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Marques, Aída

Ideias em movimento: produzindo e realizando filmes no Brasil / Aída Marques. – Rio de Janeiro:
Rocco, 2007. – (Artemídia)

:: CAPÍTULO 1 – ROTEIRO ::

Todo filme nasce de uma ideia, seja ela original, saída de uma notícia de jornal ou adaptada de
uma obra preexistente. Caso se trate de um documentário, o processo é um pouco diferente, e o
conhecimento do tema (que será abordado na pesquisa) é o principal motor de funcionamento da
filmagem. Contudo, deixado de lado a diversidade de gêneros e estratégias técnicas e estéticas,
nosso objeto aqui é o filme médio brasileiro de ficção.
O roteiro cinematográfico tem peculiaridades não encontradas em nenhum outro tipo de escritura.
Isso porque se trata de uma obra de transição, sem um fim em si mesma. Alguns roteiristas
referem-se a ele como uma coleção de folhas de papel prontas para serem jogadas na lata de lixo
assim que terminam as filmagens. A história contada em palavras existe como único propósito de
dar lugar às imagens. Por isso, o roteiro não é o filme e este, por sua vez, nem mesmo contém o
roteiro, que é apenas uma ponte para a obra final.
Isso de forma alguma desmerece o trabalho do roteirista ou diminui a importância desta que é
uma peça fundamental para o cinema. Alguns diretores chamam a atenção para o fato de que o
filme renasce a cada etapa da produção, condição necessária para que chegue a seu destino final
com vivacidade e pulsação. O que se filma, dizem, não é mais o que está escrito. E o que sai da
sala de montagem não é mais o que foi filmado. A feitura do filme, obra viva e coletiva, é um
processo de constante renovação.
Recentemente têm-se publicado, no Brasil, inúmeros roteiros de filmes que fizeram sucesso nas
salas de cinema. Entretanto, tais publicações geralmente são transcrições da obra final, do filme
que foi às telas, e não a reprodução do roteiro que o precedeu.
A ideia inicial de um filme pode partir das mais diversas motivações emocionais ou racionais.
Entretanto, um método é necessário para que o “texto da história”, que vai se transformar em
imagens, possa ser compreendido por todos os técnicos e atores envolvidos no projeto.
A ideia ou desejo inicial pode surgir de uma ou várias fontes, que serão integradas durante o
processo de escrita do roteiro. Estão listadas algumas possibilidades:
 Um filme pode partir de uma ideia completamente original. Uma frase ouvida, solta, um
pensamento, uma lembrança; tudo o que puder acidentalmente servir de ponto de partida
para uma reflexão;
 Uma notícia de jornal, uma “história” contada, algo que aconteceu com um conhecido
podem também transformar-se no tema do filme ou servir de ponto de partida. É possível
até mesmo juntar várias histórias numa só. Aí a imaginação é o limite;
 O filme pode nascer de uma imagem ou de um conceito, da vontade de ilustrar uma ideia;
 Pode vir de lembranças do passado ou sonhos;
 Pode, ainda, surgir de sentimentos, sensações impressões;
 Pode ser inspirado em fatos históricos, vidas de pessoas célebres. O cinema, arte com
possibilidades realistas imensas, não cessa de beber dessa fonte;
 Adaptações de romances, contos, poesias, novelas, peças de teatro são ainda outras
possibilidades ou pontos de partida. Desde o início, o cinema se serviu da literatura como
permanente fonte de inspiração, histórias e adaptações. Nestes casos, antes que se iniciem
os trabalhos, é necessário negociar os direitos autorais da obra original, a não ser que ela
já seja de domínio público. No Brasil, uma obra é considerada de domínio público quando
se completam 70 anos da morte de seu autor.
Certamente não pretendo esgotar todas as possibilidades que existem e que, felizmente, não
cessam e não cessarão de surgir. Penso, entretanto, estarem colocados aqui os casos mais
corriqueiros.
Antônio Costa define, resumidamente, o que é o roteiro de um filme:
O roteiro, entendido como técnica de elaboração ou de “pré-visualização” de um filme
(Giustini, 1980), constitui o ponto de referência para o preparo de todas as ações técnico-
organizativas da realização. O roteiro é um texto de tipo muito particular. Ele deve ter
qualidades expressivas ou dramáticas enquanto contém os diálogos que os atores terão de
dizer; além disso tais qualidades devem ser funcionais para a compreensão de todos os
aspectos psicológicos, estéticos etc. por parte de todos aqueles (dos atores aos técnicos)
que podem contribuir para o sucesso da obra. Mas o roteiro deve ser também funcional:
deve permitir ao produtor ter uma ideia exata sobre a oportunidade de financiar o filme e
ao diretor de produção elaborar o plano de trabalho.
Para se chegar a um texto tão completo, que sirva a todas as pessoas envolvidas no filme e de
onde cada uma possa tirar as informações que lhe serão relevantes, em geral é necessário passar
por várias fases desde aquela ideia inicial até este último documento: o roteiro. Normalmente, sua
elaboração passa pelas seguintes etapas:
 Storyline
 Sinopse
 Argumento
 Escaleta
 Roteiro
 Lista de diálogos
 Decupagem técnica
Storyline é um resumo da ideia que se pretende desenvolver. Nela estão contidos a apresentação
dos protagonistas, o conflito principal, o clímax do problema e a conclusão. Em seguida, passa-
se a um detalhamento maior dos elementos da história, e a sinopse começará a ser trabalhada.
A sinopse faz parte de uma realidade tipicamente cinematográfica. Etimologicamente originária
do grego Synopsis, que significa vista do conjunto, golpe de vista geral, a sinopse consiste em
algumas páginas que resumem o filme. Sua leitura permite que tenhamos uma ideia do filme que
se pretende fazer. A sinopse deve ter um certo apelo publicitário e ser sedutora, pois é o que será
mostrado primeiramente aos possíveis financiadores, atores e técnicos em geral de quem se
pretenda a adesão ao projeto. É ela também que será anexada ao material encaminhado para a
certificação junto aos órgãos reguladores da atividade audiovisual.
A redação desse texto solicita qualidades de naturezas distintas. Ao mesmo tempo atraente e
resumida, a sinopse deve fazer “ver” o filme que será produzido, possibilitando até mesmo uma
primeira noção de custos e do tamanho do projeto, e permitindo a captação dos recursos
necessários à sua realização.
O passo seguinte é o desenvolvimento pleno do enredo e a criação de todos os personagens. Tal
etapa denomina-se argumento. O argumento conta a história do início ao fim. Já estão presentes
todos os personagens. Tal etapa denomina-se argumento. O argumento conta a história do início
ao fim. Já estão presentes todos os personagens principais e as mais importantes articulações e
ações do filme. Os cenários, as características dos personagens e as ações serão ainda mais
detalhados e desenvolvidos.
A sinopse e o argumento apenas descrevem o filme sem introduzir qualquer conceito ou noção
propriamente cinematográficos. São textos corridos, que qualquer leitor é capaz de compreender.
Finalizados os dois textos, ainda não é hora de passar ao roteiro propriamente dito. A escaleta
surge como etapa intermediária entre o texto corrido (da storyline ao argumento) e o roteiro final.
Ela nada mais é que uma lista das sequências do filme, já na ordem em que aparecerão no roteiro.
Cada sequência, identificada por número ou título, é acompanhada de uma breve descrição da
ação. A escaleta não contém diálogos ou maiores detalhes sobre as situações ou reações dos
personagens. É apenas uma forma de organizar a história contada no argumento em uma estrutura
(ou seja, dar forma ao que será contado) e facilitar ao roteirista a visão de como as sequências
serão articuladas entre si. É a partir dessa fase, em que todo desenvolvimento da trama do filme
está presente, que se vai trabalhar o roteiro propriamente dito.

DO ROTEIRO LITERÁRIO AO ROTEIRO TÉCNICO


O roteiro é o desenvolvimento da escaleta. Conta o filme, sequência por sequência, indicando as
articulações de uma a outra, transmitindo o clima, o ambiente, o sentido de uma situação e as
características e peculiaridades dos personagens. Sequências, articulações, diálogos: o roteiro nos
faz entrar no domínio cinematográfico, do qual ele é a primeira etapa específica. Ele deve dar ao
mesmo tempo o sentido, a estrutura e o relato do filme que vai ser realizado. Pode conter até
indicações de ruídos, som ambiente ou música. A partir deste momento, os diálogos apresentam-
se separados das descrições das ações.
Ao transmitir a atmosfera do filme, o roteiro permite que cada departamento encontre nele as
indicações para o desenvolvimento do seu trabalho e a escolha de soluções técnicas e artísticas
adequadas. Por isso é a base de toda realização e deve ser distribuído à equipe e ao elenco.
Antes de atingir sua forma definitiva, o roteiro será trabalhado e retrabalhado, passando pelo que
se chama de sucessivos tratamentos, mas conservando a mesma disposição gráfica dentro da folha
em branco:
 Divisão em sequências
 Descrição da situação e dos personagens
 Diálogos de cada sequência
O roteiro de um filme, novela ou minissérie pode ser escrito por uma ou mais pessoas. Tudo
depende do porte do projeto, das condições técnicas, orçamentárias e até estéticas requeridas, do
tempo disponível para a apresentação da obra e finalmente da gana pessoal pelo trabalho de cada
roteirista. No Brasil, em geral, os filmes de longa-metragem são escritos por um só roteirista,
enquanto na televisão vários profissionais são responsáveis por uma série ou novela, dada a
velocidade de produção, os compromissos comerciais, a exiguidade do tempo e a volumosa massa
de trabalho exigida. A França desenvolveu uma categoria curiosa: o roteirista especializado em
escrever diálogos, denominado dialoguista. Orlando Senna nos diz:
A maioria dos filmes americanos é escrita por apenas um roteirista. Existe um grande
número de filmes escritos por dois. E existe algum número de filmes escritos por mais de
dois. Esse hábito é mais comum na Itália. Na França também existe um outro tipo de
divisão, entre o roteirista e o dialoguista, ou seja: se separam as duas funções. Eu nunca
entendi direito como é que isso pode ser feito porque eu acho que o diálogo está dentro
do fluxo dramático. A minha experiência é mínima. Eu sempre escrevi sozinho ou a dois,
com o diretor. Minha única experiência com mais de dois, na verdade, é na Ópera do
malandro, que é um caso bastante singular. [...] Porque tínhamos de conceber desde o
roteiro a ideia de um musical, quer dizer, a concepção tinha de vir desde antes. E duas
pessoas não músicas não podem conceber um musical, a meu ver. [...] As criações
coletivas de roteiros, as de que participei como professor como monitor, tinham
resultados às vezes muito interessantes e, às vezes, nenhum resultado. [...] No meu
trabalho, o que eu mais gosto é de escrever a duas cabeças, sendo que eu me
responsabilizo pela redação.
O roteiro normalmente passa por sucessivos tratamentos: idas e vindas, discussões e sugestões
entre o diretor, o produtor e o roteirista. Acréscimos e supressão de personagens e sequências,
desenvolvimento e afinação do texto e da história, leituras solitárias ou como amigos e
consultores, são contribuições que agregam a cada tratamento mais precisão e acuidade.
Todavia, é necessário frisar que não existem regras fixas para a escrita do roteiro. Trata-se de um
trabalho de criação e cada pessoa encontrará a forma mais adequada, produtiva e confortável para
trabalhar e alcançar o objetivo almejado.
Uma vez que o roteiro esteja pronto, tal como descrito, ele ainda passa por outra filtragem, a cargo
do diretor. Depois disso, pode-se de dar início à produção propriamente dia do filme.
O trabalho do roteirista termina quando ele entrega os originais do roteiro. Até aí, o filme está
“contado” e não sabemos como ele será visto. O trabalho de transposição do roteiro literário para
o roteiro técnico chama-se decupagem técnica e é uma atribuição do diretor, pois é ele que define
de que forma essa história será contada através de imagens e sons.
Decupagem é um aportuguesamento do francês découper, que significa recortar. O procedimento
de decupar uma ação significa, então, recortar a ação descrita no texto convencional em pequenos
“pedaços de imagem”. É necessário chamar a atenção para um uso recente da palavra decupagem
que, não raro, provoca alguma confusão. Com o advento do vídeo, chama-se decupagem também
mera descrição de imagens filmadas. Entretanto, essa descrição é realizada após as gravações ou
filmagens e nada tem em comum com a noção primordial de decupar um roteiro (que reiteramos,
significa a transformação de um texto em formato literário em um texto em formato
cinematográfico).
Para executar a decupagem técnica é imprescindível conhecer as noções básicas que norteiam e
compõem a narrativa e o vocabulário cinematográficos. Por isso, vamos definir essas noções antes
de passarmos a ela.
Para realizar um filme, ou seja, para exprimir uma ideia, emoção ou sensação por imagens e sons,
é necessário dominar um certo número de técnicas e informações e, também, desenvolver
conhecimentos intelectuais, além de nossa própria sensibilidade.
O filme é uma obra fragmentária e descontínua, concebida e realizada em pequenas partes.
Somente quando finalizado, na fase de montagem, ele retornará sua forma contínua. Concebido
desde o seu “nascimento” como um conjunto de elementos, o filme será fabricado por pequenas
unidades, denominadas planos.
Assim, a filmagem em descontinuidade – sem levar em conta a cronologia final – é possível,
porque o diretor cria a decupagem técnica e o plano de filmagem (noção que veremos adiante). O
processo de decupagem significa dividir em planos uma história contada linearmente, partindo do
roteiro literário e chegando ao roteiro técnico.
O roteiro técnico é finalmente, o documento no qual todos os técnicos encontram as indicações
necessárias para desenvolver o seu trabalho e que os acompanha até o fim das filmagens. É a
forma mais corrente de trabalhar, sobretudo em um esquema industrial, em que as agendas dos
atores e as datas de lançamento são preestabelecidas e devem ser respeitadas, porque envolvem
contatos comerciais e importantes fontes de recursos. No cinema menos comercial ou no chamado
cinema de “autor”, nem sempre a decupagem é tão rígida ou realizada com tanta antecedência.
Ademais, as idiossincrasias de cada diretor interferem no processo de trabalho. Se alguns, antes
de começar a filmar, realizam a decupagem técnica com minúcia e precisão, outros descobrem-
na durante o processo de filmagem. Hitchcock talvez seja o exemplo perfeito e acabado do diretor
que, durante as filmagens, executa com precisão a decupagem anteriormente realizada.
Com a ajuda de sua mulher, que era continuísta, planejava cuidadosamente cada detalhe do roteiro
e esperava durante a filmagem reproduzi-lo rigorosamente. Para ele esse seria o verdadeiro
trabalho cinematográfico, pois, quando terminava o roteiro, o filme está pronto dentro de sua
cabeça. Como cada escolha era deliberada, a edição transcorria tranquilamente, sem muita
necessidade de supervisão. Afinal, se o roteiro foi cuidadosamente respeitado, a edição é simples,
sendo necessário somente cortar os excessos e as irrelevâncias para que o filme se aproxime ao
máximo do roteiro escrito.
Um outro tipo de diretor, como Jean-Luc Godard, por exemplo, não costuma trabalhar com
roteiros precisos e minuciosos, preferindo partir para as filmagens apenas com anotações e
improvisar.
Eu não escrevo meus roteiros, eu improviso durante a filmagem. Ora, essa improvisação
é o fruto de um trabalho interior precedente e que supõe concentração. De fato, eu não
faço os filmes somente quando estou rodando. Eu faço meus filmes quando eu sonho,
quando eu almoço, quando eu leio, quando eu falo com você.
CIRCULAR – ROTEIRO DE CURTA-METRAGEM

STORYLINE
Um vendedor de balas, um vendedor de canetas e um cego perdido em tiroteio disputam a
preferência dos passageiros num ônibus de linha do Rio de Janeiro.

SINOPSE
Segunda-feira num ônibus de linha. Tudo corre como o normal. Até que, numa parada qualquer,
sobe o vendedor de balas. Quando ele começa seu discurso de convencimento, olha pela porta:
vem entrando um vendedor de canetas. São agora dois para uma só freguesia. Desentendem-se.
O ônibus segue. É então que, noutra esquina, um cedo pedinte junta-se a eles no caos do ônibus
de linha. Três homens, três motivos e ainda uma só freguesia. O que acontece quando a lógica da
competição e do ‘que vença o melhor’ persegue três pessoas até onde foram levadas por essa
mesma estrutura que as marginalizou? É este o ponto de partida de Circular, uma comédia urbana
nonsense, que mistura George Foreman Grill com Buñuel só para ver no que vai dar.

ARGUMENTO
Segunda-feira num ônibus de linha. Tudo corre como o normal. Até que, numa parada qualquer,
sobe o vendedor de balas. Quando ele começa seu discurso de convencimento, olha pela porta:
vem entrando um vendedor de canetas. São agora dois para uma só freguesia. Desentendem-se.
O ônibus segue. E então para a surpresa de todos, na esquina seguinte um cego pedinte junta-se a
eles. O caos está instalado.
Estando os três homens num claro impasse, um dos passageiros – jovem, engomado, uma
presença que só não parece acidental para quem está habituado à pluralidade de tipos que utilizam
os transportes públicos no Rio de Janeiro – se oferece, não sem certo aborrecimento, para
organizar o que seria uma espécie de concurso pelo direito de permanência (e de exercer suas
atividades filantrópico-comerciais) no ônibus. Convertidos em candidatos, cada um dispõe de
trinta segundos para expor seus motivos e convencer os passageiros de seu merecimento em
vender ou pedir. Decididamente não há espaço para os três.
Tem início a seleção. Os candidatos agora lançam mão de recursos mais sofisticados que o
simples discurso, à exceção do cego, que não embarca no delírio da situação e continua a proferir
a única justificativa por estar ali: “Mas eu sou CEGO!” O vendedor de balas transforma seu pedido
em música, apelando aos ouvidos e corações dos passageiros com um funk intitulado “Rap do
trabalhador”, em que narra, de forma um pouco confusa e irresistivelmente engraçada, as
desventuras de um vendedor de balas que tem sua caixa de bombom roubada. O vendedor de
canetas incrementa seu texto sobre as incríveis Roller 7100 ISO 2007 de rolamento franco-
húngaro, mas a tela agora mostra efeitos gráficos, cartelas que piscam e incríveis opções de
parcelamento para o produto, uma caneta esferográfica da mais comum no mercado.
Terminadas as apresentações, os candidatos começam a ser julgados pela plateia. E em meio à
confusão, quando a eleição está prestes a resolver o impasse, um dos passageiros anuncia um
assalto. Juntos, os dois ladrões roubam não apenas o ônibus e os passageiros, mas também os
vendedores. O único que se livra é o ceguinho. Descontente com sua pequena participação no
filme, o assaltante decide levar também a câmera. E desce do ônibus.
ESCALETA
Sequência 1 – Int/Dia – ônibus de linha
Cena 1: O ônibus está quase vazio. Os passageiros vão entrando. Dois homens conversam sobre
algo que não se entende.
Cena 2: O ônibus começa a encher. Dois estudantes conversam sobre filosofia. A catraca emperra
e uma senhora fica presa por alguns segundos. Um rapaz lê histórias em quadrinhos. A senhora
fica nervosa. Uma pré-adolescente balança a cabeça enquanto ouve música. A catraca volta a
funcionar e a mulher passa. Um passageiro mauricinho tapa um dos ouvidos para ouvir o que
alguém lhe diz no celular. A senhora faz o sinal-da-cruz e senta.
Cena 3: Ônibus mais cheio. Duas empregadas conversam sobre os hábitos de suas patroas. Um
homem de terno, atrás, acha engraçado e ri. As mulheres olham para o homem com reprovação.
Ele se encolhe.
Cena 4: Um homem lê, interessado, um cartaz evangélico pregado no vidro atrás da cadeira do
motorista. O cartaz diz: Alcoolismo? Insônia? Impotência sexual? O homem anota o endereço.
Cena 5: Uma mulher de meia-idade, perua e altiva, entra no ônibus. Passa na roleta e é avisada
pelo cobrador de que o preço da passagem aumentou. Ela reclama. O cobrador retruca, grosseiro.
Ela continua reclamando, agora não só do preço, mas também da postura dele. Ele dá um ataque.
Um dos passageiros sai em defesa da mulher e é tratado com ironia e desdém burburinho. O
homem da sequência 4 acorda o passageiro que dorme ao seu lado e diz que tem insônia. Os
passageiros da parte de trás do ônibus defendem o cobrador.

ROTEIRO
FADE IN:
Sequência 1 – interior do ônibus de linha – Dia
CENA 1
MÚSICA DE CIRCO.
Início da manhã. Os PASSAGEIROS, pessoas de todos os tipos, vão enchendo o ônibus de linha.
Muitos têm caras de sono. Um deles, um mauricinho, fala ao celular incessantemente. Há alguns
lugares vazios nos assentos.
FADE OUT DA MÚSICA:
SOM de música evangélica ao fundo, vindo do rádio do MOTORISTA.
Algumas pessoas falam. A maioria permanece calada, olhando através da janela a paisagem da
cidade ou simplesmente olhando para a frente.
Dois homens de meia-idade conversam:
HOMEM 1
Mas você conseguiu resolver as coisas com ele?
HOMEM 2
Não... o cara não ligou, tive que sair pra fazer aquele negócio, acabou que ele não veio.
HOMEM 1
Mas ele não te disse que ia te ajudar?
HOMEM 2
Disse, mas acabou não indo. Também, com aquele problema lá dele...
HOMEM 1
É verdade... mas todo mundo sabia: em boa coisa não dava... não dava mesmo. Você foi lá ontem?
HOMEM 2
Fui nada... Tive que subir pra levar as coisas pra lá, não deu pra fazer mais nada...
HOMEM 1
É muita coisa?
HOMEM 2
Muita coisa...
FADE OUT das vozes dos homens.
DECUPAGEM
Filme: Circular

Sequência/ cena: 1/1 Locação: Ônibus – Int/Dia


Imagem Som
Plano: 1
Plano de Conjunto do ônibus vazio Barulho do motor. Ambiente da rua: carros
passam, pessoas conversam
Plano: 2
Plano Médio: Plongée da catraca Burburinho. Ambiente da rua.
Catraca girando
Plano: 3
Plano Médio: Homem 1 e Homem 2 Catraca girando. Ambiente da rua.
Homem 1 estala a língua.
Plano: 4
Ambiente da rua.
HOMEM 1
Mas você conseguiu resolver as coisas com
Plano Médio fechado: Homem 1 ele?
HOMEM 2
Não... o cara não ligou, tive que sair pra fazer
aquele negócio, acabou que ele não veio.
Plano: 5
PLANO DETALHE: Mala do Homem 2 Ambiente da rua.
HOMEM 1 (OFF)
Mas ele não te disse que ia te ajudar?
Plano: 6
PLANO DETALHE: Mãos do Homem 2 Ambiente da rua. Estalar de dedos.
HOMEM 2 (OFF)
Disse, mas acabou não indo.
Plano: 7
Plano Médio fechado: Homem 1 Ambiente da rua. Catraca Girando
PAN para direita R Plano médio fechado do Burburinho.
Homem 2 HOMEM 1
E verdade... mas todo mundo sabia: em boa
coisa não dava... não dava mesmo. Você foi lá
ontem?
Concebida em pequenas frações, a realização de um filme não obedece, portanto, às leis
cronológicas quando de sua feitura. As imagens que vemos se suceder na tela do cinema podem
ter sido rodadas com muitos dias e até semanas de intervalo. As filmagens podem começar,
inclusive, pelas sequências finais. Questões como a agenda dos atores, disponibilidade de
locações e estúdios, deslocamentos, construção de cenários e outras variáveis são levadas em
conta para a elaboração do cronograma das filmagens.
No entanto, nem sempre foi assim, como bem descreve Jean-Claude Bernadet:
Os passos fundamentais para a elaboração dessa linguagem foram a criação de estruturas
narrativas e a relação com o espaço. Inicialmente o cinema só conseguia fizer: acontece
isto (primeiro quadro), e depois, acontece aquilo (segundo quadro), e assim por diante.
Um salto qualitativo é dado quando o cinema deixa de relatar cenas que se sucedem no
tempo e consegue dizer “enquanto isso”. Por exemplo, uma perseguição: vêem-se
alternadamente o perseguidor e o perseguido, o perseguidor que não vemos continua a
correr, e vice-versa. Óbvio, para hoje.
À medida que essas formas vinham-se constituindo, o público vinha-se educando; hoje
estamos familiarizados com estruturas complexas, mas é fácil imaginar que passar de um
lugar para outro, de personagens para outros, para logo em seguida voltar aos primeiros,
podia parecer uma total confusão.
Para que fosse possível à linguagem cinematográfica atingir tal complexidade, o cinema
desenvolveu uma maneira particular de contar uma história. As noções fundamentais para o
desenvolvimento da criação do discurso cinematográfico são:
 O plano
 A sequência
 A decupagem
 A montagem
Como já observamos, todo filme é feito de pequenas frações denominadas plano. O plano é a
unidade cinematográfica do ponto de vista técnico.
Durante a filmagem, o plano é tudo o que é filmado entre o Ação e o Corta do diretor. No entanto,
ele pode ser fracionado durante a montagem e o que era um só plano na filmagem transforma-se
em vários na cópia final. O exemplo mais conhecido desse procedimento é o famoso
“plano/contraplano”, que classicamente, mostra a conversa entre dois personagens. Primeiro
vemos o personagem A de frente, falando e olhando em direção a B e, em seguida, vemos o
inverso: B de frente, olhando em direção a A. No resultado final do filme, vemos vários planos
de A e B, intercalados, embora, na filmagem, tenham sido rodados apenas dois planos. Filmam-
se primeiro todas as falas de A; em seguida, reposicionam-se a câmera, microfones e refletores
para filmar o plano de B contendo todas as falas. Logo, os planos que, na filmagem, eram somente
dois – um plano de A e outro de B – tornam-se, no filme, vários planos de A e vários planos de B
intercalados. Assim, um plano é a porção de imagem filmada em continuidade entre dois cortes.
Uma observação importante: durante a filmagem, é raro que um plano seja filmado apenas uma
vez. Em geral, mesmo que o resultado tenha sido considerado satisfatório pelo diretor, faz-se uma
segunda filmagem por segurança. Muitas vezes os planos são interrompidos por questões técnicas
de som e imagem, ou ainda, por falhas na continuidade ou problemas na interpretação dos atores.
O filme A noite americana, de François Truffaut, brinca com isso na hilariante cena em que uma
das personagens não consegue por nada decorar sua fala. Cada filmagem de um mesmo plano
recebe, no vocabulário cinematográfico, o nome de take ou tomada.
O plano não pode ser definido pela posição da câmera, já que ela pode se deslocar durante um
mesmo plano; nem pode ser definido por sua duração, uma vez que um plano pode ser muito
longo ou muito curto; tampouco pela entrada ou saída de personagens.
O plano é a menor parte do filme em estado livre; a sequência, a menor parte do filme em estado
de combinação. Uma sequência é formada por vários planos e possui uma unidade dramática. A
sequência é, então, um conjunto de planos que se seguem, construindo um sentido. Logo, o plano
só adquire seu sentido pleno quando inserido em uma sequência. Portanto, o sentido e a leitura de
um plano podem mudar segundo sua colocação dentro da sequência.
Nos primórdios do cinema, quando a gramática cinematográfica estava ainda em construção,
diversas experimentações e teorias provaram a importância da escolha e da colocação do plano
dentro da sequência. O exemplo clássico é a experiência de Kuleshov. Lev Kuleshov, cineasta da
chamada vanguarda russa da década de 1920, realizou um experimento fundador para a história
da linguagem cinematográfica por comprovar o poder da montagem na construção de sentido em
um filme. Seu trabalho consistiu no seguinte: filmou-se o rosto de um ator cuja expressão era
neutra, sem expressar qualquer emoção específica. Foram filmadas também imagens de um prato
de sopa, de uma criança e de um corpo num caixão. A imagem do homem de expressão neutra
foi, então, alternada com outros planos, criando três diferentes filmes. Em seguida, os filmes
foram exibidos, e a plateia, questionada sobre seu significado. O interessante é que as
interpretações variavam radicalmente de acordo com o plano que era intercalado com o rosto
neutro do ator. Ao vê-lo articulado ao prato de sopa, a plateia identificava a expressão de um
homem com fome; junto ao corpo no caixão, era um homem triste; finalmente, articulada à
criança, a figura do homem era identificada com uma expressão de ternura. Isto só reforça,
portanto, o que foi dito anteriormente: um plano pode mudar sensivelmente de acordo com sua
articulação dentro de uma sequência.
Enquanto o plano pode ser definido unicamente por dados técnicos, a sequência fará sempre apelo
ao discurso verbal e a dados dramáticos. Diremos, por exemplo: a sequência do nascimento de
Maria ou a sequência da briga entre o casal.
A sequência não pode ser definida pela unidade de lugar. Se na maior parte dos casos ela se passa
no mesmo local, existem inúmeros outros em que a mesma sequência se passa em vários lugares,
sendo o exemplo clássico as sequências de perseguição.
Por outro lado, se uma ação completa é rodada de uma só vez, sem cortes, entre um Ação e um
Corta do diretor, esse plano, que sozinho possui uma unidade dramática, chama-se plano-
sequência.
Não se deve levar em conta, na categoria plano-sequência, a sua duração, pois um plano pode ser
muito longo e não ser um plano-sequência; da mesma forma, um plano curto, mas com sentido
dramático, pode ser um plano-sequência. O que deve ser levado em conta é o conteúdo dramático.
No entanto, os planos-sequência tendem a ter uma duração maior do que os outros planos.
Alguns roteiristas e diretores trabalham ainda com a categoria denominada cena. Uma cena seria
um conjunto de planos, e uma sequência, um conjunto de cenas. Em alguns casos, é mais
produtivo trabalhar somente com os conceitos de plano e sequência e, em outros, com as três
categorias. Enquanto a cena se passa em um único local, a sequência de perseguição, os cenários
podem variar e compor várias cenas. O mesmo acontece na sequência da despedida de um casal,
em que vemos, por exemplo, na primeira cena, o casal que sai de casa e caminha por várias ruas
e avenidas. Na segunda cena, chegam ao aeroporto, tomam as providências necessárias para
despachar a bagagem e vão tomar um café. Na terceira cena, tomam o café e conversam sobre o
motivo da separação. Na quarta cena, finalmente a mulher se encaminha ao portão de embarque
e o homem subitamente resolve sair do aeroporto e tomar um táxi. A cena pressupõe geralmente
o mesmo cenário, a mesma locação, enquanto a sequência estaria ligada ao sentido dramático: a
sequência da separação do casal.
A noção de decupagem está estreitamente ligada à de montagem. Decupar um roteiro significa
transformar um texto literário em texto cinematográfico. A decupagem técnica conta a história
em planos; divide a ação, que é narrada no roteiro verbalmente, em inúmeros planos e especifica
os tipos de planos utilizados. A decupagem técnica precisa como o filme será visto e ouvido pelo
espectador.
A montagem é, então, a reunião posterior desses inúmeros planos, formando um conjunto
coerente e cronológico que constitui o filme. Pela montagem, o filme é reconstruído,
transformando-se em um produto acabado, semelhante à ideia do criador do roteiro e do diretor.
A montagem dosa e controla a eficácia da sucessão dos planos; por isso as noções de decupagem
e montagem são os dois lados da mesma moeda, inseparáveis e importantes na evolução da
linguagem cinematográfica.
Como observa Jean-Claude Carrière no seu delicioso livro A linguagem secreta do cinema, foi
somente quando os cineastas começaram a cortar o filme em cenas que uma nova linguagem se
configurou. Foi assim, nessa relação invisível de um plano com o seguinte que o cinema criou
sua própria linguagem: complexa, dotada de um rico vocabulário, uma gramática sofisticada e
incrivelmente variada. Uma linguagem única: a cinematográfica.
Carrière chama a atenção para o fato de que as relações entre as sequências de planos, coisa que
hoje nos parece simples e óbvia, está longe de ser uma propriedade natural. Trata-se de uma
construção forjada desde a invenção do cinema. Se hoje essa linguagem já é compreendida por
nós de forma automática é porque já foi incorporada ao nosso sistema cognitivo. Há oitenta anos,
isso que entendemos como “normal” constituiu uma verdadeira revolução.
É uma questão de educação e hábito, portanto, que nosso raciocínio esteja educado para fazer a
história as conexões que a montagem sugere.
A sequência é a unidade dramática do filme e é composta por diversos planos. Examinemos,
agora, o plano, unidade técnica de fabricação, do ponto de vista de sua natureza e da sua
codificação.
O plano é sempre uma porção de espaço escolhida e percorrida pelo quadro da câmera. Porção de
espaço percorrida, porque o plano pode ou não ser fixo. Os planos são chamados de fixos ou em
movimento. Na linguagem habitual, a expressão “plano fixo” é utilizada, mas não “plano em
movimento”. Para substituí-la, utilizamos correntemente a designação do movimento em questão.
Podem-se distinguir duas categorias principais e básicas de planos em movimento: as
panorâmicas e os carrinhos ou travellings.
Em cinema, a porção de espaço escolhida ou percorrida pela câmera recebe o nome de campo.
Estar dentro do campo é estar dentro do espaço captado pela objetiva. Profundidade de campo,
por sua vez, é a porção de espaço na qual se obtém uma imagem focada. Esta porção varia de
acordo com a lente utilizada e com a abertura do diafragma da câmera. Outra noção importante é
a de quadro, que corresponde ao espaço do campo delimitado pela objetiva. O campo tem três
dimensões e é filmado em duas, por meio de uma superfície a que se chama quadro. Assim, filmar
é escolher um trecho do espaço-campo por meio de um quadro. No vídeo, entretanto, campo é o
nome que se dá à metade de um quadro. Como no filme um plano é a sucessão de vários
fotogramas, no vídeo esta unidade mínima se chama quadro ou frame. Assim, cada quadro é
formado pelos campos par e ímpar.
Existe panorâmica (pan) quando o tripé que sustenta a câmera permanece fixo e ela gira em torno
do seu eixo. Por comparação, as panorâmicas correspondem a todos os movimentos que nossa
cabeça pode fazer, quando permanecemos parados e mexemos somente a cabeça e o pescoço. As
panorâmicas podem percorrer o campo visual em todos os sentidos: vertical e horizontalmente,
da direita para a esquerda e vice-versa, obliquamente etc. Pode-se começar uma pan vertical de
baixo para cima, continua-la da esquerda para a direita para chegar embaixo à esquerda, fazendo
um movimento circular. O movimento conhecido como chicote é um tipo de panorâmica vertical
e, em geral, muito rápido.
No travelling ou nos carrinhos, ao contrário da pan, o eixo da câmera permanece fixo e é a câmera
inteira que se desloca. Existe travelling quando, por exemplo, um observador imóvel olha a
paisagem através da janela do ônibus. Assim, o travelling pode corresponder a um deslocamento
paralelo à ação; a um deslocamento que se aproxima ou se afasta da ação e, ainda, a um
movimento circular.
A principal característica do travelling é que a câmera é sempre transportada. Ela pode ser
transportada pelo travelling clássico, constituído de uma plataforma que se desloca sobre trilhos.
A câmera e o operador de câmera instalam-se sobre a plataforma. Também pode ser transportada
por carrinho ou dolly – que é uma plataforma sobre pneus de borracha, uma espécie de carrinho
–, ou pode, ainda, ser transportada em trens, barcos, carros etc.
O inconveniente do uso da dolly é que o solo precisa estar inteiramente nivelado, para que o
movimento não apresente trepidações. O travelling sobre trilhos, por sua vez, é mais adaptável a
condições adversas do solo. Contudo, sua montagem é mais demorada e necessita de maior
número de técnicos, já que os equipamentos são alugados e montados. É preciso ainda montar os
trilhos, que podem ser retos ou curvos, implicando maior custo para a produção.
No Brasil, dada a precariedade das condições de produção, desenvolveu-se e experimentou-se
enormemente a substituição desses aparatos pelo próprio homem: é a chamada “câmera na mão”.
Para utilizar o travelling ou o carrinho são necessárias despesas extras de locação de matéria e de
pessoal especializado em montar e desmontar o equipamento e fazê-lo funcionar. Então, o próprio
homem passou a substituir os carrinhos, deslocando-se com a câmera. Objetos são também
utilizados para substituir os carrinhos, como cadeiras com rodinhas, carrinhos de supermercado e
outros existentes ou adaptados para essa finalidade.
Existe ainda um equipamento chamado steadicam, utilizado para suavizar os movimentos bruscos
causados pela câmera na mão. O steadicam é composto por uma espécie de cinto e um braço com
amortecedor, onde a câmera fica presa. Assim, quando o operador de câmera se movimenta, os
movimentos bruscos e indesejáveis são amortecidos.
Enfim, durante um travelling, a câmera pode efetuar simultaneamente uma panorâmica e vice-
versa, combinando todos os movimentos possíveis, parando e retomando o movimento. Alguns
exemplos brilhantes da utilização de movimentos de câmera podem ser observados na abertura
do filme A marca da maldade, de Orson Welles e ainda na sequência de abertura de O jogador,
de Robert Altman.
Ainda no que diz respeito aos tipos de movimentos de câmera, devemos destacar a grua,
equipamento constituído de um grande braço articulado com uma plataforma sobre a qual é fixada
a câmera as gruas permitem uma enorme liberdade de movimentos no espaço, com grandes
mudanças de ângulo e de campo. Ela pode também ser combinada com panorâmicas e carrinhos
ou travellings.
Muitas vezes pode-se variar o ângulo de visão da câmera com o zoom, que é um movimento
óptico. Nesta objetiva especial, as lentes se movimentam e aproximam ou afastam a imagem.
Há que se observar que novos equipamentos ou adaptações da maquinaria tradicional são sempre
solicitados, sobretudo diante da atual sofisticação do ramo audiovisual. Não raro um equipamento
é desenvolvido para atender a demandas específicas da produção de um filme que precisa de um
novo aparato por conta de necessidades estéticas ou dramáticas.

ESCALA DE PLANOS
Os planos são também descritos e analisados de acordo com a porção do objeto ou do corpo que
é vista no quadro. Estabeleceu-se uma classificação internacional, assim exposta por Jean-Claude
Bernadet:
Foi feita, por exemplo, uma espécie de codificação dos planos, partindo do mais aberto,
aquele que apresenta uma maior porção de espaço, ao mais fechado. As escalas dos planos
têm inúmeras variantes, mas correspondem em geral ao seguinte: o Plano Geral (PG)
mostra um grupo de personagens, reconhecíveis, num ambiente; o Plano Médio (PM)
enquadra os personagens em pé com uma pequena faixa de espaço acima da cabeça e
embaixo dos pés; o Plano Americano (PA) corta os personagens na altura da cintura ou
da coxa; o Primeiro Plano (PP) corta no busto; o Primeiríssimo Plano (PPP) mostra só o
rosto; o Plano de Detalhe (PD) mostra uma parte do corpo que não a cara ou um objeto.
Um tal sistema só pode ser precário: se a figura com faixa de espaço acima da cabeça e
embaixo dos pés estiver sentada e não em pé: que plano será? Um cachorro de corpo
inteiro enchendo mais ou menos a tela: PM de cachorro, mas aí não teremos a porção de
espaço prevista pelo PM, ou detalhe de cachorro? Além disso, essa tabela, visivelmente
pensada em função da câmera fixa, foi ultrapassada pela mobilidade da câmera atual. As
tabelas desse tipo são de origem europeia, a compreensão que os americanos têm dos
planos é mais flexível. O “Long Shot” corresponde ao PG e o “Big Close” ao PPP, no
entanto eles preferem pensar nos planos não em si, mas na relação que eles mantêm entre
si. O que importa não é tanto o tamanho do plano em si, mas o fato de um plano ser maior
ou menor que um outro.
Apesar de usa precariedade, essa codificação serve para balizar o entendimento de todos os
técnicos, permitindo que falem a mesma língua num set de filmagens. Ainda que as fronteiras
entre, por exemplo, o Plano Geral (PG) e o Plano de Conjunto (PC) possam ser ambíguas, a
relação entre o Plano Americano (PA) e o Plano Conjunto (PC) ou o Primeiro Plano (PP) é bem
clara e jamais provocará discussões durante as filmagens.
Os planos são ainda classificados de acordo com a relação estabelecida entre o que vai ser filmado
e a posição de câmera. Trata-se aqui da angulação da câmera em relação ao que se está filmando.
Ela pode estar na mesma altura que ele; pode estar mais elevada que o objeto filmado, quando é
chamada de câmera alta ou plongée (a palavra plongée, em francês, significa mergulho. É, de fato,
como se a câmera mergulhasse por sobre o objeto filmado, captando-o de cima para baixo); ou,
ao contrário, pode estar mais baixa que o objeto e filmá-lo de baixo para cima, quando recebe o
nome de câmera baixa ou contra-plongée. A posição assumida pela câmera em relação ao que
está sendo filmado é o ângulo de filmagem.

PLONGÉE E CONTRA-PLONGÉE
Pode-se ainda posicionar a câmera frontalmente em relação ao objeto filmado ou alterar a
angulação, colocando-a lateralmente ao objeto.
[...] a câmera baixa poderá heroicizar uma figura se a filmar contra um fundo de céu, mas
se o fundo for um imenso prédio cinzento, a câmera baixa poderá ressaltar opressão e
sufocamento se o espaço acima do homem filmado for fechado por um teto baixo, recurso
de que o Orson Welles se valeu em O cidadão Kane. Chega-se à conclusão de que os
elementos constitutivos da linguagem cinematográfica não têm em si significação
predeterminada: a significação depende essencialmente da relação que se estabelece com
outros elementos. Esse é um princípio fundamental para a manipulação e compreensão
dessa linguagem.
Há algum tempo, a decupagem técnica era escrita no papel e esse era o documento de base para
os técnicos. Ali estavam contidas todas as informações relevantes e necessárias para a execução
dos trabalhos. No entanto, com o abandono das filmagens em estúdios, essa decupagem técnica
rígida escrita antes da filmagem caiu em desuso, pois torna-se muito difícil seguir uma decupagem
assim rígida, quando se trabalha em locações onde o nível de imprevistos é muito alto.
Atualmente, a decupagem é feita pelo diretor antes da filmagem de cada sequência, muitas vezes
sem que nada seja escrito no papel. Algumas sequências, mais complexas, podem, entretanto, ser
mais trabalhadas que outras antes do início das filmagens, passando por um processo de
decupagem mais rigoroso, por vezes utilizando o recurso do storyboard. No trabalho em estúdio,
os cenários podem ser construídos em função da decupagem, reduzindo-se a quase zero o número
de imprevistos.
A decupagem técnica escrita deve mencionar, quando utilizada, como o filme vai ser visto e
ouvido. Para isso, ela deve conter as seguintes informações:
 A repartição da ação em planos e sua numeração na sequência;
 O tipo de plano que será utilizado e sua angulação;
 O conteúdo de cada plano, personagens, objetos (seu lugar e colocação) e sua
relação com a câmera;
 Movimentos de câmera;
 Diálogos, ruídos e música.
De posse da decupagem técnica, cada membro da equipe deve se ocupar das indicações que lhe
concernem diretamente: personagens, objetos, figurinos, adereços, móveis, material necessário
para os efeitos especiais, lentes, maquinaria extra, autorizações especiais que devem ser
providenciadas, maquiagem, tipos de microfones etc. Já aos atores, interessam detalhes como:
tom, gestos, dublês, texto. Logo, tudo deve estar mencionado na decupagem técnica.
Em resumo, ela deve conter tudo o que será ouvido e visto no filme, sequência por sequência:
ações, diálogos, música, ruídos, enquadramento etc.
Em A linguagem secreta do cinema, Jean-Claude Carrière faz um interessante relato sobre a
evolução da escrita do roteiro cinematográfico. Lembrando que um marco importante na história
do roteiro cinematográfico. Lembrando que um marco importante na história do roteiro é a
Nouvelle Vague francesa, que abandonou os estúdios e saiu às ruas, ele explica que quando
rodamos em estúdio é mais fácil preservar a fidelidade ao roteiro, pois tudo será executado
conforme o planejado. Assim, era natural que os roteiros dos anos 40 e 50 viessem repletos de
indicações técnicas. Ao contrário, quando filmamos em locações, encontramos obstáculos reais,
muros ou paredes que não podem ser mexidos, janelas fixas etc. Adapta-se, então, o roteiro às
locações. Tudo isso modificou a maneira de se escrever os roteiros, que hoje possuem menos
indicações técnicas, o que acabou por tornar sua leitura mais agradável. Ele completa dizendo que
o desaparecimento do roteiro técnico levou a certa desvalorização do roteirista.
Mais adiante, no mesmo livro, Jean-Claude explica duas regras de ouro para os roteiristas: em
primeiro lugar, abandonar toda ideia de literatura ao escrever um roteiro, buscar simplicidade e
clareza, não omitir nada.
A segunda regra se refere ao tempo da ação: nunca se alongar ao escrever uma cena curta, não
abreviar uma cena longa. A minutagem do roteiro feita pelo continuísta e pelo assistente nos
ensina que o ritmo de leitura do roteiro deve acompanhar o desenvolvimento da cena na tela. Se
isso não acontecer, algo está errado.
Outra observação importante diz respeito à decupagem inconsciente. Uma vez abolido o roteiro
técnico, são a descrição da ação, a posição dos personagens no campo e a porção mostrada do
espaço que nos induzem a um certo tipo de decupagem. Se temos vários personagens em torno
de uma mesa e podemos ver o jardim através da janela, sabemos que só pode se tratar de um plano
de conjunto, embora não haja a indicação técnica explícita no roteiro.
A saída dos estúdios para as locações trouxe não só ao roteiro, mas ao cinema como um todo,
novas formas de realizar e produzir filmes. Alguns diretores utilizam, além da decupagem técnica,
um outro recurso: trata-se do storyboard, que consiste em desenhar plano a plano algumas
sequências do filme. A utilização do storyboard traduz um rigor muito grande do diretor em
relação ao que vai ser filmado. Tudo deve ser feito exatamente como o que está indicado no
desenho, uma vez que a escolha representa opções dramáticas e narrativas. Pode-se também
utilizar o computador para desenhar as sequências, diminuindo a margem de erro, o tempo gasto
e os imprevistos. No storyboard, cada retângulo desenhado corresponde a um plano do filme.
Essa prática é extremamente utilizada nos filmes publicitários, cuja duração é pequena e em que
tudo deve ser aprovado previamente pelo cliente. Além disso, os orçamentos mais generosos da
publicidade permitem um trabalho com mais minúcias.
Alguns diretores, que se destacaram pelo rigor na construção dos planos e enquadramentos,
utilizaram-se do storyboard em sequências mais complexas. Alfred Hitchcock usou o recurso
inúmeras vezes, dada a exatidão com que eram construídos seus planos, o que possibilitou a
composição de narrativas intensas, econômicas e profudamete eficientes, alcançando seus
objetivos dramáticos.

DECUPAGEM E STORYBOARD
Luis Buñuel dizia estar convencido de que o mais importante na feitura de um filme é um bom
roteiro. Ele quase sempre precisou de um roteirista, um precioso colaborador, para esclarecer as
ideias, a história e os diálogos. Para Buñuel o roteirista devia discutir, propor, fundamentalmente
manter o interesse, o que acontece através de uma boa progressão. Segundo ele, quase tudo num
filme podia ser discutível: conteúdo, estética, estilo, moral, o único pecado mortal de um filme é
ser entediante.
Federico Fellini se aproximava de suas histórias de uma forma totalmente diversa. Para ele um
filme não podia ser descrito com palavras, pode ser “uma nebulosa vaga e indefinida”.
Os filmes desses dois cineastas expressam exatamente suas formas de sentir e trabalhar. Para
Fellini, apesar de sedutora, a palavra atravancava a visualidade necessária a todo filme. Uma vez
concluído o roteiro, o filme é uma incógnita, estando aberto a todas as possibilidades.
Com a evolução da narrativa e das técnicas cinematográficas, as normas existentes são
constantemente contestadas, modificadas. As formas de trabalhar – sobretudo nesta fase em que
o trabalho é praticamente solitário, os custos ainda não pesam tanto e não existe uma equipe inteira
aguardando ordens – apresentam grande diversidade.

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