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ara! Ii) a = | GUERREIRO RAMOS = Prt A CRIS NO v DO FODER SrL (FROBLEMAS DA REVMOLUCAQ NACTONAL BRASILEIRA) Os ncontecimentog que culmtinaram com 2) pening cla do Presidente anja: Quadeos @ suas. iimplicagces folifivas, militires ¢ sockiit, vieram realgar a hiteys Hak andlises comtiilay peste livro. em culls paginls o leitor encontrar win divgndstico da otal erive bru- sileira, A Crite de Pode ny Reesit, de utoria de nvais influente socidioge vio Pais, justifica a prestigin que © Profesor Guerreiro Ramos alquinin, reas aoe livros sdbire pryblcamis muciomaiy qeu publicoy ante. formente, Giicrreiie Rane ve stimlmente Ao Beewll um clima Ue Whn ténsio potitien © oumite que, crt beove. poder sturgiy intonva Tormemagio revolucio- narin em que Tdewerd ser corte oad pared ceew bravileire. ute que. de una vex por 1 yordara a naga da anibmagao™, (. ftvsil, firma we Autor, esti maduno pat fuer i sin fevalugainy nutlonil, faliundethe, paca lunty, apenwh us condi- ec subjerivnx, pois in abjelivis fi existem. Are volucin, pestis condictes, 6 algo socigliyicamente nesewsirio para que o pove: brasiteinay agua ode sempenho hintirica que Ihe cabe he munis eomiem- porfitco, Depom de aquliir us diferentes entidaues fartiddring do pide e seus métadon de acio, Gonet pel mecessdilude Ue adnan adotndga movae moiliti- (ike Irahulhd politica, ha que canceene form wo funde: © modélowdy revelucio: brateina, dix, Guerrgino Ramos, sent mesessiriamunte inddite. & evelaneee: “Foge n domesticucdes A diktincia. Nao, ner sowidtien, Nig, seri chindy. Nin sera cubaqe, Em tia sui histiria, o Bisel tena site original ne América ¢ no minde™ - ‘intGm Ente livre’ miinuiléea AMATI Go fen Kinin Quadros; serin desnecossinio. dizer que Guer- reiro Ramos focaliza a question da aingulo: vieatifice, do Poder no Brat é a primgir obi qua -) 4 | 4 Hey F i, 4 el GUERREIRO RAMOS A CRISE DO PODER NO BRASIL (Problemas da Revelugao Nacional Brasileira) ZAHAR EDITORES Rio DE JANEIRO Exemplar ni” No a 2630" CT 1961 Direitos para esta edigio adquiridos por ZAHAR EDITORES — Rio de Janeiro A Glelia antinacdo, iste ¢, win comjunto de interésses que se vepre- Senta ag reves dos interesses gerais permanentes, profundos, do Pais.” Gilberto Amado ss testititiy a macda a si mesma, substituir a antinacia... pela nacdo...? Gilberto Amado “... formiagdo de um néve ser nacional.” Gilberto Amado Preficio 44, fy be RATE Se SUE, — Panorama Politico do Brasil Contemparinco 1— 0 Goveima Finio Quadros es Crite do Poder — 13 Parte i i é : i a SumAmto: 1 — Implicagdes sociolégi Jinio Quadros, © sentido especifica do Govérno Ja Quadros. Il — A socicdadc politica ¢ sua composicéa. Sociedade politica e sociedade global no Brasil. 1M — / pequena burguesia coma quadro de vanguarda. O Mani- fesig do Partido Republicano. Os positivistas. A pequena burguesia no poder: Deodoro ¢ Floriany Peixoto. Campos Sales e a restituigdo do poder aos fazendeiros. O civilisma. Os “tenentes” da década de 1920, TV — O sentido da Revolugdo de 1930. A depressio mundial © seus efeitos no Brasil, Nava contedido da sociedade br. A in- distria, O Golpe de 1937. O Estado > — 0 Gavérno Janio Quadros ¢ u Crise do Poder — 2.8 Parte td He Sumdnio: 1 — O Brasil de apds-euerra. A modifi- esclio da estrutura social ¢ seus reflexes na esfera do poder. ‘Os pleitos a partir de 1945. TT — Crise de representativi- dade, Indifecenciagio politics © partiddrla de Jénio Qua- dros, TIT — © bonapartisma ¢ # nova situagko politica. 1¥ — A Instrugdo 204 e suas repercussGes politicas, Bi- trontisma do Govérna J4aio Quadros, A inflagia como problema politico, V — Rebeldia do eleitorado. Crise dos partidos. © problema da reorganizagio partidéria, WI — © cardinal fato politico da vida brasileira — 0 povo. Observagdes de Gilberto Amado 3 — Trajetéria Politica da Brasil (do cla 4 ideologia)... Is 21 33 46 Suatinio: | — © povo' como categoria cardinal do Brasil contemporaneo. IL — Po- litica de oligarquia. As oligarquias no Império e na Velha Repiblica. IV — Politica populista, Geullio Vargas Jou Goulart. Ademar de Barros, V — Politica de grupos de pressic, Legitimidade des grupos de pressio. Grupos de pressio no Brasil. O Govérno Kubitschek. V1 — Poli- tic ideoldgica. NOvo conteddo econémico e politico da sociedade brasileira. WIT — Confronto de épocas. O Bra- sil de Gilberto Amado © Oliveira Viana. O Brasil de. hoje. 4 — Politica de Elites ¢ Politica de Quadros .... Sumdrio: T — A mutagde histérica do Brasil. Pais “sem povo" a Pais “com pove". A reforma partidéria como aspesto particular do problema da organizagio nacio- nal. If — A clite. A inevitabilidade das elites nos paises “sem povo”. Ill — A organizagdo partiddria no Império, centralisma do Império ¢ a “politica dos Governadores” de Campos Sales. I¥ — A organizacio partiddria na Ve- tha Repiblica. A mentalidade antipartiddria da Velha Re- publica. Os P.R. nos Estados. Tentativas abortadas de partidos nacionais. Francisco Glicério, Pinheiro Machado, Rui Barbosa, As legendas de 1933, V — A Revolugio de 1930 ¢ a “verdade elcitoral”. Sintomas do Brasil névo Os partidos politicos apds o Estado: Névo, Ascensio do populismo. VI — A crise partidiria. Significado da eleigio dc Janio Quadros, WIL — © quadro. Caracterizagio dos partidos de quadros. A erganizacio como ‘questin inte- lectual", VILL — Fungdes da organizagzo na atividade ida e a “mediacao entre o homem e a A consciéncia global do processa. Sistematicida- de da agdo partidaria. Superagio da “economia”. IX — E @ process que organiza a processo. Valor histérico da obra de Alberta Térres. A Organizegdio Nacional TL — Antes ¢ depois de Outubro de 1960 10 5 —-0 Problema da Representatividade Politico-Partiddria SuMdnio: I — Doengas infantis do irabalhismo Tipologia do trabalhismo no Brasil. O varevismo. O jan- guismo. O peleguismo. O expertisme, TT — A futa in terna nos partidos. A diregio politica da soviedade brasi Icira cm crisc. Os agente cegos da processo. A luta interna nos partidas como meio de clarificagiio ideoldgica. Sentido das renovapies internas do PTB, do PSD, da UDN 63 ao 6 — O Govérno Inio Quadros ¢ 04 Problemas de Ones nizagio Politico-Partidaria. 0.0) 00.2020 cse ese see i SuMAmio: | — 4 Crise Partiddria. Significade socio- Weico da vitéria eleitoral de Jénio Quadros, Falta de “carater” da UDN, do PTB e do PSD, © Marechal Lott e Jinio Quadros ¢ sua desarticulagio partiddria. Desnatu- ragdo do ISEB © as perspectivas das renovacGes partidarias. Il — Com quem governa Jénio Quadros? OQ neutralismo do Presidente Janio Quadros. © incidente com o Embaixa- dor Berle Junior. © Govérno Jinio Quadros emi suspensdo coloidal. Psicologia ¢ Sociologia. I — O Gevérno Janio Quadros ¢ o Terceiro Poder. “Despolitizar a administragzo piblica”. Politica e administragao. As camadas do Exe- cutivo. © terceiro escalgo do Executivo. A “societas sce- leris”. 7 — Problemas da Esquerda no Brasil Suménio: 1 — Tarefa urgente da esquerda no Brasil. A critica ao Partido Comunista do Brasil. Ponto-de-vista da dircita, Ponto-de-vista da esquerda, Vinculaglo do PCB A Unilio Sov ii ica & sua Taao de ser histérica, Ro- sitio de erros do PCB. Domesticidade do PCB. O V Con- gresso do PCB, © desastre de 3 de outubro de 1960. Tl — Posigde revoluciondria brasileira. O punhada de braves. Miséria e grandeza de Lufs Carlos Prestes. “Fe- chadistas” e “abridistas". Tatefa organizatéria das massas_ TH — Seetarismo e esquerda. O PCB. obstaculo a boas telagées entre o Brasil ¢ a URSS. Psicologia do pecebista A miscelanea: Light, Ctiria, Shell, ISEB, PCB. A “linha nacional” permitida por Moscou. IV — Na Casa do Se- nher hd higar para todos. A URSS a dircita do socialismo mundial. Tensées entre a URSS e a China. Cuba, ndvo pélo irradiador de influéncia, Ineditisme da revolugao cubana. © tedrico “Ché” Guevara. O comunismo como emogao. A nova esquerda: Wright Mills, Paul Baran, Paul Sweezy, Jean-Paul Sartre, Gunnar Myrdal. Vo — Fim do Marxismo-Leninismo, Coméco... Matxismo-Leninismo como sofistica e maj Lénine « o Komintern. Stalin & © Cominform. Os “honestos imbecis” de Stalin. Os martos nao dirigem os vivos. WI — A Declaragio de Moscou. Ambigilidade da Declaragio de Moscou. A China ea “soli- dariedade.ativa”. Perspectivas do PCB. & — Pés-Nacionalismo (um depoimento) ..-2..000.000. SumAno: I — Nacionalismo, moeda gasta em poli- ica. QO nacionalisme abstrato é alienagao. O ISEB e 08 36 105 119 if I q2 catedraticas de nacionalisme. Cartas persas sibre 0 ma- cionalismo, TI — A Candidatura Lott, ameuga de bona- partimo, Entreguismo e nacionalismo, Tipos de entre- guismo e nacionalismoe. O nacionalismo-ciéncia. Jinio ¢ Lott, Os suportes de Lott, TIT — Confronto de duas can- didaturas. Janio Quadros, sustentaculo de Juarez Tavora © anti-Kubitschek. Lott, sustentécula de Kubitschek ¢ anti- ‘Juarez Tiyora. IV — Lavagem cerebral nos fnaciona- istas. O povo cyiteu a desnaturagio do macionalisma. Significado da derrota eleitoral dos nacionalistas ¢ lonistas, © névo Govérno © « tarefa das vanguardas. Trés Momentos Mdeoldgicos do Brasil 9 — A Hdeologia da Ordem -2 2.6.0... - es Susigio; T — Morfologia secial de espirito ¢ da inteligéneia. As familias intelectuais. De Jackson de Fi- gueiredo a Carlos Lacerda. © integrismo. A dialética da “encarnaciio” ¢ do “desprendimento” De Santo Agostinho a Toynbee. IT — A obra de Jackson de Figueiredo, O par- tido catdlico. 4 Reagde da Bom Senso. Jackson ¢ 9 In- teeralismo lusitang. © aristocratismo da direita no Brasil, Sociologia do “bom senso”, A politica como arquitetura TM — Hamilton Nogueira ¢ 4 Doutrina da Ordem, O anti-humanismo inquisitorial. A pena de morte. Joseph de Maistre © o dogma da reversibilidade. Os “cunalhas” da década de 1920, Jackson de Figueiredo, precursor do Integralismo ne Brasil. Depaimento de Tristio de Ataide Decepgdes dos maniqueistas: Bernanos. Gustavo Corgdo, Fernando Carneiro, Despreparo do clero ¢ da intelectua- lidade catélica no Brasil. Observagdes do Padre Julio Maria, A critica dos catlicos do ponto-de-vista do catoli- cismo intransigente. Carlos Lacerda ¢ 0s idedlogos da. or- dem no poder, 10 = A Ideologia da “Jeunesse Dorée" ,-.-..-- 0.00008 SuMAsio: T — Reflexos da Revolugio de 1930 nos meios intelectuais favorecides pela fortuna. Bayes econd- micas da “jeunesse dorée”, Angiistia constitutive da “jeu nesse dorée”. Uma observacio de Jackson de Figueiredo. Tl — Alceu Amoroso Lima e seus estudos na década de 1930. A gcometria politica, Reformismo ¢ cvolucdo con- tinua. ‘Tradicionalistas 4 de Maistre, de Bonald, Burke. Observacao de Alberto Torres. II — Afonso Arinos de Melo Franco ¢ 4 visio dorée do mundo, Conctepgio ra- 141 152 Ww— Indice cista da historia. Um falso “conceito da civilizagio bra- sileira”, IV — A. perplexidade da “jeunesse dorée” na década de 1930, expressa em livres de Afonso Arinos de Melo Franco e Otivio de Faria. Ociosidade e cultura. O tema do cardter nacional. A salvagao do Brasil pelas elites. Redugio do problema politico a um problema moral. 11 — O Incensciente Sociolégica (Estuda sobre a Crise Politica no Brasil na Década de 199) 2... ceca Somiaio:] — Figuras esquecidas pele sociologia oficial, A escassa contribuicdo dos “antropdlogos” ¢ “so- cidlogos”. A sociologia como “sorrisa da sociedad: TT — © livro de Martins de Almeida; Brasil Errade. Q inconsciente sociolégico. Cardter empirico-indutivo do pensamento de Martins de Almeida. Il — © livro de Vir- ginio Santa Rosa: © Sentido do Tenentismo. Seu valor co- mo diagndéstico. TV — A Contribuigio de Azevedo Amaral. Sua interpretagio da Historia do Brasil. A “classe politicun- je”. A “aventura politica do Brasil". V — Causas do Golpe de 1937 @ do Estado Névo, Sua interpretaclo por Aze- vedo Adtaral. Francisco de Campos, Getilio Vargas Caracteres da Intelligentzia (Apéndice) Sumério! 1 — Modélo russo de inrelligen . Observagdo de Berdiseff, Definigao do Oxford Dictionary. Cenceituasgio sociolégica, A infelligentzia sob suspeiga IL — Os circulos weberianos na Alemanha. Motivagao politica de Max Weber. O Estado Nacional e @ Politica Alemd. Classe dominaate ¢ classe dirigente na Alemanha. Ill — A Fabian Society, Os fundadares da “Sociedade F biana”. Meétodes de agao dos “fabianos", IV — A ine telligenizia no. Brasil. Pteconccitos brasileires contra a intelligendzia. A tarefa de organizar o Estado Nucional no Brasil, © 600 a preencher de nomes .. 168 185 19h 13 PREFACIO Viver sob o sigro da revolucéo ¢.a maneira mats rica de ser brasileiro na presente ¢poca do mew Pais, Confesso que, por temperamento, sou comodista. A tensio revoluciondria contraria os meus humores, minkas idiossincrasias glandulares. Como Salvador Dali, zostaria de viver em dpoca em que nao houvesse veivindicacGes a fazer, onde as coisas € as pessoas esti- vesiem nos devidos lugares. Nasci, porém, mum Pais e numa época, em que a revolugéa é a unica manetra de conferir dig- nidade dexisténcia. A mator humilhagdo que pode sofrer um intelectual cansiste em. se surpreender abaixo das virtualidades de seu tempo e de sua circunstdneia. Sou revoluctondrio por orgulho. Por uma questio de ética, de ética intelectual, A vo- cagao da inteligéncia é a verdade. Se a vida do intelectual tem de ser um experimento da verdade, no Brasil de hoje é compe- lida a tornar-se revoluciondria, A verdade do Brasil de hoje 4 a revolucio. Equivale a dizer: 0 verdadeire Brasil é uma pos- sibilidade, E negagéo do Brasil remanescente. Se asstm no fésse, a revoluc&o seria um capricho. Vivemos, hoje, no Brasil, periodo de histiria viva, isto é, perioda em que um néwo ser nacional procura exprimir-se em adequadas formas, em adequa- dos estilas histéricos, por constituir, por fundar, Procura satr da notte em que sé era para o dia em qué se realiza. Da som- bra em que se oculia para a luzem que se revela, Em tais con- dicées, a revolucin é momento de ambigilidade, entre o nfo-ser eoser. Entre poténcia e ato. Materia e forma. Ey tais con- dirées, a vida revoluciondria ¢, por exceléncia, a vida clarivi- dente. Este é um Horo imprudente. Os amigos que o leram me desaconselharam @ publicd-Io, temerosos de suas conseqiién- cias em minke vida particular, O Brasil tem de sobra intelec- Is tuais prudentes, Entre éles, naa powces alardeiam ser ate re- woluciondrios, O gue nda lhes impede. todavia, de estar em tédas, conra se costuma dizer, Sdo prudenies, Nae veerimime, nifo censuro ningucm. Creio, porém, que ui pensamento re. voluciondrio jamais poderd vingar historicamente, se os qué a professam néle néo cmpenkarem a sua biografia. A revelicho ndo constitui dssunto académico ou literdrio. EB tarefa con- créta, em que me considero lancada sem restricdes.. A revolu- gdo é @ atmosfera habitual de minha vida e especialmente dos meus livros. Por isso, n@o protesta caniva a minha condigdo de outsider nes mefos culitirais daminantes no Pais. Esta condt- gdo de outsider ¢ requistto para lograr viver hoje no Brasil, a altura de sua prodigiosa vocagdo de grandeza. Se eu quisesse ser prudente, naqueles mesos teria meu lugar décerto, Se qui- sesse ser prudenie, teria até hoje minha cdtedra de sociologia na Faculdade de Filosofia da Universidade da Bahia, de que sou co-fundador, ou teria aceito generaso cunvite do Reitor Edgar Santos, em 1938, para assumir cargo equivalente na Faculdade de Ciénetas Econdmicas daquela Universidade. Se quisesse sey prudente, seria, desde 1943, professor da Faculdade Nacional de Filosofia, pois ao terminar ali em 1942.0 meu curso de Gifncias Sociais, mereci a indicagdo para aquela atividade da parte do Proj. André Gros, da Universidade de Pari epoca regente de Politica, na referida dependéncia da Univer- sidade do Brasil. Se quisesse ser prudente, n&o lena, por ques- tdo de principio, deixado, em dezembre de 1934, o Istituto Superior de Estudos Brasileiros, cujo Depariamenta de Socto- logra dirigt desde sua fundacao, Se quisesse ser prudente.. Bem, paremos por aqui, o vosdrio seria longe e consivangedor, Meu dissidio com a Brasil remanescente ¢ total. E preciso viver as condutas em estado nascente, de maneira irrestrita. O Brasil é umn pais maduro pera fuzer sua revalugdo nacional moderna. Tem tdédas. as condiches objetivas para lanto. Se esta revolugio no ecorreu, & porque niio se forma- yam ginda, entre nds, suficientes quadros decididos a observer tema iddnea conduta revoluctondria. A revolugio ¢ wma mo- validade. Bvidentemente néo podem cometd-la quadros vicia- 16 dos no Gporluntsmo, grupos de esquerda de fachada, que tego- ciam por dinhetra, por empregas, apoias, liquidacto de pessoas © campanhas de difamagde ¢ de boutos desprimoyogos, mesmo contra revoluciondrios de honve ilibada. Coniou-me conkecido eseritoy brasileira que, pourus dias apds a sen regresio de Cuba, oude flzera estigio de algumas semanas, um isehiang the perguntara se no pats de Fidel Castro nao havia também wn ISEB. Envétgonhado com a pergunia, 0 escriter the fizera ver gue em Cuba nao poderin existir seme- thante entidade; que ali a revolucdo é sévia, Tinha rasiio: a revolucdo € sérta,em tida parte. Nansdem Cuba. Em Gana, Em Angola. Na Argélia, Ja Guiné, Nos dias de haye new nhuma revolueio poderd ser feita por “stalinistas", “cominfor- mistas”, revelictandrias classe K, nacionalisias assutaviados & conta da Ferha-3, estudanies-palegos, Criaday se encontram nu Brasil as condicdes objetivas de veunluedo nacional. Falta eviavem-se as subietivas, E proud- vel que no presente giiingtienio da Presidente ania Quadros Ssurja momenta de intensa fermentacde revoluciundria. B ne- cessdrio que, na oportunidade, estejam organtzadas os quadros capazes de merecer Asse momento, Entia deverd sev cortado o ud gordia do proceso brasileira, ato que, de uma vez por todas, divorciard a nacho da antinacio. O modelo da revolucdo bra- leita sevd neeessdviamente inédito. Fage assim a domestica goes a distdncia, Néo serd sovidlico. Nao serd chines, Nao serd cubano. Em tida sug Historia, 9 Brasit tem sido original ha Americae no mundo. Eis por que o quadro da revolugao nacional brasileira serd mecessiriamente independente ein rela- cdo a qualquer especie de Internacional. Este livre aspire @ revoluede nacional brasileira. Desde (953, quando escrevi as estudas reunidas na Cartilha Brasileira do Aprendiz de Socidlogo, que as meus (rabalhos su- cessivas procuvam (radueir, de modo sistenidticn, a novidade radical do processo brasiletro em sua presente etapa. 4 Care tilha, republicada com outros estudes em Introducao Critica a Sociologia Brasileira, se seguiram A Redugio Socioligica 17 O Problema Nacional do Brasil. Esses ¢ 0 presente Livro so momentos de uma leoria da sociedade brasileira cuja apresen- tacdo em obra especial, na base das notas, observagdes € pesqui- sas gue hé alguns anos venho farendo, as etreunstdncias ainda fia me permitinen, Este livro, insisto, é incidéneia de uma teoria da soeiedade brasileira. Tédas as suas partes, todos os seus capitulos dele sda tributdrios. Alguns esclarecimentos sin, no entanta, im- preseindivets. Os trés primeiros eapitulos da parte IJ, Antes @ Depois de Outubro de 1960, saa constituides de textos revts- tos € parcialmente reelabovados, que publiquet em Ultima Hora, ria coluna Do Ponto-te-Vista Nacional, O capitula Pés- Nacionalismo, além da entrevista concedida a Q Metropolitano (publicadn em edicées daminicais do Didrio de Noticias), .con- tém textos publicades em Ultima Hora, os quais aparecem aqui com alteracdes de forma. Os dots capitulos da parte TIT, A Ideo- logia da “Jeunesse Dorée” e O Inconsciente Socioldgico, foram anteriormenie publicades na revista Cadernos do Nosso ‘Tempo, Ns. 4 ¢ 5, respectivamente em 1955 ¢ 1956.0 Apéndice conteém o estudo Caracteres da Intelligen anteriormenié publicada no suplemento daminical do Jornal do Brasil, edicio de 3 de fevereiro de 1957. A Clélia, minha mulher, descjo expressar aqui minka gra- tidéo pela generosa asistencia material e espiritual que me tem prestado, especialmente durante 0 incerto perfudo em que a5 paginas déste Livro foram escritas, GUERREIRO RAMOS 18 Panorama Politico do Brasil Contemporaneo © Govérne Janio Quadros e @ Crise do Poder (L* Parte) | Agora que o Sr: Janio Quadros esté ne poder, muitos us- pectos da realidade politica ¢ social do Pais antes obscuros s¢ tornam cluros. A. eéleigio do ex-governador de Sao Paulo é fato-chave, nao sé por suas inéditus implicagdes: como aind: pela luz que lanca no periodo pregresso de que acabamos de sair. Pelo seu teor socioldgico, nao deve ser vista apenas come episddio marcado de singularidades irrelevantes, mas em scu essencial sentido especifico em nossa evolucao social € politica. Sémente essa modalidade de indagacio pode contribuir pars dar caniter sistemdtice 4 aco do névo Govérno € de todos aquéles que se intcresam em participar da conduct dos acontecimen: tos, segundo as determinagdes objetivas que os regem. A si tematicidade no trato das coisas acarreta, cde modo geral, m yendimente do que o proceso clas tenlativas ¢ uproximacoes € é mais do que necesiiria a etetivacao das auspiciosas virtualida- des do periods que Inaugura o presente Governo. A fim de melhor alcangar o sentido especial du Govérno Tanio Quadros, cumpre focalizd-lo numa perspectiva histarico- sociolégica. To yué pretendemos fazer no presenie estudo que tendera a fundameniar as seguintes teses: 1) Qs resultados do pleito de 3 de outubro de 1960 ¢ a conseqliente investidura do Sr. Janio Quadros nas fungdcs de Presidente da Republica demonstram eéxistir uma crise do po- der no Brasil, A tomada de consciéncia dessa crise é necessiria, porque sem ela nao € possivcl diaghosticar os problemas do inclusive os econémicas, hem couseqiientemente dar-lhes 2 solugdes, as quais, em tiluma andlise, sio decisGes politicas e, portant, requerem que o Govéerno se torne instrumento das novas categorias sociais que, pelos seus empreendimentos, cons- tiem hoje a vanguarda do processu brasileiro, 2) Os resultados das elcigdes de 8 de outubro demons. Wam que se constituiu no Brasil nova categoria histdrica, o povo, cuja capacidade de decisées préprias, revelada no pleito, é indicio de que esta habilitado a exercer fungdes dirigentes no processo histdrico do Pais. 3) Finalmente, os referidos resultados eleitorais cestemm. nham o desajustamento de nossa organizacdo politico-partida iia nova realidade social do Pais, uma vez qué o povo se con- duziu no pleito de modo rebelde 4s indicucdes dos aparelhas partiddries, Para sanar ésse desajustamento ¢ imperative mo- dificar os métodos de trabalho politico-partidirio, tendo em vista conferir-lhes maior represcntatividade, Ay © Govérno Janio Quadros ¢ culminacao de uma série de transformagdes ocottidas na éstrutura das classes sociais no Brasil, que, a seguir, descreveremos de maneira esquemati mencionando apenas os fatos que mais importam no esclareci- mento da atual situac%o politica do Pais. De 1822 a 1961, ha que distinguir as diferentes graus de participacao politica “das classes sociais, Perjodos distintos em nossa histéria politica podem ser discernidos, cada um déles mareado pela escala de participacdo das classes no exercicio do poder. No exercicio do poder, dizemos. Com efeito, nao importa no presente estudo a descricao de como participaram as classes no Brasil nas lutas sociais. Isso importa menos do que pro- curar conhecer quais tém sido os titulares do poder no Brasil em varias épocas. E indagagdo que se prende a problema fun- damental de nossos dias, em que um Goveérno de suportes so- ciais vacilantes ou mal delinidos, o do Sr, Janio Quadros, vem de constituir-se. A pergunta pelos titulares do poder tem ex- cepcional prioridade, hoje, entre nds, A discussiio das atuais diticuldades do povo se fara necessariamente de mode escamo- teado, enquamto nao for referida & questo do poder. Todo poder s¢ concrétiza cm térmos antagonicos. Nao ha- veria poder onde nfo houvesse oposicio aos qué o exercem. 22 Todo poder requer dialéticamente, na teoria ¢ na pratica, essa oposigio para ser verdadeiro poder. Se aqueéla nao se verili- casse, ter-se-ia chegado uo estidio social ideal em que as [ins necessidades coletivas coincidiriam com os fins ¢ necessidades individuais. Enquanto essa coincidéncia mio se positive, a violéncia e a coercio deverao scr monopolisticamente utiliza das por um grupo restrito de pessoas em nome das convenién- cias gerais da sociedade. Haverd sempre, portanto, em cada momento da sociedade, uma relacdo ou combinacaio de forcas, um pacto entre diferentes grupos au categorias sociais. Independentemente da forma que assuma, todo poder im- plica relagdo cm permanente mudanga entre: 1) uma minoria que o exeree; 2) as que a apdiam; ¢ 3) os que se Ihe opdem embora a reconhecain e¢ consintam no seu mandato, (1) Quan- do @ terceira camada nega ésse reconhecimento e consentimenta surge uma situacio revoluciondria, Ta muitos aspectos a con- siderar no fato do poder, que nao nos preocupam, agora, Fi- que, porém, a observagio de que a composigao quantitativa da- quelas camadas varia continuamente, refletindo-se essa varia- cao na representatividade da minoria dominante, « qual tende a diminuir na proporcie em que aumente o miméro dos que constituem a terccira camada, Chamamos de sociedade politica ao conjunto das camadas anteriormente descritas. E de assinalar-se que a sociedade po- litica foi durante muito tempo no Brasil parte singularmente testtita da populacgao. A lei Saraiva de [881], proclamada a mais liberal nos tempos do Império, considerava elcitores ape- fas os que tivessem renda anual nao inferior a 200 mil-réis, além de excluir os escravos, os anallabetos e as mulheres. Em 1922. para uma populacdo estimada em 24.542.000 pessaas, o (1} Wide Hermann Heller, Teoria del Estado, Fondo de Cultura Economica. México-Buenos Aires. 1947. Esta composicio do poder reflete o que H, Heller chama de “estrutura necessdtiamente antagénica da sociedade". Sébre a composicdo do poder, diz Heller: “o poder do Estado nfio é nem a soma, nem a mera multiplicasio das forgas par- ticulares inclusas, mas a resultante dé tadas as agdes e reagdes politica- mente relevantes, internas € externas. Em linhas gerais, distineuem-se nesta cooperacdo trés grupos que, naturalmente, nao podem ser conce- bidos camo magnitudes estaticas, mas dindmicamente em mudanga: o niicleo do poder que realiza pasitivamente o poder do Estado, os que © apdiam ¢ os participantes negatives que se Ihe opGem™. (Pig. 267), 33 numero de cleitores que compareceram ao pleito para votur no candidato a Presidéncia da Republica foi: 837.270. O qua- dra anexo mostra a proporcio da eleitorade em relagio & po pulacio do Pais, desde a primeira eleico para Presidente na Republica Velha. O quadro mostra » crescimento quantita- tivo da sociedade politica. Em nossos dias, a despeito da in- justificada exclusio dos analfabetos, ela jamais foi tao repre- sentativa da socicdade global. UI Se alé tecentemente era to restrita a participagdo das ca- miilas socials na sociedade politica, muito mais exclusivista era o ambito da minoria dirigente, Nesta ultima, de 1822 a 1930, somente os proprietarios rurais, as altos comerciantes ou scus delegados tinham lugar. Nao sé. Independencia foi obra de latifundiarios © comerciantes como t6da vida pol{tica de nosso periodo imperial foi por éles conduzida. Alora a pausa bonapartista de 1889 u 1894 em que, mediante o setor militar, circulos da classe média fizeram w sua primeira incursao na direa céntrica do poder, o latifundio ¢ o alto comércio gover- naram o Pais desde 1822 até 1930. Na auséncia de wm setor industrial significative e, por- tanto. de um proletariade em idénticas condigdes bem assim como, dada a debilidade subjetiva de nosso campesinato, inte- grado largamente por uabalhadores escravos até 1888 € até hoje marcado de extreme paupérisme e de incapacidade associativa, loi a classe média a primeira a disputar aos fazcndeizos € co- amerciantes [ungécs dirigentes no proceso politico do Pais, Em outras palavras, enquanto nao se constituiu uma burgueésia in dustrial ¢ um proletariade urbano, couberam a classe media a iniciativa eo comando de nossas reivindicacdes mais avancadas, Entendemos aqui por classe média 9 conjunto dos pequenos negociantes ¢ industriais, prolissionais liberais, funciomirios, militares ¢ assalaviados que, por sua qualificacto tenica e ins trucio, nao podem ser confundidas com a massa obreira comum, Pode-se tomar 1870 como o ano em que a classe media ini- cia sua (rajetéria politica em nivel eminente. Com efeito, na- quela data foi publicade o Manifesto do Partido Republicano, que compendia reivindicagdes tipicas daquele estrato social, 24 na ¢paca, e que se aplica no combate ao dominio dos lazendei- ros € aos Grgdos que o asseguravam, 0 Senado Vitalicia ¢ 0 Con- sclho. de Estado, hem como na condenacio da centralizagio po- litica e do poder moderador e sua prerrogativa de irvesponsa~ bilidade e de dissolugio da Camara. Eram estas evidente- mente velormas puramente politico-administrativas, uma vez gue as condigdes cconémicas vigentés nao pevmitiam ainda re- formas sociais de ampla envergadura. Amtecedente do Marijesta é a Opinide Liberal, iolha sur- gida em 1866 para propagar “as idéias liberais mais udianta das", no dizer de A. Brusiliense. (2) Em 1868, a Opiniao Lie beral apresentava o seu programa, contendo os seguintes poll tos: descentralizagZo; ensino livre; policia eletiva: abolicao da Guarda Nacional; Senado tempordrio e eletivo; extingio do poder moderador; separacio da judicatura da policia; subrigio direto ¢ generalizado: substituic¢éa do trabalho servil pelo tra- pbalho livre; presidences da provincia eleitos pela mesma; sus- pensio e responsabilidad dos magistrados pelos tribunais su periores € poder legislatiyo; magistratura independente, incom- pativel, ¢ a escolha de seus membros fora da acao da Governo; proibicdo dos representantes da nagio de actitarem nomecagan para emmpregas publicos ¢ igualmente titulos e condécoracdes; os funciondrios pitblicos uma vez eleitos deverio opiar pelo em- prégo vu cargo de representacdo nacional. ‘A Sociedade Pasitivista, tundada em 5 de outubro de 1878 e que teve aluacéo digna de nota ¢m prol das causas populares, @ as correntes de idéias inspiradas cm Augusto Comte consti tuem. outro momento saliente da evolucao politica da pequena burguesia. Os positivistas difundiam, entre outras coisas, supressio. de hereditariedade mondrquica ¢ da religiao de Us- tada, a abolicio da escravatura e a criacio de instiluigdes que assegurassem a liberdade de pensamento, Nem sempre, ¢ cer- ta, se colocaram ao lado da causa mais progressista, embora, em conjunto, o chamado movimento positivista exprimisse ideais Jibertarios que, em seu devido mamento, contribuiram para mi- nar os. privilégios constitidos, #, porém, o périodo 189-1894, em que se proclama e con- solida a Republica, que assinala a primeira ascensdo de elrculos Vide A. Brasiliense, Os Programas doy Partides. Sic Paulo 383 23 pequeno-burgueéses ao pader, 9 que se evidencia pelo papel sa- liente dos militares no Govérno Deodora (1889-1891) © sabre. tudo no Govérno Floriana Peixoto (1891-1894), J no pri- meiro, a a¢aa de Rui Barbosa como ministro da Fazenda € niti- damente encorajadora da industrializacio, ou seja, de ativi- dades urbanas que criam oportunidades de emprégo para classe média. A politica financeira de Rui Barbosa, do ponto- de-vista social, é tentativa de redistribuir recursos do s¢tor lati- fundidrio para o da industria, Por outro lado, 0 Govérno Floriano Peixoto teve como principal missio desmontar as ve- ihas oligarquias das posicies de mande, o que se concretizou na Yepréssda as revoltas lideradas por altas patentes da Marinha e nas derrubadas das situacdes nos Estados, O primeiro passo para a restituicio do poder & velha classe dominante é a celeigigo do paulista Prudente de Morais. em 1894, que, uma vez empossade, noméia para a pasta da Fazenda o Conselheiro Rodrigues Alves, monarquista, fazendeiro de talé em Sao Paulo, Ela nfo se furd ainda no periodo presi- dencial de 1894-1898, conturbado pelas agitacées dos “floria- nistas”, mas s¢ consolidaré no Govérno Campos Sales (1898- 1902) mediante a “politica dos governadores”, fsse disposi tivo permite a Campos Sales, e aos seus sucessores, manter a classe média na periferia da poder até 1950. Campos Sales teve plena consciéncia do sentido restaurador de sua tarefa presi- dencial. Por assim dizer, incumbiu-lhe por fim ao interregno bonapartista, convertendo o govérno & realidade econémica. Fez funcionar o cixo Minas—Sao Paulo, o chamado “sistema café-com-leite” ¢, ao conirdrio de seu antecessor Prudente de Morais, cuja aco foi sempre negaceada por grupos hostis, con- seguiu afirmar a sua autoridade de mado resoluto. No seu Govérno desapareceram as reunides de ministros até entdo ha- bitudis, pois, para ser conseqiiente, ponderava: “Seria necessdrio admitir que 9 voto da maioria prevalecesse sdbre o do presi- dente; mas neste caso, que restaria do presidencialismo consti- tucional?” (8). Tniciavasse assim um longo periodo de Exe- cutivas fortes, ou de ditadwras do Executiva, como denuncia- vam os porta-vozes dos movimentos subyersivos, notadamente (3) Vide Hermes Lima, Ligdes da Crise, Livraria José Olympio. Rio, 1954. Pag. 61, 26 a partir da década dos anos yinte, No plano econémico, Cam- pos Sales procurou combater o que consideraya a “mania de grandeza", numa reféréncia provavel a Rui Barbosa e seus adep- tos, que, mediante o “ultraprotecionismo”, “tarifas proibiti- vas", "monopdélios de fato”, “prejudicavam a agricultura”. Ta- xativamente afirmou em uma de suas mensagens presidenciais: “FE tempo de tomar o caminho certo; eo que nos devemos fazer para ésse. fim ¢ nos csforcarmos para exportar tudo quanto pu- dermos produzir em melhores condiches do que outros paises, & importar tudo quanto éles possam produzir em melhores con- dicgées do que nds”. (4) Mas a classe media nao minord o seu impeto reformista ou revoluciondrio, Aparentemente, éle arrefece. Todavia, a Campanha Civilista de 1910 revela as suas disposig6es liberta- rias, Rui Barbosa, herdi da pequena burguesia, empolga a po- pulagio das cidades justamente porque exprime o seu descon- tentamento, 9 seu idedrio na époea: moralizagao administrativa, reforma eleitoral tendo em vista assegurar a expressiio popular pelo sufragio, modernizacio dos servicos publicos, sistema do mérito, estimulg 4 industria, elevacio dos niveis de educacao © instrucao, garantias a liberdade. As repercuissdes que. logrou no seio das populagdes urbanas atestam o quanto a Campanha Civilista representou_o projeto revoluciondrio da classe. média, No Govérno do Marechal Hermes (1910-1914) proliferam as conflites, as chamadas “salvacdes” lideradas pelos “tenentes", a3 quais sio animadas de propdsitos antioligirquicos, A jul- gar pelos sintomas de intraqiiilidade que caracterizaram @ pe- riodo do Marechal, conclui-s¢ que uma reforma de grande envergadura das instimighes naa demoraria, No entanto, acontecimento extraordinario, 2 guerra de 1914-1918, que coin- cide com o periodo presidencial de Venceslau Bras, indurindo transformacio no sistema produtivo do Pais, da qual resulta surto febril de negécios que absorve consideraveis contingentes de mao-de-obra, levou a classe média a postergar os seus ittui- tos subversives. ‘Tao logo, porém, cestam os efeitos da Guerra, ela volta a luta, i agora ameacando frontalmente a ordem constituida, nos Governos subseqiientes de Epiticio Pessoa (4) Vide 1. F. Normano, Evolicio Econémice do Brasil. Com panhia Editéra Nacional, Séo Paulo-Rio, 1945, Pas. 186, 27 (2919-1922), Artur Bernardes. (1922-1926) e Washington Luis (1926-1950), Na década de 1920 forma-se um quadro revolu- cionario da classe média, no qual se desiaca o ativismo dos “te. nentes” (5). As quartcladas de 1922 e 1924 ¢ a Coluna Prestes sio movimentos de lideranca é de idedrio tipicamente pequeno- burgueses. Sunviriamente sua problemittica pode ser resumida nos seguintes reclamos: democratizagio do voto mediante a re- forma eleitoral, liquidacdo da politica dos governadares, abo- licdo da ditaduta do Executive, uniformizagdo da justica, ga- rantia de independénca do judiciario, liberdade de imprensa, tegulamentagao do “estado de sitio”, todas essas providencias que aparentemente permitiriam a incorporacia da classe media na saciedade politica, I A revolugao de 1930 nio ultrapassa o significado liberal das quarteladas de 1922 ¢ 1924. Eo ultimo elo da revolucio. da. classe média que se iniciara mais ou menos por volta de 1910, com a Campanha Givilista de Rui Barbosa, “Seu objetive é eminentemente liberal ¢ se diferencia dag tentativas subversi- Vas que a antecederam por ter obtido éxito, A revolucdo de 1930 encerrou um ciclo de. nossa evolucho: politica ¢ abriu ouwo, isto ¢, encerrou o ciclo da constituciona- lizagio efetiva do Estado ¢ abria-a ciclo day Intas politicas pela estruturagio ideolégica dos interésses das classes socials no Brasil. Tie fato, depois de 1930,-as relacdes de classe vigentes ne Pafs vao perdendo, de modo gradativo, aquéle cardter difuse que assinalamos. Os interésses das diversas classes, amterior- mente compenetrades, tornamese cada ver mais nitidos, em decorréncia das transformacdes ccondmicas, as quais se tradu. zem, sobretudo, pela expansao do nosso mereado interna € pelo. incremento da produgio de bens de capital, A ctise mundial iniciada em 1929 teve efeitos promocionais na economia brasileira, enquanto a induviu a substituir impor- (3). Para_o estudo do. “tenentismo”, vide Virginio Santa Rosa, O Senide do Tenentismo. Civilizagia Brasileira 8/A. 1933. 28 tagdes, em clevado nivel empresatial. Pode-se avaliar a mag- mitude do esférea interno, 4 luz de contronto de alguns dades. ‘Na década de 1921-1930, quando nossas exportacoes montavam a 805.848.000 libras-ouro, importdvamos mercadorias no va- Jor de 674.479.0000 libras-ouro, Na década seguinte de 1931- 1940, tendo baixado a 877,024.000 libras-ouro o valor de nos. sas exportagdes, reduzimos as importagoes a 303, 849.000 libras. euro, Necessiriamente coube 4 ptoducie interna ocorrer & demanda qué, nao fora a depressao mundial, seria atendida por portacdes. O censo de 1940 demonstra, em relagio ao de 1920, significative progresso de nossas indistrias de transfor- magia. O nimero de estabelecimentos triplicara, subindo de 13.339 em 1920 a 40.988 em 1940. O mimero de operdrios mais do que duplicara, elevando-se de 275.512 para 669.548. Fstas allerages sé fazem logo sentir no plano institucional, Na década dos avios trinta, a massa ohreira adquire expresso esta- tuttria, assegurada pelo Estado. Em 29 de novembro de 1930 (Dec. 19.4435 cria-se o Minisu¢rio do Trabalho, Industria ¢ Comercio; em fevereiro de 1931, 0 Departamento Nacional do Trabalho; no més seguinte, regulu-se a sindicalizacdo das cate- gorias patronais ¢ obreiras, tornando-se operante 9 que cra letra morta na lei de § de janeiro de 1907 que permitin a orga- nizacao de sindicatos. A revolucdo de 1930, 4 semelhanga do que ocorréu em 1889 com a Protlamacgio da Republica, da 4 classc média um lugar na esfera de decisao do Pais, Nao ¢ fortuita & papel dos “tenentes” no movimento € a sua presenca em altos postos do: Govérno federal e dos Governos estaduais, & significative que cima figura to representativa dos meios tradicionais dominan- tes, como Antonio Carlos, entao Governador de Minas Gerais, reconhecendo as origens dos descontentamentos qué a provo- caram, tivesse clito pouce antes de deflagrar-se a revaluciot “facamos u tevolugio, antes que o pove a faga # verdade que 0 povo, na revirayolta de 1980, pouco ou nenhum papel chegou a exercer. Coma a Velha Republica, a Nova Republica nasceu tambem de uma rebeldia de superticie, cujo sentido as camadas populares da época nao cram capazes de entender. $4 mais tarde o povo [ard no Brasil a sua entrada como protago- nista de primeira grandeza nas lutas politicas e sociais. 29 Mas a pequena burguesia nao tinha, em 1930, sendo repa- TOs tépicos a fazer nas instituicées (6), Nao ia além de certas re- formas que permitissem, sem grandes abalos na estrutura cco- némica ¢ social, dar-lhe mais oportunidades ¢ melhores posi- g6¢s na conducio dos negécios piblicos. Nao pretendia que the fasse transferido o poder. Esse relormismo moderadu ou nao-radical, Ihe permitiu, através de homens moldados a sua imagem, ascender 4 drca decisdria do Pais. Ainda hoje ai es tio figuras que nfo tinham raizes nas antigas classes dominan- tes e que, no entanto, de ha muito perman¢cem investidas em fungdes direcionais. Depois da revolugio de 1930, malograda a revolucio paulista de 1942, nao surgin outro Campos Sales para proceder 4 restauragio politica, em consonancia com os antigos interésses. © Brasil mudara. Na década de 1990 03 antigos circulos dominantes néo mais podiam exercer o poder nos moldes exclu- sivistas a que estavam habituados. Tém assim de aceitar um ¢ompromisso com os industriais, que adquirem agora conside- ravel péso especifico, uo mundo dos negdcios, ¢ com o estrato majs qualificado da classe média. A partir daquela data, muda a composicio da minoria dirigente, de modo a que se facam sentir cada vez mais, naquela instancia, com o correr do tempo, ‘os reclamos do névo empresariado que a industrializacio criou e do crescente assaluriado de “colarinho ¢ gravata’. A classe operdria, embora em ascensio politica, é contida na periferia do poder. Vistos 4 distancia, torna-se hoje evidente que a Golpe de 1987 © 03 anos do Estado Ndvo concretizaram aquéle pucto politico, Jamais a classe média teve tho larga participagio no poder, em nossa Historia, quanto durante o periodo do Estado Novo. Oriundos dela sio numerosos os que, seja como “inter- (6) Witoriosa a imsurreigdo de 1930, seus lideres se encontraram perplexos diante do Pais. Ainda em 1932, um dos homens de 30, José Américo, assim falava: “Todos sabem que os acontecimentos pre- cipitaram vertiginosamentt a vitéria da Revoluco. E o que sucedeu, dai, foi que nos encontramos no Govérno antes de havermos tide tempo de claborar um programa de agio. E, portanto, naturalissima certa falta de unidade de pontos-de-vista que s¢ vom observando, de quando em auundo entre os responsivels pelo destino da Nacho". (Vide Alcino Sodré, A Génese da Desordem. Civilizacho Brasileira 5/A. S/data. Rio), 30 Ventures’, seja como altos funcionérios nus trés érbitas gover- namentais ~ federal, estadual e mumicipal — sio promovidos a rélevantes posicdes diretivas. A oficializagao do chamado sis— tema do mérito no plano federal foi providéncia que institucio- nalizou a ascensdo social désses elementos, permitindolhes o ingresso cm postos do servico publico que, em autros tempos, eram privilégios dos bem-nuascidos, No setor ptivado dos ne- gécios, a pequena burguesia também foi bencficiada pela-ex- pansao das atividades produtivas, principalmente de cardter industiial, ¢stimuladas agora pela formacio acelerada de um mercado interno. A partir da década dos anos trinta, em con- seqliéncia das alteracdes que se processam no sistema produtivo, desenvolvese em escala sem precedente o setor industrial da économia, acarretando nfo sé o surgimento de um quadro de empresirios de intercsses cada vez mais cistintos dos da antiga burguesia, como a emetgtncia de um proletariado cuja cons. ciéncia de direitos no cessou de fortalecer-se, 4 medida que se organiza em associagdes profissionais. Essas alteragdes obvia mente refletiram-se na situagio da classe média, que, gradati- vamente, fol perdendo as posicdes de vanguarda nas lntas so- clais, A eleigio de 1945 revela jd aspectos inéditos no dispositivo politico da Nacgio. Trata-se de que, naguela data, o povo no. Brasil demonstra histéricamente que existe, que nao é mais uquela ficgio juridica de épocas decorridas. F uma realidade socioldgica. Entre os dois candidatos que se apresentaram a sucessdo presidencial, em 1945, 0 Brigadeivo Eduardo Gomes e 9 General Eurico Dutra, aquéle € 0 preferido da pequena bur- guesia, enquanto o eleitorado popular, atendendo ao. comando. de Vargas, sufraga o ex-ministro da Guerra. Em 1945, e mais nitidamente em 1950, com o retérno de Genilig Vargas ao po- der, a despeito de ter sido candidato de oposicio ao Govern, findarase o period das simples reformas politicas, agora subs- uido pelo das reformas sociais, uma vez que o povo, nas no- vas condigOes, deixara de ser longinguo espectador das lides parcidarias. ar ‘jon ain ep aye uanuDETGo ANB soqNpePUTD FP BOI GOP wus —— AT! aie opPIty,, “MMOWEN osar3U0D OP CHG, — SHOE —e—vr— sorpene VANS BP OTUNE OOGLIOT/T aeAHG 8p Aaysnast vreau | seoLyOr!G seaag aarawaoet oman | asoV/owie amet Edw OOTIIN TAMA wLddng ~RUNALL OP TAMAS a TEMA OP OF | exo-oe0't Te Lie ana" erR'e eon ‘pee ZT pl La0°6 uN PSEH gots 8 | das ses pes 0681 804° 160'T anbranbnaiy ap s#i®ud OMe gg een OE | zigeoh = | Ben gam | ganog ap vajarad SINT MOLLE | O00 Crs Sz Lin oor mpEGied BANS wp Ina | | ee ae. 19 98 goaty sondupoy Bed |p oowoUwed nouress waUlOg) Watered YI TeR[sADUOA } Gay seen ang ge ee weil | ee acre se eee Tes "Sho BOO EES sanry Sensypow winked ap oasweud,T BRI TEE pie OR \ sare sodueg op warad aon, L60'SPL fap O6e ond BOTT 8p HFOL oyUADMd a Sal gw el | womnsa | wpuens ool ages oyimmdod 31 2p 910 saooiiat | OLxTH | sass ve aae pees ce We ae Sf E8a8 re on | ox aanscrsaua oa amo | va Belge E eee aaa non| OFOVEOA viver Be) Go” og ovowlndod -arvewoo] OF ———_— 0961/r6sl — TIS¥ud ON SIVIONAGISaUd s3031313 © Govérno Janio Quadros e a Crise do Poder (2.4 Parte) I Ao findar o Estado Névo em 1945, j4 0 panorama econd- mico e social do Pais era muito diverso daquele em que os fa- vendeiros e os altos comerciantes desfrutavam de condigdes ideais para exercer, de modo quase exclusivo, 0 contrdle do Es- tado. O Brasil deixara de ser um conjunto de regides mal-inte- gredas, cada uma delas tendendo a constituir seu mercado prd- prio, Gragas 4 acclerada industrializacZo em nivel capitalista relativamente alto, determinada pelos efeitos da grande depres- sio mundial e da 11 Grande Guerra, ¢ ao progresso dos meios de transporte ¢ comunicagie, jd funcionava naquela data verda- deiro mercado nacional, cuja importincia reduzira considera- velmente a dependéncia do Pais em relagio ao mercado externo, No nivel da burguesia, agugavam-se os conilicos de interésse entre o setor agririo tradicional e o industrial inovador, éste ultimo, 4 diferenga do que ocorria nas décadas anteriores, agora sulicientemente expressive como férga econémica e, portanto, apto a fazer valer esta forga em térmos de poder. Era assim, Nitida, nova categoria hurguesa que, antes da década de trinta, por sua incipiéncia, carecia de meios de influir na area deci- soria do Pais. Em 1945, a realidade dessa nova categoria ¢ tio patente que sé institucionalizara em uma confederagao nacional {a Confederacag Nacional de Industria) ¢ em federagées nos Estados. Nestas condicdes a tensiio entre o setor agrario € 0 industrial no ambito da burguesia foi ganhando em sistemati- 33 cidade, isto é, tornando-se um conflito de concepgdes contradi- térias do processe cconédmico. E essa contradicio de interésses que, nos Ultimos quinze anus, faz da politica cambial a questao magna de nossa economia. £ a politica cambial que indica os verdadeiros suportes dos Governos, em seus diferentes mo; mentos. Mas us proporedes que caracterizavam ja naquela data a nossa industria e 9 volume das wansacGes de nosso mercado interno subentendiam o sutgimento de outra categoria tam- bém nova em relacie, vamos dizer, 20s unos vinte. Essa cate- goria ¢ 0 pova, em cuja composigio prevalece o conjunto dos assalariados, dos que vivem do alugue] de sua forca de trabalho, Como assinalamos, na década de 1930, pela primeira vez, cm nossa historia social, os ussalariados adquirem existéncia esta- tutdaria, com drgaos de natureza sindical, o Ministério do Tra- balho ¢ os diversos institutes de previdéncia. A modilicacao da estrutura social do Pais nao’ poderia ter ocortido sem reflexos na esfera do poder. Desde 1945, assisti- més a uma série de Iutas que objetivam converter o exercicio do poder aes réclames de nova éstrutura social. A prova de sux existéncia nos é dada pela volta de Getilio Vargas, cm 1950, pela eleicao de Juscelino Kubitschek em 1955 contra um candidato favorito dos meios oficiais, pelo comtragolpe de 11 de novembro de 1955 e, a despeito das aparéncias, pela eleigdo de Janio Quadros em 3 de outubro de 1950. Essas trés. vitorias eleitorais e, principalmente, a ultima, indicam o adyento do pove como entidade politica, apto ao exercicio de fungdes dirigentes, Dizemos principalmente a Ultima e passamos a justifiear a afirmativa, E certo que a eleicio de Getulio Vargas e Juscelino Kubits- chek, respectivamente em 1950 € 1955, nao poderia verificarse, caso no houvesse no pais uma camada social suficientemente numerosa, livre ¢ capaz de, contrariando os designios de gover- nantes e de cheles locais, impor a sua vontade nas unas. Quem comhece a histéria das cleigSes da chamada Repwblica Velha, cm que os candidatos das siluagdes eram invariayelmente sufra- 3 gados, pode avuliar a escala dus alteracdes econémicas, sociais € psicoligicas, que estiio ma base daqueles resultados. Os dais pleitos releridos atestam que 9 Partido Social Demvcratico ¢ 0 Partido Trabalhista Brasileiro, que perfilhavam o3 nomes dae queles candidatos, tinham expressiva delegacao das correntes populares majoritdrias. Seus candidatos foram eleitos. Todavia, a elei¢do do Sr. Janio Quadros, a0 contrario das anteriores, vem demonstrar que, de modo geral, a estrutura partidiria do Pals estd em crise, estd desajustada a realidade sociul. Revela, assim, uma crise de representatividade de nos. sas instituigdes polilico-partidarias ¢, agora, com o Sr, JAnio Quadros investido nas fungdes de Presidente da Reptiblica — uma crise do poder. Par qué? T A resposta terd de ser analitica, Em primeira lugar, deve ser assinalade que o Sr. Janio Quadros foi candidate de oposi- ao ao Govérno e, portanto, que ndo teve apoio oficial nem do Partido Social Democratico, nem do Partido Trabalhista Bra- sileiro, agremiacGes que deveriam ser capares de eleger o Presi- dente da Republica em 1960, se os eleitores obedecesem 20 seu comando partidaria, como em 1950 e 1955. Primeira conclusie: em 1960, significativa parcela do eles. torado nao votou partidaériamente, mas segundo a su propria decisdo. E dbyio que o ex-governador paulisia nfo tinha vincula- eGcs partiddrias consistentes. Jamais pertencera aos quadros da UDN ¢, em certo momento de sua campanha, chegou a de- sistir de ser candidato, alegando sere inadmissiveis os com- promissos que Ihe queriam impor, gesto que, de téda maneira, mostra a sua pouca disposicéo de reconhecer qualquer compra- misso partidario. Em 1958 elegera-se deputado federal pelo Parana na legenda do PTB e, mais de uma vez, na campanha sucesséria, proclamou sua qualidade de trabalhista. Tal indi- ferenciacao partidatia, decerto, é desfavorivel aos trés grandes partidos, pois esté a demonstrar que él¢s nfo exprimem eleti- 35 vamente as incompatihilidades de idedrio que catacterizam as diversas camudas sociais do Pais. Eis a segunda conclusio: a diluisdo do significado social das grandes partidos. Observe-se ainda que o Marechal Lott foi candidato per- filhado a contragésto pelos altos cscaldes do PSD e do PTB, tendo sido o seu langumento feito originariamente por ent- dades e grupos marginais na vigente organizagio partidaria. Por outro lado, na propria UDN, surgiram fortes resisténcias a0 Sr. Jdnio Quadros, considerado estranho ds suas fileiras, que: chegaram ao climax no momento em que se Lentou fazer can- didato o Sr. Juract Magalhates, Estes fatos, por sua vez, sublinham qué os nossag trés gre des partidos ja néo controlam mats a situacdo politica dg Pr FE esta a terceira conclusae, Finalmente, a vitéria do Sr, Jinio Quadros por generosa margem de cérca de dois milhdes de votos “sObre @ $80 principal adversario parece ter-lhe assegurado- um péso especifica no dis positive de féreas que o apoiou, que lhe confere considerayel dircitn 9 decisses proprias no extrcicio do poder, que destacada personalidade paulista, dirigente da campanha Janie Quadros, dissera na intimidade ser “necessirio que oan ge prefeite de Sa0 Paulo ganhasse, mas por pauco”. $d as- sim, certamente, poderiain serThe cobrados dividendos parui- darios. Quarta conclusio: ax proporcder da vitdria eleitoral do Sr. Jatnio Quadros lhe conferiram consideravel “quantum” de po- der especifico em relacio ds fareas que lancavam a stia candi datura. Esla assim justificada a afirmativa de que o ultimo pleito € 4 investidura do Sr. Janio Quadros na Presidencia da Repti- blica ilustram dupla crise; uma crise do poder ¢ uma crise de representatividade dus instituigdes politico-partidarias, Cada uma delas merece consideracio a parte. ‘O que importa, tendo em vista ¢xaminar a crise do poder, declarada pelo Govérno Janio Quadros ora em inicio, € que 36 no presente nao sio perceptiveis ou detinidas as qualificacdes sociais dos que integram a segunda e terceira camadas da so- ciedade politica, anterionmente desctitas. Os resultados das eleigdes de $ de outubro de 1960, nao permitind a essas cama- das reclamar do Presidente cleito o seu dividendo partidario, pelos motives jd referidos, 9 Sz. Janio Quadros passou a colo- ear-se acima da sociedade politica, Tir Técnicamente, quando um Govérno se poe acima da so- ci¢dade politica, considerandose livre de vinculagoes partida- rias, yerifica-s¢ o quadra do bonapartisme. (7) O bonapar- tismo suspende a forca politica das classes socials © as transfor- ma por assim dizer em suplicantes diante do Estado. Entao a pove, partidariamente desorganizado, passa a ser aparente sus- tentaculo do poder, O chefe bonapartista, por cima day elas- ses, por cima dos partidos, busca o apoio dircto da povo, Nao ha diivida de que slo evidentes os tracos de bonapartismo na conduta do Presidente Janio Quadros, em seu periodo inicial, Ai esto 95 seus famosos bilhetes, mediante os quais os minis. {ros foram convertidos a meros executores de determinagses présidenciais, al esta a sua tentativa de anular qualquer media sao entre a Presidéncia da Repiblica eos Estados ¢ Municipios, corporilicada na criagia das Secdes Estaduais do Gabinete Civil « do Servico Nacional dos Municipios: ai esta sua atitude dian- te dos produtores espelhada no: modo altaneiro como recebeu ox membros do CONCLAP, érgaa que durante a campanha su- cessoria mal disfargava us suas preferéncias pelo ex-governador paulista; af esté a sua sombrancerla em face do Congreso e até das Fércas Armadas. © bonapartismo é, portanto, uma das possibilidades conti. das na atual situacio politica do Brasil. Pode, no entanto. tomnar-se fenémeno pasageiro. ‘Tudo depende da capacidade (7) Sébre Lonapartismo, vide Robert Michels, Polisical Pi The Free Press, Glencoe, Hlinois, 1949. Diz Michels: “bonapartism is the theory of individual dominion originating in the collective will but tending to emancipate itself of that will and to become sovercign in its turn", (Pag. 217) 37 das diferentes categorias € grupos sociais na defesa dos scus in- terésses, As medidas concretas do Govérno tenderao a clari- ficar os seus suportes, ou seja, a leva-lo a tomar partido, A yealidade econdmica € social do Pais, ao que tuda indica & des favordvel a vigéncia de um bonapartisme duradouro. A ratio dessa improbahilidade consiste em que as tendéncias econémi- cas ¢ sociais na presente fuse do Pais estiio longe de se neutra- lizarem reciprocamente, caminhando, ao contrario, no sentido de crescente tadicalizagio, Fo que, por exemplo, se tornou claro com a adocho da primeira medida concreta do Govérna no dominio econémico-financeira — a Instrucio 204. Aparen- temente, esperava o Govérno dela calhér efeitos simulrancos que beneliciariam ao setor cateeiro, ao sétor nacional e estran- geira da industria brasileira, aos consumidores, aos meios fi- nanceiros no exterior, e também atenderiam as expectativas do Fundo Monctario Internacional, enquanto viesse diminuir a taxa da inflacio. Mal comeca, porém, a execugio da medida e ja se delineia divergéncia de posighes, em face do Govérno, entre as categorias sociais. Iv Em primeiro lugar, a Instrugio 204 determinow imediato aumento no custo de vida. Segundo confessam as proprias au- toridades, dela decorrera aumento de pelo menos 15%, mas tari- fas de transporte e no prego do pao. Sua incidéneia em outros servicos e bens de consumo popular ainda nao pode ser conhe- cida neste momento, mas € cerlamente consideravel, o que ja jevou ao Presidente da Republica varios lidercs sindicais que the teriam comunicado as disposigdes dos trabalhadores de pe- direm novos aumentos de ‘saldrios. Elevando o cambio de custo de Cr$ 100,00 para Cr$ 200,00, a Insirucae 204 encarece os custos de ptoducda da industria, uma vez que diversas ma: tcrias-primas © cquipamentos eram adquitides no exterior por aquéle cimbio favorecido. Particularmente as atividades in- dustriais exisientes e em instalagio mas areas subdesenvolvidas do Norte, Nordeste ¢ Extremo-Sul serdo oneradas, pois depen- dem de suprimentos oriundos do exterior ou do parque manu- fatureiro do Centro-Su 3a Presume-se que o encarecimento dos €quipamentos reanj- Inard a nossa induistria mecanica, visto que para ela deve trans- lerir-se grande parte da demanda que vinha sendo atendida por importacées. E ainda de SUpor que certas remessas para o ex. terior, 4 guisa de amortizacGes de investimentos estrangeiros Tegistrados na SUMOC, agora terio de ser feitos na base de um dolar cem por cento mais caro em moeda nacional, se é que pritica dos superfaturamentos nao vird anular essa vantagem a nossn favor, Anotese, no ehtanto, que no é de franco otimismo a rea. cdo. dos drgios representativos da industria em face da medida, €m contraste ¢om 0 jribilo dos meios financeiros no exterior, do Funds Monetirip Internacional © dos exportadores, A cldusula V da Instrucio 204 parece destinada a proleger certag emprésas cstrangeiras, POIs assegura nao Thes serd aplicada a Majoracio do custo de cambio, sendo quando reajustarem as suas tarifas: ern outras palavras, sendo quando transferirem para o consumidor os énus da providéncia. A Insttucao 205, baixada pela SUMOG om 12 de maio de 1961, que implica a elevacdo do délar-café de 90 cruzciros para cérca de 135 cruzciros, parece indicar a preponderancia no Govérno da inflaéncia do setor Parasitatio e reerégrado da eco- nomia nacional, Para robustecer o sentido antipopular dessa politica econémica, hasta que a Governo deixe inalterados dis. Positives coma a Instrucio 113 € outros, que asseguram excessi- vos favores ao capital alienigena, £ licito supor que assim acontecera, pois de outro modo o Ministro da Fazenda, o St. Clemente Mariani, nao yeria coroaias de éxita as negociagées que empreendeu nos Estados Unidos em tomo da operacio de ajuda econémico-tinanceira a0 Brasil, que atinge mais de um bilhdo e 500 mithdes de délares, afora o que ainda se €spera de Paises europeus ¢ do Japao, Segundo o Ministro da Fazenda, 4 operacdo total excederd 2 bilhdes de dolares. As conseqiién. cias dessa politica cambiwl cedo haverdo de colorar o Presidente Janie Quadros diante de dramatico dilemma, E notério que a principal intengio da Govérno ao adutar a Instrugdo 204 ¢ recentemente a {nstrucio 208, que eliminam 9 chamado “cambio de custo”, foi diminuir a intlacao. Mas a inflagio no Brasil nao pode ser reduzida 4 sua expres mal sé o Govérno nao tomar o partido dos empresérios inova- dores e dos assalatiados. A inflagie Mo € questéo abstrata de contabilidade. 7 uma questio social, Juta de categorias pela maior participagio na renda produzida no Pais. Natural- mente, os sclores anacrémicos € retrogrados da economia, dese- Jando conservar as suas vantagens, sip levadas i una visio quantitativa do problema inflacionario. Para les, a inflacto no Brasil deve ser corrigida pela réstricho da producto: de bens e servicos destinados a satisfager as novas exigéncias quantita: tivas © qualitativas do consumo popular. Tals setores preco- nizam o equilibrio entre os meios de pagamento ¢ os bens € gervigos, pelo corte no Jado das atividades produtoras nao dicionais. Somente desta maneira, podem manter os ni cis de Incro a que cstio hubitwados. Do pontode-yista das outras categorias, porém, 2 inflagio 36 pode scr diminuida pela redis- tribuicdo de recursas dos setores que se tornaram parasitérios {como o- café e alto comercio exportador) para o das ativi- dades da lavoura, da i uistria ¢ dos servicos que atendem as nowis exigencias quanditativas ¢ qualitativas do consume pls pular, atividades que, por sua maior produtividade secial, criam emprégo, diversificam 0 sistema. produtivo € asseguram 6 incrementa do bem-tstar social ea incorporaciia no mercado de mio-de-obra antes segregada na economia natural, Eig por quew inflagio € problema politico. F pelo moda de tratd-la que o atual Govérne revelard 0 pacto politico que o sustenta, & 6 modo de tratd-lo que mostrarg quais a3 cale- gotias. ou grupos socials que, atraves do presidente da Repui- blica, exercem o poder. Assim a sistematica articulacto social do Govérno é dado thonicamente necessirio para tatar 9 atual problema da inflagio, = contradigoes entre 0 setor tradicio- pal ¢ o-de vanguarda de nossa econonua chegaram hoje a tel agudeza que nao & possivel o bonapartisme, ou seja, 040 é pose sivel um Govérno neutro, acima das classes sociais. Se a Govérno pretende corrigir a inflagio sem afetat os niveis de renda. do setor estaciondrio da economia, tera de re- correr & politica de forga, 2 um regime ditatorial ¢, portanto, colocaré os empresirios de vanguarcla € os assalariados diance de um desafio que terd de ser conjurado pela revolucao, 2 me- 40 nos que busque, em tempo util, os stus suportés socidis nessas ullimas categorias. estas condigdes tera de tocar o wata- mento puremenic financeiro da inflagae por um tratamento institucional que implicara a reforma do préptio Estado, A so- lucko histérica positiva de nossa inflagio requer um Estado a servico da expansio do mercado interno ¢do aumento do poder aquisitive do pove, um Estado capaz de corrigir, pela redis- tribuicdo programada de fatores, os desequilibrios interseto- riais da agricultura ¢ da industria, entre a agricultura ea in- diistriu, entre as regides desenvolvidas e subdesenvolvidas ¢ também capaz de suprimir os favores excessivos até agora dis- pensados ao sctor eslrangeiro da economia ¢ reformar a admi- nistragio do Pais no sentide de vinculiela as demandas atuais da sociedade brasileira, eliminando o papel assistencial & pre- bendirio que ainda a caracteriza. Bem sc vé que a execucao dessas tarcfas prornocionais é subsididria de um poder cujos verdadeiras titulares nao slo nesta hora aquéles em que o atual Govérno reconhece os seus sistematicos suportes socials, ¥" Mas € preciso observar que as veleidades bonapartistas do atual Govérno na so fortuitas. Explicam-nas a perda de re- presentatividade dos partidos, dos aparelhos partidarios. De- sarticulados das correntes de opiniie e das categorias sociais, descaracterizados perante o publico, dos no jégo de vanta- gens sem verdadeiro aleance social, 03 partides nao foram ca- pages de apresentar os térmos da tiltima sucessio de modo que refletissem a radicalidade que marca hoje os projetos das dife- rentes categorias sociats. Og resultados do pleito de 8 de owtt- bro de 1960 revclam que expressivos contingentes do eleitorado presumivel dos partidos {o PSD ¢ 0 PTR) que, nas eleigdes de 1945, 1950 ¢ 1955, garantiram o éxito dos candidatos 4 Pre- sidéncia da Reptiblica, negaram-se a seguir as suas palavras de ordem, vatando no Sr. Janio Quadros. Por outro lado, como ja assinalamos, o Sr. Janio Quadtos jamais primou em reconhe- cer no partido que aparentemente decidiu de sua candidacura, a UDN, agremiacio que tenha direito a cobrar-lhe dividendos no Govérno. 41 Esta posta, assim, nest¢s dias, tarefa de reorganizaciio poli. tico-partidaria, que traduza em térmos institucionais as linhas de férca da opinido eleitoral. Logo apés o pleito de 8 de outu- bro, a consciéicia dessa tarefa levou alguns politicos a cogitar da criacao de novos partidos, seja pela fusio de facgdes parti- Tias ja existentes, seja pelo enquadramento de contingentes eleitorais cujas idéias se presumiam nao estarcm representadas has agremiacoes em funcionamento. ‘Todavia, pondo de parte sta pretensao, parece que preliminarmente.o que se impGc ¢ discutit o problema da organizac’o partiddria em seus. devidos térmos, Queremos dizer: a mera reforma das agremiacdes exis- tentes pouco avanco significard se nfo forem modificados os métodos de trabalho partidario até aqui adotados, A questio do mimero de partidos, de seus programas, de seus estatuitos se afigura secundaria, enquanto no se admite que o que ¢ mister é a implantagio no Brasil de novos metodos de trabalho parti- dario, mediante os quais os partidos possam exptimir adequa- damente os diferentes projetos das camadas sociais do Pais ¢, desta maneira, permitir a conducdo dos acontecimentas com um minimo de previsibilidade. VI O cardinal fato politico da vida brasileira nos dias de hoje ¢ a existéncia do pove. Esta nova realidade sociolégica neces- sariamente impGe reorganizacdo social e politica do Pats, apta a dar forma aos impulsos da nova sociedade que se constituiu. Por felicidade, podemos, hoje, ressaliar em vivas notas a novi. dade substancial da presente ctapa do Brasil, concretizada na emergéncia de pove, como protagonista eminente do processo politico, Trata-se de que dispomos de estudos objetivos da so- ciedade brasileira em periodo transcorrido, exatamente realiza- dos no pressuposto da inexisténcia do povo. Com efeito, Gil- berto Amado, ao fazer a critica de nossas instituigdes politic partidérias, explicava as suas deficiéncias, a partir de uma constatagdo corteta, na ¢poca — a de que no existia pove no Brasil. Hoje, que somos contempordneos déste néva protago- nista no cendno brasileiro, temos, por inversio, que partir da consciéncia de que éle existe, para melhor enxergarmos as lacunas do sistema social vigente. 42 Dizia Gilberto Amado em 1924: “Povo propriamente nado o temos. Sem contar.a das cida- des que no se pode dizer seja uma populacio culta, a popula- cdo do Brasil politicamente nado tem existéncia”. (8) E num discurso em 1925 na Camara Federal, retcomava o assunto: “,.. nilo t€mos corpo eleitoral ative, democratico, a altura do sistema representativo (9)". E continuava: ssas circunstancias nao sio culpa de ninguém; resultam de condigdes do meio eno podem ser alteradas senao pelo fa- tor tempo, O que ai estd nfo resulta da vontade de ninguém; € porque nfio pode deixar de ser.” Em 1931, repetia: “Nao temos pove eleitoral, no temos massa el¢itoral escla- recida, ligada a homens politicos, a correntes politicas, a varias diretrizes de interésses ¢ de ideologias nacionais, isto é, nenhum eleitor vai as urnas vatar em Fulano de Tal porque éle é comu- nista (salvo a exceciozinba aqui no Rio), socialista, radical- socialista, socialista nacional, liberal, democrata, conservador, monarquista, progresista, catdlico, personalista, antipersona- lista etc. © eleitor vota por motivos diversos — admitamos que s¢jam os mais nobres ¢ eleyados, mas nao por motivos po- Iiticos no sentido direito da expressao”. (10) Tudo o qué afirmava Gilberto Amado era exato, O Bra- sil nao tinha povo, nao tinha condicées para praticar um sis- tema representativo, Para fazer surgi-las era impotente a yon- tade de alguns homens eselarecidos, era necessério dar tempo ao tempo. Mas o tempo cumpriu sua tarefa. Ninguém hoje podera reconhecer o Brasil no retrato do que éle foi até a dé. cada dos anos vinte. Ai esto diferenctados em seus estatutos (8) Vide A. Carneiro: Leio © outros, 2 Margem da Histéria da Republica. Rio. 1924. Pag. 72, (9) Vide Gilberto Amado, Elei¢do e Representacio, Rio, 1931. Pag. 47. (10) Ibidern. Pag, 216 43 econémicos ¢ ‘psicologicos os remanescentes dos proprietarias turais, 0 allo comércio exportador, os empresdrios induseriais, os pequenos ¢ médios agricultores ¢ comerciantes, a pequena burguesia, os trabalhadores rurais, a massa obreira urbana. Ai estd t6da uma variada gama de atividades concretas, orientadas no sentido de instalar no Pais um sistema produtive caja dina- mizagao conta apenas com as transagocs do mercado interna Ai esid um eleitorado que reage cada vez menos sob a infludn- cia do compadrisma @ do mero fascinio pessoal dos candidacos e cada ve7 mais sob a influéncia das idéias, dos programas, das concepeoes. A ctise de representatividade nao pode ser mais explicada pela auséncia de povo, mas essencialmente pela inadequagio dos institutes partidarins a nova realidade social ¢ econdmica do Pais. Nas condigdes anteriores, o que se verifierva na é5- fera decisdria du Pais era simples cireulaco de clites, (11) ista é mero rodizio de ocupantes eventuais das posiges de mando, sem alteraciin significativa do estatuta ccondmica e social. Hoje, entrétanio, trata-se de organizar uma sociedade funcio- nal, em cujo Estado se afirme o poder dus camadas sociais na proporcaa do que contribuem para o enriquecimento da Na- cdo. Sulicientemente dotadas de consciéncia désse imperativo, us diferentes categorias do eleitorado brasileira nfo mais: acei- tam, comandos partidarios munificentes. A recente elcigio do Sr, Prestes Maia para a Prefeitura de Sio Paulo ¢ a consc- qilente derrota do candidato do atual Presidente da Republica aquele cargo constituem mais um fato que ilustra a inexistén= cia no Pais de eleitorade cativo, A rebeliie do el¢itorado, expressa nos resultados dos ulti- mos pleitos, colocon ¢m question os nossos grandes partidos. Observe-se, porém, que a maneira de ajustd-los melhor a nova psicologia popular é menos reagrupd-los em outras agremiacées do que tornd-los idéneos com o projeto ideoldgico de seus asso- ciados ¢ simpatizantes. Os wés grandes partidos PSD, PTB & (LI). Ver, mais adiante, o capitula “Politica de Elites e Politica de Quadres” 44 UDN, representando respectivamente a5 remanseentes da an- tiga classe dominante, as categorias seciais bencliciarias do de- senvalyimeéto econdmico e a classe média em seu sentido tra- dicional, ainda podem vollar a ter o contrile decisive do elei- torado e das correntes de opinido, se forem internamente refor~ mados, adotundo processos de trabalho politico que, pelu sua consisténcia, os articulem. efetivamente as camadas socials que thes correspondem, Els por que a uta interna se aligura re+ medio elicaz para debelar a crise que os acometé. Sob a forma de renovagées, 2 luta interna ja surgiu naqueles partidos ¢, na medida em que os leve A autocritica, @ pratica da democracia interna ¢ do estreitamento de suas relagdes com os seus adeptos, hao de vivificar, Se os altos escaldes que atualmente os di- vigem, pela prepoténcia e pelo arbiurio, esmagarem os agentes da luta interna, nesse caso verémos passar crescentemente para outras entidades mais sensivéis ao estado social da Nacho as TuncSes de lideranca politico-partidaria. Surgidas a principio come circulos dissidentes no interior dos partidos, essas en) des terminarao obtendo existcncia estatutdria propria © inde. pendente, 4 semelhanca do que acontece Testes dias com o Mo- vimento Trabalhista Renovador do Sr. Fernando Ferrari, caso as cupulas das agremiagGes se eneastelem em. sédigas posighes de continamento © remédio para a atmal crise. de représentatividade dos partides é organizagio. Orgunizagio que os habilite a pra- ties da democracia interna e do trabalho de miassa em carater sistemdtico e permanente. Q problema da arganizacao parti- davia é matéria que, por sua complexidade, escapa aos limites déste estudo, que pretende ser apenas sumirio diagndstico: Trajetéria Politica do Brasil (Do elf & ideologia) I A tomada de consciéncia de que » povo é a novidade ta- dical do Brasil na presente época constitui requisita imprescin- divel, do ponto-de-vista teérico e pritico, Muitas das mais categorizadas andlises de nossa evolucio politica perderam vali- dade justamente porque o seu pressuposto, Hcito até recente- mente, era o da inevistémela da referida categoria histérica Pela mesma ravio se tornaram inoperantes as instituigdes pol{- ticas ¢ administrativas adequadas ao-antigo regime, recém-su- perade pelas transformagées que sofreu o Pais nas tltimas dé. cadas. Do surgimento do povo come agente ative do processo politico resulta dupla exigencia: a de reformar o Estado ¢ a3 instituigGes politico-administrativas, para. que se ajustem ao cardter multifuncional contemporaneo da estrutura ccondémica, a de elaborar a pertinente equacio tedrica da épaca, pois sem ela nfo se habilitarao os quadros dominantes a conduzir os acontecimentos com o minimo de sistematicidade necessdtia para mérecerem a qualificativo de dirigentes, Quem diz qua- -dros dominantes nao diz necessiriamente quadros dirigentes, / pois os titulares do mando podem exercé-lo de modo cego, scm compreender 9 seu signilicado histérico e, portanto, sem adotar a estratégia que conyém aos seus interésses, A. teoria da época nfo constitui simples necessidade académica. # requerida para | a boa condngio dos negécios publicos e até dos negdcios pri- yados. A sociologia politica tem um momento nave no Brasil, Hd que ser reformulada, induzindo as suas categorias da realidade 46 social da Pais, Assim prececteram os publicistas que nos le- garam as contribuigdes mais competentes, utc agora, no referide campo do saber. Ocorre, porém, que o pensamemto déles se referia a um Brasil que se tornon rapidamente obsoleto. Nem por isso, os seus estudos perderam utilidade, Ao contrério, sé confrontarmos as suas observagdes com aquelas inspiredas nos acomtecimentos de hoje, mais vivamente paderemos perceber co ineditismo de nossa época. Neste trabalho, recorreremos, para efcitos clucidativos, ao confronto de nossas afirmativas com as de dois autores emi- nenies; Oliveira Viana e Gilberto Amado, na conviccao de que, désse modo, lograremoy revelar aspectos para os quais a rotina nos torna cegos, A teoria da presente época no Brasil sera irrecorrivelmente frustra, enquanto nao refletir a consciéncla sisterndtica de um dado ordinirio hoje na vida brasileira, porém que faliou nas épocas pussadas. Psse dado 6 0 povo. Somos contemporineos da emergéncia dessu catesoria histérica ¢, por isso, lemos difi- culdade em apreendé-lu, Releamos, portanto, alguns textos que eram corretos e nes quais se dava como pressuposto a ine- sistincia de povo no Brasil ¢ indaguemos se ainda tem vali- dade para 0 nosso tempo. Comecemos por Oliveira Viana. Alguma razio tinha o socidlogo fluminense, 10 afirmar em Frstituipdes Pollticas Bra- sileiras (1949) : “Quando vista objetivamente, a nossa vida politica nos da uma impressio de vacuidade:— essa mesma va- cuidade, que deixava em Nabuco um indefinivel sen- timento de desencanto ¢ mélancolia: de um “combate com sombras.” (Pag. 324). Ou entie: “no Brasil, dése, por iste, o fenémeno da vacuidade da vida publica, assim desprovida da sua matéria-pri- ma”. (Pig. 354). aT Ou ainda: “Em téda esta psicologia da vacuidede ow auséncia de motivacdo colettuas da nossa vida publica, ha um traco geral, que s6 por si bastaria para explicar todos 6s outros aspectos, trago que ¢u ja assinalei, para a re. giso Centro-Sul, em Populacdes, Este: a tenuidade an fraqueza da nossa consciéneia do bem coletive, do nos so sentimento da solidariedade social ¢ do interésse pui- blica, Esta tenuidade au esta pouca densidade do nosso sentimento do interésse coletive é que nos di a taziv centifica do futo de que o interésse pessoal ou de familia tenha, em nosso pova — no compartamento politico dos nosses homens jriblicos — mais péso, mais forca, mais importincia determinante, em geral, da que as consideracées do interésse coletive ou nacional. ‘Este estado de ¢spirito tent uma causa geral, que eu ja expliquel em outro livro, uma rarao légica, uma ravio cientifica — ¢ esta radio cientifica é a auséncia da compreensio do poder do Estado como érgio do interésse publica.” (Pag. 340), A “rafio cientifica”, a “raz3o socioldgica” da tpoca de Oliveira Viana era a “vacuidade de motivacdes coletivas”, a au- séncia de pove no Brasil. A razao sociolégica de nossa época a existéncia do povo na sociedade brasileira. Disso-resulra bid a nova sociologia politica do Brasil é algo a sertumdadn, “A vida politica deixou de ser privilégio ¢ cada ver mais em. polga largas camadas sociais, Até do ponto-de-vista quanti- tativé pode ser apreciado em que escala mudou e@ contetide politico ou de “motivagdes coletivas” da sociedade brasileira. Examine-se o quadro apresentado na pagina 92. Por ora tes- > Salte-se o significativo aumento da participagio popular nas vw" yeleicies. Segundo depoimento de Joxo Francisco’ Lisboa, n&o | deveria ultrapassar 0.2% da populagio o nimero dos cleitores \de 1841. Depois de proclamada a Reptiblica, modificouse a é situagdo, é verdade, mas nao tanto dé modo a permitir que se pr falasse em “povo politica” ne Brasil, Antes de 1930, em ne- nhuma elei¢io para Presidente da Repiblica comparcceu 48 miunera de votantes superior a (4% da populacio, os ndo essa percetitagem entre am minimo de L449 em 1906 e um maximo de $,44%, em 1902, Na Republica ‘Velha, o maximo A que alingiu essa percentagem foi de 5,655, em 1930, ano em que se elegeu Julio Prestes. Nos tltimes quinze anos, é cres cenite a participagio politica do povo. Em 1945 compareces ram as eleigoes 13,424), da populacdo, percentagem que se ele- vou a 19.14%, em 4 de outubro de 1960, Deixemos de lado outros aspecros da quadro que serdo devidamente discutidos adiante, * oportuna indagar, neste ponto, quais ds antecédenres da nova realidade politica do Brasil, Fa-lo-emos aqui, utilizando ‘Sategorias que se aproximam do que Max Weber chama de “tips ideais” ou “conceitos puros’*. Podem ser distinguidos varios tipos de politica, em fossa evolugao, os quais tendem a ser sucessivos, embora em diversos momentos se apresenteim simultineamente. Nao devem ser tomados rigorosarmente como. realidades historicas. Sfo referéneias tedricas, witeis para apro- iundar a compreensia dos fatos. ‘Tais tipos sda: a) a patitica de cla: b) a politica de oligarquta: ch a polities’ populista: d) a politica de grupos de pressio: e) a politica ideal IL fee 5 = | A politica de cl na-verdade, caracteristica de uma situa- Go prepoliier on protopolitic » Era dominante no Brasil colonial, em cujo territdrio vicejava uma poetra de nicleas po: pulacionais, monadas fechadas ¢ auto-suticientes. Tinham di ferentes nomes, engenhos, fazendas, estancias, currais. O ca € unidade social cujos integrantes acham-se fortemente ligados por lagos de parentesco, em suas varias formas, ¢ de dependén- cia residencial, e nao tém consciéncia de nenhum institute de direito publica. A autoridade do senhor territorial ¢ onicom- preensiva, seu poder privade nfo se distingue do poder pitbli- co. Qs que se enconitam no cla Ihe devem irrestrita solida. tiedade. “As razdes da vida coletiva sio af essencialmeste Io. cais, Quando, no periedo colonial, se apresentava a oportu- nidade de praticar atos politieas, como, por exemplo, na oca- slaa de se eleger os membros das CAmaras municipais, s6 a “no- 49 breza da terra” participava dos comicios eleitorais, isto é, em ordem decrescente de importancia, os nobres de linhagem, os fidalgos ¢ os infancdes da Casa Real, os descendentes dos po- voadares ¢ descobridures que exercem cargos militares ou civis, os proprietdrios territoriais com status de. nobreza, os burgue- ses abastados pela riqueza acumulada na comérefy. (1) Oliveira Viana, que estudou minuciosamente ésse agrupa- mento social, escreveu: “Désse corpo eleitoral estavam excluidos taxativa- mente todos os pedes; quer dizer: @ quase totalidade da populagdo colonial, Pedes eram todos os mercd- doves, que formavam a classe média das cidades ¢ vilas. Pees, todos. os oficiais mecinicos — os ferreiros, os funileiros etc. Pedes todos os carregadores bracais e homens de soldada; os vendedores ambulantes (mas- cates); 03 trabalhadoves dos engenhos; os trabalhado- ves urbanos de téda ordem; os colonas; os foretras, os agregadas; os mestres de aciicar; os caéxéiros; €m geral, todos os moradores do sertio. E tambcm os homens de cdr — os pardos, os indios, os caluzns, os mamelucos, as negros alforriados — isto é, a fragdo mais numerosa da plebe colonial, a grosso da massa tural, Tudo isto formaya, no seu conjunto, a peonagem colonial: por isso, nfo yotava; nfo podia ser votada; nfo tinha o nome nos pelouros; nem cxercia cargos ptiblicos; ens suma: carecia do que os Tomanos chamavam jus stuf- fregii 2 jus honorum. Rumorejava ¢ repululava ape- nas em tormo da classe uristocrdtica — a nobrem da terra, na qual residia exclusivamente o monopdlio do sulragio ¢ do govérno local. Uma espécie da classe dos ctves sine suffragio, da antiga Roma”. (Pag. 298). I Convém distinguit entre politica de cla ¢ politica de olt- garquia. A primeira nao vai além do estreito limite local. A (1) Ver Oliveira Viana, Instituipdey Politicay Brasileiras. Rio. 1949, Pag, 297. 50 \ politica de oligarguia) é um grau superior. No Brasil, ela aparece sob a forma que Oliveira Viana chamava de cl elet- ioral, quando se organiza o Estado-Nacdo com suas trés ordens de governo: o municipal, o provincial (estadual, na Republi- ea) ¢ o geral ou nacional, Com_a Independéncia, em_ 1822, os _antigos clas mutais foram reunidos em agrupamentos maio- res, as oligarguiss, ¢ assim passaram a disputar o poder, Apo. titica de oligcrguia, embora reconheca, do pontowle-vista juri- dico abstrato, a coisa publica, utiliza-a, na prdtica, come coisa privada, As oligarquias exercem o poder em obediéncia a Gitériog familisticos on de compadrismo, Dai nao tolerarem hos servicos do Estado senao os seus apaniguados, As “der- tubadas" e “deposigdes", tho freqiientes no periado imperial e no republicano, até 1930, atestam a indole intolerante das oligarquias. ‘Tarefa eminente dos que promoveram a Inde- pendéncia do Brasil em 1822 foi a de “meter os cls em par- tides nacionais”, (2) Tdda a vida brasileira no Império e na Republica Velha se baseava no compromisso entre as oligar- quias ¢ os podéres constituidos nas Provincias e no Centro. Os Governadores atuavam nas Provincias coma deélegado do Gentro ¢, usando og seus podéres, intesravam os clis rurais nos dois grandes partidos — 0 Conservador e o Liberal, Oli- veira Viana assim descreve como funcionava o sistema de com- promissos que articulava os trés niveis de govérno: “O agrupamento local, que cons¢guia ter ao seu lado o Governador, dominava o munic{pio todo, pas- sava a dispor de todos os meios de aliciamento, que o Centro — pelo sew preposto, o Governador — dispu- nha: policia civil; policia militar; guarda nacional; tf. tulos de nobreza: nomeacdes para postos de adminis- tragdo locais (delegados, subdelegados, comandantes, inspetores, fiscais ete.) . “Dai, toda o empenho désses chefes de clas rurais, quando associados em cla eleitoral, era obter 0 apoio do Governador — e cada um déles 86 assentia congre- (2) Oliveira Viana, ap. wit. Si garse num cl eleltoral para éste eleito, ¢ 96 para éste eleito; nada mais. E esta a impressio que nos deixa & leitura das diversas monografias de Histdvia local, rela- tiva a lormacio politica ¢ partiddria das provincias e snunicipios. "© “partide do coronel”, cormado uma seco ou fragmento municipal du “partido do Goyernador”, constituia um conjunto muito unido de clas feudais € parentais, associados para explorarem cm séu favor os cargos publicos locais. Tinha a sua base na solida- viedade da familia senhorial ¢ da plebe, na dupla ex- pressio feudal e parental, organizada pelos senhores dos dominios, Compunha-se de clas dominicais, cujos cheles estavami ligados, em regra, por lagus, ou de pa- ventesco consangilinco, ou de parentesco expiritual (compadrio) ao chefe local do “partido”. Nesse sen- tido, pode-se dizer que os nossos “partidos’' locais eram verdadeiros clis, ao modo antigo ¢ na sua delinigio classica,” (Pags. 288-289). Na Republica Velha ndo era diferente o sisterna., E certo que durante os Governos milirares de Deodoro da Fonseca Floriano Peixoto se Interrompen o dominio oligirquico, Mas desde Campos Sules, as bases antigas do peder foram rétoma- das para permanecerem trangiiilas até 1930. Os partidos re- publicanes, como o Purtida Republicano Federal, dirigido por Francisco Glicério, € o Partido Republicano Conservador, di- rigido por Pinheiro Machado, eram drgios mediante os quais se coofdenavam as cheles oligdrquicos, nos Estados ¢ Munici- Ppios, Tanto no Império como na Velha Republica, os motives dominantes nas organizagées partidarias das Provincias e dos Estados cram essencialmente locais e pessodis, Por isso os par- tides “ndo tinham conta, péso ou medida”, notava J. F. Lisboa, em seu Jornal de Trmoai iis, tantos, de toda tamanho, nomes qualidades tém éles tide’. E prosseguia: “As aves do céu, os ptixes do mar, os bichos do malo, as mais imundas alimdrias.¢ sevandijas ja nao 52. podem dar nomes que bastem a designa-los, a dles ¢ aos seus petiedicas: os cangabds, jaburus, bacaraus, morossocas, papisias, sururuas, guaribas, catingueiros. Assim, os partidos os vao buscar naz suas preténdidas tendéncias ¢ principios — nos cilimes de localidades, nas disposicGcs antimetropolitanas, na influéncia déste ou.daquele chefe, destus ou daquelas familias, (Jornal de Timon, J. F. Lisboa, “in” Q, Viana, op. cit. (Pas. 293) “Lata politica’ nfo exisuia propriamente A bandeira des sas "parcialidades”, désses partidos locals ndo eram idéias, prin- cipios, questées doutrinarlas ou programdticas ¢, assim, a luta pelo poder, muito longinguamente se inspirava no 2élo da coisa publica. A maneira do que ocorria no periodo colonial entre os Pires ¢ Camargo em Sido Paulo, os Feitasas ¢ Montes no Ceura, o3 Guerrciros ¢ Militées na Bahia, a vida partidaria no Jmperio animaya-se de dissengdes cute oligarquias. Sua designagdo ¢ varlada. So os Ovlieien, os Gejube, os fitanga, os Ferro, as Mucaranduba, ox Imbuzetro, os Cipd, o Cansancdo, os Sucuptra, os Cajueiro, em Alagoas; os Breves, os Avelar, 03 Teixeira Leite, os Correia ¢ Castro, as Macedo Soares, na Provincia do Rio de Jeneino; os Prado, os Morais e Barros, os Vergueira, os Lara, 05 Alves Lima, os Cunha Buena, os Sika Teles, os Paula Sousa, os Mreitas Vale, na Provincia de Sio Paulo; ¢ assim por diante nas outras provincias. Quando se tizer o levantamento das oligarquias na Velha Republica, per ceria, o estudo de Silvio Romero as Oligarquias ¢ Sua Glassificagdy (in Provecacies e Debates, Porto, i910), sera de grande utilidade. Distinguia em 1910 Silvia Romero, como oligarquias ou oikourguias, 0 maltiono em Alagoas; os Lemos no Para; os Pedro Velho, no Rio Grande do Norte; 03 Netva € 08 Machado na Paraiba; os Béenedito Léeiie no Maranhio: os Pires Ferreira ¢ Anisia de Abreu, no Piaui; os Rose e Silva em Pernambuco; os Glicério, os Rodrigues Alves, os Bernardino de Campos ¢ Ttbiricd, em SAo0 Paulo; os Pena, os Bias Fortes, o3 Sales, os Pinheire, as Peixuto, os Feiga, em Minas Gerais; os 53 Vicente Machado no Parana; os Hercilto e os Lauro em Santa Catarina; 953 Portce, em Mato Grosso; o “castilhtsmo posits udide” no Rio Grande do Sul, representado no Rio na pessoa do caudilho Pinheiro Machado. Mas a diversificacgao econémica do Pais, o cresciménto da populacdo ¢, cm particular, das aglomeracSes urbanas sao tores que progressivamente enfraquecem as oligarquias. No cenlros mais desenvolvidos surge uma populacio que, pela na- tureza de suas atividades, nfo carece da protegao dos chefes oli- girquicos. A diferenca dos trabalhadores do campo que asse- guram largumenite sua subsisténcia do consumo direto da pro- ducia natural, os trabalhadores urbanos vivem da remunera- cio de suas atividades. Para os primeiros, tém grande farca coesiva os vinculos de localidade. O solo adquire, todavia, ou- tra significaciio para o3 trabalhadores urbanos, nao 05 prende e torna-se-lhes algo abstrato, O que os modela crescentemente € a natureza social de suas atividades, que os leva a transcender a dependéncia territorial. A categoria social aqui vai tormando o lugar da localidade, da residéncia. O teor social da &xis- réncia dos trabalhadores urbanos ¢ mais rico do que o da vida camponesa, cléva a sua consciéncia, Grudativamente com- preendem que o atendimento de suas reivindicacGes depende da escala em que possam influenciar os governantes. © Estado come¢a a sé Ihes mostrar menos como botim de oligarcas € seus protegidos do que como érgao a servign de categorias sociais, Procuram estabelecer com os chefes politicos um vinculo dis- tinto do que relaciona 9. oligarca com_os seus clientes. Véem no chefe politico um homem identificada com os seus proble- mas € niio pessoa a quem deva fidelidade e obediéncia. Es- erevia Tavares de Lira, em 1922: “A nao ser nag capitais e nos centros populosos, onde ha espirito publico esclarécido e a opiniie se faz respeitar, éste quadro — com tracos menas vives ¢ cares mais apagadas — ¢ de perfeita atualidade, porque no interior do pais a resisténcia @ intolerancia e ao exclu- sivismo dos partidos, aos abusos ¢ & onipotincia do 54 poder ¢, em regra, impossivel. E dai a relativa inefic cacia das nossas leis cleitorais’, Gy Iv FE exatamente onde comeca a surgi “espirito publico ee clarecida” ¢ "a opini&o se faz respeitar” que aparecem as con. dighes para a politica pipulista. O) poputismo nao apela para a consagitinidade, o parentesco em sas virias formas, a depen- dénela residencial, a lcaldade, Apela para uma yaga solida- riedade social. O chefe politico, no case, € um delegado de imterésses e, uma vez no poder, seus adeptos esperar vantageris Pala as suas categorias sociais, seja sob a forma de cargos, seja dé favores ou [acilidades asseguradas mediante a manipulacao Gos érgaos do Estade, © vinculo que liga aqui os liderados aos chefes é a confianca pessoal e nio de fidelidade cldnica, O lider populista é sempre um homem que féz algo pelas cate- gorias sociais de seus adeptos e que, por isso, as sensibiliza poli- ticamente. Na politica populista nao ha ainda exigéncia ideo. légica, ha expectativa de que o lider no Poder assegure bene- ficios diretos ou indiretos aos queo elegeram. Por volta de 1930, escrevia Gilberto Amad “Nenhum eleitor, por exemplo, varou no Sr. Fron. tin, porque éle era catélico, conserrudor, protecianista, nem no Sr. Mauricio de Lacerda, porque éle era radix cal, socialista, nem no Sr, Bergamini, porque éle era liberal ou coisa parecida. Votaram néles por quais quer outros motives — admiracdo, amizade, simpatia, pedido, sugestio da imprensa, motives porventura no- bres, elevados, mas n&o. por iddias, por interésses liga. dos a0 do Pais, por motivos politicos, Os eleitores que yotalam no Sr. Azevedo Lima, cm Sao Cristdvio, quando éle era comunista, foram os mesmos que vota- ram néle, quando éle se tornou prestista. E. note.se (3) In Barbosa Lima Sobrinho, Sistemas Eleitorais & Partidos Paw iitices. Pundagiio Getilio Vargas. Rio, 1956. Pag. 57. 55 pital Federal, 9 centre mats adian- Mas é preciso observar a superioridade désses eleitores em comparacio aos integrantes dos clfs. files sao sensibilizados por “adniracio, amisade, simpatia, pedido, sugestia da im- prensa, motives porventura nobres". Nio foram oligarcas Mauricio de Lacerda, Bergamini, Azevedo Lima. Nao foi oli- garca Genilio Vargas. Nao o é Jolo Goulart, Nao o @ Ade mar de Barros, Frmbora tenha repontadg ja na Velha Repdblica, a po. tien populista domina significativamente o periodo posterior ao Fstado Nave. Anteriormente, controladas os. pleitos pelos go- yernantes ¢ seus cotreligiondrios, era dificil on quase impossi- vel o éxito cleitoral de Lideres populistas, moldados 4 distincia dos quadros oligarquicos. A vigéncin da politica populista pressupde um minimo de probidade mas eleigdes que, notada- mente no Ambito federal, s6 tivemos a partir de I95. © populism ¢ um advange em. rélacto & polities de cla ea politica de oligarguia. Esta supevioridade decorse de sua in fra-esirututa peculiar. Corresponde a um momento da evolu cho ccondmica em qué a industrialieagio, perdendo o carater marginal ¢ ocasional, vai-se constituindo em proceso consis: tente. Mas é claro que as primeiras geragdts dos centros urba- noindustyiais ainda nfo podem apresentar aquela mentalidade classista que costuttia caracterizar as geragbes de trabalhadores provides de longa tradigio de lutas. O pepuliamo € uma ideologia pequeno-burguesa que polariza a massa obreira nos periodos iniciais da industrializagio, em que as diferentes classes ainda nao s¢ configuraram ¢ apenas desponlam, de ma- neita rudimentar. Em tais condigdes, a debilidade relativa do incipiente sistema produtive nao permite que as categorias dos trabalhadores tomem parte nas Jutas politicas em obedién- cia a programas préprios ou diferenciados. Ao contrario, jus- tapdem-se mum agregado sincrético, que pode ser considerado (4) Giherto Amado, Eleicéo ¢ Represemapac. Rio. 1931. Pa- gins 216-217 56 como 6 povo em estado embrionario. Esses contingentes re- cém-egressos dos campos ainda nao dominaram o idioma ideo- ldgico. Seu escusso ou nulo enquadramento e treine partida- vio, sua timida consciéncia de direitos, ¢is o que os torna inca- pares de exercer influéncia pedagégica em seus lidercs, os quais por isso mesmo, nao precisam de ir além de um libertarismo superficial em suas mantiras e aco. Com as suas diferentes qualiticagées, constitui expressio do populismo no Brasil o varguismo, € em suas coordenadas movimentam-se até agora. os lideres Joao Goulart, Janio Quadros, Tenério Cavaleanti. As condicGes em que se formaram. ésses politicos nao Ihes permi- tiram atingir o nivel da politica ideoldgica, pois nenhum deé- Jes representa, com: um minimo de rigor técnica @ pratico, coc- Tente concepeSo militante a.servigo de camacas sociais delini- das, v A politica de grupos de pressio é contemporinea de avanguda e¢strutura cconfmica ¢ social ¢ de periodos em que é ponderdvel-a influéncia nos negocios do Estado da opinido publica e de vasras camadas sociais partidariamente organi- zadas. Se assim nao fdsse, éles nfo apareceriam, Sua presenca atesta que estia longe as hases materiais rudimentares que permitiam [éssem os governios no Brasil exercidos discriciona- riamente, ou escassamente sujéitos a contrdles Institucionais. Os grupos de pressiia constituem mancira de se arregimentarem 5. pretensGes dos diferentes cireulos. Atuam junto as autori- dades do Executive, do Legislative, do Judiciario com o objeti- vo de condicionar as suas decisoes em seu proveito, Nao so “donos” do poder como as oligarquias. Por isso mesmo que reconhecem 0 fundamento publico do poder, a éle se dirigem coma ‘postulantes. A tomada de consciéncia dos grupos de pressiio se verifi- cou inicialmente num clima de “indignacao moral’, Alegaya- s@ que desnaturavam as instituigdes democrdticas, fazendo-as operar em detrimento do interésse geral. % conhecido o ata~ que formulado por Wilson ao Congresso, em cujos comités, aT afitmava, “morre-a legislacio nio-desejada pelo interésse afe- tado” ou. “se redige a legislagio desejada pelos interésses”. Tendia-se assim a conferir aos grupos de pressio o papel de “ftorca sinistra’, (5) augindo nos hastidores das decises gover- namentais. Essa maneira de ver merece, porém, alguns repa- ros. Nos regimes habitualmente chamados democraticos, em nossa época, ¢, em principio, requisito de salvaguarda do inte- résse gcral que os diversos interésscs das camadas € grupos so- ciais se -organizem, pois sdmente assim podem tornar efetivas sua presenca e sua influéncia-nos érgaos que emitem normas compulsérias para a coletividade. Ordinariamente, nenhum direito € reconhecico, nenhuma reivindicacio atendida pelos podéres ptblicos, quando nfo operam em seu favor pressies sociais. © publico de uma sociedade industrial moderna ¢ ¢x- tremamente heterogéneo € dividido e, por isso, o interésse ge. ral, a menos qué nado passe de abstracdo, sd pode ser visto na perspectiva de cada situagdo. particular em que se enconura 9 individuo. As pressécs eos grupos que em razio delas se for: maim sia inevitiveis. Condeni-los, simplesmente, em nome da moralidade, € escamotear a questio que implicam, A questo consiste em apreciar s¢ sio, ou nao, licitas as préten- sdes, ou, na hipdtese positiva, qual a escala em que devent ser atendidas na proporgao de sew significado social. Ne pritica se reconhece em tese a legitimidade dos grupos de pressio, quando nos conselhos de érgaos publicos vem sendo admitida a participacao regular de representantes de categorias sociais, seja de patrdes ou empregades, seja de produtores ou consumidores. Agricultores, comerciantes, industriais tém vor hoje no Brasil em muitas repartigGes do Govérno e tltima- mente essa praxe esta sendo estendida a assalariados. Eo caso, por exemplo, de recentes determinagdes do Govérno para que delegados de trabalhadores participem da direcio de entidades como a Companhia Siderirgica Nacional e os institutos de pre- vidéncla. Pouco a pouco, democratiza-se a acdo governamental, distanciando-se da concepcio dominante na Velha Republica, segundo a qual, “as questées sociais sio casos de policia’. (3) Ver Carl J. Friedrich, Teoria y Reslidad de la Organizaciin ‘Constitcional Democrdtica. México. 38 E certo que, por seiem mais bei or ‘anizados, © exercerem, avdinariamente em cardter de verdadeiro monopdlio, o cons tidle dos meios de informagio (atividades editoriais, imprensa, nadio, televisiio, cinema), certos circulos da mundo ccondmies © financeiro’ mais poderosamente influenciam as decisoes dos podéres publicos. A prita contra 9 chamado “poder econdmi- co” deriva do conhecimento désse faa. Mediante o financia. mento de partidos e de candidatos isolados, o “poder cco. némico” atua nos pleitos eleitorais. Nao seria temerdrio ad- mitir no pleito de 3 de outubro de 1960, em que a deputado Sergio Magalhaes foi derrotada por diminuta margem de votos em favor do Sr. Carlos Lacerda, o reflexo de combinagGes. ar- ticuladas sob a inspiracio do “poder econémico”, Mas a in- fluéncia ilicita de determinados atupos de pressfio serd tanto auais incontrastavel quanta menos encontrarem resisténda or- genizada, Os grupos de pressio tém de ser realisticamente consideradas como dispositivos inevitiveis nas sociedades indus. ials nfo-unificadas, do ponto-de-vista ideoldgico, pela dita dura de uma classe, No Brasil tém atuado algumas vézes como flupos de pres- Sto, as Associacdes Comerciais sempre dispostas a apoiar medi das liberalizantes, principalmente no que concerne ao comér- cio. exterior; a Sociedade Rural Brasileira, adepta da elimina- §40 do “contisco cambial”; 9 Conselho: das Classes Prodytoras (CONCLAP), apuerrido combatente da intervencfio estatal na economia; a Clero, que recentemente se empenhou ém cam- panha contra a escola publica; a Clube Militar que, nos ultimos anos, se tem notahilizado por eficiente participacio nas lutas em defesa da Petrobris e outras causas igualmente emancipa- cionistas; a Assoclaco de Servidores Civis da Unido, Sindica- tos. Federagies, Confederacties, Associagdes ¢ entidades de mul- tipla denominacio, Todas as vézes que as medidas pleiteadas sio da alcada do Congresso, em seus corredores ¢ salas apare- cem o5 emissdrios daqueles grupos, 03 lobbyists de que falam os tratadistas norté-americanos. a3 sociedades em que a politica ideoldgica tem fungdo residual, os grupos de pressto encontram a atmosfera propria para medrarem. Nao foi por outro motivo que o Govérno Kubitschek teve de apoiar-se em grupos de pressio, cujos inte- 39 résses contraditatios se refletiram nas marchas € contramarchas que caracterizaram a sua agio. As mesinas deficiéncias de mos- sa esirutura polilico-partidaria parecem compelir o Govérno Janio Quadros 2 buscar suportes em. grupos de pressao, V1 A politica ideoldgica é a exigéncia fundamental da pre- sente fase do Brasil, em que se acham constituidas as diferentes classes sociais, Fi. uma politica, exercida do ponto-de-vista sis- tematico, de classes ou de calegorias sociais, que supde o pove eleitoralmente livre, em que a adesio dos cleitores tem de ser conquistada pela representatividade dos candidatos ¢ das pare tdos. A crise dos partidas em nowos dias resulta de que ainda continuam em grande escala viclados pelas superadas préticas oligarquicas € populistas, sem s¢ darem conta da mudanca quatitativa ecorrida nos Gltimos anos na psicologia coletiva do cleitorado, ste se orienta cada ver mais por critérios ideold- gicos ¢, assim, perden o temer reverencial pelos grandes nomes qhe, em outros tempos, qantinham-se indefinidamente nas posighes de mance, gracus & docilidade de elcitores catives. Os diversos agrupamentos socials do Pais t¢m hoje super- tes ecomamicos especificns.. A explicagio de sua nova memta lidade politica deve ser buscada nesses. suportes. Quando 0 Brasil exa um pais essericialmente agricola e seu quadro em- presurial e sua massa obreira estavam essenciahnente ocupados fo sistema agricola, tinha por isso mesmo que ser mareado- de larga uniformidade, Ao excasso grau de divisio do trabalho soci} correspondia a solidariedade por semelhanca de que fala Durkheim. Nao se formam agrupamentos ou classes socizis, distintos em sua psicologia, onde as atividades produtivas sie pouco diferenciadas, ‘Tinha radio Gilberto Amado quando, logo apés & Revo- luglo de 1980, escrevia: A extrema uniformidade de opinises politicas da massa cotresponde & extrema uniformidade de opi- sides da elite dirigente, Mostra que somos ainda um corpo amotto onde wv processo de diferenciagdo politica ainda mio comecou. Somos politicamente um orgu- mo-embriondrio, uma materia protoplismica laten. te onde passam apenas alguns estremecimentos de vida como os movimentos inarticulados do blastema, A uk tima revalugio foi um déstes estremecimentos. ¢ nao chega a signifiear a coordenagio de drgios animados na formacao de um névo ser nacional, © ser é 0 mes. m0; a nagdo ainda é o mesmo individuo fechado em simesmo como a célula naocissiparizaca na sua mem- brana informe. As partes que a compoem itm a mes. ma forma, 2 mesma céy. Todo éle mostra no micros. €dpio o mesmo aspecto, o mesmo cOntorno, as mesmas vibragdes,"* (fy Trinta anos depois da publicagia do livto de Gilberto Amado, Eleicgo ¢ Representacio, em que se encontiavam esas considernedes, outva é 2 realidade nacional Com eleite, nao pode mais ser comparada u uma “célula nao-cissiparizada”, a um todo cujas partes “1ém a mesma forma, 2 mesma car” que 40 INIcrAscHpig “Inestva op mesmo aspecto, o mesmo contérno, 4&8 mesnas vibracées”. Nig possuimos, infelizmente, par: aquela data um cileulo da contribuicao dos setores da agricul tora, Industria € servicos na formacao do produto nacional. Hcito, porém, supor que wv parcela do ptmeire devesse ultra- Passar de muito a do segundo. Podemos obter idéia da mul- tiluncionalidade da estrutura econémica e¢ social pela verifi- cacdo de que em 1958, segundo estimativa do Conselha Nacio- nal de Economia, a populagin econdinicamenre ativa ocupada na industria ¢ nos servicos teria aleancado 10,2 milhdes de pessoas contra 14,3 milh6es na agricultura. Em 1940 oram 48 milhdes contra 9.8 milhdts, Fm | Ml, exant 6,7 milhdes con- tra 10,4 milhGes. A agricultura winda é¢ dominante ne traba- Tho nacional mas, per pequena margem, que, em breve estara anulada, A estrutnra cconémica do Brasi danga, Com o incremenra da produti sti em acelerada mu- idade do trabalho ten- (6) Gilberto. Amado, op. cit. Paps. 210-211, dea diminuir, em térmos absolutes ¢ relatives, a mia-de-obra ocupada na agricultura e a crescer a empregada na industria € nos servicos, Dizse que o ultimo censo de 1960 teria regis- trado cérca de 70 milhées de habitantes no Brasil, o que pet- mite estimar em cérca de 12 milhdes a populacio econémica- mente ativa, ocupada fora da agricultura. Essa considerivel massa de trabalhadores, em sua variedade ecupacional, con- fere a sociedade brasileira um conteddo politico sem prece- dente. Antigas ocupagdes secundirias © terciarias, hoje exis- tentes em muior quantidade ¢ exetcidas em mais elevado nivel qualitative, acrescidas de outras que nao existiam, promoveram subjerivamente os cidadaos brasileiros. Q eleitorade brasi- leiro jA possui os amibntos snbjetives que, em téda parte, constituem o lastro da politica ideologica. Estt “cissipari= zado” em grandes agrupamentos, cada qual tendendo a parti- cipar das Tutas politicas em fungio do conjunto de seus inte- qeses, A ideologia € precisamemte justificagio de interésses- Cada agrupamento é compelido a procurar influenciar o apa relho estatal ¢ mesmo a controlé-lo, proclamando a racionali- dade de suas pretensdes, a vantagem eoletiva do prevalecimento de seu idedrio na exercicia da poder. VIL £ surpreendente o progresso do elciorada brasileiro, Em 1930, observava Gilberto Amado: “Quando se anulisa assim o Pais, vé-se que Tura “politica nado existe. WNaturalmente os homens sito diferentes uns dos outros. Uns vestem paletd-suco, ou- tros fraques; uns usam chapéu de palha; outros cha- peu de [éltro; uns bengala, outros guarda-chuva; mas come nao ha no seio da massa, diregGes, correntes, 70° nas diferentes de opiniao, o8 individues so tio uni- formes como a massa, Sd se representa 0 que existe.” a. (7) Gilberto’ Amiado, op. cit. Pags. 212-213 62 Era correta a observagio para 1930, Hoje, porem, ha no Pais, “direcGes, corréntes, zonas diferentes de opinigo’, e os “individuos nao sao uniformes”, As ultimas eleigdes reyelamn quanto vem perdende terreno o paternatismo politico, (8) O Quadro da pag. 22 ilustra a alirmativa. Mostra como cos: tumnava ser esmagadora a vitéria dos candidatos a Presidéncia (a Repablica, apoiados pelas oligarquias ¢ pels situacdes, Até 1926, quando foi eleite Washington Luis, a maioria déles obteve mais de 90°, dos votos, Foi o caso de Campos Sales (99.93%), de Rodrigues Alves (171%), de Afonso Pena (97,02%), de Venceslau Bras (91.59%), de novamente Rodri_ gues Alves cm 1918 (99.06%) , do préprio Washington Lujs (97,9995). signilicativo que, na Velha Republica, os Presi. dentes cleitos com as mehores pereentagens de yotos tenham sido aquéles que assinalam monientos de aguda crise na socie- dade brasileira, em que os contingentes eleitorais, resistinda As (8) A perda de terrona do paternalisme esté assotiada aa que Osvaldo Trigueiro chame de “crise legislative”, Og Presidentes da Re- Publica nfo t{m hoje, como outrara, o contréle do Congressa. Escreve Osvaldo Trigueiro: “Compare-se o Presidente de hoje ao da primeira Reptiblica. Nesta — principalmente de 1898 a (980. isto & de Campos Sales a Washington Luis — 0 Presidente era @ grande lider legislative Salvo pum ou nowtra caso de reconhecimento de podéres, naquele longo periodo © Congresso nunca votou contra a Presidente, nincs rejeltou veto déste, nunca recusou ou retardou lei ou providéncia em que a adminis: Tago estivesse realmente interessada”. E actescenta: “Nao 6 dificil sxplicar o declinio que, depois de 1945, sofreu o prestiaio do Presidente como lider legislative. Antes de 30, nfo havia voto secreto, nao havin Justiga eleitoral, no havis tepresentacio proporcional. O Precideare bra- sileira, a despeito dos freios ¢ contrapesos que fieuravam ne letra da Constituiefo, era uma figura politica mais aproximada do El Suprenra da realidade latino-americana que do modéle criado na Convencio de Fi- ladélfia, Dependia mais déle que do eleitorado a sorte dex tleigdes, De- is délé que dos partidos o dominio da politica estadusl. A um presidente que elegia, que depurava, que intervinka constantemente fos Estades, nio-era de admirar que 9 Cangresso servisse com docili- dade." E ainda: “Hoje, 0 quadro, juridien permances © mesmo, em suas linhas gerais, mas a cena politica € muito diversa. 0 Presidente aio influi na escolha de candidatos a Governador, nem ameaga a auto. Bomia dos Estados com o gspantalho das intervencdes, J4 nao tcm fora’ para assegurar a reeleigao de um so deputado ou senador, 14 niio comanda um partido que Ihe possa dar, ‘ne Coneresso, maioria Sompacta © disciplinada...A representagio praporcionil datribut oe Man- 63 presses, salam da penumbra para manifestar a sua intengao yeformista ou revolucionaria, ‘Assim Hermes da Fonseca foi edie em 1910 com apenas 57,07%, dos votos, a que possibilita avaliar a carga de descontentamento popular de entéo € a efi. cacia excepcional da Campanha Civilista de Rui Barbosa. Epi- tacio Pessoa, Artur Bernardes ¢ Jullo Prestes, aos quails se a+ sociam os movimentes subversivos de 1942, de 1924 € 1930, fo- ram ¢leitos respectivamente com 71%, 56,089 e 57,74 partir de 1945, € gritante o progresso subjetivo. das massas No Brasil. Depois de Eurico Dutra, eleito em 1945, com 52.44%, dos votes, nenhum candidate se elegeu com mais da metatle dos Volos, Genilin Vargas, em 1950, elegeuese com 46,637, dos yotos, Juscelino Kubitschek, com 35,83%. Janio da Silva Quadras, com 44,78%. Como, pois, falar, nesta altura de nossa Historia, em elei- tores “uniformes”, sem “diregdes, correntes, Z0naS diferentes de opiniio"? Também proclamava Gilberto Amado em 1930 a jndiferenciucdo politica das regioes. “Descamos do Amazonas ao Rio Grande do Sul. No Amazonas — quais slo as idéias politicas; deixemos de lade as idéias; quais as opinides; deixemos de Tada as opinides; quais 03 pontos-de-vista; deixemos de lado os pontos-de-vista; quals sdo as nocgdes politicas, hoje, que séo diferentes no Amavonas: quais sia as idéias, opiniées, pontos-dewvista ¢ nagdes des homens de hoje, dos homens da Revolugdo diferentes das idéias, opi- nides, pontosde-vista © nogoes dos homens que vigo- javam antes da Revolugio? [a alguma diferenca de opinides (ji nfio falamos em idéias) , de pontos-e-vise ta, entre o interventor do Amazonas ¢ 0 governador anterior? Nao ha nenhuma. Certo, haverd difcrenga Gator populares por uma diizia de partidos, o que mio sO perm! presenga no Congresso d@ oposigio numerosa como 10708 & maioria Piverpamental dependents de aliangas, coligacdes © sivslamenos govermameMioranga, parlamentar esratica ¢ vacilante.”) {Ver “A. Crise Tegilativa eo Regime Presidencial”, in Revista Brasileira de Esnelos Polititos. N27, Novembro de 1939). 64 de proctsse, de modo de agir, de sensibilidade pessoal, mas diferenga palitice nao existe, Um e outro, ou me Ihor, uns € qutros, tém a mesma mentalidade, desejam a mesma coisa; vivem no mesmo ambiente de vagos desejos de melloria para as condicgdes econdmicas do Estado ¢ 36, Havera naturalmence gradacdes na ma- neira de governar, mas s6 na mancira, Mais fiscaliza- dos pela opiniao porque chegados como uma novidade, cheios de promessas, ao poder, realizarfio. porventura éstes ulguma coisa mais do que aquéles puderam ou quiseram realizar, mas em face da cultura politica, éles sdo irmaos gémeos. No Pard, a mesma coisa. Quais Sdo os livros publicados, as discursos proferidos antes da Revolugio assinalando no Para, homens ou grupos diferentes politicamente dos homens do antigo regime? Nenhum. © “povo”, que se achava com o Sr. Eurico Vale € se acha hoje com o interventor do Pari, é a mesma figura de retorica. Em todo o pais se verifica o mesmo fato, tanto nos Estados que entraram na ¢ fi- zéram a Reyolug&o, como nos que foram yencidos pela Revolucio, O empitismo completo domina. Note- mos ainda que nem mesma divergéneia na maneira de encarar certos problemas se acentua; notemos que nao ha preferéncta por certas medidas em comparagio com outras; medidas de order ecandmica, social, adminis trativa cujo conjunto forma 2 Politica, Por exemplo, o interventor atual do Maranh4o sera mais ou menos pratecionista do que o governador anterior? Quais sia as suas “id¢ias” gerais sébre a politica econémica do pais em comparacao com as “iddias” do Sr. Magalhiies de Almeida? Ninguéra sabe.” (9). Quem nao vé que o Pais mudou? Suas regides hoje nio sio uniformes, nem politicamente apdticas. Cada uma delas se conduz agressivamente na defesa de causas préprias, embora sem as sobrepor as conveniéncias nacionais. Em tempo algum, no Brasil, o problema dos desequilibrios regionais foi tio viva- (9) Gilberto Amado, op. cif, Paes! 211-212, mente discutide como no presente. Militam nas diversas re- gides do Pais quadros ativas que exprimem no plano politico as relvindicacdes de seus habiiantes, inconformades com os ni- veis de vida comparalivamente precafios em que se encomtram, © vote livre, nos Ultimos ‘anos, ganhou eficdcia mas regides € 08 pleitos eleiturais ali corridos cvidenciam quéo superuda esta a época em que escrevia Gilberto Amado aqueélas observagSes. Nao € por acaso que as oposicdes derrubam prefeitos ¢ gover- nadores nos Estados menos desenyolvidos ¢ que o proprio Go- vérno Federal vem sendo compelide a aplicar recursos consi- derdveis no desenvolvimento regional. A Companhia Hidrelé- trica do Sao Francisco, a Gomissio da Vale do Rio Sao Fran- cisco, 0 Banco do Nordeste do Brasil, a Superintendéncia do Plano de Valorizagio Econémica da Amazénia, a Superintens déncia do Desenvolvimento de Nordeste, as atuais reunides periddicas de Governadores coordenadas pelo Presidente da Republica constituem indices de mudanca positiva, que nia é licito escamotear. Ja ein 1449, quando [oi publicado Instituicdey Politicas do Brasil, Oliveira Viana olhava pata a passado, aa escrever: “Hoje ainda, decorride um século, a situagiy nfo é diversa. Salvo uma pequena elite diminutissima, 9 brasileiro, em geral, munca consegue elevar-se, na sua atividade quotidiana ¢ normal de cidadfio ¢ de homem politico, & consciéncia e ao sentimento da sua comu- nidade nacional. Normalmente, vive dentro do seu limitado horizonte de interésses dos pequenos grupos lncais, a que se prende, de cla, de familia, de partido ou de campandrio,” (10) Hoje o pove brasileiro esta historicamente maduro ¢ cons- tituide, A Nacao brasileira esta histdricamente madura ¢ cons- tiutida, E necessdrio ser sensivel ao inéditismo da vida bra- sileira no presente ¢ dar aos problemas do momento sem pre- cedente que vivemos a3 solucoes préprias ¢ originais que exi- gem. A eleicdo de Getilio Vargas em 1950, a de Juscelino (10) Oliveita Viana, op. cit. Pag. 365. 66 Kubitschek em 1955, a de Jinio Quadros em 1960, exprimem & motivagio ideolégica dos brasileiros ¢ seu interésse pelas s0- Jagdes dos problemas do Pais, menas do ponto-de-vista das pe- quenas vantagens locais.do que do ponto-de-vista da comuni- dade nacional. A politica ideoldgiva é a principal demanda do povo brasileiro nos dias presentes. Neste ponto, alguns esclarecimentos finais, Os conceitos “puros" de polities de cla, politica de oligarquia, politica po- pulista, politica de grupos de pressito © politica idealdgica ten. dem a ser momentos sucessivos da nossa evolucio, ‘Todavia, ao surgir no Pais um tipo de politica, os que lhe s3o historica- mente inferiores nao desaparecem necessiriamente. Continuam eur vigéncia em determinadas areas, em determinadas esferas da vida nacional com diferentes praus de intensidade, Pode-se afirmar que, atualmente, se registram no Brasil todos aquéles tipos de politica, Nos meios rurais é maxima a vigéncia da politica de cla e da politica de oligarquia e minima, por exem- plo, # eficdcia da politica ideoldgica. Prevalece a equacdo: ideoldgica, ao se focalizarem questées de ambito nacional Quanto menos gerais ¢ mais lucais silo os assuntos, mais provi. vel € a incidéncia da politica de tipo histérico inferior. (11) (11) Para ilustragio désses enunciados de cardter genérico, & itil consular 0s estudas de Sociologia eleitoral que tem sida publicados na revista mincita: Revista Brasileira de Estudos Politicos, dirigida pelo Prof. Orlando M. Carvalho. or ca de Quadros Politica de Elites e Poli r A emergéncia do povo na Histéria comtemporanea do Bra- sil € fato cardinal que constitui ponto de partida nao sdmente de um esférco de teorizagio da realidade nacional como de reorganizacio do aparelho institucional do Pais. O Brasil dei- xou de scr recentemente Pais “sem povo" ¢ se tornou Pais “com pave”, A mulagio foi, porém, tao rapida que nio se {er acompanhar, no nivel das instituigoes, dos reajustamentos ne- cessdrids, A cquagao institucional que remanesce, dada seu obsoletismo, freia o movimento global da sociedade br: a em direcio de scus novos alvos, A orgunizagao é assim, nos dias atuais, questio de primordial importincia, do ponto-de- ¥ teorico € praca, Focalizaremos no presente capitulo um aspecto do prable. ma de organigacio nacional — 9 da reforma das insticuigdes partidarias. A exposigio que se fani a scguir procurard de- monsirar os seguintes enunciades: ee 1) Durante o longo period em que o Brasil foi um Pais “sem povo", nossa organizacdo partiddria funcionava sab 9 presuposto de que a mera circulacio de elites era suficiente para conjurar os impasses que se apresentavam no Ambito da sociedade politica, (1) Mediante o recurso da circulacie de elites, a Gasse que empolgava o poder conseguia manter suas posigdes, embora, de quando em quando, nela incorporasse 05 (1) Sébre o que entendemos por “seciedade politica” ver o capitulo © Govirne Hinio Quadros © a Crise do Poder (1.* parte). 68 circulos de ativistus [ormados nas: camadas inferiares da socie- dade. Désse modo, sem alterar 9 estatute da sociedade global, a antiga classe latitundiario-mercantil preservava o seu papel de dirigente do processo histérico-social. 2) A perda do contréle da siruacia politica do Pais, pelos scales superiores das entidades partidarias, crescentemente nitida desde as eleighes gerais de 1945, ¢ 0 surgimenta do pove como principal diigente da sociedade politica tornaram res. wits ou nula a eficdcia da circulacio de elites. A organizacao partiddria, adequada a nova ¢lapa do Pajs, € compelida a fune cionar sob outro pressuposto — ral ¢ 0 da participacio no poder dos. quadros das diferentes categorias sociais que sé constitui rem, la propotcao da impartancia objetiva de sua contribuigio ao estérco coletive de criacdo de riquera: a velha politica de crculacéo de elites tende a ser substitnida pela politica de quadras, I A elite € um cirewlo de cépula, de formagio por assim dizer atistocratica, visto que atua na presungao de que os go- vernados nao sio capazes de exercer fungdes dirigentes oy po litieas, Pelo seu prepara, pelos seus atributos essencinis, a elite se propoe missia tutclar. Nao é cotreto apreciar o fenémeno da elite de modo romantica. Acontece, de fato, que, Nas so. ciedades ou nos periodos em que a maioria das pessoas, dada a natureza rudimentar de suas ocupagies ¢ ac stu estilo de vida, carecem de consciéncia publica, nao ha como evitar o privile- giado exercicio do poder politico, Nao é por acaso que uma classe dominante logra excluir do poder aquéles que sofrem 0 seu dominio, Ela ¢ dominante por [érea de um conjunto de relag6es objetivas. $6 na proporcio em que se altercm essas relagdes, as outras categurias sociais conseguem ingressar na esfera decisria da sociedade. Desde 1822, ate recentemente, so temos tido governos de elites, 36 temas tido politica de eli- tes e, isso, necessariamente em viltude das condicées estrutu- yais da sociedade brasileira, Do ponto-de-vista socioldgico, nio ha que yociferar, Ha que diagnosticar e contestar. Até por- 69 que as elites que los conduziram ¢ governaram nem sempre se houveram mal no papel que os acontecimentos Ihes reser- varam. It ‘Tinha racio Paulino José Soares de Sousa, 0 Visconde de Uruguai, quando, enfrentando a onda de federalismo qué o> rominticns de seu. tempo pretendiam implantar no Brasil, pds- se 2 combatélo ¢, com éxito, contribuiu para a reforma do ‘Ata Adicional, a Lim de restringir os podéves das Provincias ¢ fortalecer o Poder Central. Vin, corretamente, Paulino, (2) que nao ¢xistia povo no Brasil, que 25 populagdes esparsas em nosso territério nao tinham habitos politicos, eran incapares de autogovérno, ¢ a autonomia das Provincias, em tais condi- cGes, seria perigoso instrumento de desagregagao nacional. Ti- nha razio Campos Salés quando articulou a “politica dos Go- yernadores”, pois nfo teria sido possivel, sem tal expediente, ou coisa parecida, promoyer o minimo de consenso entre as for- cas que realmente comandavam as siluagdes nos Estados ma epoca, (2) Sébre as idéias politicas de Paulino José Soures de Sousa. consulte-sé a sua obra, Easaio Sobre o Direito Administrative. Rio. 1862. Juntificande o centralismo do Império, esereveu Euclides da Cunha: “Um estrangeiro ilustre, Augusto de Saint-Hilairc, depois de caracterizar o estado revolts das repdblicas plalinas, volvia naquela gpoca o olbar para o Brasil, ¢ apontava-the idéntico destino, se acaso féssem satisfeitos, pelo regime federal, os desejos de mando das patriarquias aristocraticas, que o retalhavam: “...que os brasileiros se acautelem contra a anar- Guia de uma multiddo de tiranetes mais insuportaveis do que um dés- pota ‘inico” (ia "Da Independéncia @ Repiblica” capitulo te A Margem da Tistéria, Porto, 1909). E em rodapé, reproduzia ws palavras de Saint-Hilaire, em 1832: “Les brésiliens ne savraient établir chez cux le systhéme fédéral sans commencer par Tompre les faibles liens qui les tinissent encore, Impatients de toute superiorité, plusieurs chefs hautains de ces patrlarchiey aristocrafiques dent le Brésil est couvert, appellent sans doute le fédéralisme de tous lets vocux; mais que les brésiliens se ticmment en garde contre une déception qui les conduiralt 3 Vanarchic ct aux vexations d'une foule de petits tyrans, mille fois plus insuppor- tables que ne Test un seul despate”. 70 Podemos assim resumir a histéria dos partidos desde a Independéneia até quase os nossos dius na [érmula: foram ins- Irumentos instituctonais a servico da circulacde de elites. E nao pediam ter sido ovtva coisa. Em resumo, convém fixar aqui 08 principais momentos de nossa evoluedo. partidaria, Declarada a Independéncia do Brasil em 1822 por D, Pe- dro 1, surgem logo em seguida os primeiros agrupamentos partidarios, cujas diterentes denominacdes dao idéia da rei- nante yarledade ce pontos-de-vista. ‘Tais sio: os Hberuis, a5 realisias, os iibentis exaliadas, os liberais moderadas, os jedern. listas, os restauradores, os conseruadores. Nao eram prapr mente partidos, mas {uegdes dominadas por personalidades ine fluentes na época. Todavia, depois da Aholigao, passaram a empolgar o ce nirig politica o Partido Liberal (fundado em 1831) © 0 Par- iida Gonservador (fmdado em 1837), Na década de 1860 constituiramese © Partido Progresststa (1862), a Opinio Libe- ral ou Partido Liberal-Radical (1868), 0 novo Partido Liberal (1869) © 6 Parlido Republicana (1870). ‘A principal funeio dos dois grandes partidos durante o an- Higo regime (o Liberal e 9 Conservrdor\ foi a de organizar o que Oliveira Viana chama o Estado-Nacdo, isto & a d meter as “parcialidades”, as oligarquias, os clis rurais, d sos em nosso terrirdrio, ao poder geral, representade pelo Tm- perador. Era uma func&o eminentemence tutelar, exercida por personulidades de elite, as raras que, entdo, tinham conscién- dade uma tareta organizatoria em escala nacional. © Centro ou a Corte cra o ponto de irmadiagko do poder, No resto da Pais. tule The era submeride, Para garantir o funcionamento das partidas nacionais, 9 Cento, por intermédio de seus dele. gadas, os Presidentes de Provincia, nomeados pelo imperador, recorria a meios diretos ou indiretos, entre os quais 0 recruta- menio, “a arma mais poderosa de inthnidagio que o antigo re- gime comhecen, usada cspecialinente contra a gente desprote- gida, 0 povo-massa'das pareialidades contrarius": (8) a Guarda onal, “a base do partido dos Gavernadores, que era sem- G) Ver Oliveira Viana, Institui¢des Politicas Brasileiras. Rio. 1949, Pag. 293, 71 pte o partide que estava no Poder (Partido do Gabinete) de que ram éles os representantes de imediata confianga — por- que demissiveis ad nuturt; (4) 08 titulos nobilidrquicos, “ou- tro poderoso agente de agregacao partiddria, ulilizado larga- mente pelos Governadores”, pois cabia-lhes indicar a0 Centro Sos només dos grandés proprietirios rurais que lhes pareciain mais merecedores do ambicionado titulo de “Comendador’, “Basia” ou “Visconde”, hem como “pleitear honraria pata os de sua parcialidade.” (5) Partidos de elites eram as associagdes partiddrias do re- yime monirquice. Suas débeis diferengas doutrindrias pouce ou nenhum efeito proselitista alcangava na massa dos eleitores. Qs pleitos exprimiam invariivelmente em seus resultados os desejos das facgdes ocasionalmente no poder, (6) O conhecido sorites do Conselheira Nabuco é resumo feliz dessa constante: “€) Poder Moderador” — d Nabuco — “pode chamar quem quiser para organizar ministérios; esta pessoa faz a eleigio, por- que ha de faré-la; esta cleicao faz a maioria”. Em téda a His téria da Monarquia s uma vez o Govérno perdenu eleicdes, em 1882, quando se iniciou a execugio da lei Saraiva, promulgada no ano anterior, Nunca mais se repetin o fato no Imperio € sé em 1950, com a volta de Gevilio Vargas 4 Presidéncia da Republica, teve lugar pela segunda vez tal ocorréncia em massa histéria eleitoral. IV Proclamada a Reptblica em 1889, nfo desupareceram os partidos de elites. Nao hia diferenga de natureza entre os pat- (4) Ibidem. Paes. 283-4. (5) Ibidem. Pags, 284-5. (5) Referindo-se ao. pleita presidencial de 1910, escrevew Rui Bar- bosa: “Aqui, Jd po alistamento, se fabrica o cleitorado. Depois, ou Ihe simulam a presenca ou ha obstam, na elei¢io. Quem vota ¢ elege sie as alas, onde se figuram, umas vézes com o requintade apuro dos estelionatus hdbeis, outras com a fegligéncia desasada ¢ besuntosa das tapinagens vulesres, os comicios eleitorais, de que nem noticias houre aos sitios indicados pelos falsérios, como teatro de cada uma desas operagoes” (it Barbosa Lima Sabrinho, Sistemas Eleitorais ¢ Partidos Politicos, Fundagio Getilio Vargas, Rio. 1956. Pag. 59). jidos da Monarquia e os da Republica. E certo que desapa- receram no néve regime os antigos Partidos Liberal ¢ Conser- vader. Aliis na Velha Repablica nao surgiu nenhuma agre- uiuagéo que se comparasse em imponéncia ao que foram no antigo regime o Partido Liberal e o Conservador. A menta- lidade republicana — observa Afonso Arinos de Melo Franco (7) — qa antipartidiria no sentide nacional. Nos momentos das eleighes, improvisavamse partidos com oa s6 objetivo de ocorrer as campanhas de ocasido. A excecia do Rio Grande do Sul, em que dominava o Partido Federalista, nos outros Es- tades proliféraram os P. R., invariavelmente déceis 4 vontade dos chefes oligarquicos loeais. Atuacdo destacada, dentre ésses P| R., tiveram o PRP co PRM, os Partidus Republicanos de Sio Paulo ¢ de Minas Gerais que, a partir da “politica dos Governadores”, serviram para asstgurar o dominio dos dois grandes Estados no Govérno Federal. Embora muis disfar- ¢ado, continuava na Republica o mesmo centralismo politicn- administrative da. Monarquia, centralismo que levava Gilberto Amado a escrever: “No regime em que vivemos, o Brasil nao ¢ um pais, nao € uma nacio; o Brasil ¢ apenas Sio Paulo, Minas; Minas, Rio Grande; seria Bahia ¢ Pernambuco se nesses Es- tados honvesse maior rigueza e intensidade. Os pequenos Es. tados nesse regime vive segregados da direcio nacional. Um ministro orgindrio de pequeno Estado que tem apenas o apoio de sua bancada, se nao ¢ homem de merito excepcional, que ser em comparacio com o ministro do prande Estado, a que pertenga o Presidente, au do Estado que pode ‘fazer mal? ao Presidente?” (8), Os partidos eram verdadeiras “fiegdes cons- litucionais", simulacros sob o§ quais se ocultavam os clas elei- torais. Em escala nacional, tegistraram-se trés tentativas de ctiacdo de partido que nZo tiveram éxito. Foram o Partido Republicano Federal, fundade por Francisea Glicévio no fim do Govérng Floriana Peixoto, 9 Partido Republicano Conser- vador, fundado em 1910, cuja direcdo se destacavam Pinhei- 10 Machado e Quintino Bocaiiva, o Partido Republicano Libe- (7)_Ver Afonso Arinos de Melo Franco, Histéria e Teoria do Partide Politica no Direito Corstitucional Brasileiro, Rio. 1948 (8) Ver Gilberto Amado, Eleigdo © Representagdo. Rio. 1931. Pag, 203. 73 yal, fundade em 1913, sob a chefia de Rui Barbosa. Mais fugazes ainda do que essas agremiag6es foram a Campanha Civilista, a Reagio Republicana ¢ a Alianga Liberal que se destinaram a apoiar as candidaturas de Rui Barbosa, Nilo Pecanha e Geta. lio Vargas, réspectivamente contra o Marechal Hermes da Fon- seca, Artur Bernardes e Julio Prestes. Ainda em 1933, por ocasiao das eleighes para Assembléla Nacional Constituinte, € notrio-o carater de expediente de conveniéncia que assumem as diversas agremiagées que aparecem nos Estades. Nas refe- ridas eleigdes, os titulos das legendas vitoriosas erain os seguin- tes: Amazonas: Unifio Civica Amazonense ¢ Alianga Trabalhis- ta-Liberal; Para: Partido Liberal; Maranhao: Partido Republi- cano ¢ Unido Republicana Maranhense; Piaui: Partido Nacio- nal Socialista ¢ Lista “Hugo Napoledo"; Ceurd: Ligu Eleitoral Catélica € Partido Social Democratico; Rio Grande do Norte: Partido Popular do Rio Grande do Norte ¢ Partido Naciona- lista; Paraiba: Partido Progressista; Pernambuco: Partido $o- cial Democratico, Partide Republicano Social, Alagoas: Partido Nacional em Alagoas; Sergipe: Uniao Republicana de Sergipe e Lista “Liberdade € smo”; Bahia: Partide Social Demo- cratico ¢ Lista “A Bahia ainda é a Bahia"; Espirito Santo: Purtido Social Democtitico ¢ Partide da Lavoura; Distrito Fe- deral (hoje Estado da Guanabara): Partidos: Autonomista, Economista; Rio de Janeiro: Unido Progressista Fluminense, Partida Popular Radical ¢ Lista “Constitucionalista’’; Minas Gerais: Partido Progressista ¢ Partida Republicano Mineir Sio Paulo: Lista “Chapa Unica", Partido Socialista Brasileira e Partido da Lavoura; Goids; Partido Social Republicano; Mato Grosso: Partido Liberal Mato-Grossense e Partido Cons- titucionalista; Parana: Partido Liberal Paranacnse ¢ Partido Social Democritico; Santa Catarina: Partido Tiberal Catari- nense e Alianca “Por Santa Catarina’; Rio Grande do Sul: Legenda “Frente Unica” resultante da alianga dos Partidos Libertador, Republicano Liberal e Republicano Rio-Gran- dense. (9) (9) Ver A.J. Pinto do Carmo, Diretrizes Partiddrias. Rio. 1948. Dags. 26-27, a Vv Desde a decada de 1930, expressivas modificagoes na estru- tura social do Pais ji nfo se compadeciam com o umorfismo (19) purtidério caracteristico dos perfados anteriores. A pré« pria Revolucde de 1930, com sua bandeira da “verdade eleito- ral", era sintoma inequiveco de que largas camadas sociuis, in- conformadas com @ mutismo politico # que foram sempre rele- gadas, estavam impacientés por ingressar na sociedade politica, de moda regular ¢ organizado, No tocante a legislacdo eleito- ral, grande avango se verificou em 1932, quando foi promul- gado o Cédigo Eleitoral. Com éle, aparecem 0 voto secreto, a representacio proporcional, o sufragio feminino, o regime de partidas, a Justigu Eleitoral ¢ um sistema demacratico de apu- iacgio dos resultados dos pleitos. As falhas do Cédigo, revela- das nos pleitos de 1933 ¢ 1934 foram corrigidas na Constituigio de 1934 2 na Lei n° 48, de 4 de marco de 1935. Refletindo o névo estado social da Nacio, onde ja se delineavam os rudi- mentos das classes sociais, a Constituicio de 1934 consignou a represeniacio dus profissGes nos drgios legislativos. Isto era sinal de noves tempos. Cumprindo a Constituigge, 0 Tribu- nal Superior da Justiga Eleitoral fixou em 50 0 nimero de pa- trécs ¢ cmmpregados, representantes das profissies, cabendo oto lugares para Profissées Liberais ¢ Funcionatios Publicos, ¢ quatorze para cada uma das seguintes categorias: Lavoura e Pecuaria, Industria, GComércio ¢ Transportes. As principais conquistas sancionadas por ésses preceitos legais sio mantidas ¢ complementadas pela legislacio posterior: o Decreto-Lei n° 7.586, de 28 de maio de 1945, a Lei de Emergéncia (Lei n° 85, de G de setembro de 1947), o Céchiga de 1950 (Lei n° 1.104, de 24 de junho de 1950), a Lei n" 2.550, de 25 de julho de 1955, a Lei ne 2,582, de 80 de agésto de 1955. (Il) Digno de (10) Sabre amorfisme, ver Guerreiro Ramos, “A Problematica da Reahidade Brasileira”, capitulo de © Problema Nacional do Brasil. Rio. 1960. (11) Mer Barbosa Lima Sobrinho, Sistentas Eleitorals ¢ Parties Politicos, Fundagio Getdlio Vargas. Rio. 1956, 73 especial mencia é o fato de que o Decreto-Lei de 1945 ¢ a Constituigio de 1946 dceterminam um regime de partidos ma- cionais, por assim dizer vindo ao encontro da nova reulidade econdmica ¢ social do Pais, que naquela data deixara de ser justaposigio de regides mal articuladas ¢ s¢ tornara um espaco politico, cujas unidades componentes estavam integradas num mercado interno em acelerado desenvolvimento, Nos partidos que, apdés 6 interregno do Estado Névo, apa- receram em 1915 e.em 1947 se fazem sentir caracteristicas inc ditas, Denominam-se Partido Republicano Democnitico, Par- tido Trabalhista Brasileiro, Partido Social Democrdtico, Par- tide Libertador, Partido Republicano, Partido Comenista do Brasil, Unio Democritica Nacional, Partido Democrata Cris- tio, Partido Orientador Trabalhista, Partido de Representacaa Popular, Partide Social Trabalhista (antes Partido Prolerario do Brasil), Partido ‘Trabalhista Nactonal, Partido Socialista Brasileiro, Partido Sociul Progressista. (resultado da fusdo de urés partidos surgidas em 1945, o Popular Sindicalista, o Repu- blicuno Progresista eo Agririo Nucional) , Em nenhuma época de nossa Historia foi tao marcada a nota populista na atividade partidaria, como a denunciam os adjetivos “popular”, “irabalhista”, “‘sindicalista”, “comunista”, Aiguns chefes désses partidos sio politicos de tipo desconhecido: no pasado, como Getilio Vargas, que simbolizava ampla re- forma social; Ademar de Barros, Luis Carlos Prestes e Plinia Salgado, ésses dois wltimes, lidercs dos maiores movimentos ideoldgicos surgidos no Brasil, aa qual se filiavam ou seguiam considerdvel massa de cidadios, Na organizacin partidaria posterior ao Estado Néwo, eram evidentes as caracteristicas da nova sociedade brasileira, as quais se exprimiam no populismo de Getilio Vargas e Ademar de Barros ¢ na politica ideolégica em que s¢ procuravam pautar as manifestagies publicas de Luis Carlos Prestes ¢ Plinio Salgado, No quadro anexo, poder-se-4 yer que os Partidos de tipo classico, como o PSD e a UD! de 1945 a 1958, revelam tendéncia. para o declinio ou quando muito para a estagnacio de sua frea cleitoral, A tendéncia populista-ideoldgica ¢ a dominante. Resulta disso que, ho pe- rioda, é o PTB que se encontra em franca ascensao, do ponto- de-vista da forea eleitaral. 76 CONFRONTO DA FORCA ELEITORAL RELATIVA DOS PRINCIPAIS PARTIDOS NAS ELEIGOES FEDERAIS DO APOS-GUERRA Percentagem de uotoy obtidoy PARTIDO POLITICO | | | 1813 | 1950 | 1954 | 1958 | | | | BS Aa RATDS 44,1 B24 32,6 | HEB Mocernosencmn| BL” at | 201 ELT. | 1045 | 176 | 18.8 19,8 PRE Benge gyn ceaceee = a6 | 112 TB a Be sca ne cg noungemeen . 38 47 | 5.3: | 5,8 Outros ait td | 12,7 | 12,0 14,2 | an | PGEAR, scovee ee! 1000 | 100.0 100,0 | 100,0 Fonte: Desenvolvimento ¢ Conjuntura — Setembro de 1959. Numero 9, VI Nos dias atuais, o sistema partidario formade no apds guerra chegou a umm momento critica. A altima campanha su- cessorial € os resulladas do recente pleito de 3 de outubro de 1960 mostrar que nossa vigente organizagio partidiria nao re- flete us qualificagies do eleitorado, Visivelmente as diregdes dos trés grandes partidos, o PSD, o PTB ¢ a UDN, nao foram F capazes de encaminhar a sucesso nos térmos que the convi- mham. Os candidatos, Marechal Louw ¢ Jainio Quadros, sao personalidades cujo langamento na vida publica ocorreu 4 re- velia dos grandes partidos. © segundo tem feito questio de assinalar que est4 acima dos partidos ¢, na campanha, quando reconheceu alguma ligacio partiddria, declarou-se militante do PTR, justamente o Partide que apoiava o seu principal adver- sitio, O candidato a Vice-Presidéncia da Reptiblica, Jodo Goulart, lider do PTB, companhciro de chapa do Marechal Lott, nem por isso deixou de ser também apresentado aos elei- tores, notadamente cm Siio Paulo, pelos clubes Jan-Jan, ou seja, como companheiro de chapa de Janio Quadros. Por outro lado, o Marechal Lott foi origindriamente candidate a Presi- déncia da Republica por entidades extrapartiddrias ¢ jamais militou em qualquer partido. Nas cleicoes passaclas, paten- teou-se que grande muimero de eléitores nao votou partidaria- mente, votou segunda suas préprias preferéncias, Esse desen- quadramento partidario do eleitorado ¢ precisamente o aspecto mais grave da crise aqui focalizada. Nao € preciso especial agudeza para perceber que, haje em dia, os altos escaldes dos grandes partidos sentem escapar-lhes das maos o controle da situagie politica do Pais. Em discurso proferido a 11 de abril do corrente ano, 9 Presidente Janio Quadros proclamou ser o seu “um govérno sem donos ¢ sem influéncias’, @ até agora se conduz como quem deseja entender-se diretamente com o povo, acima dos partidos, Todos ésse fatos levam 4 conelusda de qué, neste momento, esta suspenso no Brasil, o. Estado de pare tidos, que Kelsen proclamava ser a esséncia do regime demo- critico. £ licito, pois, afirmar que 6 problema atual de mossa organizagao partidaria é um problema de enquadranento dos contingenies eleiterais nos diversos partides, de acirda com os suas vespectivas caracteristicas suctats. A indiferenciagio partiddria é incompativel com a evapa de uma sociedade constituida de patte heterogéncas, de classes Gu cateporias sociais dotadas de tragos idiossincraticos, de uma sociedade que superou o amortisme de suas primeiras fases de evolucao. a socicdade assim pede necessiriamente uma politica de quadros. Em que consiste ela? 78 VIL O quadro (12) € uma formagio democratica, visto que or- dinariamenre se consutui de pessoas cujas qualificagdes para o exercicia de pastas @ tarefas sfio reveladas, aptimoradas ¢ tes- tadas no ambito das agremiagdes a que pertencem. © quadra nfo se destina a func6es tutelares, mas a servir aos. interésses dos que os clegem, escalhem, ou indicam, a cuja ctitica & a eujo controle estio permanentemente sujeitos. Quanta muais iddneamente representative de uma categoria ou classe social © um partido, mais se faz sentir a necessidade de rigor e consis- téncia em sua manifestacdes, mais em. tais condicées se tornam imprescindiveis os quadvos, A diferenga da elite, em que pre- domina o critério da personalidade, no quadre predomina o critério da competéncia. Os que integram 0 quadro no sio pessoas as quais se deva obedicneia compulsoria porque néles (12) Um dos mais’ conhecides tratadistas de sociologia politica, Maurice Duverger, caracteriza o partido de quadros dé modo que jul aamos inadequado, Para éle, o partido de quadros & partido de perso- nalidedes notaveis ¢ influentes, cujo prestigio serve de caugio ao can- didato e@ para atrair votos. (Ver Les Pevtis Politiques, Paris, 1951. Pag. 85). A palavra “quadro” 6 tipica. do linguajar corrente de autores Camunistas ¢ socialistas, tendo entre éles outro significado. Cumpre & sosiologia cientifica incorporar o térmo no seu arsenal de conceit sem todavia, desiorcer as suas implicagdes de origem. Liu Shao-shi, em seu livre On the Party (Pequim, 1954), num capitulo, The Problem ef Cadres, trata da questio. Af diz o atual Presidente da China Con- finental (Pag. 109): “Nossos quadros vém das massas ¢ trabalham entre elay. Devem ser lideres de massas da poya ¢ ao mesmo tempo conduzir a linha de massas. Sio nicleos de lideranga entre as massas, emergindo das lutas das masses ¢, 30. mesmo tempo, dirigindo suas jutas. Os quadros sia por isso parte das massas que merece nosso especial imterésse. FE precisaments em virtude de nosso interésse pelas TAssas € Suas Calisas que mos preocupames particularmente com ox quadros. Nosso interésse pelos quadres se origina de nosso interéwse pelas massas. Nao € isolado de nosso interésse pelas massas, nem o ¢ pelos quadros em si mesmos. Por isso, os quadros que se isolaram das massas ou que, em vez dé servirem as massas, prejuiicaram-nas, nJo metecem 0 nosso interésse. Q Partido deve reformat ésses quadros pela estrita educagio. Assim, um des mais importantes critérios para avaliar ox guadros reside no ponlo-de-vista de massa e na linha de massa e no intimidade de suas conexdes com as massas”, 72 se reconhecam atribu.os extraordindrios, Tais atributos po- dem eventualmente favorecer o sucesso de um elemento de qua- dro, podem ser reconhecidos, mas por si s65 nio importariam, se nfo estivessem subordinados aos imperativos da coletividade politica partidaria, © quadro € parte da coletividade parti- daria, dela sai, ncla se forma pelo treino, pela educacao. Os partidos de quadros mais conseqiientes mantém escolas para formé-los. Partidos de quadros foram entre nés o Contunista ¢ o Integralista, ¢ no € casual que até agora tenham sido, nos tempos em que funcionaram livremente, os dnicos que conse: guiram arregimentar expressivos contingentes eleitorais ¢ mill tantes, ¢ sobre éles exercer um comando firme, sem o qual, nas condigées contemporineas, dilicilmente se constgue levar ao centro do poder a vanguarda de camadas sociais situadas na periferia (18) da esfera deciséria de uma sociedade. Quando, numa sociedade, as solugdes dos problemas eme gentes slo incompativeis com o sentido conservador do exere cio do poder, surge a hura da politire de quadros, A politica de elites sé tem eficicia durante © enquanto os interésses. dus titulares eventuais do poder nie perderam de tndo o sentido social genérico, Se ésse sentido desaparece, © proceso social impbe orginicamente a revocagio désscs tilulaves ou, pelo me- nos, @ seu compromisso com novos titulures. Mas a converse do trabalho partidario 4 politica de qua- dros demunda esférgo de organizacao. £ necessdrio que nao se escamoteie o papel da organizacio (14) no campo das ati- vidades politicas, Néo se trata aqui do sentido habital de organizagao enquanto racionalizagio administrativa. Como simples técnica administrativa, a organizagio é requisite im- (13) Para wma conceituagio de centro e periferia no dominio po- litico, ver Guerreiro Ramos, Introdugao Critica @ Sociglogia Brasileira Rio. 1957. Especialmente o capittlo “A Dindmica da Sociedade Politica na Bravil”. (14) Sébre a organizaglio como questao tedrica, especialmente como assunto de teoria politica, ver Georg Luckdcs, Histoire ef Cons- cience de Classe, Paris, 1960. Especialmente o capitulo “Remarques Méthodologiques sur {a Question de ['Organisation”, Para Luckaes, a organizagio € uma ‘questio intelectual” de grande importincia. 86 preseindivel da boa marcha dos negécios de qualquer natureza. Assim, os partidas de elites podem ser bem organizados como qualquer assoclagdo @ nem. por isso deixam de ser partidos de clites. Todavia, nos partidos de quadras a orgunizagao tem sentido e importincia especiais, transcendentes. (15) A orga- nizac3o ¢ ingrediente insuperavel do partido de quadros, néle uminds o eardter de condicio indispensiyel, sem a qual nao realiza seus objetivos essenciais — que ¢ o de propiciar ao con- janto dos associados participacao ativa na formulacia das de- cisdes e diretrizes da agremiacdo bem como exercér permanente contréle sébre os atos de seus representantes. Sem organizacao, a massa do partido fiea excluida do proccsso. das deliberacdes, reduzida a legido de espectadores passives. A orgamizagio ¢, assim, pedra de toque do partido de quadros — » Upo de mili- fincia institucionalizada mais consentinca com a fase em que se acham constituidas as classts sociais ou em gue, Mumia socie- dade determinada, os problemas emergentes mao podem ter so- lucdo sem que sejam promovidas 4 sirea decisdria do Govérno, mediante delegados representativos de seus interésses, a3 cate- govias sociais antes relegadas & periferia do poder. VII De modo esquematico, pode-se admitir que a. organizacio tem as seguintcs fungdes nos partidus de quadres e na atividade partidiria em geral: : 1) conferir abjetividade aa conhecimenta das fatoy sociais em geral e. dos aconiecimentos politicos, em particular or- ganizaclo nao é mera requisite técnica do funcionamento racin« nal, ordenado, de uma associacgao, E preceito metédico, a que nao devem fugir os que desejam obter um conhecimento abje- tive da realidade social ¢, notadamente, politica. Somente onde ha pratica (praxis) se verifica 9 conhecimento rigoroso dos fa= tos. A organizacao partidiria, permitindo o que Luckdcs chaina de “mediagaéo entre a-teoria ¢ a pritica” ¢ “entre 0 homem ea (15) Hscreveu Lénine: “Nao x pode separar mecdnicamente as questées politicas das questées de erganizagso” (in Luck#ies, op. cit. Pig. 331). al Histiria", assegura aos militantes, quadros e dirigentes emiti- lem pensamentos ¢ diagndsticos ajustados as situacées e pro- blemas em pauta, (16) Ela institucionaliza permanente flixo de informagoes e observagGes du base ao thpa e do tépa a base do partido, confronto, choque € Iuta de opinides e pontosde- vista que clarificam @ sentido dos acontecimentes — do que neécéssariamente resultam racionalidade e justéva na conduta parddaria firme consciéncia coletiva. Trazendo 03 seus pro- blemas e suas reflexdes a organizicio partidaria e ai os subme- tendo a andlise e discussio, os militantes participam de um pensamento cooperativo que, ordinariamente, supre as defi- ciéneias dos recursos individuais de percepcio ¢ entendimento. QO conhecimento é um ato social, (ante mais penetrante, quanto o for a consciéneia déste seu cardter, Os partidos em que as decis6es sia tomadas unilateralmente. pelos dirigentes estdo mais expostos a malogros perante os seus associados ¢ simpati- antes do que os partidos homogeneizados pelo pensamento or- ganizado. A politica ndo ¢ questio académica. # questéo pritica, de interésses em jogo, ¢ assim a discussio politica se desnatura, quando se prende aos aspectos imanentes ou abs- tratos dos argumentos ¢ proposigdes. Nos partidos de quadros, toda discussio politica ¢ concreta, refere-se a siluaghes efetivas € portanto, 4 teolia ea pratica s¢ encontram estreitamente uni- das, A indiferenciagio tedrica ¢ programitica dos partidos no (16) Luckies! “A organizagio € a forma de mediagio entre « teoria ea prilica, E coma em tida relagio dialética, aqui também, os membros da relecia dialética sé adquirem concretidade ¢ realidade na e pela mediagac, Este carater da orgenizagio, mediadora entre a teoria ea prdtica, aparece mais claramente no fato de que a orga- nizacdo manifesta, pela divergéncia entre as tend3ncias, uma sensibi dade maior, mais fina e mais segura que qualquer outro dominio do pensemento ¢ da aco politicos. Enquanto, na teoria pura, concepgées e tendéncias mais dispares podem coexistir em pez, suas oposighes to: manda apenas a forma de discusses que podem verificar-se tranqiiila~ mente no quadra de uma mesma organizagao sem desintegrd-la, as mesmas quesiées se apresentam, quando se aplicam as questies de orgsnizacio, como tendéncias rigidas, excluindo-se reciprocamente. No. énlanto, téda tendéncia ou divergéncia de opiniaa “tedrica” deve. ins- tantaneamente se transformar em questio de organizagio, se nao quer Ppermanecer simples tcoria, opinido abstrata, se tem realmente.a intengic de mostrar © caminho de sua realiza (Pag. 338)". 82 Brasil é, por isso, sintomta de sua inorganicidade, de sua desar- ticulagio interna, da s¢gregacio em que se acham as suas dirc- cées em relacio as suas bases respectivas. $6 a organizagao dara q ésses partides caracteristicas programaticas especificas € 03 tornard ideoldgicamente idéneos com os sus associados ¢ simpatizantes no plano tedrico e pratico e, ainda, eliminara, o subjetivismo de seus dirigentes, subjetivismo que, neste: dias, éuma das causas principais do apartidarismo crescente das mas- sag, ou, em outras palavras, da inconstincia e debilidade do voto partiddrio, 2) elevar a wmeassa d conscidncia global do proceso, Diver- samente dos partidos de elites, os partidos de quadros tendem a buscar um fundamento tedrico para a sua atuagde, Os qua- dros tém instrucdo, treino tedrico ¢ seu papel ¢ précisamente justificar as reivindicacdes e pontosde-vista da massa filiada zo partido, demonstrando sua vinculagao ao movimento geral da sociedade. Medianre a fundamentacio tedrica de suas tests e diretrizes, o partido de quadros habilita os associados a uma participacio constiente nas lutas sociais. Contemporaneos de etapas em que a sociedade se encontra polarizada, os partidos de quadros se delinem por suas respectivas concepeoes. A luta politica em tais circunstincias ¢ uma huta de concepgées acé do Estado e da sociedade. No partide de quadros, as. massas adquirem o “querer consciente”, de que fala Luckacs, a “von- tade consciente do conjunte”, o impulso pura dominar e dirigir a sociedade segundo o seu ponto-dé-vista @ seus interésses, im- pulso cuja legitimidade nfo é entendida como simples man festacio da vontade de poder, mas como imperative de racio- nalidade mesma dos acontecimentos. (17) A referéncia de toda (17) Nossos partidos e sindicatos cm maldes tradicionais mantém a uta de massas, no nivel do chamado espontancismo, F a tais orga- nizagdes que se refere Luckdes quando escreve: “estas orgamizagdes tra- balham conscientemente para matter a simples espentaneidade dos movimentos do proletariado (dependéncia em rélagla & ocasiio: ime- diata, fragmentagao por profissao, por pais ctc.) no nivel da simples espontineidade © para impedir sua transformagao em movimentos dirigi- dos para a totalidade, tanto para a unide territorial, profissional etc, como para a unificagao de movimento econdmico com o movimento poli- fico, A funcdo dos sindicates consiste em atomizer e despolitizar o movimento, em dissimulat # relacig com. a. totalidade...* (Qp, cir. Pag. 350). 83

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