esportiva tanto
na Marinha como no Exército serão discutidas em tópico específico ainda neste Capítulo 4.

125 As determinações sobre uso de uniformes para a prática esportiva na MB foram definidas ainda no início de 1916. O Aviso n. 2
de 02 de janeiro de 1916 publicado no Relatório do Ministério da Marinha informava a autorização para uso de trajes específicos
para a prática de exercícios e jogos esportivos promovidos pela LSM: Permitte que o pessoal da Armada use nos exercicios
sportivos os trajes próprios desses exercícios Snr. Chefe do Estado Maior da Armada Para vosso conhecimento e devidos effeitos.
Declaro-vos que resolvi permittir que o pessoal de vários corpos da Armada use em jogos e exercícios sportivos que forem feitos
sob a direcção da Liga dos Sports da Marinha os trajes próprios a esses exercícios. Os officiaes que servirem de juizes e directores
desses jogos poderao trazer, com os uniformes navaes, os respectivos distinctivos. Saúde e Fraternidade. Alexandrino Faria de
Alencar. 182 No caso da LMF, os registros localizados sobre a organização interna da entidade foram publicados pelo jornal O
Imparcial, seu órgão de divulgação oficial como anteriormente informado. A edição deste periódico de 19 de março de 1916
divulgou uma ata da reunião de diretoria realizada na Liga Militar de Football. No documento foram estabelecidas as funções e a
estruturação da LMF. Conformou-se que o campeonato militar teria como destinação principal desenvolver o futebol no EB,
fazendo parte da instrução de ginástica. As competições deveriam ser realizadas entre os corpos de cada guarnição e, quando
possível, por mais de uma guarnição em conjunto. A administração da LMF ficou assim definida: Tem por objectivo dirigir e
promover a realização do campeonato de football. Será gerida por uma directoria composta por seis officiaes do Exercito. Será
eleita por votação secreta, entre os instructores dos corpos concorrentes em reunião convocada e presidida pela directoria já
existente. Se não houver directoria, dirigirá os trabalhos da eleição o instructor mais graduado presente á sessão. A directoria será
composta de: um presidente, um vice-presidente, dois secretários e dois thesoureiros; cada um destes membros terá as seguintes
attribuições: Presidente: a) Convocar e presidir as sessões de directoria; b) Assignar todos os papeis de responsabilidade e o
expediente; c) Ouvidar esforços junto as autoridades militares no sentido de facilitar a realização deste campeonato; d) Representar
a Liga em todas as opportunidades e usar o voto de qualidade, quando preciso; Vice-Presidente: Assumir, sempre que for preciso, a
direcção da Liga, nos impedimentos do presidente. Secretario: Redigir as actas das reuniões de directoria, assignando-as com o
presidente e encarregar-se de toda a correspondência da Liga. O primeiro substitue o vice-presidente e o segundo substitue o
primeiro. Thesoureiros: Arrecadar e guardar todo e qualquer valor da Liga, assignar com o presidente todo o papel de sahida e
entrada de valores, apresentando mensalmente um balancete do movimento financeiro da Liga a directoria. O segundo substituirá o
primeiro. A Directoria terá mandato annual terminando este um mez antes do inicio do campeonato. Neste mesmo dia será
empossada a nova directoria, que receberá também todos os bens e haveres pertencentes a Liga. Cada directoria ao deixar o 182
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha de 1916, anexo A, p. 1.

126 mandato apresentara um balancete detalhado do seu movimento, o qual será lido na sessão de posse, a que deverão comparecer
todos os instructores dos corpos que apresentarão a nova directoria suas credenciaes officiaes, habilitando-os como taes. 183 O
estatuto definia que o campeonato de futebol seria realizado entre corpos do EB, sempre iniciando em maio de cada ano, com
equipes constituídas por praças tendo como instrutor um oficial que seria o elemento de contato com a Liga e responsável pela
disciplina e guia para a aprendizagem. Mais uma vez a hierarquia militar foi utilizada como definidora dos espaços de atuação e
atribuições dos militares. Os corpos deveriam inscrever junto à Liga os militares que fariam parte de suas equipes, assim como os
uniformes que seriam utilizados e as dimensões de seu campo. Era obrigatório que cada corpo que se inscrevesse para participar do
campeonato tivesse um campo oficial em condições de ser utilizado para seus matches. Previa-se ainda a existência de uma
comissão de futebol formada por três oficiais indicados pela diretoria da Liga entre os instrutores que apresentassem
conhecimentos teóricos e práticos sobre o esporte. A equipe vencedora do campeonato organizado pela entidade teria direito ao
título de campeão do ano, um troféu e medalhas simbólicas cujo valor dependeria das condições financeiras da Liga. Cada um dos
corpos participantes tinha obrigação de contribuir com uma média quantia (valor não definido no estatuto) para os fundos de
reserva da LMF. Ao final do campeonato, de acordo com as determinações, seria realizada uma partida entre o time campeão e um
formado pelos melhores jogadores dos outros times e o lucro das entradas seria utilizado para a confecção de medalhas do time
campeão. Os estatutos publicados em 19 de março de 1916 em O Imparcial datavam, segundo a publicação, de 18 de dezembro de
1915. Foram assinados pela comissão de futebol composta pelo 2º. Tenente Francisco Mendes da Silva Sobrinho, 2º. Tenente José
de Almeida Figueiredo, Aspirante Hugo Bezerra e Aspirante Raul Lima. Evidencia-se também, como na LSM, a composição da
direção da LMF somente com integrantes do oficialato do EB. Na edição de 20 de novembro de 1915, o mesmo jornal publicou
uma nota sobre as festas em comemoração ao dia da bandeira realizadas no EB. Entre as atividades, ocorreu uma partida de futebol
e a entrega da premiação para os campeões militares de 1915. Nesta mesma edição, foi transcrito o discurso realizado pelo Tenente
Castelo Branco na cerimônia, onde o oficial destacou que 183 O Imparcial 19 de março de 1916, p. 10.

127 A Liga Militar tem grande satisfação de communicar neste momento sublime para nós todos que amamos o sport, que a
mocidade militar tal qual como a civil, sabem jogar e interpretar com todas as regras o sport predilecto da terra de Jorge V. Logo no
começo da creação da Liga Militar encontramos, como era natural, alguns obstáculos que foram logo desapparecendo por parte
daqueles que não comprehendiam o grande jogo inglez. Hoje contamos na mocidade militar com mais de um terço da sua
totallidade, quer no quadro de officiaes, quer no das praças de pret, e o ideal é contar com a totallidade; precisamos de homens
fortes e valentes, destemidos e extraordinários. Precisamos preparar os nossos jovens militares para as grandes lutas e para a
civilização da nossa pátria. 184 Em seu discurso, o Tenente Castelo Branco enfatizou a dificuldade de se estabelecer uma liga
esportiva dentro da estrutura do EB, mas destacou que as ações da entidade possibilitaram a remoção das barreiras inicialmente
encontradas. O oficial ainda reforçou que o apreço pelas práticas esportivas, neste caso específico o futebol, seria um dos
elementos fundamentais para o pleno desenvolvimento da mocidade civil e militar com um grande número de praticantes em todos
os níveis hierárquicos do EB ( quer no quadro de officiaes, quer no das praças de pret ). Destacou ainda que este esporte seria um
importante instrumento de preparação dos jovens militares para as batalhas e para o processo de civilização da pátria. Esta ideia de

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civilização por meio do esporte foi um dos argumentos de introdução e legitimação destas práticas no país ainda no século XIX. A
busca pelos aspectos modernos e civilizados europeus, como já discutido neste trabalho, foi um dos elementos mobilizadores para a
aproximação com o esporte. A referência do Tenente Castelo Branco que os brasileiros já eram capazes de compreender as regras e
jogar o sport predilecto da terra de Jorge V evidencia a ainda presente ideia de que a partir da assemelhação aos hábitos europeus o
Brasil poderia ser considerado uma nação civilizada. Nicolau Sevcenko, analisando estas influências europeias e as mudanças
sociais e culturais no Rio de Janeiro na virada do século XIX e anos iniciais do século XX, discutiu o que se chamou de civilização
esportiva e as relações estabelecidas pela sociedade carioca com o esporte e a educação física naquele momento. Sobre este ponto,
o autor afirmou que Essa expressão civilização esportiva portanto não deve ser entendida como se referindo exclusivamente à
prática generalizada de diferentes modalidades de esporte, mas à generalização de uma ética do ativismo, a ideia de que é na ação e
portanto no engajamento corporal que se concentra a mais plena realização do destino humano. [...] Era a eletricidade passando
para os corpos, imprimindo-lhes a compulsão do movimento, da ação, fosse espontânea, fosse mecânica, fosse em coordenação de
massas. A educação física se torna obrigatória nas escolas, mas as pessoas se exercitam voluntariamente em academias,
associações atléticas e na sua própria casa. [...] Os clubes pululam, com o destaque para o futebol, mas envolvendo todos os
esportes. (SEVCENKO, 1998, p. 568-569). 184 O Imparcial 20 de novembro de 1915, p. 9.

128 A adoção do modelo de liga monoesportiva, desenvolvendo apenas a modalidade futebol, foi justificada em um artigo
intitulado Liga Militar: O football e o Exército, publicado no jornal O Imparcial em 22 de janeiro de 1920. Neste artigo foram
destacadas as visões da Força com relação aos benefícios que a prática do futebol poderia garantir aos militares. O trecho a seguir
evidencia os principais argumentos utilizados e é fundamental para compreendermos a opção pelo desenvolvimento desta
modalidade por parte dos militares do EB. E, se a educação do soldado actual pode chegar ao ponto de lhe proporcionar meios para
a pratica de acções tão bellas quão dignificadoras, capazes de qual poderoso e sympathico iman auxiliar a approximação dos meios
civil e militar, por processo tão commodo e agradavel, é caso de se appellar para as altas autoridades militares que o são
intelligentes e patriotas, e para a moderna geração dos novos e esperançosos officiaes afim de que, por seus auspiciosos e
necessarios auxílios, dêm a educação physica dos moços militares o grande e inestimavel valor que interessa a defesa nacional,
quando orientada a sua pratica, com methodo, persistência e desassombro, tendo como objectivo incentivar e desenvolver outras
qualidades importantes do soldado, taes como: coragem, agilidade, golpe de vista, resolução prompta, camaradagem, disciplina do
temperamento, resistência as fadigas e intemperies, amor ao corpo da tropa, ao Exército e á Pátria (Regulamento de gymnastica,
artigo 95). Como se vê, é, pois, o football, o desporto do soldado, por excellencia! É elle, dentre todos os desportos, o que melhor
unifica todas as vontades; o que melhor disciplina os temperamentos, modificando os vários instinctos dos que praticam: o que
melhor desenvolve o sentimento da força, dentro da nobreza! É no revigorar, com elle, o physico da mocidade brazileira, civil ou
militar o seja, cultivemos com amor, as bellas qualidades moraes que nos inspiram os seus empolgantes torneios: Mens sana in
corpore sano. E ninguém, de boa fé, pode negar as vantagens que adveriam para o Exercito, para a militarização do povo e até para
o sorteio militar se, pelo menos, a maioria dos corpos possuíssem turmas de soldados capazes de, em diversos pontos do nosso caro
Brazil e pelos mesmos honrosos processos, colherem louros eguaes aos que vem de obter, de modo dignificante o glorioso team do
1º. Regimento de artilharia montada. 185 A partir destas declarações e argumentos apresentados é possível verificar que, de acordo
com as concepções expressas pelo regulamento de ginástica do EB, o futebol era identificado como o esporte com maior
capacidade de desenvolver as características desejáveis ao soldado naquele momento. O artigo chegava a afirmar que a prática
desta modalidade seria um grande auxílio no processo de militarização do povo e até mesmo para o sorteio militar, uma vez que os
jovens que praticassem o esporte já ingressariam nas FFAA com o preparo físico necessário para o desempenho das atividades. É
preciso também considerar que estes argumentos utilizados em defesa do futebol seguiam o momento de popularidade desta
modalidade no Rio de Janeiro nas décadas iniciais do século XX. Neste sentido, Sevcenko afirma que 185 O Imparcial 22 de
janeiro de 1920, p. 8.

129 A segunda grande febre desportiva do Rio de Janeiro veio com o futebol e logo se tornou ainda mais intensa do que as regatas.
Inicialmente difundido entre as elites, ele seria adotado com enorme entusiasmo pelos grupos populares que, com base em suas
tradições rítmicas e lúdicas, relacionadas a destreza do uso dos pés e movimentos do corpo e da cintura, construiriam sua própria
versão do esporte britânico, mais para a diversão e o carnaval que para a agressividade, disciplina tática e objetiva (1998, p. 581).
Portanto, não somente os benefícios elencados em relação às determinações do Regulamento de Ginástica do EB podem ser
considerados ao analisar a adoção do modelo de liga monoesportiva de futebol. O aumento do número de clubes e praticantes desta
modalidade, além do crescimento do interesse dos espectadores e da imprensa, criando uma ambiência de promoção deste esporte,
também precisam ser levados em consideração, como discute Fabio Franzini: [...] o futebol, pouco mais de duas décadas depois de
lançar suas raízes entre nos, unia o pais e proporcionava uma vivida manifestação popular de orgulho patriótico. Na bela expressão
de Nicolau Sevcenko era a descoberta de uma vocação [...]. (FRANZINI, 2009, p. 129). A questão do serviço militar e as
necessidades de maior envolvimento da sociedade com as ações militares, apontadas no artigo do Tenente Castelo Branco, ainda
eram pontos complexos na segunda década do século XX. O Relatório do Ministério da Guerra apresentado em 1916 seguiu
reafirmando a necessidade do estabelecimento do serviço militar obrigatório. O documento ainda destacava a educação física como
algo fundamental para o bom preparo da nação. As inúmeras isenções de voluntários para o serviço militar por sua incapacidade
física chamavam a atenção das autoridades militares, que reforçavam: É um dever chamar a attenção para este facto, que indica a
necessidade de dedicar-se maior cuidado á educação physica, parecendo-me urgente que se torne obrigatório nas escolas o ensino
de uma gymnastica racional, como a sueca, não para fazer acrobatas, mas homens fortes e vigorosos. 186 Celso Castro (1997, p. 2)
comenta que o sorteio militar foi finalmente iniciado em 1916 e, nas décadas que se seguiram, o serviço militar temporário foi se
tornando cada vez mais obrigatório para a maioria da população jovem, o que levou à modificação do perfil da tropa. A Liga
Militar de Football foi aprovada pelo Ministério da Guerra como uma das ferramentas para o auxílio neste processo de melhoria do
desenvolvimento físico do pessoal militar. Em 15 de junho de 1919, O Imparcial publicou uma nota narrando as origens desta
entidade esportiva e exaltou as colaborações do Capitão Castelo Branco informando que este oficial, então Tenente, idealizou em
1915 junto a um grupo de oficiais a criação de um liga esportiva com objetivo de desenvolvimento físico dos jovens militares. Seus
companheiros 186 BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1916, p. 6.

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130 neste empreendimento foram os tenentes Mendes Sobrinho, Silva Fonseca, J. de Almeida Figueiredo e Raul Vasconcellos,
fundando nas dependências do Clube Militar a LMF dando a presidência ao então Coronel Chrispim Ferreira. 187 No caso da
entidade analisada em perspectiva comparativa à LMF a opção por modalidades se desenrolou de forma diferente. A Liga de Sports
da Marinha, conforme já discutido, atuava desenvolvendo diferentes modalidades junto a seus militares. Suas competições
esportivas eram realizadas entre os grupos que representavam os navios e estabelecimentos da Marinha, entre estes e equipes do
EB, além de participações em competições com equipes civis. Os registros de organização de competições da LSM para o período
entre 1915 e 1928 evidenciam o quadro de modalidades institucionalizadas na Marinha, a partir das ações de sua liga na
organização de competições, fomento de participação e divulgação. Neste período, a LSM organizou e participou de eventos
enviando equipes nas modalidades Vela, Natação, Water polo, Remo, Futebol, Retinidas, Cross Country, Atletismo, Cabo de
Guerra, Basquetebol, Esgrima e Tiro. 188 Como já apresentado, não foi possível ter acesso ao longo da pesquisa a registros
específicos do funcionamento da LMF, não havendo, portanto, possibilidades de análises sobre determinados aspectos de sua
organização, como, por exemplo, as movimentações financeiras da instituição. No entanto, para o caso da LSM o acesso às atas de
Diretoria da entidade possibilitou a observação de como se efetivava a manutenção de suas atividades do ponto de vista financeiro.
A manutenção da LSM iniciou a partir de doações de entidades e pessoais. Como destacado da Ata de fundação da Liga, as ações
de planejamento iniciaram-se com o apoio do Clube Naval que tendo approvado a ideia, e solicitado do Conselho Director
autorização para fazer a Liga donativos de Rs 1:200$000, e que essa autorização seria pelo mesmo conselho discutida em sua
próxima reunião. 189 Ao longo das atas de reunião do primeiro ano de atividade não foram mencionados valores definidos de
contribuição de sócios ou de pagamento de inscrição nos eventos. Somente em janeiro de 1917 registrou-se a primeira declaração
de cobrança de inscrições para participação no campeonato de water polo para oficiais a se realizar naquele ano: Cada jogador
pagará 3$000 de inscripção, com que entrará 187 O Imparcial 15 de junho de 1919, p. 9. 188 Cf. Livro Histórico Departamento de
Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I (1915-1920); Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo
II (1920-1922); Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo III (1922-1924); Livro Registro de
Competições (1923-1928). 189 Reunião de officiaes para fundação da Liga de Sports da Marinha. Livro Histórico Departamento de
Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I.

131 até começarem os jogos. O team vencedor receberá 07 medalhas de prata. 190 No mês seguinte, em fevereiro de 1917,
registra-se ainda uma resolução tomada pela LSM a fim de estimular os sócios a realizar suas contribuições: resolveo-se relevar,
aos sócios atrasados de suas contribuições em 1916, o pagamento das mesmas, desde que paguem as do ano corrente. 191 Com
estas medidas buscava-se o aumento nas verbas da Liga com objetivo de cobrir as despesas com a aquisição de materiais esportivos
e de uso administrativo, conforme declarado nesta mesma ata onde foram autorizadas as despesas para aquisição de uma bola de
futebol para o treinamento do scratch-team; de papel de carta; de impressão de impressos para relação dos times de futebol e water
polo; e de envelopes para memorandum. 192 Nas atas não há descrição detalhada dos gastos ou dados de entrada ou saída de
valores, exceto em trechos onde o Diretor-Tesoureiro consultou, em primeira ocasião, a possibilidade de investir o capital da Liga,
registrando-se que foi estudada a melhor collocação para o capital em caixa pertencente a Liga, ficando o Diretor Thesoureiro
encampado de estudar em que condições pode elle ser colocado na seção de empréstimos do Club Naval. 193 Em uma segunda
sessão, em dezembro de 1916, informou-se que por proposta do Diretor Thesoureiro foi resolvido depositar na Secção de
Empréstimos do Club Naval, a juro de 7% ao anno, a quantia de um conto de reis (1:000$000). 194 Como já destacado, não há
maiores detalhamentos sobre as entradas e saídas financeiras da LSM nos documentos analisados. No entanto, realizando um
comparativo com as rendas de uma Liga Esportiva civil em atividade no mesmo período e na mesma localidade (cidade do Rio de
Janeiro), é possível perceber que as verbas da LSM encontravam-se distantes das movimentações financeiras das demais entidades
de organização esportiva. Como exemplo, a Liga Metropolitana de Desportos Terrestres, em registro do relatório de 1917-1918
arrecadou mais de 02 contos de réis somente com o recolhimento de 10% sobre 06 jogos realizados pelo Fluminense Football
Clube na 1ª. Divisão de 1917 (MALAIA, 2010). 190 Sessão de Diretoria de 05 de janeiro de 1917. Livro Histórico Departamento
de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I. 191 Sessão de Diretoria de 03 de fevereiro de 1917. Livro Histórico Departamento
de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I. 192 Sessão de Diretoria de 03 de fevereiro de 1917. Livro Histórico Departamento
de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I. 193 Sessão de Diretoria de 02 de junho de 1916. Livro Histórico Departamento de
Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I. 194 Sessão de Diretoria de 26 de dezembro de 1916. Livro Histórico Departamento de
Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I.

132 No processo de organização das competições a LSM buscava sempre solicitar junto aos órgãos públicos ou entidades
esportivas a concessão de espaços para a realização de suas atividades. Ainda nos primeiros meses de atuação, a entidade realizou
um dia de sports terrestres 195 em espaço cedido pelo Clube Botafogo por intermédio do sócio Segundo- Tenente Benjamin Sodré,
que na época era esportista de futebol do clube. Decidiu-se ainda que, para o evento, seria definido número fixo de duas praças
participantes por navio ou corpo inscrito, mas um número livre de oficiais ou suboficiais. 196 Mais uma vez a questão da
hierarquia utilizada como definidora das ações no processo de gestão do esporte na Marinha. Ainda com relação ao processo de
aquisição de espaços para realização de seus eventos, a LSM buscava acionar órgãos federais e municipais para a cessão de campos
públicos para suas atividades. Como registrado nas sessões de Diretoria de 02 e 27 de junho de 1916, a entidade buscou
informações sobre um terreno na Praia Vermelha para a construção do campo de futebol da Liga. No entanto, em consulta ao
Ministério da Agricultura foi informado que tal espaço entre a Inspetoria de Pesca e a Escola de Estado Maior do Exército havia
sido cedido para a construção da Faculdade de Medicina. A Diretoria, devido às dificuldades de obtenção do espaço na Praia
Vermelha, resolveu estudar a possibilidade de alugar algum campo das sociedades de futebol. 197 Sem sucesso na primeira
tentativa de aquisição de um campo público para a realização de seus eventos, a LSM passou a cogitar a possibilidade de alugar
campos privados das sociedades de futebol do Rio de Janeiro para tal fim. No entanto, ainda em setembro de 1916 prosseguia
utilizando espaços no interior de seus quartéis para as competições, espaços sem as condições físicas necessárias, conforme
detalhado na reunião do dia 12 de setembro de 1916, O Diretor Secretario transmithio as observações do Diretor de Football quanto
ás más condições do campo da I. Das Enxadas e do Batalhão Naval, e sua indicação no sentido de se obter para os jogos a se
realizar o campo Municipal da Praia do Russell. Resolveo-se a este respeito officiar ao Sr. Inspetor de Mattas e Jardins da
Prefeitura pedindo o uso do campo nos domingos pela manha e 5as feiras a tarde, e ao Sr. Ministro da Guerra pedindo a cessão de
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uma barraca para mudança de roupa dos jogadores quando os jogos forem no mesmo campo. 198 195 No programa do evento,
previa-se a realização de torneio de futebol, cabo de guerra (segundo as regras do torneio Initium), corridas a pé de 100 metros e
1.000 metros, salto em altura e salto em distância, torneio de shoots, concurso de retinidas. 196 4ª. Assembleia de Representantes
de 19 de abril de 1916. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I. 197 Sessão da Diretoria de 02
de junho de 1916 e Sessão da Diretoria de 27 de junho de 1916. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I -
Anexo I. 198 Sessão da Diretoria de 12 de setembro de 1916. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I -
Anexo I.

133 Seja por falta de verbas para o aluguel de espaços próprios para as atividades ou por valer-se da posição de Liga Esportiva no
interior de um órgão público federal (Marinha do Brasil), a LSM buscava sempre alternativas para a organização de suas ações que
não envolvessem o pagamento de despesas de aluguel. Este é um ponto importante de destaque entre as duas Ligas em análise. A
LMF, de acordo com as determinações de seu estatuto, exigia que cada regimento que se inscrevesse para a participação nas
competições organizadas por ela tivesse um campo de futebol em dimensões oficiais para a realização de suas partidas. No caso da
Liga da MB, ficava sob responsabilidade da entidade a busca de concessão ou aluguel dos espaços para as suas competições. A
LSM adotou ainda um sistema de premiações para suas competições que envolvia a doação de taças e medalhas por indivíduos ou
instituições e também a cobrança de quantias aos próprios participantes dos eventos destinadas especificamente à confecção das
premiações. Somente as primeiras taças a serem disputadas em 1916 foram adquiridas pela Liga em uma estratégia da gestão
voltada ao processo de divulgação de suas atividades. Na 3 a Sessão da Diretoria, em 06 de janeiro de 1916 ocorreu a discussão
sobre a compra das taças para os campeonatos estabelecidos para o ano de 1916. Ficou definido que seriam realizados os
campeonatos de vela, remo, water polo, natação e futebol, devendo ser adquiridas 05 taças de prata e que as taças fossem expostas
em casa commercial e no Arsenal de Marinha para propaganda da Liga. 199 Em março deste mesmo ano, no processo de
organização do torneio de water polo para oficiais, determinou-se a cunhagem de moedas para os vencedores a ser realizada com os
recursos monetários dos oficiais inscritos na competição. 200 No entanto, este processo de cobrança de valores dos participantes
por vezes não era cumprido, gerando a não entrega das premiações acordadas para as competições. Na reunião de Diretoria de 22
de fevereiro de 1917, foi informado um comunicado do Primeiro-Tenente Attila Monteiro Aché de que não haviam sido entregues
as medalhas ao time vencedor do campeonato de water polo do ano de 1916. Como alternativa, o oficial sugeriu que as medalhas
fossem confeccionadas por conta dos vencedores do torneio. A diretoria aceitou a proposta e justificou que as medalhas não 199
Sessão da Diretoria de 06 de janeiro de 1916. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I. 200
Sessão da Diretoria de 31 de março de 1916. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I.

134 haviam sido entregues porque os sócios não fizeram as contribuições financeiras que seriam utilizadas para a cunhagem. 201
Como já abordado anteriormente, o processo de premiação na LMF também seguia o modelo de distribuição de troféus e medalhas.
No entanto, a própria Liga do Exército, de acordo com as determinações de seus estatutos, deveria custear a confecção das
premiações. No entanto, esta entidade também elaborou uma estratégia para arrecadar verbas para este fim: a realização de partida
de futebol entre o time campeão do ano e um formado pelos melhores jogadores dos outros times com o lucro das entradas sendo
revertido para a confecção de medalhas do time campeão. Além dos aspectos quanto à organização esportiva na Marinha e no
Exército discutidos até este momento, há um ponto importante para as discussões deste trabalho que interferiu diretamente nas
ações de gestão do esporte entre os militares: as determinações da hierarquia e da disciplina das FFAA. As aplicações destes
critérios nas definições esportivas no EB e na MB e suas influências na estrutura organizacional das Ligas Esportivas Militares
serão discutidas no tópico a seguir. 4.1.2 A prática esportiva e a hierarquia militar: conviver, mas nunca descer à familiaridade. As
instituições militares brasileiras são organizadas em torno de dois conceitos basilares: hierarquia e disciplina. Segundo o Estatuto
dos Militares, 202 a hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas e
a disciplina a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o
organismo militar, devendo ser respeitadas em todos os níveis e instâncias da vida dos militares, dentro e fora dos quartéis. Apesar
de este Estatuto datar da década de 1980, suas definições sobre hierarquia e disciplina remetem-se a aspectos de organização
interna já presentes nos códigos disciplinares que estruturavam as Forças Armadas brasileiras ainda no século XIX, como o Código
Disciplinar da Armada de 1890. 203 201 Sessão da Diretoria de 22 de fevereiro de 1917. Livro Histórico Departamento de
Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I. 202 BRASIL. Lei nº 6.880, de 09 de dezembro de 1980. Dispõe sobre o Estatuto dos
Militares. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6880.htm>. Acesso 12 jun. 2011. 203 BRASIL. Decreto nº.
509 de 21 de junho de 1890. Crêa o Codigo Disciplinar para a Armada.

135 Estes aspectos definem os processos de interação pessoal e profissional nas instituições militares, sendo estendidos a todas as
atividades realizadas, caracterizando as estruturas de distinção a partir dos círculos hierárquicos, organizados em três níveis
principais: Oficiais (Oficiais Generais, Oficiais Superiores, Oficiais Intermediários e Oficiais Subalternos), Suboficiais e Praças
(Sargentos, Cabos, Marinheiros, Soldados). O convívio social e as atividades profissionais dos militares devem respeitar esta
hierarquização, estando os subordinados sempre em obrigação de cumprimento disciplinar para com seus superiores. A não
obediência da cadeia hierárquica e do cumprimento das normas e determinações dentro dos critérios da disciplina pode acarretar
sanções, desde uma advertência até a prisão, dependendo da circunstância e do posto ou graduação do militar. A rigorosa
observância destes critérios de organização perpassou a história das instituições militares brasileiras desde suas formações, ainda
no século XIX. Em todas as atividades desenvolvidas, desde suas funções institucionais de defender a pátria até as interações
sociais corriqueiras, os critérios de hierarquia e disciplina precisavam ser seguidos com a máxima atenção. No caso da prática
esportiva entre os militares nos anos iniciais de atuação das Ligas, estes critérios também estiveram presentes. A composição das
equipes esportivas e a participação nas competições apresentavam fortes características de separação entre os diversos círculos
hierárquicos que organizam o pessoal militar das FFAA. Tanto na Liga de Sports da Marinha como na Liga Militar de Football (e
posteriormente Liga de Sports do Exército), foi possível identificar declarações textuais reforçando a necessidade de manter-se na
prática esportiva a distinção entre oficias, suboficiais e praças, não sendo bem recebida a convivência entre estes grupos, mesmo
que apenas durante as participações no esporte. Os regulamentos para as competições da LSM eram discutidos em reuniões com
seu corpo diretivo. Na ata da 2ª. Assembleia de Representantes, de 27 de dezembro de 1915, registrou-se o processo de organização

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das primeiras competições, definindo-se a criação de categorias para oficiais, suboficiais e praças nas competições de natação,
remo e vela. Para as competições de water polo e futebol, levantaram-se questões sobre a composição mista das equipes, havendo
grupos a favor e contra. Após a votação, a Liga a priori defendeu o estabelecimento de equipes mistas. No entanto, o Diretor-
Secretário Capitão-Tenente Alberto de Lemos Basto, informou que

136 [...] a intenção da Directoria é estabelecer logo que possa os campeonatos de foot ball e water polo e que, para permitir que
todos os navios tomem parte nestes jogos se estabelecer campeonatos separados para officiaes, sub officiaes e praças o que, ao
menos ao principio, não e possível, pensa propor que o campeonato de foot ball seja desde já estabelecido para as praças [...]. 204
Apesar de inicialmente defender a participação esportiva em conjunto entre oficiais e praças, a LSM enfrentou resistências internas
significativas. Na sessão de Diretoria 15 de janeiro de 1916 discutiram-se as bases para os campeonatos de water polo e natação.
Neste documento, foi informado aos diretores que os senhores comandantes da 3 a Divisão Naval e N.E. Benjamin Constant
prohibiram aos seus subordinados a organização de partidas mixtas, isto é, compostas de pessoal de várias categorias militares, e
sendo intenção da Diretoria, já manifestada, que os teams de water polo para o campeonato possam ser mixtos, a semelhança do
que foi anunciado para o torneio de fevereiro, resolveo-se adiar a discussão e organização de tais bases, assumpto principal da
reunião de hoje, e bem assim que o mesmo Sr. Presidente tomara a incumbência de procurar conciliar as tendências das duas
referidas autoridades com as ideias da Diretoria. 205 Esta questão voltou à discussão na sessão de 13 de fevereiro, uma vez que as
inscrições para o torneio que se realizaria no dia 20 de fevereiro foram poucas, devido a difficuldade de organização de teams
mixtos devido as prohibições de vários commandantes o que fez com que a diretoria decidisse por adiar o torneio para 12 de março
pelas dificuldades de formar tanto times mistos como somente de oficiais, e sendo intenção da Directoria que esse jogo seja de
officiaes no primeiro torneo a fazer-se, resolveu-se: pedir autorização a Assembleia de Representantes para organizar dous teams
combinados de officiaes para esse torneo. 206 Na 3ª. Assembleia de Representantes, realizada em 19 de fevereiro de 1916, a
questão da composição mista das equipes surgiu novamente nas discussões. Ao ler a proposta de organização do campeonato de
water polo, o Diretor-Secretário informou que o campeonato seria disputado por teams de praças. Alem dos jogos do campeonato o
Diretor de Water Polo organisará tantos teams quantos poder, combinados ou não, de officiaes e subofficiaes separadamente, para
jogarem e determinarem em cada categoria um team vencedor, com o fim de desenvolver o gosto por este jogo. A proposta foi
aceita sem discussão. 207 204 2ª. Assembleia de Representantes, de 27 de dezembro de 1915. Livro Histórico Departamento de
Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I. 205 4ª. Sessão de Directoria de 15 de janeiro de 1916. Livro Histórico Departamento de
Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I. 206 Sessão de Directoria de 13 de fevereiro de 1916. Livro Histórico Departamento de
Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I. 207 3ª. Assembleia de Representantes de 19 de fevereiro de 1916. Livro Histórico
Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I.

137 Definiu-se ainda nesta mesma Assembleia a realização do campeonato de natação com 03 provas: uma para oficiais, uma para
suboficiais e uma para praças, todas de 250 metros. Neste caso, a discussão recaiu sobre a questão do quantitativo de participantes
de cada nível hierárquico que cada navio, corpo ou estabelecimento poderia inscrever na competição. Após duas propostas, foi
aprovado o quantitativo de somente duas praças por navio para a participação nas competições. A partir destas discussões, adotou-
se na LSM a postura de organização de competições distintas para oficiais, suboficiais e praças em todas as modalidades, mantendo
a estrutura hierárquica como definição da participação esportiva. Com esta organização, evitava-se não somente que oficiais e
praças, por exemplo, competissem uns contra os outros, mas também que competissem lado a lado nos esportes coletivos. Esta
questão surgiu novamente em 1917, a partir de uma consulta do Representante da Liga no Contratorpedeiro Mato Grosso sobre a
participação mista em competições esportivas. Sobre isto, respondeu-se que [...] não é, pela Liga, permittido nem prohibido os
officiaes jogarem junto com as praças em exercício em jogo publico; que, por varias autoridades navaes tendo sido prohibido o
jogo em commum, a Liga nunca os fez; que vários commandantes os permittem, ao menos com caracter de instrucção em ensino; e
que, de qualquer modo, os Representantes devem sujeitar sua acção de directores de sports as ordens e orientação de seus
commandantes; que as ordens do dia, sobre a Liga, não se referem a este ponto. 208 No entanto, ao longo da vida da LSM desde
sua fundação, em 1915, até 1940, quando foi extinta, foram organizadas competições anuais em diversas modalidades sempre com
a determinação de provas distintas para oficiais, suboficiais e praças. Apesar da não proibição das composições de equipes mistas
por parte da Liga, não havia também fomento de tais práticas como consequência dos conflitos internos com comandantes nas
primeiras ações da LSM ainda no ano de 1916. 209 No caso da Liga de Sports do Exército, a primeira normativa localizada sobre a
composição mista de equipes foi identificada em Aviso do Ministério da Guerra n. 23 de 14 de outubro de 1922, assinado pelo
então Ministro João Pandiá Calógeras. Este aviso tratava sobre uma consulta do Comandante da 9ª. Companhia de Metralhadoras
Pesadas se seria lícita a participação de um oficial junto com praças em uma festa pública náutica de remo. Em resposta a consulta,
determinou-se 208 Sessão de Directoria de 31 de março de 1917. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I
- Anexo I. 209 Cf. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I (1915-1920); Livro Histórico
Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo II (1920-1922); Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha -
Volume I - Anexo III (1922-1924); Livro Registro de Competições (1923-1928).

138 a) Que o regulamento interno dos serviços geraes, sem cogitar propriamente de casos relativos aos jogos sportivos, manda que
o superior deve tratar seu subordinado com estima, consideração e bondade, sem nunca descer a familiaridade ; b) Que a
observância de círculos, fora do serviço onde estejam separados os officiais graduados, e as simples praças, mostra a
inconveniência de qualquer promiscuidade; c) Que não devem ser usados entre indivíduos que fazem parte dos círculos differentes
os jogos de dependem sobretudo de agilidade e do emprego de força physica, taes como foot-ball, o Box, a luta romana e outros; d)
Que será de inteira vantagem que os homens, uma vez incorporados ao exercito, se tornem ágeis e fortes, pelo cultivo dos jogos
sportivos mais aconselhados; entretanto, a pratica delles, em promiscuidade completa, traz serio prejuízo a disciplina, não podendo
guardar compostura que devem ter officiaes e praças em quaesquer situações em que se encontrem; e, e) Que, em taes condições,
não é permittido aos officiaes tomar parte em torneios sportivos, ao lado de praças, afim de disputarem em commum quaesquer
provas. Saude e Fraternidade Calogeras. 210 Em outra consulta sobre a mesma temática, 1 Tenente da Companhia de Carros de
Assalto Antonio Carlos Bittencourt buscava informações sobre como deveriam ser estabelecidas as relações entre os círculos
hierárquicos no processo de treinamento e prática de esportes. Em resposta, o então Ministro da Guerra determinou que Em solução

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á mesma consulta, vos declaro, para conhecimento do consulente que a disposição do aviso n. 23, de 14 de outubro de 1922 ao
commandante da 2ª Circunscripção Militar não restringe a actuação dos officiaes nos jogos e exercicios de treinamento das praças,
desde que não sejam feitos em publico; que convem, entretanto, que nas competições desportivas officiaes nas unidades ou
estabelecimentos militares, na Liga de Sports do Exercito, consignadas no capitulo X dos seus estatutos, approvados pelo de n. 376
de 2 de junho do dito anno, e nas suas congêneres militares ou civis, os.officiaes e praças disputem provas distinctas para uns e
outros afim de evitar a concorrencia entre mestres e discipulos, estimulando assim, estes últimos, o que já está sendo observado na
mencionada Liga. Saude e fraternidade. --Setembrino de Carvalho. 211 O uso do termo promiscuidade na especificação sobre as
aproximações entre oficiais e seus subordinados ressalta o rigor na aplicação dos círculos hierárquicos no EB. Tratadas como
promiscuidade e inconvenientes, as participações de oficiais e praças lado a lado em competições esportivas eram reprimidas no
Exército, desde os anos iniciais da LSE, estendendo-se à década de 1920. O mesmo se verifica na LSM a partir da manutenção das
competições distintas, como anteriormente comentado. O rigor com relação às separações hierárquicas passa por questões
disciplinares comuns às FFAA, sendo uma constante no processo de organização esportiva nas duas instituições. Estas
similaridades são justificadas por serem considerados os basilares da organização militar os critérios de hierarquia e disciplina e
devendo a subordinação ser respeitada em todos os níveis e instâncias da vida dos militares, dentro e fora dos quartéis. 210
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1922, Anexo AB, p. 136-137. 211 BRASIL. Diário Oficial da União de 28 de
fevereiro de 1926, seção 1, p. 7.

139 Sendo as FFAA essencialmente disciplinadoras em suas ações, seguindo a concepção ampla de relações de poder, o transporte
desta configuração para as interações travadas no momento da prática esportiva não nos apresenta surpresa. No entanto, as
rigorosas distinções e distanciamentos oficialmente normatizados para atividades que, a princípio, não se enquadram entre as ações
institucionais destas Forças e, portanto, podem ser identificadas como atividades paralelas ou recreativas, reforçam as questões
relacionadas à organização política destas instituições e sua estrita relação com as bases da hierarquia e da disciplina. Estes fatores
seriam, portanto, definidores não somente das atribuições e subordinações no interior do organismo institucional, mas também dos
locais políticos e sociais por onde poderiam transitar os indivíduos e as interações permitidas ou promíscuas, como o então
Ministro da Guerra João Pandiá Calógeras definiu a prática de esporte entre oficiais e praças do Exército Brasileiro (CANCELLA,
2012b). A partir da análise dos documentos é possível concluir que mesmo a prática esportiva sendo introduzida como forma de
desenvolvimento físico, a participação nas referidas atividades mostrava-se inteiramente enquadrada e definida pelos critérios
hierárquicos estruturadores das instituições militares, aplicando-se à participação nas competições as mesmas prerrogativas e
obrigações presentes nas demais áreas de atuação dos militares brasileiros. 4.1.3 A Taça Flamengo No mês de junho de 1917, a
Liga de Sports da Marinha e a Liga Militar de Football receberam a doação de uma taça que iniciou a disputa de uma competição
específica entre Marinha e Exército que se prolongou até a década de 1920. Na sessão da Diretoria de 27 de junho de 1916,
registrou-se officio de 19 do corrente, recebido a 24, do Clube de Regatas Flamengo (C.R. Flamengo), declarando oferecer uma
taça para ser disputada annualmente entre Exercito e Marinha, e pedindo o comparecimento de um representante da Liga no dia 21,
para fixar as fases da disputa. 212 A disputa da chamada Taça Flamengo foi a primeira competição organizada pela LSM, em
parceria com a LMF e o C.R. Flamengo, onde há referência direta à cobrança de ingressos para espectadores. 212 Sessão da
Diretoria de 27 de junho de 1916. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I.

140 Com relação ao jogo contra o Exercito, em disputa da taça offerecida pelo C.R. Flamengo, com consta a acta da sessão de 27
de junho do anno passado, o Director Secretario communica que fixou com o 1 o Secretario da Liga Militar de Football, ao
referendum das respectivas directorias, as seguintes bases para a disputa deste anno: 1 o. Os teams serão de praças; 2 o. O arbitro
será indicado pelo Club do Flamengo e aceito por ambas as Ligas; 3 o. Si o jogo terminar em empate o desempate será feito em
outro dia segundo o modo que se combinará; 4 o. A renda liquida dos portões será dividida assim: 50% do Club offertante; 25% a
cada uma das Ligas; 5 o. Os secretários das duas Ligas ficaram com poderes plenos das duas Directorias para combinarem os
detalhes de encontro e as fixarem com o C.R. Flamengo. Foram unanimente approvadas estas bases. Resolveo-se mais com relação
ao mesmo assumpto: convocar o Conselho Director para o dia 22, as 4 ½ pm, com o fim de solicitar autorisação de organisar um
scratch team para jogar contra o Exercito, visto que de tal não cogitar os Estatutos; e, apos a autorisação referida, convidar o Cap.
Tenente Soares de Pinna para organisar o scratch team, e dar os mais passos necessários com relação ao caso. 213 Como a LSM
adotava o modelo de liga poliesportiva, foi preciso uma adaptação em seu processo de organização interna. Sua estrutura inicial
tinha como objetivo organizar competições entre os vários navios, corpos e estabelecimentos da Marinha, não sendo previsto, a
princípio, a formação de times para disputas com equipes de fora da instituição. Para a preparação para esta competição, foi
definido que a LSM poderia formar scratchteams com jogadores da Liga nos casos em que ella deva corresponder a convite para
jogos contra outras instituições idôneas, por não estar isto previsto nos estatutos. 214 Scratch teams seriam equipes formadas por
jogadores que normalmente competem em lados diferentes, ou seja, times combinados compostos por jogadores de times diversos.
Com o início desta nova modalidade de evento, a Liga passou a converter-se também em clube, quando participante de
competições com equipes externas com seus scratch teams. Conforme apresentado no trecho do documento que definia os termos
de organização da competição, as rendas dos portões seriam divididas em três partes: 50% para o C.R. Flamengo e 25% para cada
uma das Ligas Militares. A primeira disputa da Taça Flamengo foi realizada em 29 de abril de 1917 e seu resultado, divulgado na
sessão da Diretoria da LSM de 02 de maio do mesmo ano. 213 Sessão da Diretoria de 19 de janeiro de 1917. Livro Histórico
Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I. 214 Sessão do Conselho Diretor de 22 de janeiro de 1917. Livro
Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I.

141 Venceo o team da Liga de Sports da Marinha, que bateo o do Exercito por 4x1. No torneio de cabo de guerra, que se fez no
mesmo dia entre teams de Exercito e Marinha, tomaram parte, pela Marinha, Batalhão Naval, Bahia, Benjamin Constant e Flotilha
de Submersíveis. Nas eliminatórias da Marinha venceo o C. Bahia, que jogou a final contra o team do 2 o. Reg. de Infantaria,
vencedor nas finaes, alias, eliminatórias do Exercito. Foram na mesma occasião executados exercício de gymnastica sueca, pela C.
Minas Geraes e um de esgryma de bayoneta, pelo Batalhão Naval. Compareceram a festa os Srs. Presidente da Republica, Ministro
da Marinha e varias pessoas de posição official convidadas. Todos as demais pessoas pagaram entrada. 215 Este evento ainda gerou
uma discussão intensa entre Exército e Marinha na organização da segunda edição, no ano de 1918. Nas sessões de Diretoria da

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LSM dos dias 12 de março, 22 de março e 25 de março de 1918 registraram-se os debates sobre a disputa. Em 12 de março, foi
recebida autorização para a realização da Taça Flamengo, contra o Exército, nos mesmos termos da competição do ano anterior, a
ser realizado no campo do Flamengo. Na ata de 22 de março, foi registrado que a Diretoria, em comunicação telefônica com o
Capitão Castelo Branco, 1 o. Secretario da Liga Militar de Football, soubera que a LMF tinha a intenção de não enviar seu time
para o campo do Flamengo no dia combinado para realizar a disputa da Taça. As justificativas seriam pelas más condições do
campo e por não poder reunir um bom time para a competição, tendo a pretensão de adiar o jogo e publicar notícias nos jornais
informando a não realização da partida. A Diretoria da LSM, na mesma comunicação, disse ao representante da LMF que seria
melhor nada noticiar nos jornais, por achar a LSM que seria o caso de uma comunicação direta entre as Ligas e porque o jogo
deveria sim ser realizado, já que as combinações e convites oficiais já haviam sido feitos, inclusive ao Sr. Presidente da República.
No entanto, mesmo sendo solicitada a não comunicação na imprensa do cancelamento do jogo, em 21 de março de 1918 na página
9 do O Imparcial foi divulgada uma nota da LMF informando que não seria mais realizada a disputa da Taça Flamengo daquele
ano. 216 Após discussão com os diretores da LSM presentes na reunião, ficou aprovada a manutenção da realização do jogo e não
aceitar o adiamento proposto pela LMF, mandando o seu time a campo na data combinada. O Diretor-Presidente ainda informou
que iria tomar providências para desfazer os convites oficiais realizados e que, em comunicação com o C.R. Flamengo, foi
confirmada a disponibilidade do campo para a realização do evento no dia 24. Em 25 de março, registrou-se que os diretores da
LSM e seu time compareceram no dia 24 ao campo do Flamengo para o torneio agendado. O time da Liga Militar de Football não
215 Sessão da Diretoria de 02 de maio de 1917. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I. 216 O
Imparcial 21 de março de 1918, p. 9.

142 compareceu e foi registrado um atestado pelo C.R. Flamengo sobre o fato. Resolveu-se oficiar a LMF informando que a LSM
mandou a campo seu time no dia 24 e remeter a LMF uma fatura de sua parte das despesas contraídas em comum pelas duas Ligas
para a realização da disputa da Taça Flamengo. 217 Nas atas seguintes não há retorno de debate sobre a competição não realizada,
mas os episódios relatados acima demonstram certa animosidade entre as duas Ligas Militares no processo de organização da
disputa de 1918. No entanto, um aspecto significativo foi a manutenção do evento, mesmo sabendo da intenção de não
comparecimento declarada pela Liga do EB, em vista dos custos já despendidos para a preparação da competição. Além disso,
mesmo com a não realização, a cobrança, ao menos em tese, da parcela que seria de obrigação do Exército apresenta-se como uma
forma de penalidade financeira pelo não cumprimento de um compromisso esportivo (CANCELLA e MATARUNA, 2012c). Como
já destacado, a Taça Flamengo foi disputada, segundo os registros localizados, até 1924 e nas edições seguintes recebeu atenções da
imprensa, como na publicação de fotos na revista Careta das equipes participantes de Marinha e Exército nos anos de 1920 e 1921.
(vide figuras 4 e 5). Figura 4: Fotografias publicadas na revista Careta da Festa Esportiva Militar realizada entre Exército e
Marinha no campo do Clube de Regatas Flamengo Taça Flamengo 1920. Fonte: Revista Careta 30 de outubro de 1920, p. 20. 217
Sessão da Diretoria de 12 de março de 1918, Sessão da Diretoria de 22 de março de 1918, Sessão da Diretoria de 25 de março de
1918. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I.

Figura 5: Fotografias publicadas na revista Careta da Festa Esportiva Militar realizada entre Exército e Marinha no campo do Clube
de Regatas Flamengo Taça Flamengo 1921. Fonte: Revista Careta 15 de outubro de 1921, p. 22. 143

144 Logo após estes desdobramentos sobre a Taça Flamengo de 1918, a LSM entrou em um período complicado no processo de
gestão do esporte na Marinha. Em ata sem data, registrou-se a solicitação de desligamento do Capitão-Tenente Lemos Basto da
Diretoria da Liga por ter que se ausentar e partir em comissão na Divisão de Operações de Guerra. A sessão anterior havia ocorrido
em 23 de abril de 1918. A ata seguinte, também sem data, informava a necessidade de convocar novas eleições de diretoria,
seguindo os estatutos, e previa o agendamento para 17 de fevereiro. No entanto, em 25 de fevereiro de 1919 registrase uma ata de
reunião onde foi justificada a não realização da eleição por ausência absoluta de sócios nas duas convocações de Assembleia Geral
realizadas. O então Diretor-Secretário Armando Pinna informou que os directores presentes resolveram continuar a testa da
administração, de modo a não deixar morrer a Liga, até que se podesse proceder uma nova eleição.218 Nos registros, a nova ata de
sessão de Diretoria data de 02 de junho de 1919, informando sobre o retorno da Divisão de Operações de Guerra e apresentando o
desejo da diretoria da LSM de organizar uma festa sportiva militar em homenagem a tripulação que regressava a se realizar no C.R.
Flamengo. Após as discussões, ficou definido o programa com jogo de bola; corrida da serpente; jogo de dado; cabo de guerra para
marinheiros, navais e reserva; corrida de obstáculos; esgrima de baioneta; ginástica sueca; match de futebol entre marinheiros e
navais e a execução do hino nacional. 219 Como o planejado, no retorno da Divisão Naval de Guerra a MB realizou uma festa
comemorativa onde foram realizados jogos esportivos organizados pela LSM. A revista Careta publicou nas edições de 14 de
junho, 21 de junho e 28 de junho de 1919 fotografias de diferentes aspectos da recepção da Divisão Naval. Uma das imagens
retratava os militares que a integraram, fazendo referência na legenda ao Capitão-Tenente Lemos Basto que se afastou da diretoria
da LSM pela convocação para esta comissão; imagens das crianças das escolas municipais que estiveram presentes no evento;
fotografias da festa sportiva promovida pela LSM aos marinheiros que regressaram da guerra com as partidas de futebol realizadas
entre os marinheiros nacionais e o Batalhão Naval e os diferentes grupos presentes na festa a bordo do Encouraçado Minas Gerais.
220 218 Sessão da Diretoria de 23 de abril de 1918, Sessão da Diretoria de 25 de fevereiro de 1919. Livro Histórico Departamento
de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I. 219 Sessão da Diretoria de 02 de junho de 1919. Livro Histórico Departamento de
Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I. 220 Revista Careta 14 de junho de 1919, p. 16; Revista Careta 21 de junho de 1919, p.
23; Revista Careta 28 de junho de 1919, p. 16.

Figura 6: Fotografias publicadas na Revista Careta retratando as competições esportivas realizadas no festival em homenagem ao
retorno da Divisão Naval de Guerra. Fonte: Revista Careta 21 de junho de 1919, p. 23. 145

146 4.1.4 O novo contexto: necessidades de ampliação das atividades físicas a partir das observações das experiências na Primeira
Grande Guerra. Em meio aos processos de organização esportiva e divulgação de práticas para o desenvolvimento físico nas FFAA,
os militares brasileiros precisaram lidar com uma nova situação que se estabelecia em panorama internacional. Em 1914 já havia
sido deflagrado o conflito na Europa que teve proporções mundiais. Em momentos iniciais, o Brasil manteve-se em neutralidade

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diante do cenário que se estabelecia. No entanto, por ocorrência de um ataque a navios brasileiros, esta posição neutra se reverteu.
Em 3 de abril de 1917, submarinos alemães torpedearam o navio Paraná, que estava próximo à costa francesa. Em represália, o
governo confiscou todos os navios alemães ancorados em portos brasileiros. Após o afundamento do navio brasileiro Macau, pelos
alemães, Venceslau Brás assinou, em outubro desse ano, a declaração de estado de guerra contra a Alemanha, o que foi
acompanhado por manifestações antigermânicas em todo o país. (ARQUIVO NACIONAL, 2009, p. 42). O Decreto n. 3.361 de 26
de outubro de 1917 reconhecia e proclamava o estado de guerra iniciado pelo Império Alemão contra o Brasil. Neste novo cenário
de conflito, as preocupações do EB sobre o processo de preparo dos nossos militares se intensificaram e as ações de divulgação e
apelo para a sociedade se envolver com as FFAA se ampliaram. O Relatório do Ministério da Guerra de 1917 afirmava que a
ocorrência da guerra na Europa e a observação das consequências enfrentadas pelos países que não eram militarmente fortes
favoreceram uma maior aceitação do serviço militar em meio civil e a divulgação de uma forte propaganda patriótica liderada pela
Liga de Defesa Nacional. Destacou ainda o aumento significativo das sociedades de tiro entre 1915 e 1917, passando a 564
entidades que realizavam não somente os exercícios de tiro, mas garantiam aos sócios uma instrução completa de soldado de
infantaria. 221 Neste sentido, o Relatório do Ministério da Guerra de 1918 afirmava que o Brasil estava em perigo por sua grande
extensão territorial e poucas áreas povoadas ante as grandes nações europeias que guerreavam naquele momento. Como forma de
atenuar estes perigos e as fragilidades, o documento reconhecia como única saída a confirmação de uma solida organização militar.
O ensino militar era reforçado como a origem dos grandes chefes e responsáveis pela defesa do país e, visando um aperfeiçoamento
da formação, defendia-se a vinda de uma missão militar estrangeira para estabelecer as reformas necessárias, principalmente com
foco em reverter o quadro de ensino eminentemente teórico que ainda 221 BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1917.

147 permanecia estabelecido, apesar das inúmeras tentativas de incutir caráter mais prático nas atividades de formação ao longo do
tempo. 222 As preocupações com a melhor estruturação no EB já estavam evidentes nas publicações do Boletim do Estado-Maior
do Exército e dos Relatórios Ministeriais ao longo dos anos iniciais do século XX. Nestes documentos eram apresentados muitos
relatos técnicos sobre a guerra, maquinários utilizados, táticas militares, estruturas de exércitos. Visando este processo de
especialização do preparo, a partir das observações dos modelos estrangeiros de instituições militares, foi realizado o estudo para a
convocação de uma missão militar estrangeira para atuar junto ao EB. Como discutido no Capítulo 3, o EB havia enviado diversos
grupos para realização de estágios junto ao Exército Alemão na década de 1910. Ao serem intensificadas as discussões sobre a
contratação da missão militar, os chamados jovens turcos (jovens oficiais que passaram por este processo de formação na
Alemanha) defendiam intensamente as aproximações com o exército germânico. Como afirma Luna (2007), os debates sobre qual
modelo militar deveria ser adotado no Brasil (francês ou alemão) ganharam força com a eclosão da Primeira Guerra e envolviam
governo, órgãos legislativos e a alta cúpula militar. A imprensa foi utilizada largamente para que cada um destes grupos defendesse
seus pontos de vista sobre os benefícios de maiores aproximações com França ou Alemanha naquele momento de conflito armado
mundial. Os jovens turcos, como já pontuado, faziam campanha para que uma missão germânica fosse adotada no Brasil sob os
argumentos de que estes seriam os militares mais bem treinados e aparelhados do mundo naquele momento. No entanto, com o
desenrolar dos conflitos na Europa, a opção alemã começou a perder força principalmente após o incidente de torpedeamento de
navios brasileiros por parte da esquadra alemã que acabou por obrigar o Brasil a deixar a posição de neutralidade no conflito em
1917 e passou a atuar ao lado da França, Inglaterra, dos Estados Unidos e de outras nações aliadas. Assim, após o término da
Primeira Guerra, a opção dos jovens turcos se tornou inviável e o Brasil contratou uma missão militar francesa para modernizar o
seu Exército (LUNA, 2007, p. 10). 222 BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1918, p. 24-31.

148 A partir da publicação do Decreto n 3.741 de 28 de maio de 1919 ficava autorizada a contratação da Missão Militar Francesa
para atuar junto ao EB. Com o estabelecimento desta perspectiva de preparação militar, o esporte e a instrução física passaram a
receber maior destaque no Exército. As preocupações com o corpo eram parte do projeto de reestruturação proposto para o EB. O
General Gamelin, comandante da missão, enfatizou em uma de suas primeiras conferências no Brasil, ainda em 1919, que era
necessário que os brasileiros fizessem esforços para a melhoria de suas FFAA: esforço físico: pelo gosto dos esportes, dos
exercícios; esforço intelectual: em todos os domínios: ciências, artes, literatura, atividades de toda ordem e esforço moral: pela
união e subordinação de cada um ao interesse geral. (GAMELIN, 1919 apud BELLINTANI, 2009, p. 352). Nesta nova dinâmica
inserida no Exército Brasileiro, além de serem estabelecidas inovações na doutrina militar, novos conceitos sobre a generalização
da prática esportiva e da educação física passaram a figurar no cotidiano dos militares seguindo as diretrizes da Escola de Joinville
Le Pont. (SILVA, 1947; MARTINS, CUNHA e SOEIRO, 2007). Sobre as concepções de autoridades do EB a respeito da vinda
desta Missão, Ferreira Neto afirma que Pandiá Calógeras e Setembrino de Carvalho se uniram pronunciando-se favoráveis à
entrada da Missão Francesa na Escola Militar de Realengo. O primeiro reivindica que é preciso colocar a Escola sob o influxo da
Missão, a fim de assegurar ao quadro de oficiais homogeneidade intelectual. Dirá o segundo: é cada dia mais urgente fazer-se
sentir, de modo direto [...] a influencia pessoal dos instrutores franceses (Motta, 1976, p. 316). Não há dúvida em se afirmar que as
reformas de 1918 e 1919 foram elaboradas sob a influência dos oficiais que haviam estagiado no Exército Alemão. É deles a
ultravalorização dos assuntos especificamente militares, de caráter prático, as normas para matriculas, a instituição da Missão
Indígena, e, também, a resistência à presença dos franceses na Escola Militar. (1998, p. 29) O estabelecimento da Missão tinha
como objetivos a efetiva aplicação da lei do serviço militar, renovações materiais e reformas educacionais estabelecendo a ênfase
no ensino profissional, como já comentado. No âmbito da educação física e do esporte, Soeiro (2003) afirma que o modelo
introduzido tinha como inspiração o adotado na Escola Joinville Le Pont. O autor ainda aponta que os conteúdos do método francês
são os jogos [ ], a ginástica, predominantemente utilizada na instrução física militar, que, por sua vez, compõem a lição de
educação física [ ], os esportes individuais e os esportes coletivos (SOEIRO, 2003, p. 37) No início da década de 1920, já sob esta
nova influência do modelo francês de educação física, a LMF passou por reformulações para que outras modalidades esportivas
pudessem ter maior desenvolvimento no interior do EB. Neste sentido, a Liga Militar de

149 Football teve a nomenclatura alterada para Liga de Sports do Exército (LSE) e teve seus estatutos aprovados por Aviso do
Ministério da Guerra nº. 534 de 31 de julho de 1920. 223 Observando os registros dos resultados das competições da LMF
divulgados no O Imparcial entre 1915 e 1919, é possível identificar a atuação dos militares do EB predominantemente na
modalidade futebol, sendo exceção as competições da Taça Flamengo contra a Marinha onde eram realizadas disputas de futebol,

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cabo de guerra e corrida de estafetas (competição realizada entre 1917 e 1924). No entanto, no final da década de 1910, de acordo
com a análise dos registros de competições e correspondências da Liga de Sports da Marinha, já foi possível identificar a
participação de equipes do EB no Campeonato Acadêmico de Escolas Superiores (Escola Naval e Escola Militar) nas modalidades
de water polo e natação, sendo registradas edições deste campeonato entre 1919 e 1924, evidenciando um processo de ampliação
das ações esportivas. 224 Com a fundação da Liga de Sports do Exército, o Coronel Estellita Werner 225 assumiu a presidência da
entidade e outras modalidades passaram a fazer parte das competições do EB, mas ainda em pequena diversidade. O jornal O
Imparcial de 24 de dezembro de 1921, por exemplo, noticiava ações da LSE em futebol, natação e corridas a pé. 226 Os registros
de competições da LSM declaravam a participação de equipes do EB nos seguintes eventos: disputa da Taça Muniz Barreto em
torneio de Futebol entre a Escola Naval e a Escola Militar no ano de 1921; participação em festa atlética organizada pela
Confederação Brasileira de Desportos (competições entre as ligas afiliadas, a Liga de Sports do Exército e a Liga de Sports da
Marinha) no mesmo ano de 1921; em competições atléticas em 1922 e 1923 disputadas entre Fluminense Football Club, Escola
Naval e Escola Militar (corrida 100m, corrida 200m, corrida 400m, corrida barreira 110m, corrida 1500m, corrida 5000m, salto
com vara, salto em distância, salto em altura, lançamento de peso, lançamento de disco, lançamento de dardo, 400m relay race 227,
1600m relay race); além de torneios de tiro e esgrima nos anos de 1923 e 1926. 228 223 BRASIL. Diário Oficial da União de 06 de
agosto de 1915, seção 1, p. 10. 224 Cf. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I (1915-1920);
Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo II (1920-1922); Livro Histórico Departamento de
Esportes da Marinha - Volume I - Anexo III (1922-1924); Livro Registro de Competições (1923-1928). 225 O Coronel Estellita
Werner era integrante do grupo de oficiais que passou por treinamentos junto ao Exército Alemão no início do século XX. 226 O
Imparcial de 24 de dezembro de 1921, p. 8. 227 Corrida de revezamento. 228 Cf. Livro Histórico Departamento de Esportes da
Marinha - Volume I - Anexo I (1915-1920); Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo II (1920-
1922); Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo III (1922-1924); Livro Registro de Competições
(1923-1928).

150 A entrada na década de 1920 foi marcada por importantes conquistas na história esportiva do Brasil. O país participou pela
primeira vez dos Jogos Olímpicos com uma delegação nos Jogos de 1920 na Antuérpia (Bélgica) e já nesta primeira edição três
medalhas foram conquistadas por atletas brasileiros. Além disso, dois anos mais tarde, em 1922, foram realizados os Jogos
Olímpicos Latino-Americanos na cidade do Rio de Janeiro e os militares brasileiros tiveram papéis fundamentais nas conquistas e
realizações destes dois eventos. Portanto, no próximo item serão discutidas as experiências das FFAA e de suas ligas esportivas no
processo de preparação e realização destes eventos e os desdobramentos destas vivências para o esporte e a educação física nas
Forças Armadas brasileiras. 4.2 Militares nos Jogos Olímpicos: a primeira representação brasileira nos Jogos da Antuérpia de 1920
e os Jogos Olímpicos do Centenário. 4.2.1 Os militares nos Jogos da Antuérpia. O Brasil iniciou suas participações em Jogos
Olímpicos no ano de 1920 na Antuérpia (BEL) com militares da Marinha e do Exército em sua representação nacional. Esta edição
foi a primeira realizada no pós Primeira Grande Guerra e retomou a sequência de eventos de quatro em quatro anos, uma vez que
os Jogos planejados para ocorrerem em Berlim 1916 não se efetivaram em decorrência do início dos conflitos. Já nesta primeira
participação três medalhas foram conquistadas por atletas brasileiros, todas na modalidade Tiro: um ouro individual com o então
Tenente Guilherme Paraense, uma prata individual com o Dr. Afrânio Antônio da Costa e um bronze na disputa por equipes. Os
Jogos foram realizados entre os dias 20 de abril e 12 de setembro de 1920 com participação de 29 delegações nacionais e 2.626
atletas (65 mulheres e 2.561 homens) em 154 provas de diferentes modalidades (IOC, 2012). A embaixada brasileira para os Jogos
Olímpicos da Antuérpia era formada por sportmen e dirigentes das modalidades de Natação, Saltos, Water Polo, Remo e Tiro, sob
presidência do Dr. Roberto Trompowsky. 229 229 Correio da Manhã, 03 de julho de 1920, p. 6.

151 Os brasileiros integrantes da equipe de Tiro passaram por etapas seletivas entre maio e junho de 1920 no processo de
preparação para os Jogos da Antuérpia. O Tenente Guilherme Paraense e o Dr. Afrânio da Costa foram os primeiros nomes a serem
confirmados para a equipe por terem alcançado nas provas eliminatórias de revólver e de fuzil pontuações superiores a 520 pontos.
230 Em 18 de junho de 1920 foram realizadas as últimas eliminatórias no stand do Revólver Club no Rio de Janeiro para a
formação da equipe que representaria o Brasil. Foram classificados 11 atiradores, dentre os quais seriam escolhidos os sete
representantes brasileiros, já que este era o número máximo de integrantes por nação que poderiam ser inscritos por definição do
Comitê Olímpico Internacional. 231 Ao final das seletivas, a equipe foi assim composta: chefe de equipe e sportmen Dr. Afrânio da
Costa; sportmen: Primeiro-Tenente Guilherme Paraense, Primeiro-Tenente Demerval Peixoto, Segundo-Tenente Mario Machado
Maurity, Sebastião Wolf, Dr. Fernando Soledade e Dario Barbosa. 232 As conquistas das medalhas de prata do Dr. Afrânio da
Costa e de ouro do Tenente Guilherme Paraense foram largamente noticiadas em jornais locais e nacionais, ocupando, por
exemplo, as primeiras páginas do Correio da Manhã entre os dias 04 e 08 de agosto de 1920. Ao regressarem da Europa, os
medalhistas individuais e os demais integrantes da equipe de Tiro que conquistaram a medalha de bronze (Fernando Soledade,
Dario Barbosa e Sebastião Wolf) foram amplamente homenageados por suas conquistas para o Brasil como uma recepção e entrega
de prêmios realizadas no Fluminense Football Club pela Liga de Defesa. 233 No conjunto de homenagens, o Decreto n. 15.160 de
07 de dezembro de 1921 abriu créditos para pagamento de premiações aos medalhistas olímpicos e demais integrantes da equipe de
Tiro nos Jogos da Antuérpia 1920. 230 Correio da Manhã, 09 de junho de 1920, p. 5. 231 Correio da Manhã, 18 de junho de 1920,
p. 6. 232 Correio da Manhã, 02 de junho de 1920, p. 5; Correio da Manhã, 25 de junho de 1920, p. 2; Correio da Manhã, 27 de
junho de 1920, p. 6; Correio da Manhã, 03 de julho de 1920, p. 6. 233 Revista Careta de 29 de janeiro de 1921, p. 26.

152 Figura 7: Equipe de Tiro nos Jogos Olímpicos da Antuérpia: Fernando Soledade, Tenente Guilherme Paraense, Afrânio Costa,
Tenente Mário Maurity e Dario Barbosa. Fonte: DACOSTA, 2005. Além dos medalhistas no Tiro, os militares ainda foram
representados no pólo aquático e na natação por integrantes da MB. Durante o tempo que ficaram na Bélgica, a tripulação do
Encouraçado São Paulo realizou jogos recreativos entre os marinheiros que serviam no navio. A imagem a seguir, extraída do Atlas
do Esporte no Brasil, registra a realização destes jogos recreativos com o navio atracado no porto da Antuérpia, na Bélgica, no ano
de 1920. Este navio ainda transportou, em seu retorno ao Brasil, o Rei Leopoldo da Bélgica em início às comemorações do
Centenário da Independência do Brasil. Figura 8: Jogos Recreativos de marinheiros a bordo do São Paulo. Fonte: DACOSTA,
2005.

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153 Em 12 de maio de 1920 foi publicada no O Imparcial a notícia da chegada no Brasil do enviado extraordinário do Comitê
Olímpico Internacional Sr. Elwood Brown, que foi responsável pela organização dos Jogos Interaliados de 1919 234 no Pershing
Stadium em Paris e seguia em viagem de divulgação do movimento olímpico pela América do Sul. Em sua passagem, Brown tinha
previstas visitas e reuniões com membros da CBD e do Comitê Olímpico Nacional, além de uma palestra proferida na sede da
Associação Cristã de Moços cujo tema era O que o Brazil poderá fazer nos jogos olympicos?. 235 Nesta visita pela América do
Sul, o Sr. Brown realizou estudos sobre a possibilidade de se estabelecer no continente um Comitê Organizador dos Jogos Atléticos
Sul Americanos, composto por um representante de cada país do continente, e com função de realizar jogos continentais a cada
dois anos. Este comitê deveria ter a estrutura baseada no Comitê Olímpico Internacional em Lausanne. Foi proposto que o primeiro
evento neste formato fossem os jogos previstos para serem realizados em 1922 em comemoração ao centenário da Independência
do Brasil. Com esta organização, o esporte mundial passaria a ter um calendário estruturado: campeonatos nacionais anuais,
eventos continentais a cada dois anos e os Jogos Olímpicos de quatro em quatro anos. 236 4.2.2 As Ligas Esportivas Militares e os
Jogos do Centenário de 1922. Como apresentado nas primeiras análises deste Capítulo 4, as atividades desenvolvidas pelas duas
ligas esportivas militares nos primeiros anos de atuação ficaram mais restritas à organização e divulgação do esporte no interior de
seus estabelecimentos, havendo participação em alguns eventos civis na condição de convidadas pelos clubes e entidades diretivas
do esporte. No entanto, a partir de 1921 as aproximações e o reconhecimento oficial das atividades dos militares passaram a se
intensificar durante os 234 Com o fim dos conflitos da Primeira Guerra em 1918, as Forças Armadas envolvidas nos eventos
iniciaram o processo de desmobilização e retorno para seus países. Como forma de celebração da vitória dos Aliados, Elwood S.
Brown, Diretor do Departamento de Atletismo da YMCA, escreveu ao Coronel Bruce Palmer, membro da equipe do General John
Pershing, informando que a entidade poderia organizar em conjunto com as FFAA competições esportivas entre os aliados como
forma de celebração e reforço dos hábitos saudáveis entre os militares. Após discussões e acordos, os Jogos Interaliados, o primeiro
evento esportivo internacional no pósguerra10, foram realizados em junho de 1919 em Paris com a participação de 18 nações e
1.500 atletas militares em 24 diferentes modalidades. A realização deste evento e a participação dos militares norte-americanos no
processo de organização evidenciam a importância do esporte no contexto das atividades destas FFAA ao longo dos anos iniciais
do século XX (TERRET, 1999). 235 O Imparcial 12 de maio de 1920, p. 8. 236 O Imparcial 26 de maio de 1920, p. 7.

154 processos de organização das festas esportivas que seriam realizadas no ano de 1922, dentro das comemorações do Centenário
da Independência do Brasil que incluíam uma Exposição Internacional e Jogos Esportivos (SARMENTO, 2006). Com relação à
Exposição de 1922, Marly Motta afirma que Para cumprir o objetivo de ser a expressão da vida econômica e social do Brasil em
1922, a Exposição Nacional se comporia de 25 seções representativas das principais atividades do país: educação e ensino;
instrumentos e processos gerais das letras, das ciências e das artes; material e processos gerais da mecânica; eletricidade;
engenharia civil e meios de transporte; agricultura; horticultura e arboricultura; florestas e colheitas; indústria alimentar; indústrias
extrativas de origem mineral e metalurgia; decoração e mobiliário dos edifícios públicos e das habitações; fios, tecidos e vestuários;
indústria química; indústrias diversas; economia social; higiene e assistência; ensino prático, instituições econômicas e trabalho
manual da mulher; comércio; economia geral; estatística; forças de terra e esportes. [...] Na Avenida das Nações, que se estendia do
antigo Arsenal até o Palácio Monroe (onde funcionava o bureau de informações), alinharam e os palácios de honra das
representações estrangeiras - Argentina, México, Inglaterra, Estados Unidos, França, Itália, Portugal, Dinamarca, Suécia,
Tchecoslováquia, Bélgica, Noruega e Japão - sendo que alguns desses países ainda construíram mostradores para a exposição de
seus produtos industriais na Praça Mauá (Bélgica, Portugal, Estados Unidos, França, Itália e Tchecoslováquia). (MOTTA, 1992, p.
67-68). Os preparativos para as Festas Comemorativas pelo Centenário da Independência do Brasil iniciaram-se bem antes do ano
de 1922. Focando as observações sobre os jogos esportivos, são identificadas em 1921 as primeiras ações envolvendo o
planejamento do evento. No mês de fevereiro daquele ano iniciaram-se atividades de preparação por parte da Comissão Executiva
dos Festejos do Centenário. A organização dos Jogos Esportivos ficou sob responsabilidade da Confederação Brasileira de
Desportos (CBD), conforme os termos publicados no Diário Oficial da União de 03 de março de 1921 Ministério da Justiça e
Negócios Interiores - Directoria do Interior-2ª. secção - Rio de Janeiro, 25 de fevereiro do 1921. Sr. Presidente da Confederação
Brasileira de Desportos Do programma official da commemoração do Centenário da Independência, consta a celebração dos jogos
olympicos nesta capital, devendo ser promovida a representação, nos mesmos, de todas as formas e de todos os núcleos principais
do Sport nacional. Relativamente a esse numero do programma, a Commissão Executiva em secção de 21 de fevereiro corrente
resolveu commeter a essa Confederação o encargo de organizar o plano e dirigir a realização dos jogos athleticos e sportivos
devendo a respectiva directoria agir em accordo com a dita Commissão e entender-se com esta sobre as providencias que se
tornarem necessárias para o bom êxito dos projectados festejos. Apresento-vos os meus protestos de alta estima e consideração.
Alfredo Pinto. 237 237 BRASIL. Diário Oficial da União de 03 de março de 1921, seção 1, p. 2.

155 Conforme o acordo, a instituição receberia do governo federal um crédito de 300 contos de réis, em duas parcelas, para custear
o processo de organização dos jogos. (SARMENTO, 2006). Para a realização das provas das competições previstas, era necessária
a preparação de um espaço apropriado, um stadium com padrões internacionais. Em abril de 1921 foi publicada nota no jornal O
Imparcial informando a concessão de um terreno na Praia Vermelha ao Clube de Regatas Flamengo para construção de um stadium
para as festividades do centenário. 238 Em junho do mesmo ano, o jornal voltou a noticiar sobre o processo de concessão
comunicando que, além do terreno, o governo ainda concederia um empréstimo de 1.000:000$000 (mil contos) para serem
aplicados nas obras. 239 Ainda no mês de março daquele ano, além da designação da CBD como responsável pela organização do
evento, a Comissão Executiva notificou o Ministério da Marinha e o Ministério da Guerra sobre a realização dos jogos olympicos
athleticos e sportivos de toda natureza, nos quaes devem tomar parte os mais importantes nucleos do sport nacional e que, por sua
grande relevância, teriam por certo que membros da Marinha e do Exército iriam tomar parte em algumas das projectadas pugnas,
devendo informar à Comissão Executiva 240, 241 do Centenário todas as providências que fossem necessárias para tal
participação. Em 16 de março de 1921 o Ministro da Guerra emitiu o Aviso nº. 177 comunicando ao Chefe do Departamento de
Pessoal da Guerra que o Exército tomaria parte nos jogos esportivos do Centenário nas modalidades esgrima, tiro, natação, corrida
a pé, gymnastica e equitação. Para a preparação dos representantes, estava nomeando uma Comissão com responsabilidade de
organizar os differentes programmas de trenamento dos jogos acima e, bem assim, das provas preparatorias a se realizarem este
ano. Este grupo teria responsabilidade congregar elementos de pessoal e materiais para a realização das atividades, verificar junto
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ao Ministério informações e providências necessárias e buscar entendimento com as confederações esportivas e o Clube Militar
para realizar ações conjuntas em todos os esportes. Foram nomeados para a comissão: 242 238 O Imparcial 06 de abril de 1921, p.
12. 239 O Imparcial 30 de junho de 1921, p. 8. 240 BRASIL. Diário Oficial da União de 03 de março de 1921, seção 1, p. 2. 241
BRASIL. Diário Oficial da União de 06 de março de 1921, seção 1, p. 3. 242 BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1921,
Anexo B, p. 30.

156 Director geral, coronel Antenor Santa Cruz Pereira de Abreu; Secretario geral, capitão Antonio da Silva Rocha; Primeira sub-
comissao Esgrima Major Augusto Cesar Rodrigues e 1º. Tenente Oswaldo da Rocha Segunda sub-comissao Tiro Capitao João
Freire Jucá e 1º. Tenente Dermeval Peixoto; Terceira sub-comissao Natação e corrida a pé Capitão Francisco Pereira da Silva
Fonseca e 1º. Tenente Benjamin Constant Moutinho da Costa; Quarta sub-comissao Equitação Major Benedicto Olympio da
Silveira, capitães de Mareuil, de Paul, Dieulouard e Euclydes de Oliveira Figueiredo e 1º. Tenente veterinário Severo Barbosa;
Quinta sub-comissao Gymnastica Tenente-coronel Manoel Bourgard de Castro e Silva e 1º. Tenentes Antonio José Ozorio e
Arnaldo Bittencourt. A participação da Liga de Sports da Marinha foi definida em maio de 1921, através de um acordo entre o
Chefe do Estado-Maior da Armada e o Ministro da Justiça, indicando que a LSM deveria resolver diretamente com a CBD as
questões relacionadas à participação nas festividades esportivas do Centenário. 243 Ao longo do ano de 1921 tanto o EB quanto a
MB realizaram competições e treinamentos preparatórios entre seus militares, como os trabalhos preparatórios para as festas
hippicas do centenário 244, o campeonato militar de natação e corridas a pé 245, o torneiro preparatório de tiro de guerra nacional
246. Em novembro de 1921 a CBD enviou convite às suas ligas filiadas, à LSM e à LSE para participação em uma festa atlética a
se realizar no dia 11 de dezembro daquele ano como eliminatórias para a representação nacional nos jogos. 247 Ao longo do ano de
1921, o jornal O Imparcial publicou diversas notícias sobre o processo de preparação para os Jogos Athleticos Sul Americanos de
1922, desde o processo de aquisição de materiais, construção de espaços para realização das competições, ações realizadas pelos
clubes esportivos em todo o país e seletivas para escolha dos representantes brasileiros no evento. 248 243 Sessão da Diretoria de
14 de maio de 1921. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo II. 244 BRASIL. Relatório do
Ministério da Guerra de 1921, Anexo B, p. 79. 245 BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1921, Anexo B, p. 125. 246
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1921, Anexo B, p. 126. 247 Sessão da Diretoria de 28 de novembro de 1921. Livro
Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo II. 248 O Imparcial 30 de março de 1921, p. 9; O Imparcial 31
de março de 1921, p. 9-11; O Imparcial 06 de abril de 1921, p. 9, 12; O Imparcial 07 de abril de 1921, p. 9; O Imparcial 09 de abril
de 1921, p. 9; O Imparcial 12 de abril de 1921, p. 9; O Imparcial 15 de abril de 1921, p. 9; O Imparcial 20 de abril de 1921, p. 8; O
Imparcial 22 de abril de 1921, p. 8; O Imparcial 23 de abril de 1921, p. 11; O Imparcial 24 de abril de 1921, p. 10; O Imparcial 26
de abril de 1921, p. 9; O Imparcial 27 de abril de 1921, p. 9; O Imparcial 30 de abril de 1921, p. 7; O Imparcial 01 de maio de
1921, p. 8; O Imparcial 05 de maio de 1921, p. 9; O Imparcial 07 de maio de 1921, p. 11; O Imparcial 14 de maio de 1921, p. 9; O
Imparcial 20 de maio de 1921, p. 9; O Imparcial 22 de maio de 1921, p. 11; O Imparcial 02 de junho de 1921, p. 9; O Imparcial 03
de junho de 1921, p. 9; O Imparcial 06 de junho de 1921, p. 9; O Imparcial 11 de junho de 1921, p. 9; O Imparcial 13 de junho de
1921, p. 10; O Imparcial

157 No início de 1922 uma nova presidência assumiu a o controle da CBD e verificou que o valor dispensado pelo governo federal
a esta instituição para a organização dos Jogos não se achava mais em seus cofres. As dificuldades financeiras e a instabilidade
interna retiraram sua credibilidade para a organização do evento, fomentando diversas opções para sua realização ao longo do ano.
Algumas alternativas divulgadas foram a transferência da sede dos Jogos Esportivos para São Paulo ou entregar a organização e
controle das verbas para o Fluminense Football Club. Após meses de conversações, Governo Federal e CBD entraram em acordo e
foi concedido novo empréstimo àquela instituição, devendo ser restituído através das rendas dos Jogos (MORAES, 2009). Nestas
circunstâncias, as Ligas Esportivas Militares foram acionadas a convite da CBD para auxiliar na organização, passando a Comissão
Militar das Provas Esportivas do Centenário a participar no processo de preparação dos jogos. Já em janeiro de 1922, as reuniões
da Comissão Central Executiva dos Jogos do Centenário da Confederação Brasileira de Desportos definiram as formas de atuação
das Ligas Militares na organização dos Jogos. Ficou a cargo da LSM a aquisição dos Materiais flutuantes necessários, devendo a
compra realizada pelo Ministério da Marinha com a liberação de 200 contos de réis para as despesas relacionadas à participação da
Força nos Jogos. A partir destas determinações, resolveu-se, conforme a ata da LSM de 08 de janeiro de 1922, buscar informações
sobre treinadores de atletismo, natação e esgrima para preparação dos esportistas para os Jogos e ativar a construção de pistas para
a prática de atletismo na Ilha das Enxadas. 249 Com relação aos espaços para a realização do evento, o jornal O Imparcial de 18 de
janeiro de 1922 publicou uma matéria reforçando a necessidade de construção do stadium para os Jogos do Centenário e
justificando que sem isto não haveria possibilidade de receber os primeiros Jogos Athleticos Sul-Americanos, propostos pelo
Comitê Olímpico Internacional (COI). O autor comenta que seria uma situação vexatória para o país caso não conseguisse finalizar
o estádio para receber o evento e ter que declinar da solicitação do COI. Como argumentos, afirmava-se que o espaço construído
seria utilizado não somente nos Jogos de 1922, mas também seriam realizados anualmente jogos atléticos nacionais, demonstrações
e festas escolares e militares; exposições e qualquer outro fim a que fosse designado pelo 16 de junho de 1921, p. 10; O Imparcial
17 de junho de 1921, p. 9; O Imparcial 18 de junho de 1921, p. 9; O Imparcial 25 de junho de 1921, p. 9; O Imparcial 30 de junho
de 1921, p. 8; O Imparcial 05 de julho de 1921, p. 10; O Imparcial 06 de julho de 1921, p. 9; O Imparcial 08 de julho de 1921, p. 9;
O Imparcial 20 de julho de 1921, p. 9; O Imparcial 11 de setembro de 1921, p. 8-9. 249 Sessão da Diretoria de 08 de janeiro de
1922. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo II.

158 governo. Os custos da obra, segundo as discussões da matéria, seriam recuperados em 50% ainda no ano de 1922 com as
rendas dos eventos esportivos. 250 João Manuel Malaia afirma, com relação do processo de construção do estádio que O Ministro
da Fazenda, Homero Batista, chegou a assinar um despacho para que o Flamengo ocupasse provisoriamente o local com todas as
suas bemfeitorias, accessorios e edificações compreendida entre a Urca e a Praia da Saudade, porém o clube não deu
prosseguimento ao projeto (2011b, p. 6). Estas dificuldades enfrentadas fizeram com que fosse considerado o investimento no
estádio já existente na cidade, o do Fluminense Football Club, utilizado para o Campeonato Sulamericano de Futebol de 1919 a fim
de colocá-lo em condições de receber este evento de porte internacional. Em 25 de abril de 1922 foram divulgadas as decisões
tomadas em conjunto pela Comissão Executiva dos festejos do centenário, a CBD e o Fluminense sobre o direcionamento das

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ações para organização das competições atléticas. Foi decidido formar uma comissão especial com a função de coordenar as
atividades sob a presidência do Coronel Santa Cruz. O governo ainda teria mais um representante nesta comissão, o Capitão-
Tenente Lemos Basto da LSM. Os demais representantes eram Cesar Rabello, Oswaldo Gomez, Roberto Trompowsky, Fred
Brown, Antunes de Figueiredo, Renato Pacheco, Celio de Barros e Amadeu Macedo. 251 As bases de organização dos Jogos do
Centenário definidas pela CBD foram publicadas na revista Ilustração Brasileira na edição de março de 1922. 252 Segundo o
documento, poderiam participar do evento súditos de nações latino-americanas que fossem considerados amadores de acordo com
os regulamentos internacionais de cada esporte. A condição de amador deveria ser reconhecida pela federação nacional do Brasil e
pelas federações de cada país que enviasse concorrentes e os participantes poderiam ser latinoamericanos por nascimento ou
naturalizados. O programa dos jogos deveria ser estabelecido em comum acordo com todos os países participantes, ficando a cargo
da CBD realizar o esboço do programa a ser analisado e aprovado. As inscrições seriam gratuitas e deveriam chegar a CBD até 30
de junho de 1922 e a listagem nominal dos atletas até 31 de julho do mesmo ano. As premiações definidas pelas bases eram
medalhas e diplomas para os três primeiros colocados de cada prova e eventuais troféus ou taças que fossem oferecidas teriam as
provas para disputa definidas pela CBD. As delegações deveriam custear as despesas de viagem, não tendo a organizadora do
evento quaisquer responsabilidades quanto a este ponto. 250 O Imparcial de 18 de janeiro de 1922, p. 7. 251 O Imparcial 25 de
abril de 1922, p. 7; Ilustração Brasileira, maio de 1922, p. 84. 252 Ilustração Brasileira, março de 1922, p. 72-74.

159 A LSE, também integrante da Comissão Militar das Provas Esportivas do Centenário, recebeu a atribuição de dirigir os
esportes hípicos, o atletismo, o tiro, a esgrima, o futebol e o pentatlo moderno, pela primeira vez disputado na América do Sul
(SOEIRO, 2003, p. 35). Ainda no ano de 1922, a LSM aprovou a contratação de técnicos para esgrima, atletismo, natação e saltos d
água. As contratações de técnicos estrangeiros para estes cargos foram tratadas em parceria com as representações do país em
outras regiões, através de adidos navais, e instituições estrangeiras com sedes no Brasil como a Associação Cristã de Moços
(ACM). O primeiro profissional a ter contrato firmado com a LSM foi o norte-americano Hebden Corsam para ocupar a função de
treinador de natação e saltos e teve sua contratação mediada pela Associação Cristã de Moços do Rio de Janeiro e Nova York,
sendo seu contrato com a LSM assinado pelo Sr. H. Sims, da ACM-Rio, representante jurídico no Brasil deste treinador. Também
com auxílio desta instituição foi efetivada a contratação do professor de atletismo, sendo convocado para a função o também norte-
americano Robert Fowler. Já o professor de esgrima, o italiano Giovanni Abita, foi contratado por intermédio do adido naval em
Roma. 253 Esta busca por instrutores norte-americanos pode ser compreendida como uma influência das aproximações
estabelecidas entre a Marinha do Brasil e o governo dos Estados Unidos no processo de estudo da possibilidade de instalação de
uma Missão Naval com integrantes da US Navy no Brasil. Esta necessidade foi identificada ainda em fins da década de 1910, com
o novo contexto militar mundial imposto pelos conflitos na Europa. As discussões sobre a necessidade de melhoria e ampliação da
esquadra brasileira se intensificaram. O Relatório do Ministério da Marinha de 1917, por exemplo, afirmava que os acontecimentos
da guerra evidenciavam as defasagens e insuficiências da MB em garantir a defesa do extenso território brasileiro no caso de uma
ofensiva. 254 Ao final dos conflitos na Europa, iniciaram-se os estudos para a possível adoção de uma missão militar estrangeira na
Marinha com objetivo de introduzir as melhorias e alterações necessárias para a redução das defasagens identificadas, visto as
análises positivas das ações de reforma e modernização que vinham sendo empreendidas no EB por ocorrência da Missão Militar
Francesa desde 1919. Para a MB foram observadas as marinhas que poderiam trazer maiores ensinamentos aos oficiais brasileiros:
a inglesa e a norte-americana. Foi escolhida então a segunda pela maior familiaridade dos nossos oficiais pelas diversas temporadas
que passaram junto aos oficiais da 253 Sessão da Diretoria de 03 de fevereiro de 1922, Sessão de Diretoria de 13 de fevereiro de
1922 e Sessão de Diretoria de 30 de março de 1922 - Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo II.
254 BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha de 1917.

160 US Navy em diferentes ocasiões em cursos ou reparos de navios, além da já marcante presença de oficiais norte-americanos na
Escola Naval de Guerra como mestres. 255 Sobre a escolha da missão, Garcia afirma que O contrato foi assinado em Washington,
em 6 de novembro de 1922. [...] o propósito da Missão era meramente o de cooperar com as autoridades brasileiras para assegurar
uma boa organização naval naquele país, melhorando os métodos de trabalho, treinando e instruindo oficiais, assim como
elaborando planos para o aperfeiçoamento da Marinha. [...] (2003, p. 183-184). Após a chegada dos professores estrangeiros para o
treinamento dos esportistas militares, instituíram-se aulas fixas semanais de natação e atletismo para praças que seriam preparados
para as competições, formalizando o processo de preparação e treinamento e não somente as organizações de eventos esportivos na
Marinha do Brasil. Na ata da sessão da diretoria de 15 de março de 1922, por exemplo, destaca-se a informação de que já se acha
no Rio de Janeiro o Sr. Hebdem Corsan, treinador de natação contractado pela LSM com o qual já se combinou um horário de
treino para aspirantes e praças no banheiro 256 Enxadas. 257 da I. das O Exército Brasileiro também intensificou a preparação de
seus sportmen para a participação nos Jogos. Até o ano de 1922, a esgrima era praticada por alguns grupos de oficiais e raros civis.
Pelas necessidades identificadas nas ações relacionadas aos Jogos, o EB contratou um treinador especialista em esgrima da Escola
de Joinville Le Pont, Andre Gautier, para treinar os oficiais já praticantes da modalidade pela escassez de tempo para preparação de
novos esportistas (AZEVEDO, 1936). As preocupações com a preparação dos esportistas e atuação no processo de organização dos
Jogos intensificaram-se a partir de maio de 1922 quando o Coronel Estellita Werner, então presidente da LSE, assumiu
concomitantemente a presidência da Comissão Militar das Provas Esportivas do Centenário. Despacho do Ministério da Guerra
Nomear o coronel de cavallaria Estellita Augusto Werner presidente da Comissão Militar das Provas Sportivas do Centenário da
Independência do Brasil, sendo exonerado de dito cargo o coronel de infantaria Izidro de Souza Figueiredo. 258 255 BRASIL.
Relatório do Ministério da Marinha de 1921, p. 5-13. 256 Banheiro como sinônimo de piscina. 257 Sessão da Diretoria de 15 de
março de 1922 - Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo II. 258 BRASIL. Diário Oficial da
União de 02 de maio de 1922, Seção 1, p. 12.

161 Ainda no contexto das relações entre as Ligas Militares e a CBD, destaca-se uma importante discussão sobre a situação destas
em comparação às demais ligas e clubes existentes no país. Mesmo com representatividade esportiva desde 1915, tanto no meio
militar como no civil, as ligas militares não tinham filiação à CBD, entidade nacional de organização dos esportes naquele
momento. Até 1922, a Liga de Sports da Marinha e a Liga de Sports do Exército participavam das competições organizadas pela
entidade na condição de convidadas. A partir deste ano, identifica-se uma aproximação maior da CBD das ligas militares pelas

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necessidades de apoio na organização dos Jogos do Centenário. Durante os meses de abril e maio de 1922 registraram-se debates
sobre a participação dos esportistas militares nas competições promovidas pela CBD, sendo-lhes vetado tomar parte em alguns
jogos nacionais por serem estes exclusivamente para entidades federadas. A LSM e LSE resolveram, em acordo, pleitear junto à
CBD a questão do amadorismo das praças e apresentar um projeto ao Conselho da instituição visando um acordo sobre o devido
reconhecimento de suas atividades e esportistas. Após a apreciação da proposta, efetivou-se em 03 de julho de 1922 a assinatura do
acordo de filiação das Ligas Militares (LSM e LSE) à CBD. 259 Como já destacado, no processo de preparação para os Jogos do
Centenário a LSM e a LSE organizaram diversas competições atléticas e aquáticas a fim de selecionar elementos capazes de
representar a Marinha e o Exército Brasileiro nos Jogos. Os meios de imprensa eram utilizados para divulgar as atividades
desenvolvidas pelos militares com relação aos jogos esportivos, como na publicação do jornal O Imparcial de 27 e 30 de julho de
1922 de que as LEM promoveram competições para avaliar os valores dos homens para as 260, 261 eliminatórias para a
composição da equipe de atletismo, na Ilha das Enxadas. Segundo Moraes (2009), as ações dos militares, além do campo da
preparação dos esportistas e contratação de treinadores especializados, também se efetivaram na concessão de locais para
realização das provas dos Jogos do Centenário. Os espaços para treinamento de natação no Arsenal de Marinha e atletismo na Ilha
das Enxadas e as dependências da Vila Militar, recebendo competições de tiro e pentatlo moderno, destacaram-se como
contribuições dos militares à organização do evento. Para as demais modalidades, após diversas propostas, definiu-se que
competições de tênis, pólo aquático, esgrima e futebol seriam sediadas no estádio do Fluminense Football Club. Já basquete, lutas
de boxe e algumas competições de hipismo seriam realizadas na Rua Paissandu, na sede do Clube de Regatas Flamengo. Para a 259
Sessão da Diretoria de 16 de maio de 1922 e Sessão da Diretoria de 12 de julho de 1922. Livro Histórico Departamento de Esportes
da Marinha - Volume I - Anexo II. 260 O Imparcial 27 de julho de 1922, p. 9. 261 O Imparcial 30 de julho de 1922, p. 9.

162 realização das competições de natação dos Jogos, o Governo Federal financiou a construção de uma piscina na Praia Vermelha
(MORAES, 2009; NOLASCO, PAVEL e MOURA, 2005). Entretanto, segundo o Diário Oficial da União de 05 de setembro de
1922 onde foi publicado o Programa Definitivo Geral das Festas Commemorativas, os programas oficiais dos Jogos do Centenário
publicados na Revista Ilustração Brasileira de setembro de 1922 e no jornal O Imparcial em setembro de 1922, as provas das
modalidades e os locais de realização seguiram de acordo com a tabela a seguir. 262 Quadro 3: Provas e locais de realização nos
Jogos do Centenário de 1922 Esporte/Prova Local Atletismo Stadium Atletismo Militar Estádio do Exército Atletismo Naval
Stadium Basquetebol Fluminense Boxe Stadium Cabo de Guerra Stadium Esgrima (latino-americano) Fluminense Esgrima Militar
Fluminense Futebol Stadium Futebol Militar (Taça Flamengo) Stadium Futebol Jogos Internacionais Navais Campo do Botafogo
Hipismo Provas militares Flamengo Hipismo Provas senhoras e senhoritas Flamengo Hipismo (latino-americano) Estádio do
Exército/Derby Club/Jockey Club/Flamengo Hipismo Cross Country 20km C. Santa Cruz Maratona Stadium Natação (latino-
americano) Piscina do Stadium Natação Naval Piscina da Urca Pentatlo Stadium / Fluminense Regatas a Vela Naval Baia de
Guanabara Remo Naval Praia de Botafogo Saltos Jogos Internacionais Navais Piscina da Urca Tênis Fluminense / Stadium Tiro ao
Veado (latino-americano) Estádio do Exército Tiro ao vôo armas livres (latino-americano) Estádio do Exército Tiro armas livres
pistola 9mm Fluminense Tiro de carabina (latino-americano) Fluminense Tiro de fuzil de guerra (latino-americano) Estádio do
Exército Tiro Fuzil, Pistola Internacional Militar Estádio do Exército Tiro Naval Estádio do Exército Tiro Revolver de Guerra
(latino-americano) Estádio do Exército Tiro Revolver de Guerra Militar Estádio do Exército Voleibol Stadium Water Polo (latino-
americano) Piscina Water Polo Naval Piscina 262 Dados para compor a tabela extraídos dos programas publicados no jornal O
Imparcial de 03 de setembro de 1922, p. 3; 10 de setembro de 1922, p. 3; 12 de setembro de 1922, p. 3; Revista Ilustração
Brasileira de setembro de 1922; BRASIL. Diário Oficial da União de 05 de setembro de 1922.

163 Interessante verificar que os programas divulgados na imprensa diferenciavam as competições latino-americanas e as militares.
Isto se deu porque, dentro do quadro geral de competições planejadas para os Jogos do Centenário foram realizados eventos
específicos pelas LEM para as delegações militares que estavam em visita ao Brasil. Ainda neste Capítulo estas competições entre
as FFAA brasileiras e as visitantes serão melhor observadas. Em meio ao envolvimento na organização dos Jogos, o ano de 1922
foi bastante movimentado para as FFAA brasileiras. Passando por um processo de modernização e reorganização, Exército e
Marinha estiveram durante o ano envolvidos com a construção de novos quartéis, incorporação de navios e treinamentos de tropas,
além do movimento na Aviação Militar com o acompanhamento do famoso Raid Aéreo Lisboa Rio. 263 Toda essa movimentação
se desenvolvia durante os preparativos para os Festejos do Centenário e as discussões políticas das eleições presidenciais de 1922.
O panorama político brasileiro neste momento estava dividido, tendo alguns grupos grande resistência com relação à candidatura
de Artur Bernardes para o mais alto posto do país, principalmente no interior do Exército Brasileiro após o episódio das cartas
falsas. 264 Este evento aliado ao descontentamento dos militares do EB com o governo de Epitácio Pessoa, também por posturas
contrárias ao interesse militar (como a colocação de um civil na pasta do Ministério da Guerra), fomentaram no baixo oficialato do
Exército um movimento de resistência ao governo que estava por assumir o comando do país (CANCELLA, 2012a). No mês de
março daquele ano, mesmo com todas as resistências, Artur Bernardes foi eleito e teve a posse marcada para novembro. Em junho
o ainda Presidente Epitácio Pessoa estabeleceu intervenção na sucessão estadual em Pernambuco sendo duramente criticado pelo
Marechal Hermes da Fonseca, em resistência às ações do governo. Como resposta, o presidente ordenou a prisão do Marechal e
imediato fechamento do Clube Militar, instituição da qual era presidente, em 02 de julho. Com esta ação de Epitácio, a até então
resistência do Exército ao governo se transformou em levante na madrugada 05 de julho em diferentes regiões: 263 Travessia do
Atlântico realizada em um avião Fairey III-D pelos aviadores da Marinha Portuguesa Sacadura Cabral e Gago Coutinho, com saída
em 30 de março e chegada, muito festejada e noticiada, no Rio de Janeiro em 17 de junho de 1922. 264 Supostas cartas escritas por
Artur Bernardes publicadas na imprensa em outubro de 1921, onde o expresidente Marechal Hermes da Fonseca foi chamado de
sargentão sem compostura, com acusações ao Exército e ofensas ao militar, então presidente do Clube Militar, gerando grande
desconforto no EB.

164 na capital federal, levantaram-se o forte de Copacabana, guarnições da Vila Militar, o forte do Vigia, a Escola Militar do
Realengo e o 1 Batalhão de Engenharia; em Niterói, membros da Marinha e do Exército; em Mato Grosso, a 1ª Circunscrição
Militar, comandada pelo general Clodoaldo da Fonseca, tio do marechal Hermes. No Rio de Janeiro, o movimento foi comandado
pelos tenentes, uma vez que a maioria da alta oficialidade se recusou a participar do levante. (CPDOC, 2011). No Forte de

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Copacabana a resistência permaneceu mais intensa, gerando um bombardeio entre os rebeldes e as forças legalistas, incluindo os
Encouraçados Minas Gerais e São Paulo que tentaram, sem sucesso, efetivar a rendição dos militares rebelados. Em 06 de julho,
firmes no propósito de manter a resistência, os revoltosos deixaram o Forte e seguiram pela Avenida Atlântica rumo ao confronto
direto com as tropas do governo. Os chamados 18 do Forte, apesar das controvérsias quanto ao real número de participantes desta
marcha, foram debelados e gravemente atingidos pelas tropas, restando sobreviventes apenas os tenentes Siqueira Campos e
Eduardo Gomes. O Congresso, por estes episódios, se reuniu prontamente e decretou estado de sítio no país (AQUINO et al, 2007).
Apesar de estes eventos afetarem gravemente o Rio de Janeiro, as preparações para as Festas de setembro não foram interrompidas.
A imprensa, cerca de duas semanas após o ocorrido, já não mais noticiava deixando seu espaço para as belas construções e o início
da chegada das delegações para os Jogos Esportivos. O cronista Lima Barreto, em texto publicado na Revista Careta de 30 de
setembro de 1922 265, aponta que a população carioca não se identificava com os festejos do Centenário, criticando as
comemorações que, segundo ele, não tinham qualquer significado importante diante das dificuldades políticas e econômicas
enfrentadas pelo país. No entanto, o próprio autor se corrige ao dizer que [...] de forma que nos não festejamos os cem annos de
nossa independência política. O que nos fazemos é transformar o Rio de Janeiro num grande campo de luctas de box e corridas de
cavallos. Disse no começo destas breves linhas que o povo não se associava as festas do Centenário. Enganei-me. Às esportivas,
elle se associa de bom grado. À ellas, às de luminárias e às paradas militares. [...] 266 Em 13 de setembro, solenemente no campo
do Fluminense Football Club, realizouse a abertura dos Jogos com uma grande parada desportiva, aos moldes da parada militar
realizada no dia 07 de setembro, tendo os militares também posição na parada desportiva, com suas representações participantes
dos Jogos do Centenário devidamente fardadas com uniforme de gala. 267 (vide figura 9). 265 Esta foi uma das últimas
contribuições do autor para a revista, falecendo em 01 de novembro de 1922. 266 Revista Careta de 30 de setembro de 1922, p. 24.
267 Revista Fon Fon 23 de setembro de 1922; Revista da Semana 23 de setembro de 1922.

Figura 9: Fotografias da parada desportiva do Centenário ocupando página inteira da Revista da Semana, com destaque na primeira
fotografia para o Tenente Guilherme Paraense, campeão mundial de revólver ao lado de Alberto Fontan, campeão mundial de fuzil.
Fonte: Revista da Semana 23 de setembro de 1922, p. 28. 165

166 A participação dos sportmen brasileiros nos Jogos destacou-se em alguns esportes como a natação, com as conquistas de Jorge
Mattos em 5 provas; no water-polo ficando com a primeira colocação; na esgrima, com as conquistas dos Tenentes Oswaldo Rocha
no florete e Celio Ramalho no sabre; no pentatlo moderno 268, pela primeira vez disputado no país, com Luís Bianchi; além das
conquistas do futebol no V Campeonato Sulamericano da modalidade (MORAES, 2009; DACOSTA, 2005). A preparação e
realização dos Jogos Esportivos do Centenário envolveram diferentes grupos da sociedade, mobilizando grandes investimentos em
infra-estrutura para a realização das competições esportivas, além da aplicação de grandes verbas e tempo na preparação dos
recursos humanos (tanto esportistas quanto os profissionais envolvidos na organização). Por sua grande demanda, o evento é
considerado por Silva (2006) como um dos primeiros Megaeventos Esportivos sediados no Rio de Janeiro. De acordo com o autor:
Nesta ocasião, os clubes esportivos, entidades militares e órgãos do governo federal e local foram mobilizados para inserir os Jogos
na vida da cidade, o que foi conseguido com sucesso. [...] Este evento combinou Jogos Militares Internacionais com Campeonatos
Esportivos Internacionais. [...] O número de espectadores dos Jogos, ainda segundo a ACM, chegou a 162.000 pessoas, quantitativo
expressivo para a época, pois a assistência representou cerca de 15% da população da cidade, montante jamais atingido
posteriormente. Em suma, os Jogos de 1922 no Rio de Janeiro consistiram num megaevento esportivo considerando os meios
mobilizados e a participação da população local, embora não tenham sido reconhecidos até recentemente como tal (SILVA, 2006,
p. 17). Dentro dos Jogos Olímpicos Latino-Americanos foram realizados os Jogos Internacionais Militares com a participação de
diversas nações como Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai, Venezuela, que participariam dos esportes terrestres. O país ainda
recebeu delegações dos Estados Unidos, Grã- Bretanha, México, Japão, Portugal e Bélgica para participação nas competições
aquáticas organizadas pela LSM (TORRES, 2005). Conforme declarado em relatório do Departamento de Esportes da Marinha e o
jornal O Imparcial de 10 de agosto de 1922, o programa dos jogos internacionais navais foi composto pelas seguintes provas: 268
Modalidade até a década de 1950 dominada no país quase exclusivamente por militares consiste na disputa em cinco provas
essencialmente ligadas à rotina militar: tiro, esgrima, natação, hipismo e corrida.

167 269, 270 Quadro 4: Programa dos Jogos Internacionais Navais 1º.) Vela 2º.) Remo: escaleres a 12 remos para praças com
patrão oficial 2.000m; canoas a 4 remos para oficiais 1.000m; canoas a 4 remos para suboficiais e inferiores 1.000m 3º.) Provas
aquáticas - Natação: 100m nado livre, 100m costas, 200m nado livre, 200m braçada francesa, 400m nado livre, 1.500m nado livre,
800m turmas (4x 200m nado livre). - Saltos de 3m, 5m e 10m. - Water Polo 4º.) Cabo de Guerra para praças 5º.) Tiro: Revólver
para oficiais 50m; Carabina para suboficiais e inferiores 300m; Carabina para praças 300m. 6º.) Provas Atléticas - Corrida: 100m,
200m, 400m, 800m, 1.500m, 5.000m, 110m com barreiras - Saltos: distância; altura; com vara. - Lançamentos: Peso; Disco; Dardo;
Retinida. 7º.) Futebol Em nota sobre os Jogos Internacionais Navais, o jornal O Imparcial informou que estavam inscritos para
participação as seguintes delegações das marinhas estrangeiras: Argentina (Regata a Remo praças); Japão (Atletismo, Cabo de
Guerra, Regata a Remo praças, Tiro); Estados Unidos da América (Atletismo, Retinida, Cabo de Guerra, Competição Aquática,
Regata a Remo oficiais, Regata a Remo suboficiais, Regata a Remo praças, Regata a Vela, Tiro); Inglaterra (Atletismo, Retinida,
Futebol, Cabo de Guerra, Competição Aquática, Water Polo, Regata a Remo oficiais, Regata a Remo suboficiais, Regata a Remo
aspirantes, Regata a Remo praças, Tiro); Uruguai (Atletismo, Futebol, Competição Aquática, Regata a Remo praças, Regata a
Vela); Brasil (Atletismo, Retinida, Futebol, Cabo de Guerra, Competição Aquática, Water Polo, Regata a Remo oficiais, Regata a
Remo suboficiais, Regata a Remo aspirantes, Regata a Remo praças, Regata a Vela, Tiro); Portugal (Cabo de Guerra, Competição
Aquática, Regata a Remo suboficiais, Regata a Remo praças). 271 269 O Imparcial 10 de agosto de 1922, p. 8. 270 Livro Histórico
do Departamento de Esportes da Marinha Histórico Liga a C.E.M., Vol. II, Cap. 1, p. 01. 271 O Imparcial 08 de setembro de 1922,
p. 8.

168 Em 09 de setembro de 1922 foi publicada uma nota no mesmo jornal informando que todos os oficiais, suboficiais e praças das
marinhas estrangeiras teriam entrada gratuita em todos os locais onde estivessem ocorrendo provas da Liga de Sports da Marinha.
Já os sócios da LSM teriam ingressos para si e suas famílias que deveriam ser retirados na sede da Liga. 272 Os registros da

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Marinha do Brasil sobre o evento relatam que: Em 1922, a Liga de Esportes da Marinha levou a efeito a serie de Jogos
Internacionais Navais do Centenário da Independência, por delegação do Ministério da Marinha, organizando um vasto programa
de sete grandes competições das quais participaram as Marinhas de Guerra dos seguintes países: Brasil, Estados Unidos, Inglaterra,
Japão, Uruguai, Argentina, Portugal e México. Foram vencedores: Vela Brasil Remo Brasil Football Brasil Aquática Brasil Tiro
Brasil Cabo de Guerra Inglaterra Atlética Inglaterra Resultado Final: Inglaterra 87 pontos Brasil 86 pontos. 273 Os eventos
organizados pela LSE para as delegações militares que presentes tiveram seus resultados publicados no Diário Oficial da União de
17 de outubro de 1922. Segundo o relatório, foram realizadas as seguintes provas: corridas rasas de 5.000 metros, 3.000 metros,
1.500 metros, 800 metros e 200 metros; corrida de escalada de 200 metros; corrida de postas de 400 metros, 1.600 metros;
lançamento de granada de mão em alcance; corrida de grupos em 400 metros seguida de lançamento de granada; lançamento de
granada em precisão, alcance e velocidade; lançamento de granada de mão em precisão; salto em altura com impulso; salto em
distância com impulso; salto em vara; passagem em cabo área. 274 Tenente Guilherme Paraense, campeão olímpico no Tiro nos
Jogos da Antuérpia de 1920 também conquistou o primeiro lugar nos Jogos do Centenário. 275 O 272 O Imparcial 09 de setembro
de 1922, p. 8. 273 Livro Histórico do Departamento de Esportes da Marinha, Vol. II, Histórico Liga a C.E.M., p. 1. 274 BRASIL.
Diário Oficial da União em 17 de outubro de 1922, seção 1, p. 15-16. 275 O Imparcial 12 de setembro de 1922, p. 3.

Figura 10: Fotografias dos campeões de Tiro, de provas de atletismo e boxe dos Jogos do Centenário. Em destaque na foto com
número 5 o marinheiro Góes Neto, classificado como o melhor pugilista do Brasil. Fonte: Revista da Semana 30 de setembro de
1922, p. 30. 169

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