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A metafisica foi muito discutida na idade media, esta discussão se deu na própria possibilidade

da metafísica. Os filósofos medievais tinham em vista a metafísica sob dois horizontes: um deles,
a metafísica como a investigação do ente enquanto ente; o outro, a metafísica como ciência do
ente primeiro e divino.
Em cada um destes horizontes os filósofos medievais encontraram problemas, no âmbito da
metafísica como investigação do ente enquanto ente, debatem sobre se esta se reduziria a uma
teoria dos objetos ou a uma teoria da predicação; já no âmbito da metafísica como ciência do
ente primeiro e divino a discussão se dava na relação entre metafísica e teologia.
O propósito desta apresentação é discorrer sobre alguns problemas da metafísica que tiveram
grande repercussão nos filósofos medievais, e expor como estes são trabalhados no período,
utilizando para tal o artigo de Beckmman: Metafísica [na idade media].
Em seu texto Beckmman argumenta que do século II ao século IX a metafísica era entendida
como teologia filosófica, prova disto é a filosofia de alguns filósofos da escola de Alexandria,
como Clemente, cujo pensamento tenta justificar a filosofia perante o pensamento cristão através
da prova de que a filosofia torna os homens melhores e tudo o que é bom só pode vir de Deus.
Outro dos pensadores desta escola é Origenes, que defende a tese de que a razão conduz ao
monoteísmo, pois o mundo que nos cerca possui uma unidade que seria impossível sem um
arquiteto que a ele desse esta unidade.
Também um exemplo de pensador que segue esta definição de metafísica é Agostinho, que
bastante influenciado por Platão apresenta o conhecimento como algo que vem do interior do
homem, mas o conhecimento, no sentido de conhecimento cientifico, só pode ser alcançado
através da iluminação. A justificativa para tal conclusão são as verdades imutáveis apreendidas
por diferentes pessoas. Apesar de termos diferentes pessoas apreendendo determinada verdade
imutável, todas elas apreendem a mesma verdade, independentemente do tempo ou espaço
ocupado por esta pessoa, tais verdades devem, portanto, ser transcendentes ao pensamento
humano, ou seja são verdades divinas que somente com a iluminação podemos adquirir.
A primeira escolástica recebeu uma grande quantidade de teorias neo-platônicas, porém, a
metafísica carecia de uma concepção autônoma que a sustentasse. A primeira destas concepções
se deu por meio de Boécio, que, sob a influencia do Organon aristotélico definiu a metafísica
como uma ciência autônoma. Na definição de Boécio a metafísica, ou filosofia teórica[1], pode
ser dividida em: intelectiva, que trata dos seres independentes da matéria; inteligível, que trata
dos seres intelectivos, mas que por alguma condição estão presos de alguma forma a matéria; e
natural, que trata dos objetos e da natureza.
Após Boécio, João Escoto Eriúgena apresenta uma concepção sistemática da natureza, tentando
explicar como as coisas que vem de Deus a ele retornam.Contudo, podemos pensar em João
Escoto ainda como pertencente aos que atribuem a metafísica o caráter de teologia filosófica, a
justificativa para tal é que em sua filosofia, o conhecimento racional é decorrência de um
principio que não é racional e não cabe a razão questioná-lo, este principio é, a saber, a fé.
Apesar da dependência da fé, o conhecimento metafísico já é tratado de forma sistemática.
No século XI é despertado um interesse pela cosmologia, estudada principalmente pelos árabes,
sua cosmologia apresenta fortes influencias aristotélicas e neo-platônicas. É também neste século
que o objeto da metafísica é definido por Avicena como: o ente enquanto ente. Esta definição foi
criticada logo no século seguinte por Averróis, para quem o objeto da metafísica não poderia ser
outro que não o ente que nada devia a nenhum outro, a saber, Deus. Contudo em seu artigo
Beckmman aponta a insuficiência da tese teológica, pois, segundo o autor, esta tese tem um
duplo defeito, isto decorre da definição do objeto da metafísica como sendo o ente divino.
Adotando esta concepção seria necessário uma critica da razão humana para que tal pretensão de
entender o ente divino fosse legitimamente possível; seu outro defeito provem do fato de que ao
se falar do ente primeiro, perde-se da investigação o que é comum a todos os entes.
Também os pensadores judaicos mostraram uma intensa reflexão sobre a relação entre metafísica
e teologia, um dos maiores expoentes desta reflexão é Moises Maimônides, que discute sobre a
contradição de natureza do discurso filosófico e da convicção da fé. Segundo Maimônides a
razão não poderia dar todas as soluções racionais para os eventos divinos, por ser de ordem
diferente da fé, e somente a esta [a fé] é possível conhecer os acontecimentos desta natureza.
Na alta escolástica a metafísica já possui um lugar assegurado entre as ciências e seu objeto é, tal
como a concepção de Avicena: o ente enquanto ente. Contudo, esta concepção é abordada de
formas diferentes, por exemplo: Alberto Magno defende que o objeto da metafísica é: aquele
predicado comum que as potencias cognitivas humanas apreendem como determinação primeira
e em tudo incluída, em outras palavras, o ente. [reflexão: realista ou nominalista?]
Também para Tomas de Aquino, Metafísica e Teologia são coisas distintas, contudo, ainda muito
próximas, a metafísica seria a ciência que partindo das criaturas chegaria a Deus, enquanto que a
teologia parte sempre de Deus para se chegar as criaturas. Assim podemos ver que em Tomas a
metafísica em como fazer legitimamente um discurso sobre Deus, isto se da pela reformulação
do conceito de ente em Tomas de Aquino.
Tomas define ente como: “o predicado que não se deixa reduzir a nenhum outro, sendo assim
primeiro, e que pode ser dito semelhantemente de tudo o que existe.” O predicado primeiro deve
ser, por sua própria primazia, independente da materialidade e do movimento, assim o discurso
da metafísica pode acessar o ente primeiro e imutável: Deus. Assim a metafisica se torna ciência
do conceito de ente, enquanto uma predicação livre de contradição.
Deste modo a Metafísica não depende de uma fé na realidade transcendente de Deus, mas tão
somente na própria razão, o pensamente de Tomas mantem a metafisica e a teologia em campos
distintos, mas de certa forma aproxima as duas quanto ao objeto.
Já Duns Scotus para evitar esta aproximação de Metafísica e Teologia define o ente como: aquilo
que livre de Contradição existe ou pode existir, quer dizer, aquilo a que se pode atribuir tais
coisas; a Metafísica se torna assim a ciência do predicado ente. Com esta definição a Metafísica
esta livre de ser fundamentada na teologia, porem ainda mantem a concepçao de ciencia do ente
enquanto ente. Ente não mais é aquilo que tem que necessariamente existir, com esta concepção
é posto de lado o problema da relação dos seres criados com os incriados, esa relação é agora
unívoca (ambos são analisados pelo novo conceito de ente).
Disto decorre que a Metafisica se liberta de conteúdos transfisicos, passa a ser a estrutura formal
dentro da qual o ente torna-se em geral objeto de uma proposição cientifica. Com Scotus a
metafísica passa a ser unicamente definida por seu objeto, e não a apartir da Teologia, pois não
temos acesso ao ente enquanto ente; nem a partir da física ( pois aqui estamos tratando apenas da
forma de uma predicação, independentemente da existência do objeto)
Em Guilherme de Okham vemos um afastamento maior entre Metafísica e Teologia, na medida
em que Okham redefine o conceito de ente. Para o pensador o objeto da metafísica não são
coisas mas proposições ( até aqui parecido com Scotus), ou seja a metafísica cabe estudar um
certo tipo de proposições: a de predicação do termo ente. Em Okham ente é aquilo que poderia
não ser ou ser de outro modo, desde que não haja contrariedade, a esta definição somente o ente
divino escapa, pois ele não pode de modo algum não ser, a noção de não contrariedade de Scotus
é assim reformulada.
Para Ockham só podemos ter conhecimento dos efeitos e portanto as proposições são de caráter
a posteriori, somente dos seres singulares do mundo podemos predicar a característica de ser
ente e é a eles que caracterizamos de potencialmente não ser. A meafisica torna-se em Okham:
Ciência da predicabilidade do termo ente em um mundo marcado pela contingência. Com este
conceito de metafísica percebemos que ela não mais pode ser Teologia, pois fundamentalmente
não é determinável pelo objeto da teologia, tampouco pelo ente primeiro e eminente; nem pode
ser ciência do ser, pois trata das possibilidades de predicação de ente.
A Metafísica se torna ciência devido a necessidade de sua sentença, pela forma lógica da
predicação, contudo a metafísica não mais trata do ente primeiro ou das coisas. Em okham
podemos perceber uma reflexão sobre as possibilidades do conhecimento humano.
No século XIV a escolástica tardia cai numa disputa entre as principais escolas (tomismo,
escotismo e okhanismo) devido ao problema da contingência do mundo e se podem ocorrer neste
mundo alguma sentença universalmente valida sobre a estrutura desta realidade. Apesar das
disputas escolásticas, alguns filósofos apresentam reflexões inéditas, um exemplo é João
Buridano, que caracteriza a metafísica como ciência universalissima, pois pela inestigaçao do
conceito de ente, ela termina por investigar todos os entes. Outro exem,plo é Walter Burleigh,
que dedica –se a analise dos termos metafísicos em sua função de signos.
Na escolástica tardia a chamada disputa dos universais, que tem raízes em Boécio, se acirra e
divide as posições dos pensadores em dois grupos, os realistas moderados, que defendem que os
universais tem uma relação direta com a realidade das coisas; e os nominalistas moderados, que
defendem a autonomia do mundo da lógica e da semântica frente a realidade.
Em meio as questões aparece Nicolau de Cusa para quem a metafísica tinha que superar o
próprio principio de não contradição, pois caso contrario o absoluto sempre lhe escaparia.
Também o problema da contingência não seria completamente resolvido, se não houvesse uma
maneira de colocar o infinito em relação com o finito, e assim com o contingente. Para Nicolau
de Cusa o intelecto humano seria apenas uma imagem que assimila, uma copia do intelecto
divino que possuiria uma natureza instauradora.
Com esta concepção o ser humano so poderia possuir uma douta ignorância, pois não poderia
deixar de conceber as conjecturas, a ano ser por uma reformulação da lógica. Nicolau de Cusa
volta com isso as origens neoplatonicas sem deixar de empreender uma critica da razão.
[1] Gilson e Boehner – Historia da Filosofia Cristã.

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