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Ideias em movimento: produzindo e realizando filmes no Brasil / Aída Marques. – Rio de Janeiro:
Rocco, 2007. – (Artemídia)
:: CAPÍTULO 1 – ROTEIRO ::
Todo filme nasce de uma ideia, seja ela original, saída de uma notícia de jornal ou adaptada de
uma obra preexistente. Caso se trate de um documentário, o processo é um pouco diferente, e o
conhecimento do tema (que será abordado na pesquisa) é o principal motor de funcionamento da
filmagem. Contudo, deixado de lado a diversidade de gêneros e estratégias técnicas e estéticas,
nosso objeto aqui é o filme médio brasileiro de ficção.
O roteiro cinematográfico tem peculiaridades não encontradas em nenhum outro tipo de escritura.
Isso porque se trata de uma obra de transição, sem um fim em si mesma. Alguns roteiristas
referem-se a ele como uma coleção de folhas de papel prontas para serem jogadas na lata de lixo
assim que terminam as filmagens. A história contada em palavras existe como único propósito de
dar lugar às imagens. Por isso, o roteiro não é o filme e este, por sua vez, nem mesmo contém o
roteiro, que é apenas uma ponte para a obra final.
Isso de forma alguma desmerece o trabalho do roteirista ou diminui a importância desta que é
uma peça fundamental para o cinema. Alguns diretores chamam a atenção para o fato de que o
filme renasce a cada etapa da produção, condição necessária para que chegue a seu destino final
com vivacidade e pulsação. O que se filma, dizem, não é mais o que está escrito. E o que sai da
sala de montagem não é mais o que foi filmado. A feitura do filme, obra viva e coletiva, é um
processo de constante renovação.
Recentemente têm-se publicado, no Brasil, inúmeros roteiros de filmes que fizeram sucesso nas
salas de cinema. Entretanto, tais publicações geralmente são transcrições da obra final, do filme
que foi às telas, e não a reprodução do roteiro que o precedeu.
A ideia inicial de um filme pode partir das mais diversas motivações emocionais ou racionais.
Entretanto, um método é necessário para que o “texto da história”, que vai se transformar em
imagens, possa ser compreendido por todos os técnicos e atores envolvidos no projeto.
A ideia ou desejo inicial pode surgir de uma ou várias fontes, que serão integradas durante o
processo de escrita do roteiro. Estão listadas algumas possibilidades:
Um filme pode partir de uma ideia completamente original. Uma frase ouvida, solta, um
pensamento, uma lembrança; tudo o que puder acidentalmente servir de ponto de partida
para uma reflexão;
Uma notícia de jornal, uma “história” contada, algo que aconteceu com um conhecido
podem também transformar-se no tema do filme ou servir de ponto de partida. É possível
até mesmo juntar várias histórias numa só. Aí a imaginação é o limite;
O filme pode nascer de uma imagem ou de um conceito, da vontade de ilustrar uma ideia;
Pode vir de lembranças do passado ou sonhos;
Pode, ainda, surgir de sentimentos, sensações impressões;
Pode ser inspirado em fatos históricos, vidas de pessoas célebres. O cinema, arte com
possibilidades realistas imensas, não cessa de beber dessa fonte;
Adaptações de romances, contos, poesias, novelas, peças de teatro são ainda outras
possibilidades ou pontos de partida. Desde o início, o cinema se serviu da literatura como
permanente fonte de inspiração, histórias e adaptações. Nestes casos, antes que se iniciem
os trabalhos, é necessário negociar os direitos autorais da obra original, a não ser que ela
já seja de domínio público. No Brasil, uma obra é considerada de domínio público quando
se completam 70 anos da morte de seu autor.
Certamente não pretendo esgotar todas as possibilidades que existem e que, felizmente, não
cessam e não cessarão de surgir. Penso, entretanto, estarem colocados aqui os casos mais
corriqueiros.
Antônio Costa define, resumidamente, o que é o roteiro de um filme:
O roteiro, entendido como técnica de elaboração ou de “pré-visualização” de um filme
(Giustini, 1980), constitui o ponto de referência para o preparo de todas as ações técnico-
organizativas da realização. O roteiro é um texto de tipo muito particular. Ele deve ter
qualidades expressivas ou dramáticas enquanto contém os diálogos que os atores terão de
dizer; além disso tais qualidades devem ser funcionais para a compreensão de todos os
aspectos psicológicos, estéticos etc. por parte de todos aqueles (dos atores aos técnicos)
que podem contribuir para o sucesso da obra. Mas o roteiro deve ser também funcional:
deve permitir ao produtor ter uma ideia exata sobre a oportunidade de financiar o filme e
ao diretor de produção elaborar o plano de trabalho.
Para se chegar a um texto tão completo, que sirva a todas as pessoas envolvidas no filme e de
onde cada uma possa tirar as informações que lhe serão relevantes, em geral é necessário passar
por várias fases desde aquela ideia inicial até este último documento: o roteiro. Normalmente, sua
elaboração passa pelas seguintes etapas:
Storyline
Sinopse
Argumento
Escaleta
Roteiro
Lista de diálogos
Decupagem técnica
Storyline é um resumo da ideia que se pretende desenvolver. Nela estão contidos a apresentação
dos protagonistas, o conflito principal, o clímax do problema e a conclusão. Em seguida, passa-
se a um detalhamento maior dos elementos da história, e a sinopse começará a ser trabalhada.
A sinopse faz parte de uma realidade tipicamente cinematográfica. Etimologicamente originária
do grego Synopsis, que significa vista do conjunto, golpe de vista geral, a sinopse consiste em
algumas páginas que resumem o filme. Sua leitura permite que tenhamos uma ideia do filme que
se pretende fazer. A sinopse deve ter um certo apelo publicitário e ser sedutora, pois é o que será
mostrado primeiramente aos possíveis financiadores, atores e técnicos em geral de quem se
pretenda a adesão ao projeto. É ela também que será anexada ao material encaminhado para a
certificação junto aos órgãos reguladores da atividade audiovisual.
A redação desse texto solicita qualidades de naturezas distintas. Ao mesmo tempo atraente e
resumida, a sinopse deve fazer “ver” o filme que será produzido, possibilitando até mesmo uma
primeira noção de custos e do tamanho do projeto, e permitindo a captação dos recursos
necessários à sua realização.
O passo seguinte é o desenvolvimento pleno do enredo e a criação de todos os personagens. Tal
etapa denomina-se argumento. O argumento conta a história do início ao fim. Já estão presentes
todos os personagens. Tal etapa denomina-se argumento. O argumento conta a história do início
ao fim. Já estão presentes todos os personagens principais e as mais importantes articulações e
ações do filme. Os cenários, as características dos personagens e as ações serão ainda mais
detalhados e desenvolvidos.
A sinopse e o argumento apenas descrevem o filme sem introduzir qualquer conceito ou noção
propriamente cinematográficos. São textos corridos, que qualquer leitor é capaz de compreender.
Finalizados os dois textos, ainda não é hora de passar ao roteiro propriamente dito. A escaleta
surge como etapa intermediária entre o texto corrido (da storyline ao argumento) e o roteiro final.
Ela nada mais é que uma lista das sequências do filme, já na ordem em que aparecerão no roteiro.
Cada sequência, identificada por número ou título, é acompanhada de uma breve descrição da
ação. A escaleta não contém diálogos ou maiores detalhes sobre as situações ou reações dos
personagens. É apenas uma forma de organizar a história contada no argumento em uma estrutura
(ou seja, dar forma ao que será contado) e facilitar ao roteirista a visão de como as sequências
serão articuladas entre si. É a partir dessa fase, em que todo desenvolvimento da trama do filme
está presente, que se vai trabalhar o roteiro propriamente dito.
STORYLINE
Um vendedor de balas, um vendedor de canetas e um cego perdido em tiroteio disputam a
preferência dos passageiros num ônibus de linha do Rio de Janeiro.
SINOPSE
Segunda-feira num ônibus de linha. Tudo corre como o normal. Até que, numa parada qualquer,
sobe o vendedor de balas. Quando ele começa seu discurso de convencimento, olha pela porta:
vem entrando um vendedor de canetas. São agora dois para uma só freguesia. Desentendem-se.
O ônibus segue. É então que, noutra esquina, um cedo pedinte junta-se a eles no caos do ônibus
de linha. Três homens, três motivos e ainda uma só freguesia. O que acontece quando a lógica da
competição e do ‘que vença o melhor’ persegue três pessoas até onde foram levadas por essa
mesma estrutura que as marginalizou? É este o ponto de partida de Circular, uma comédia urbana
nonsense, que mistura George Foreman Grill com Buñuel só para ver no que vai dar.
ARGUMENTO
Segunda-feira num ônibus de linha. Tudo corre como o normal. Até que, numa parada qualquer,
sobe o vendedor de balas. Quando ele começa seu discurso de convencimento, olha pela porta:
vem entrando um vendedor de canetas. São agora dois para uma só freguesia. Desentendem-se.
O ônibus segue. E então para a surpresa de todos, na esquina seguinte um cego pedinte junta-se a
eles. O caos está instalado.
Estando os três homens num claro impasse, um dos passageiros – jovem, engomado, uma
presença que só não parece acidental para quem está habituado à pluralidade de tipos que utilizam
os transportes públicos no Rio de Janeiro – se oferece, não sem certo aborrecimento, para
organizar o que seria uma espécie de concurso pelo direito de permanência (e de exercer suas
atividades filantrópico-comerciais) no ônibus. Convertidos em candidatos, cada um dispõe de
trinta segundos para expor seus motivos e convencer os passageiros de seu merecimento em
vender ou pedir. Decididamente não há espaço para os três.
Tem início a seleção. Os candidatos agora lançam mão de recursos mais sofisticados que o
simples discurso, à exceção do cego, que não embarca no delírio da situação e continua a proferir
a única justificativa por estar ali: “Mas eu sou CEGO!” O vendedor de balas transforma seu pedido
em música, apelando aos ouvidos e corações dos passageiros com um funk intitulado “Rap do
trabalhador”, em que narra, de forma um pouco confusa e irresistivelmente engraçada, as
desventuras de um vendedor de balas que tem sua caixa de bombom roubada. O vendedor de
canetas incrementa seu texto sobre as incríveis Roller 7100 ISO 2007 de rolamento franco-
húngaro, mas a tela agora mostra efeitos gráficos, cartelas que piscam e incríveis opções de
parcelamento para o produto, uma caneta esferográfica da mais comum no mercado.
Terminadas as apresentações, os candidatos começam a ser julgados pela plateia. E em meio à
confusão, quando a eleição está prestes a resolver o impasse, um dos passageiros anuncia um
assalto. Juntos, os dois ladrões roubam não apenas o ônibus e os passageiros, mas também os
vendedores. O único que se livra é o ceguinho. Descontente com sua pequena participação no
filme, o assaltante decide levar também a câmera. E desce do ônibus.
ESCALETA
Sequência 1 – Int/Dia – ônibus de linha
Cena 1: O ônibus está quase vazio. Os passageiros vão entrando. Dois homens conversam sobre
algo que não se entende.
Cena 2: O ônibus começa a encher. Dois estudantes conversam sobre filosofia. A catraca emperra
e uma senhora fica presa por alguns segundos. Um rapaz lê histórias em quadrinhos. A senhora
fica nervosa. Uma pré-adolescente balança a cabeça enquanto ouve música. A catraca volta a
funcionar e a mulher passa. Um passageiro mauricinho tapa um dos ouvidos para ouvir o que
alguém lhe diz no celular. A senhora faz o sinal-da-cruz e senta.
Cena 3: Ônibus mais cheio. Duas empregadas conversam sobre os hábitos de suas patroas. Um
homem de terno, atrás, acha engraçado e ri. As mulheres olham para o homem com reprovação.
Ele se encolhe.
Cena 4: Um homem lê, interessado, um cartaz evangélico pregado no vidro atrás da cadeira do
motorista. O cartaz diz: Alcoolismo? Insônia? Impotência sexual? O homem anota o endereço.
Cena 5: Uma mulher de meia-idade, perua e altiva, entra no ônibus. Passa na roleta e é avisada
pelo cobrador de que o preço da passagem aumentou. Ela reclama. O cobrador retruca, grosseiro.
Ela continua reclamando, agora não só do preço, mas também da postura dele. Ele dá um ataque.
Um dos passageiros sai em defesa da mulher e é tratado com ironia e desdém burburinho. O
homem da sequência 4 acorda o passageiro que dorme ao seu lado e diz que tem insônia. Os
passageiros da parte de trás do ônibus defendem o cobrador.
ROTEIRO
FADE IN:
Sequência 1 – interior do ônibus de linha – Dia
CENA 1
MÚSICA DE CIRCO.
Início da manhã. Os PASSAGEIROS, pessoas de todos os tipos, vão enchendo o ônibus de linha.
Muitos têm caras de sono. Um deles, um mauricinho, fala ao celular incessantemente. Há alguns
lugares vazios nos assentos.
FADE OUT DA MÚSICA:
SOM de música evangélica ao fundo, vindo do rádio do MOTORISTA.
Algumas pessoas falam. A maioria permanece calada, olhando através da janela a paisagem da
cidade ou simplesmente olhando para a frente.
Dois homens de meia-idade conversam:
HOMEM 1
Mas você conseguiu resolver as coisas com ele?
HOMEM 2
Não... o cara não ligou, tive que sair pra fazer aquele negócio, acabou que ele não veio.
HOMEM 1
Mas ele não te disse que ia te ajudar?
HOMEM 2
Disse, mas acabou não indo. Também, com aquele problema lá dele...
HOMEM 1
É verdade... mas todo mundo sabia: em boa coisa não dava... não dava mesmo. Você foi lá ontem?
HOMEM 2
Fui nada... Tive que subir pra levar as coisas pra lá, não deu pra fazer mais nada...
HOMEM 1
É muita coisa?
HOMEM 2
Muita coisa...
FADE OUT das vozes dos homens.
DECUPAGEM
Filme: Circular
ESCALA DE PLANOS
Os planos são também descritos e analisados de acordo com a porção do objeto ou do corpo que
é vista no quadro. Estabeleceu-se uma classificação internacional, assim exposta por Jean-Claude
Bernadet:
Foi feita, por exemplo, uma espécie de codificação dos planos, partindo do mais aberto,
aquele que apresenta uma maior porção de espaço, ao mais fechado. As escalas dos planos
têm inúmeras variantes, mas correspondem em geral ao seguinte: o Plano Geral (PG)
mostra um grupo de personagens, reconhecíveis, num ambiente; o Plano Médio (PM)
enquadra os personagens em pé com uma pequena faixa de espaço acima da cabeça e
embaixo dos pés; o Plano Americano (PA) corta os personagens na altura da cintura ou
da coxa; o Primeiro Plano (PP) corta no busto; o Primeiríssimo Plano (PPP) mostra só o
rosto; o Plano de Detalhe (PD) mostra uma parte do corpo que não a cara ou um objeto.
Um tal sistema só pode ser precário: se a figura com faixa de espaço acima da cabeça e
embaixo dos pés estiver sentada e não em pé: que plano será? Um cachorro de corpo
inteiro enchendo mais ou menos a tela: PM de cachorro, mas aí não teremos a porção de
espaço prevista pelo PM, ou detalhe de cachorro? Além disso, essa tabela, visivelmente
pensada em função da câmera fixa, foi ultrapassada pela mobilidade da câmera atual. As
tabelas desse tipo são de origem europeia, a compreensão que os americanos têm dos
planos é mais flexível. O “Long Shot” corresponde ao PG e o “Big Close” ao PPP, no
entanto eles preferem pensar nos planos não em si, mas na relação que eles mantêm entre
si. O que importa não é tanto o tamanho do plano em si, mas o fato de um plano ser maior
ou menor que um outro.
Apesar de usa precariedade, essa codificação serve para balizar o entendimento de todos os
técnicos, permitindo que falem a mesma língua num set de filmagens. Ainda que as fronteiras
entre, por exemplo, o Plano Geral (PG) e o Plano de Conjunto (PC) possam ser ambíguas, a
relação entre o Plano Americano (PA) e o Plano Conjunto (PC) ou o Primeiro Plano (PP) é bem
clara e jamais provocará discussões durante as filmagens.
Os planos são ainda classificados de acordo com a relação estabelecida entre o que vai ser filmado
e a posição de câmera. Trata-se aqui da angulação da câmera em relação ao que se está filmando.
Ela pode estar na mesma altura que ele; pode estar mais elevada que o objeto filmado, quando é
chamada de câmera alta ou plongée (a palavra plongée, em francês, significa mergulho. É, de fato,
como se a câmera mergulhasse por sobre o objeto filmado, captando-o de cima para baixo); ou,
ao contrário, pode estar mais baixa que o objeto e filmá-lo de baixo para cima, quando recebe o
nome de câmera baixa ou contra-plongée. A posição assumida pela câmera em relação ao que
está sendo filmado é o ângulo de filmagem.
PLONGÉE E CONTRA-PLONGÉE
Pode-se ainda posicionar a câmera frontalmente em relação ao objeto filmado ou alterar a
angulação, colocando-a lateralmente ao objeto.
[...] a câmera baixa poderá heroicizar uma figura se a filmar contra um fundo de céu, mas
se o fundo for um imenso prédio cinzento, a câmera baixa poderá ressaltar opressão e
sufocamento se o espaço acima do homem filmado for fechado por um teto baixo, recurso
de que o Orson Welles se valeu em O cidadão Kane. Chega-se à conclusão de que os
elementos constitutivos da linguagem cinematográfica não têm em si significação
predeterminada: a significação depende essencialmente da relação que se estabelece com
outros elementos. Esse é um princípio fundamental para a manipulação e compreensão
dessa linguagem.
Há algum tempo, a decupagem técnica era escrita no papel e esse era o documento de base para
os técnicos. Ali estavam contidas todas as informações relevantes e necessárias para a execução
dos trabalhos. No entanto, com o abandono das filmagens em estúdios, essa decupagem técnica
rígida escrita antes da filmagem caiu em desuso, pois torna-se muito difícil seguir uma decupagem
assim rígida, quando se trabalha em locações onde o nível de imprevistos é muito alto.
Atualmente, a decupagem é feita pelo diretor antes da filmagem de cada sequência, muitas vezes
sem que nada seja escrito no papel. Algumas sequências, mais complexas, podem, entretanto, ser
mais trabalhadas que outras antes do início das filmagens, passando por um processo de
decupagem mais rigoroso, por vezes utilizando o recurso do storyboard. No trabalho em estúdio,
os cenários podem ser construídos em função da decupagem, reduzindo-se a quase zero o número
de imprevistos.
A decupagem técnica escrita deve mencionar, quando utilizada, como o filme vai ser visto e
ouvido. Para isso, ela deve conter as seguintes informações:
A repartição da ação em planos e sua numeração na sequência;
O tipo de plano que será utilizado e sua angulação;
O conteúdo de cada plano, personagens, objetos (seu lugar e colocação) e sua
relação com a câmera;
Movimentos de câmera;
Diálogos, ruídos e música.
De posse da decupagem técnica, cada membro da equipe deve se ocupar das indicações que lhe
concernem diretamente: personagens, objetos, figurinos, adereços, móveis, material necessário
para os efeitos especiais, lentes, maquinaria extra, autorizações especiais que devem ser
providenciadas, maquiagem, tipos de microfones etc. Já aos atores, interessam detalhes como:
tom, gestos, dublês, texto. Logo, tudo deve estar mencionado na decupagem técnica.
Em resumo, ela deve conter tudo o que será ouvido e visto no filme, sequência por sequência:
ações, diálogos, música, ruídos, enquadramento etc.
Em A linguagem secreta do cinema, Jean-Claude Carrière faz um interessante relato sobre a
evolução da escrita do roteiro cinematográfico. Lembrando que um marco importante na história
do roteiro cinematográfico. Lembrando que um marco importante na história do roteiro é a
Nouvelle Vague francesa, que abandonou os estúdios e saiu às ruas, ele explica que quando
rodamos em estúdio é mais fácil preservar a fidelidade ao roteiro, pois tudo será executado
conforme o planejado. Assim, era natural que os roteiros dos anos 40 e 50 viessem repletos de
indicações técnicas. Ao contrário, quando filmamos em locações, encontramos obstáculos reais,
muros ou paredes que não podem ser mexidos, janelas fixas etc. Adapta-se, então, o roteiro às
locações. Tudo isso modificou a maneira de se escrever os roteiros, que hoje possuem menos
indicações técnicas, o que acabou por tornar sua leitura mais agradável. Ele completa dizendo que
o desaparecimento do roteiro técnico levou a certa desvalorização do roteirista.
Mais adiante, no mesmo livro, Jean-Claude explica duas regras de ouro para os roteiristas: em
primeiro lugar, abandonar toda ideia de literatura ao escrever um roteiro, buscar simplicidade e
clareza, não omitir nada.
A segunda regra se refere ao tempo da ação: nunca se alongar ao escrever uma cena curta, não
abreviar uma cena longa. A minutagem do roteiro feita pelo continuísta e pelo assistente nos
ensina que o ritmo de leitura do roteiro deve acompanhar o desenvolvimento da cena na tela. Se
isso não acontecer, algo está errado.
Outra observação importante diz respeito à decupagem inconsciente. Uma vez abolido o roteiro
técnico, são a descrição da ação, a posição dos personagens no campo e a porção mostrada do
espaço que nos induzem a um certo tipo de decupagem. Se temos vários personagens em torno
de uma mesa e podemos ver o jardim através da janela, sabemos que só pode se tratar de um plano
de conjunto, embora não haja a indicação técnica explícita no roteiro.
A saída dos estúdios para as locações trouxe não só ao roteiro, mas ao cinema como um todo,
novas formas de realizar e produzir filmes. Alguns diretores utilizam, além da decupagem técnica,
um outro recurso: trata-se do storyboard, que consiste em desenhar plano a plano algumas
sequências do filme. A utilização do storyboard traduz um rigor muito grande do diretor em
relação ao que vai ser filmado. Tudo deve ser feito exatamente como o que está indicado no
desenho, uma vez que a escolha representa opções dramáticas e narrativas. Pode-se também
utilizar o computador para desenhar as sequências, diminuindo a margem de erro, o tempo gasto
e os imprevistos. No storyboard, cada retângulo desenhado corresponde a um plano do filme.
Essa prática é extremamente utilizada nos filmes publicitários, cuja duração é pequena e em que
tudo deve ser aprovado previamente pelo cliente. Além disso, os orçamentos mais generosos da
publicidade permitem um trabalho com mais minúcias.
Alguns diretores, que se destacaram pelo rigor na construção dos planos e enquadramentos,
utilizaram-se do storyboard em sequências mais complexas. Alfred Hitchcock usou o recurso
inúmeras vezes, dada a exatidão com que eram construídos seus planos, o que possibilitou a
composição de narrativas intensas, econômicas e profudamete eficientes, alcançando seus
objetivos dramáticos.
DECUPAGEM E STORYBOARD
Luis Buñuel dizia estar convencido de que o mais importante na feitura de um filme é um bom
roteiro. Ele quase sempre precisou de um roteirista, um precioso colaborador, para esclarecer as
ideias, a história e os diálogos. Para Buñuel o roteirista devia discutir, propor, fundamentalmente
manter o interesse, o que acontece através de uma boa progressão. Segundo ele, quase tudo num
filme podia ser discutível: conteúdo, estética, estilo, moral, o único pecado mortal de um filme é
ser entediante.
Federico Fellini se aproximava de suas histórias de uma forma totalmente diversa. Para ele um
filme não podia ser descrito com palavras, pode ser “uma nebulosa vaga e indefinida”.
Os filmes desses dois cineastas expressam exatamente suas formas de sentir e trabalhar. Para
Fellini, apesar de sedutora, a palavra atravancava a visualidade necessária a todo filme. Uma vez
concluído o roteiro, o filme é uma incógnita, estando aberto a todas as possibilidades.
Com a evolução da narrativa e das técnicas cinematográficas, as normas existentes são
constantemente contestadas, modificadas. As formas de trabalhar – sobretudo nesta fase em que
o trabalho é praticamente solitário, os custos ainda não pesam tanto e não existe uma equipe inteira
aguardando ordens – apresentam grande diversidade.