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Abstract Resumo
1 Centro de Educação This article aims to analyze health policies for O objetivo deste texto é analisar as políticas de
e Ciências Humanas,
Universidade Federal de São
indigenous peoples in Brazil with reference to saúde para os povos indígenas no Brasil, tendo
Carlos, São Carlos, Brasil. the 1988 National Constitution and its conse- como marco a Constituição Federal de 1988 e os
quences for their healthcare. Three components seus desdobramentos para o atendimento médi-
Correspondência
M. D. Cardoso are central to this analysis: the management co-assistencial destas populações. Destacam-se
Centro de Educação model, based on the concepts of “autonomy” três eixos norteadores para esta análise: o proje-
e Ciências Humanas,
and “social control”, but essentially express- to gestor, balizado pelas noções de “autonomia”
Universidade Federal de São
Carlos. ing the forms of indigenous representation and e “controle social”, mas que traduz certo modo
Rod. Washington Luís Km participation in public policies; the concept of de organização das formas de representação e
235, São Carlos, SP
“differential care” for establishing an inclusive participação indígenas no plano das políticas
13565-905, Brasil.
mdcardoso@uol.com.br (but operationally normative) healthcare model; públicas estatais; o pressuposto da noção da
and the relationship between the management “atenção diferenciada” para a construção de um
model for indigenous healthcare and indigenous modelo assistencial inclusivo, mas operacional-
therapeutic practices. mente normativo; e, por fim, a relação entre o
modelo gestor de atenção à saúde indígena e as
Health of Indigenous Peoples; Health Policy; próprias práticas terapêuticas indígenas.
Public Policies
Saúde de Populações Indígenas; Política de
Saúde; Políticas Públicas
Desde o final de 2010, entretanto, esse sub- tal ainda parece ser o modelo que atenderia a
sistema passou a ser subordinado diretamente especificidade requerida para as ações em saú-
ao Ministério da Saúde, por meio do Decreto no de indígena, pois simultaneamente garantiria o
7.336 6, que oficializa a criação da Secretaria Es- “subsistema específico”, mas articulado com o
pecial de Saúde Indígena (SESAI), na estrutura do sistema nacional por meio das agências do Mi-
Ministério da Saúde. nistério da Saúde (tal como a atual SESAI). Sua
O que este texto vem abordar, para além das consolidação, entretanto, ainda é devedora não
mudanças institucionais que alteraram ao longo só de um modelo assistencial, como aponta o
dos anos a gestão da então criada Política Na- relatório, mas também de um modelo organiza-
cional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas cional efetivo, marcado por conflitos e falta de
(PNASPI) no âmbito da Política Nacional de Saú- integração entre instâncias institucionais para
de 5, é o modo da sua operacionalização, tendo a sua plena operacionalização; fraca cobertura
como eixos condutores as noções de “autono- das áreas territoriais indígenas (que divergem
mia”, “controle social” e o tema da “atenção di- consideravelmente de tamanho, composição
ferenciada”, tal como vêm sendo abordados na étnica, formas e meios de acesso às comunida-
formulação e na condução desta política. des); falta de infraestrutura física e de recursos
humanos para a formação das equipes gestoras
e multiprofissionais locais, articuladas com o
Autonomia para quem? Controle social complexo médico-hospitalar da rede assisten-
e controle político no âmbito da Política cial do SUS, o que se espelha nos dados dispo-
Nacional de Saúde Indígena níveis sobre a situação de saúde das populações
indígenas no Brasil.
Um relatório relativamente recente de avaliação De acordo com os últimos dados censitários
da política de saúde para as populações indíge- do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísti-
nas no Brasil aponta que se o processo de distri- ca (IBGE; Censo Demográfico 2010. http://www.
talização da saúde nas áreas indígenas aconteceu ibge.gov.br, acessado em 28/Jun/2011), referen-
de forma diferenciada de uma região para outra tes a 2010, a população autodeclarada indíge-
no país, os problemas, entretanto, parecem ser na no Brasil está em torno 817 mil pessoas, re-
recorrentes. De modo geral, afirma-se que “... o presentando 0,42% da população total do país,
modelo assistencial implantado nos distritos se- registrando-se um aumento de 11% em relação
gue a lógica da produção de serviços, centrado aos dados do censo de 2000. Os dados dispo-
na concepção médico-curativa e na tecnifica- níveis sobre natalidade e mortalidade indicam
cão da assistência”, sendo que “... os indicado- que a taxa de natalidade havia crescido em torno
res mostram que não tem conseguido atender às de 1,3%, mas mantinha-se abaixo da taxa geral
necessidades e resolver os principais problemas para o país (em torno de 20%). A taxa de morta-
de saúde”, prevalecendo “a concepção topográfi- lidade infantil foi reduzida em 27%, passando de
co-burocrática do distrito sanitário (como espaço 74,61% em 2000 para 53,11 em 2005, mas apa-
geográfico, populacional e administrativo onde rentemente permanece estagnada, e a taxa de
são coordenados os estabelecimentos e servi- mortalidade geral passou de 7,1% para 4,77% no
ços), em detrimento da lógica das necessidades mesmo período 8.
e problemas de saúde e a necessidade de reorga- Dentre os agravos mais frequentes estão as
nização das práticas e processos de trabalho, de doenças infecciosas e parasitárias (22,48%), do
modo que sejam inseridas num processo social aparelho respiratório (22,78%) e “sintomas, si-
pela melhora das condições de saúde, ou seja, o nais e achados anormais” que respondem por
Distrito Sanitário Especial Indígena ainda é con- 25,65% da morbidade na população indígena
cebido como um modelo organizacional e não no Brasil no período de 2003 a 2005 8. O I In-
como modelo assistencial” 7 (p. 100-1, grifos nos- quérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos
sos). O relatório também aponta que há um alto Indígenas 9 revela que os índices de desnutrição
índice de demanda por consultas especializadas em crianças indígenas menores de 60 meses de
e internações hospitalares que também indica- idade e em mulheres indígenas de 14 a 49 anos
riam “a baixa resolutividade das ações prestadas no Brasil continuam altos e superiores à mé-
em algumas regiões”, assim como uma ênfase no dia da população brasileira em geral, tal como
consumo de medicamentos por parte das popu- reportado também no texto que faz parte des-
lações indígenas. te Fórum. Tais indicadores demonstram que o
Depreende-se, assim, que o chamado Sub- modelo médico assistencial para as populações
sistema de Atenção à Saúde Indígena ainda não indígenas no Brasil ainda é precário, mesmo pa-
se encontra plenamente consolidado no país, ra a execução das ações básicas em saúde para
apesar da criação dos DSEIs. O modelo distri- estas populações, predominando um cenário
de profissionais da área de saúde, por meio de saúde indígenas e o modelo assistencial 14. O
concurso público para atuarem na área de saúde que se observa, entretanto, é que essa articula-
indígena, que ficaram a cargo dessas instituições. ção ainda não foi promovida, a não ser por meio
O problema da saúde indígena esbarra, as- de projetos ou iniciativas localizadas, mas tem
sim, na questão organizacional (e, por isto tam- sido uma fonte constante de controvérsias so-
bém assistencial). Talvez por essa razão a questão bre o seu real significado e os desdobramentos
organizacional tem precedido a assistencial do subsequentes para a sua efetiva implantação no
ponto de vista dos gestores, particularmente no contexto do SUS.
que concerne à baixa resolutividade das ações Do ponto de vista dos gestores, promover a
em saúde nos distritos sanitários indígenas, mar- “atenção diferenciada” no âmbito do SUS po-
cadas por carências de profissionais habilitados deria gerar não só conflitos na assistência a ser
para atender à população local; alta rotatividade prestada, mas também poderia sugerir o usufru-
dos profissionais em área; falta de recursos de in- to de determinados “privilégios” por parte dos
fraestrutura e equipamentos para determinados indígenas em um modelo de atenção à saúde que
procedimentos e ações operados pelos DSEIs, tal pressupõe a “equidade” na assistência prestada.
como é possível antever pelos dados anterior- Do ponto de vista indígena, entretanto, trata-se
mente apresentados. cada vez mais de salvaguardar politicamente es-
Também tem precedido outro ponto con- sa noção, dado que seria por meio da “atenção
siderado fundamental para a consolidação dos diferenciada” que a especificidade e a própria
princípios que regem a criação do Subsistema de manutenção do subsistema de saúde indígena
Atenção à Saúde Indígena: o reconhecimento das poderia ser mantida frente à tendência crescente
práticas terapêuticas indígenas, promovendo, in- do seu pleno abarcamento ao SUS, outorgando-
clusive, a “articulação” destas práticas com aque- lhe a legitimidade necessária para se manter co-
las da biomedicina, assim como a promoção da mo tal; ou seja, a “atenção diferenciada” deveria
capacitação de membros destas populações co- estar também concretizada em todas as instân-
mo técnicos gestores ou profissionais de saúde cias e níveis da assistência terapêutica e da or-
integrados nos seus quadros. ganização dos serviços para a sua prestação, tal
como previsto não só no documento anterior-
mente reproduzido, mas em diversas outras re-
Sobre a “atenção diferenciada”: soluções que compõem o conjunto das diretrizes
breves notas sobre a (não) articulação para a execução da Política Nacional de Atenção
das práticas terapêuticas indígenas à Saúde dos Povos Indígenas.
no Subsistema de Atenção à Saúde Há, portanto, por um lado, um conjunto de
Indígena e ao SUS políticas públicas em saúde fundado sobre um
princípio de acesso universal e unificado, mas
O próprio documento que institui a Política Na- que, no caso das populações indígenas, encon-
cional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas tra-se fundeado na noção (mesmo que impreci-
pressupõe não só o reconhecimento e o respeito sa, e fundamentalmente retórica, por parte dos
aos então chamados “sistemas tradicionais indí- gestores) da “atenção diferenciada”.
genas de saúde” , mas também a “promoção” da Por outro lado, há uma demanda indígena
articulação destes sistemas em todos os níveis da para o acesso efetivo aos serviços de atenção em
atenção a ser prestada: “Com o objetivo de ga- saúde que, por sua vez, passa a ser articulada ao
rantir o acesso à atenção de média e alta comple- campo da suas próprias práxis terapêutica, am-
xidade, deverão ser definidos procedimentos de plamente ancoradas nos chamados “complexos
referência, contrarreferência e incentivo a unida- xamânicos”, tal como documentado em diversas
des de saúde pela oferta de serviços diferenciados e distintas áreas etnográficas 13,15,16,17. Entretan-
com influência sobre o processo de recuperação to, as próprias características gestoras do mo-
e cura dos pacientes indígenas (como os relati- delo assistencial para as populações indígenas
vos a restrições/prescrições alimentares, acom- parecem levar muito mais a uma “normatização
panhamento por parentes e/ou intérprete, visita inclusiva”, que mascara uma desigualdade real
de terapeutas tradicionais, instalação de redes, ao ignorar, inclusive, o modo pelo qual grupos
entre outros) quando considerados necessários ou sociedades distintos apreendem o que lhes é
pelos próprios usuários e negociados com o pres- transmitido em termos das suas próprias cate-
tador de serviços” 5 (p. 15, grifos nossos). gorias ou “lógicas culturais” que, supostamente,
Projetos localizados desenvolvidos por meio deveriam lhes ser agregados, sem que, ao mes-
do Projeto Vigisus II/FUNASA procuraram fa- mo tempo, se produza efetivamente ações em
vorecer projetos e experiências para promover saúde tal como as comunidades indígenas as
a articulação entre determinadas práticas de demandam.
Tem-se aqui o principal desafio para as polí- serviços de saúde em geral: a sua funcionalida-
ticas públicas em saúde para o atendimento às de e capacidade assistencial adequadas para su-
populações indígenas, para além daqueles que prir as demandas dessas populações.
são característicos da própria estruturação dos
Resumen Agradecimentos
El objetivo de este texto es analizar la política de la Agradeço não só ao convite de James Welch para parti-
salud para los pueblos indígenas en Brasil, teniendo cipar do painel Saúde e Povos Indígenas no Brasil: Desa-
como referencia la Constitución Federal de 1988 y sus fios Nacionais e Insights Locais durante o 10o Congresso
consecuencias sobre servicios de salud para estas po- Brasileiro de Saúde Coletiva, realizado na Universidade
blaciones. Sobre tres principios pivotará el análisis: las Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), de 14 a 18 de
directrices, marcadas por los conceptos de “autonomía” novembro de 2012, mas também a oportunidade de
y de “control social”, pero que se traducen, de cierta ma- participar deste Fórum para o qual a sua colaboração
nera, en la organización de las formas de representaci- foi igualmente valiosa.
ón y de participación indígenas en el plan de las políti-
cas públicas del Estado; la presuposición de la “atenci-
ón diferenciada” en la construcción de un modelo asis-
tencial inclusivo, pero operacionalmente normativo; y,
finalmente, la relación entre el modelo propuesto y las
prácticas terapéuticas indígenas.
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