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CIÊNCIAS FORENSES II

Teóricas – Professor Jorge Quintas

3º ANO – 2º SEMESTRE
Ano letivo 2018/2019

Realizada por: Margarida Oliveira e Tânia Soares


Ciências Forenses II | Margarida Oliveira e Tânia Soares

A DISCIPLINA DE PSICOLOGIA FORENSE

ASPETOS HISTÓRICOS

A psicologia, enquanto ciência, nasce nos laboratórios no final do século XIX, debruçando-se
principalmente sobre o estudo da perceção e da sensação. Por esta razão, é chamada a esta
psicologia de psicofísica. Estes primeiros psicólogos vão ser alguns dos representantes que vão
ser chamados à justiça devido ao facto de quando se julga as pessoas é preciso saber se estas
dizem a verdade e se dão informação certa. A psicologia forense nasce assim no testemunho
porque a psicologia estudava as coisas muito básicas da perceção, sensação, memória e
aprendizagem.

Assim, o nascimento da psicologia forense é habitualmente situado no início do século XX


quando os primeiros “psicólogos” se começaram a interessar pelas questões legais e,
particularmente, pelas questões relacionadas com o testemunho, surgindo assim a psicologia do
testemunho que se debruça sobre a capacidade de as pessoas dizerem de forma credível o que
dizem, estando a psicologia do testemunho ligada à psicologia forense.

O famoso psicólogo Cattel fez uma experiência, na qual questionava as pessoas, por exemplo,
“que tempo fazia na última sexta-feira de manhã?”, sendo que esta experiência permitiu perceber
que temos dificuldades de memória e de perceção e que nós não somos capazes de dar grandes
testemunhos. Foi a partir desta problemática que surgiram os primeiros psicólogos forenses.

Contudo, com base especialmente nos trabalhos de Foucault, deve situar-se a confluência de
interesse entre as disciplinas no advento da sociedade disciplinar. Assim, ao atender aos trabalhos
de Foucault vemos que na transição para o século XIX já havia um interesse fundamental da
psicologia pelas aplicações da justiça, nomeadamente na avaliação dos presos para os diferenciar
e classificar através de exames e para dar indicações aos tribunais. Deste modo, a psicologia
forense nasce quando a psicologia e o direito se encontram na prisão, isto é, quando a execução
das penas começa a exigir algum conhecimento psicológico, nomeadamente quando se passa das
penalidades bárbaras para as modernas (quando surge a prisão). Vemos então surgir um interesse
sobre as pessoas com um intuito judiciário e penitenciário.

ETAPAS DAS RELAÇÕES ENTRE PSICOLOGIA E DIREITO (LOH, 1981)

1. Início do seculo XX até aos anos 30 – O problema da inexatidão e da sugestionabilidade do


testemunho. Durante esta época os psicólogos trataram dos testemunhos com o objetivo de
saber se as pessoas estão a dizer a verdade e se se pode confiar no que dizem.

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2. Dos anos 30 a 70 – “psicologismo jurídico”. Nesta época dá-se a entrada da psicologia no


mundo jurídico que se deve ao facto de a realidade jurídica ser uma realidade, à qual se dá o
nome de realismo jurídico que consiste na lei como produto de consensos entre indivíduos e
interesses da comunidade e não como uma ordem natural. Para além disso, começa a
profissionalização da psicologia, a chamada de peritos a tribunais e os estudos sobre os
jurados, nomeadamente como tomam decisões e como se influenciam mutuamente.
3. Desde os anos 70 – a “idade de ouro da psicologia jurídica”. Aqui verifica-se uma
diversificação e ampliação de áreas de aplicação e de investigação.

DEFINIÇÕES

A palavra “forense” vem do latim, derivando do forum, onde a lei da Roma antiga era aplicada e
onde se decidiam as questões judiciais importantes e, por isso, o forum era, no fundo, o parlamento
e o governo.

A psicologia forense pode ser definida como a aplicação da psicologia à lei. Ou seja, é a psicologia
que se dedica à aplicação da justiça e que, por isso, vai contribuir para uma melhor aplicação
desta. No fundo, é a aplicação de conhecimentos psicológicos, da psicologia enquanto ciência, à
lei. Assim, as leis serão aplicadas tendo por base conhecimentos psicológicos que os especialistas
da área terão para prestar.

Segundo Connoly e McKellar (1963), a psicologia forense consiste na aplicação da psicologia aos
procedimentos dos tribunais, investigações policiais e matérias relacionadas.

Já Haward (1981) afirma que a psicologia forense é o ramo da psicologia aplicada que lida com
a coleta, exame e apresentação de evidências para fins judiciais.

Por sua vez, Bartol e Bartol (1987) afirmam que a psicologia forense é composta pela investigação
científica, mas é também uma prática. Por um lado, é investigação do comportamento relacionado
com processos legais (comportamento criminal, testemunho, processos de tomada de decisão de
juízes e jurados). Por outro lado, é uma prática profissional, ou seja, há pessoas da psicologia
forense que trabalham dentro ou em consultadoria do sistema legal. Assim, verifica-se a produção
e aplicação de conhecimento psicológico aos sistemas de justiça civil e criminal.

Hess (1987) apresenta uma definição funcional ao referir que a psicologia forense consiste em:

• Prestar serviços psicológicos nos sistemas legislativo e de justiça (psicologia na lei) →


Similar à prática profissional referida por Bartol e Bartol (1987).

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• Desenvolver investigação em questões legais que envolvem processos psicológicos


(psicologia da lei);
• Desenvolver um conhecimento especializado das questões legais que afetam a prática da
psicologia (psicologia segundo a lei). Isto significa que os psicólogos forenses trabalham
de acordo com a lei que rege a sua ação enquanto psicólogos.

Deste modo, verifica-se que há uma tendência para haver uma certa abrangência sobre aquilo que
é a psicologia forense.

Segundo a APA, a psicologia forense consiste na aplicação da ciência e da profissão psicologia a


questões e temas relacionados com a lei e com o sistema legal. Ou seja, é a aplicação de princípios
e práticas científicas aos processos legais onde o conhecimento científico especializado tem um
papel.

Para além disso, o Comité para as normas éticas para psicólogos forenses (APA, 1991) refere que
a psicologia forense são todas as formas de conduta profissional quando o psicólogo atua, com
conhecimentos específicos, como perito em questões legais explícitas, em assistência direta a
Tribunais, partes implicadas em processos legais, serviços correcionais e de saúde mental forense,
e agências administrativas, judiciais e legislativas.

Vemos assim que estes psicólogos reclamam para si uma área científica.

ÁREAS DE PRÁTICA DA PSICOLOGIA FORENSE (APA)

1. Avaliação psicológica e exercício de função de perito em questões criminais


2. Avaliação psicológica e exercício de função de perito em questões cíveis
3. Avaliação, tratamento e consulta com indivíduos com um alto risco de comportamento
agressivo na comunidade, em serviços de tratamento e em serviços correcionais
4. Investigação, testemunho e consultadoria em questões psicológicas com impacto nos
processos legais (testemunho, seleção de jurados, processos de memória, etc.)
5. Serviço de tratamento especializado com indivíduos envolvidos no sistema legal
6. Consultadoria de legisladores acerca de questões de política pública com implicações
psicológicas
7. Consultadoria e treino nos sistemas policial, de justiça criminal e correcional
8. Consultadoria e treino no sistema de saúde mental em questões forenses
9. Mediação e resolução de conflitos
10. Ensino, treino e supervisão de estudantes e internos de psicologia e psiquiatria e estudantes
de direito

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FUNÇÕES DO PSICÓLOGO FORENSE (CONSELHO AMERICANO DE PSICOLOGIA


FORENSE, 1987)

1. Responder a consultas de advogados e procuradores


2. Responder a consultas de juristas
3. Servir os tribunais
4. Consultas do sistema de justiça criminal e dos sistemas correcionais
5. Consultas do sistema de saúde
6. Consultas e ensino do pessoal executor da lei (polícias, guardas prisionais)
7. Diagnosticar, prognosticar e tratar a população criminal
8. Diagnosticar, prognosticar e fazer recomendações em tudo que tenha a ver com o estado
mental do sujeito
9. Analisar problemas e dar recomendações sobre a responsabilidade, saúde mental e segurança
do sujeito
10. Realização de estudos e análise de situações para prover os advogados dos dados psicológicos
necessários ao processo
11. Servir como peritos nos casos cíveis e criminais por solicitação da administração
12. Avaliar e tratar pessoal da administração da justiça
13. Servir como peritos especializados em tribunal
14. Mediar conflitos psicológicos que surjam na arena legal
15. Investigar nas ciências do comportamento para entender os comportamentos do sujeito
16. Formar nos programas de polícia sujeitos que tenham a ver com processos legais
17. Ensinar e supervisionar outros psicólogos forenses

A QUESTÃO DO ÂMBITO

Ao nível do âmbito da psicologia forense podemos ter uma conceção mais extensiva e outra mais
restritiva.

A conceção extensiva coloca a psicologia forense como todo o campo de atuação da psicologia
na área da justiça e até dos comportamentos desviantes em geral. Já a conceção restritiva coloca
a psicologia forense como uma disciplina aplicada apenas ao apoio técnico especializado aos
Tribunais, particularmente através da função de peritagem. Deste modo, tendo por base a
conceção restritiva, trabalhar com presos, apesar de estar relacionado com a psicologia, não é
psicologia forense, uma vez que esta está antes relacionada com a realização de perícias para
auxiliar as decisões dos tribunais. Neste sentido, nem toda a psicologia criminal é forense nesta
perspetiva.

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A psicologia forense debruça-se assim sobre o estudo do criminoso, na sua avaliação e na


intervenção sobre o mesmo.

A PRÁTICA DA PSICOLOGIA FORENSE NO SISTEMA DA JUSTIÇA EM


PORTUGAL

Em Portugal, a existência de psicologia forense implicou a existência de psicólogos interessados


nesta área, sendo tudo o resto percursores, como os psiquiatras que se interessavam por questões
forenses. Assim, durante muito tempo não existiam profissionais de psicologia, o que existia eram
psiquiatras que faziam as avaliações para os tribunais.

Posteriormente, nas prisões começou a verificar-se a entrada de pessoas sem formação superior e
sem especialização que iniciam um trabalho social sem serem assistentes sociais – eram os
chamados técnicos de orientação.

No entanto, quando se fala em psicologia forense é necessário que haja psicólogos, sendo que
estes começaram a aparecer nos finais dos anos 60 e início dos anos 70. Contudo, as faculdades
de psicologia apenas surgem após o 25 de abril e, por isso, era raro nesta época haver alguém com
formação nestas áreas. Assim, só quando aparece a formação académica dos psicólogos é que se
pode falar em psicologia forense. No entanto, apenas alguns psicólogos se interessavam pelas
áreas de justiça, sendo nos anos 80 que começaram a surgir mais pessoas interessadas pelas áreas
forenses que começaram a entrar no sistema, havendo um aumento do número de profissionais,
alguns contratados pelos serviços prisionais e outros pelos serviços tutelares de menores.

Por sua vez, em 1982, com a reforma do código penal, criou-se a Direção Geral de Reinserção
Social que se preocupava com a reabilitação dos delinquentes, debruçando-se sobre as liberdades
condicionais e outros aspetos. Esta instituição integra psicólogos, técnicos de serviço social e
licenciados em direito, sendo aqui a ideia criar equipas multidisciplinares na área de reinserção,
pois esta é importante para o acompanhamento de reclusos e ex-reclusos e para o cumprimento
de medidas na comunidade.

Atualmente, verificam-se cada vez mais pedidos relacionados com a psicologia forense, sendo
isto consequência lógica da aplicação das leis. Assim, foram sido implementados vários serviços
relacionados com esta área devido aos muitos pedidos de peritagem e avaliação que surgiram,
sendo que todos os pedidos que atendam à pessoa, ao criminoso ou à vítima são realizados pelos
profissionais de psicologia forense.

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Assim, podemos dizer que a psicologia forense se exerce em duas componentes diferentes com
diferentes relações com o sistema que implicam obrigações e formas de trabalhar diferenciadas.
Neste sentido, os psicólogos forenses podem ser funcionários da justiça ao trabalhar numa prisão,
estando aqui relacionados com o sistema de justiça. Contudo, podemos ter formas de trabalhar
diferenciadas, como por exemplo os psicólogos que trabalham nos hospitais psiquiátricos que
estão relacionados com o sistema de saúde, mas podem-lhe ser pedidas peritagens para o sistema
de justiça e, por isso, este é um dos serviços que oferece a possibilidade de dar informações
diversas, uma vez que trabalha tanto para o sistema de saúde como para o sistema de justiça.

PAPÉIS DA PSICOLOGIA FORENSE (HAWARD, 1981, 1990)

Haward (1981 e 1990) diz que há quatro papéis na psicologia forense:

1. Clínico
Este é o papel mais intuitivo e tradicional da psicologia forense que se caracteriza por um
trabalho de avaliação clínica através da recolha de dados sobre a pessoa (entrevistas, provas
de avaliação psicológica, dados comportamentais), completados com informações e relatórios
prévios, para estabelecer algum aspeto do seu funcionamento psicológico. Alguns dos aspetos
recolhidos estão relacionados com a personalidade do indivíduo, depressões, ansiedade,
impulsividade, entre outros.

2. Previsional ou atuarial
Este papel da psicologia forense debruça-se sobre o estudo do risco de reincidência e o estudo
estatístico para perceber os fatores de risco do crime, ou seja, o que está ligado ao
cometimento do ato criminal. Neste sentido, pretende-se perceber qual a relação entre
determinados aspetos e o crime, havendo aqui uma quantificação estatística. Aqui verifica-se
a aplicação de probabilidades estatísticas a eventos e comportamentos.

O papel clínico e o papel previsional, apesar de na aparência serem concorrentes, na verdade estes
devem estar muito ligados e, por isso, este papel é complementar do anterior. Deste modo, ambos
os papéis devem servir para a avaliação forense, uma vez que precisamos das duas competências.

Estes dois primeiros papéis são práticas clínicas e devem ser complementares.

3. Experimental

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Este papel da psicologia forense debruça-se sobre o estudo dos fenómenos, não estando já
relacionada com a prática clínica. Assim, aqui estuda-se o comportamento humano que tenha
relevância forense e aplicam-se princípios e técnicas psicológicas a problemas forenses.
Assim, estuda-se com cuidado, sem aplicação forense imediata, para demonstração de
determinado efeito forense através da informação científica atual.

4. Consultor
Este papel da psicologia forense assenta na revisão e contradição de peritagens por pares e na
assistência do Tribunal em questões de ordem psicológica.

QUESTÕES ESPECÍFICAS DA PERITAGEM PSICOLÓGICA FORENSE

O objetivo das perícias da psicologia forense é contribuir com elementos que apoiem o magistrado
na tomada de decisão. Ou seja, o objetivo é ajudar um decisor judicial a tomar decisões e, por
isso, a tomada de decisões pelos juízes e magistrados em geral é muito condicionada por aspetos
psicológicos, uma vez que estes têm sempre de atender às pessoas, dado que a lei obriga a tal.

Deste modo, a psicologia forense levanta algumas questões que podem ser concretas e duais,
como por exemplo será esta pessoa responsável pelos seus atos?; voltará a cometer novos crimes?;
terá capacidade para testemunhar?; terá condições para ter a seu cargo uma criança?; é
inimputável?.

Por sua vez, poderá haver um desfasamento entre as exigências do direito e os referenciais da
disciplina psicologia.

Por fim, a comunicação de resultados de avaliações e o trabalho de recodificação dos dados é


muito importante, sendo que tal deve ser feito utilizando linguagem acessível, simples e comum
e não linguagem técnica, para assim o juiz compreender o que se quer dizer.

Assim, o trabalho da psicologia forense é extremamente inteligente, especializado e relevante


para as decisões judiciais.

CONCEÇÕES DA PSICOLOGIA E DO DIREITO (MACHADO & GONÇALVES,


2005)

Existem diferenças na conceptualização entre psicologia e direito que são importantes e, muitas
vezes, geram dificuldades:

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• Natureza dos factos

Um facto para o direito é algo que tem de ser provado de uma forma irrefutável, uma vez que é
preciso ter certezas para julgar e tomar o facto como definitivo. Logo, o direito duvida até ao
momento em que há uma conclusão, ou seja, a partir de uma certa altura, o direito tem de decidir
dicotomicamente cada facto de forma a dá-lo como provado ou não. Neste sentido, o direito olha
para uma pessoa quando tem de tomar uma decisão sobre determinado facto, de forma a perceber
se há ou não uma patologia, sendo que tomada a decisão, passa a ser algo que já não se pode
discutir.

Para a psicologia, os factos são mais complexos e indeterminados, pois podem ser compostos de
várias nuances. Assim, a possibilidade de a pessoa ter esta patologia, mais do que factual é um
conjunto de microfactos, ou seja, o diagnóstico é apenas uma conclusão que se pode agregar a um
conjunto de factos. Isto causa dificuldades na medida em que temos formas diferentes de nos
centrarmos nas realidades das pessoas.

• Causalidade

É importante para todas as decisões jurídicas, e ainda para o direito em geral, determinar um
mecanismo causal o mais simples possível, sendo isto mesmo obrigatório. Logo, há uma
necessidade urgente do direito em encontrar uma causa precisa e inequívoca para tudo o que
existe. Assim, o direito procura descomplexificações da realidade, procurando causalidades puras.
Por exemplo, a causa direta e inequívoca da morte do sujeito A foi o tiro que este levou.

Na psicologia, em particular a criminal, falamos de probabilidade, nomeadamente de num


conjunto de acontecimentos que, concomitantemente, nos podem ajudar a perceber o facto em
causa, nunca sendo uma coisa única. Assim, a explicação dos comportamentos há de ser
multifatorial e, por isso, as causas são múltiplas, podendo não haver causas diretas apontadas. Por
exemplo, ninguém bate noutro porque foi violado em criança, não havendo uma causa direta, mas
um conjunto de acontecimentos.

• Linguagem

Há conceitos com muita relevância como o de personalidade, culpa, perigosidade, entre outras,
que podem dizer coisas diferentes quando remetidas para o direito e para a psicologia. Logo, o
uso de diferentes linguagens é um obstáculo à boa comunicação entre psicologia e direito no
âmbito das peritagens e outros âmbitos, podendo, então, haver problemas de comunicação.

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Além disso, há um problema adicional, uma vez que o direito tem linguagem própria da sua
formação, mas também os técnicos não podem usar todo o tipo de linguagem, pois o direito não
compreenderá coisas demasiado tecnicistas.

• Natureza humana

O direito e a psicologia olham para a natureza humana de forma diferenciada.

Para o direito, os homens são seres absolutamente livres, capazes de determinar a sua conduta e
seres iguais com as mesmas capacidades e responsabilidades, sendo que, apenas se diferem as
crianças ou os indivíduos com doenças de ordem psíquica, considerados, então, inimputáveis.

Para a psicologia, há uma base à espécie humana, mas dizer que as pessoas têm a mesma
capacidade não é cientificamente validado, nem a realidade o comprova. Isto porque, os
indivíduos têm diferentes capacidades, backgrounds, vulnerabilidades genéticas, capacidades
psicofisiológicas e neurológicas, entre outras. Logo, a natureza do homem é marcada pela
diversidade.

PONTOS DE FRICÇÃO ENTRE PSICOLOGIA E APLICAÇÃO DO DIREITO


(LOSEL, 1992)

• Terminologia psicológica vs. legal

Cada área tem a sua terminologia, gerando dificuldades a propósito da linguagem.

• Enfoque empírico vs. normativo

A psicologia tem um enfoque empírico, pois é uma ciência. Já o direito, apesar de se falar em
ciência jurídica, é diferente do termo ciência usada pela psicologia, pois o direito é um sistema
normativo.

• Pluralismo psicológico vs. meta de uniformidade da lei

O direito procura regras gerais para todas as pessoas, pois a lei quer-se aplicar de forma uniforme
através dos princípios da igualdade. Contudo, a psicologia defende que existe um pluralismo das
pessoas, devido à diversidade humana.

• Raciocínios probabilísticos vs. necessidades legais de certeza

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Na psicologia há muita indeterminação que nos coloca perante jogos probabilísticos e não certezas
absolutas. Já no direito, as decisões legais ficcionam certezas, ou seja, aconteceu x e, por isso,
será decidido y.

• Teorias psicológicas em renovação vs. estabelecimento da lei a longo prazo

No direito, as leis pretendem ser longas no tempo, enquanto que a psicologia vive numa renovação
científica, pois o que é um facto percebido, pode ser colocado em causa por novos dados
científicos. Assim, há mudanças na ciência, sendo que a lei pretende estar sempre a cima de tudo
isso.

AVALIAÇAO PSICOLÓGICA FORENSE

Dependendo das jurisdições em causa (leis de cada país), existirão possibilidades diversas na lei
para solicitar elementos sobre a natureza psicológica das pessoas com o intuito de esclarecer
questões legais, no sentido de que as autoridades legais tomem as decisões necessárias. Logo,
muitas das decisões jurídicas são tomadas recorrendo a técnicos da área do comportamento
humano e das ciências sociais.

Assim, a avaliação psicológica forense é muito importante para a decisão judicial, sendo que esta
avaliação abrange diversas áreas da vida. Logo, os pareceres técnicos são fundamentais e, por
isso, os técnicos realizam avaliações, principalmente, em dois contextos:

1. Na área criminal a avaliação psicológica pode ser útil como contributo para o
esclarecimento de diversas questões, tais como:
• Estado mental do sujeito, nomeadamente as suas questões da personalidade, como lida
com a realidade exterior, como compreende o crime, entre outros.
• Estado mental no momento da prática do crime, isto porque, no momento em que o
indivíduo pratica o crime, este pode encontrar-se em situação de perturbação, surgindo
então a questão da imputabilidade e inimputabilidade. Isto tem implicações práticas na
decisão tomada pelas autoridades, uma vez que provada a inimputabilidade do sujeito, a
decisão recaíra sobre a aplicação de uma medida de segurança e já não sobre a aplicação
de uma pena.
• Perigosidade para si e para os outros. É de notar que, este conceito de perigosidade é
muito importante para o direito, apesar das ciências sociais o quererem substituir pelo
conceito de risco que é muito mais probabilístico. Assim, nos casos judiciais, a decisão
judicial precisa de certezas sobre o comportamento futuro do sujeito, nomeadamente de

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forma a perceber se o mesmo comporta perigo para si, para os outros indivíduos e para a
sociedade em geral.
• Escolha da sanção, uma vez que a avaliação técnica é muito importante para que o juiz
escolha a sanção a aplicar àquele caso concreto.
• Testemunho, especialmente em crianças, de forma a perceber a credibilidade desse
mesmo testemunho.

2. Na área cível a avaliação psicológica pode ser útil como contributo para o esclarecimento
de diversas questões, tais como:
• Capacidade de cuidar de si próprio e dos seus bens. Por exemplo, com o envelhecimento
das populações e da consequente demência, há casos de pessoas que chegam ao tribunal
para julgar a capacidade psicológica e neurocognitiva das mesmas.
• Danos psicológicos em diversas situações. Por exemplo, o tribunal do trabalho está cheio
destas questões, através da denúncia de situações abusivas no âmbito do trabalho que
causam danos psicológicos nos trabalhadores.
• Custódia de crianças (regulação do poder paternal) e adoção. Por exemplo, os tribunais
de menores estão sempre a procurar tomar decisões deste tipo, sendo auxiliados por
técnicos que exercem um estudo cuidado para seguir o interesse superior das crianças
através de uma avaliação psicológica das mesmas.

RELAÇÃO COM O CLIENTE

Na área criminal, o contexto é composto pelo tribunal ou outra entidade judicial que pede aos
técnicos e profissionais, trabalhadores do Sistema de Justiça, visando prevenir o crime, para
avaliar um determinado arguido/condenado em processo-crime, sendo que esse arguido não pede
ajuda e, por isso, o técnico apenas aborda o mesmo, porque foi solicitado pelo tribunal para fazer
uma avaliação desse sujeito. Logo, o cliente do técnico é esse mesmo arguido que vai avaliar.

Assim, é necessário que os técnicos tenham cuidados fundamentais na sua relação com esse
cliente, existindo alguns cuidados básicos e muito importantes que o técnico deve ter na relação
com o cliente, sendo que o cliente é, na maior parte dos casos, um arguido ou um condenado.
Alguns desses cuidados são:

• Clareza e transparência na explicitação do contexto, objetivos e métodos da avaliação

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O arguido tem de ser informado sobre o pedido que foi feito ao técnico. Assim, o técnico tem de
dizer ao arguido o contexto em que este está inserido, nomeadamente o porquê de estar detido, o
facto de o serviço para o qual o técnico trabalha ter sido solicitado para realizar uma avaliação do
mesmo, entre outras. Logo, é necessário contextualizar, ou seja, explicar todo o contexto.

Depois, o técnico terá de esclarecer o arguido acerca dos objetivos daquela avaliação,
nomeadamente dizendo ao sujeito que daquele contacto irá resultar um determinado documento,
que relata aspetos da sua vida, para o tribunal, que vai ter a importância que os juízes quiserem
atribuir a esse mesmo documento.

Seguidamente, o técnico explicará os métodos, dizendo que precisará de realizar entrevistas, falar
com outras pessoas que o conhecem, entre outros.

Logo, os técnicos têm de ser abertos e claros nas informações que transmitem ao sujeito, dizendo
a verdade e sendo transparentes em tudo aquilo que transmitem.

• Voluntariedade e possibilidade de recusa

Todos os casos internacionais dizem que todo o indivíduo avaliado deve ter um grau de
voluntariedade, mesmo num contexto coercivo. Assim, estamos perante o sistema de justiça e,
por isso, a voluntariedade não quer dizer que a pessoa escolheu o técnico, mas sim que, uma vez
contactado e esclarecido, o arguido concorda, por muitos motivos que não compete aos técnicos
julgar, com o processo avaliativo.

Contudo, é de notar que esta voluntariedade se consubstancia, sempre, numa possibilidade de


recusa, ou seja, o arguido pode recusar o processo avaliativo. No entanto, os serviços de reinserção
social mandam que quando o indivíduo não quer colaborar se deve procurar obter a sua
informação social por outras vias, como falando com pessoas da sua área de residência (o
professor discorda desta posição).

• Defensividade e simulação

Nesta situação, muitas vezes os indivíduos colocam-se numa posição de defesa perante a
avaliação do técnico e, por isso o técnico deve forçar o indivíduo a colaborar com ele.

• Confidencialidade

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A confidencialidade é algo que está condicionado pela natureza pública do pedido e pela natureza
da resposta que é necessário ser tomada. Assim, o técnico não pode dizer à pessoa que tudo o que
ela disser é confidencial, uma vez que este vai informar, por escrito, o tribunal sobre a avaliação
que vai ser realizada através de processos que muito provavelmente ficam guardados. Contudo,
os técnicos podem resguardar aspetos de confidencialidade que surjam e que não sejam relevantes
para o processo-crime, sendo que cabe aos técnicos perceber se há esferas da vida privada do
arguido que podem ser mantidas como confidenciais e não precisam de ser reveladas.

RELEVÂNCIA TERAPÊUTICA VS. FORENSE

A avaliação psicológica forense é um processo avaliativo, que não está inserido no


acompanhamento do indivíduo, com o objetivo de produzir um relatório sobre o mesmo para o
Tribunal. Logo, as relações em contexto terapêutico e as relações em contexto forense são muito
distintas.

AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA FORENSE

Existem diferentes métodos e técnicas para efetuar uma avaliação psicológica forense. Assim, os
instrumentos de avaliação são muito exigentes e, por isso, cada pessoa deve pensar que
instrumentos utilizar, sendo que essa escolha está condicionada pela:

• Natureza da avaliação. Por exemplo, se se pretende uma perícia sobre a personalidade,


uma perícia sobre o desenvolvimento cognitivo, entre outros.
• Orientação teórica, experiência e preferência do profissional. Assim, o profissional pode
pretender uma determinada avaliação que depende da sua liberdade, no sentido de usar
os instrumentos com os quais está mais familiarizado.
• Tipo de questão legal.

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Por sua vez, são necessários conhecimentos, treino e experiência em:

• Avaliação psicológica. É preciso dominar as técnicas de entrevista clínica, saber


estabelecer relações com as pessoas no âmbito profissional, ser sensível ao que a pessoa
diz, saber explorar, entre outros. É, também, preciso dominar instrumentos, teste e provas
de avaliação psicológica, ou seja, formas estandardizadas de mesurar determinados
conceitos psicológicos.
• Avaliação do risco de reincidência criminal. Isto porque, é necessário o conhecimento
dos fatores que estão relacionados com a atividade criminal e, por isso, é preciso dominar
estes instrumentos.
• Avaliação em contextos forenses. É preciso perceber a relação no contexto forense, para
que serve a avaliação nesse contexto, como é que pode ser interpretada a avaliação, as
questões legais relacionadas (conhecer a lei), entre outras.

Tradicionalmente uma avaliação recorre a métodos de base clínica:

• Entrevistas com a pessoa a avaliar e, quando possível, entrevistas com outros


informantes. No contexto forense, a avaliação deve diversificar-se. Para termos
conhecimento de determinada pessoa temos de falar com outras que a conheçam, como
familiares, amigos, médicos, guardas prisionais e/ou vizinhos que nos dão informação
que o entrevistado não nos fornece. O objetivo é obter o máximo de informação sobre o
nosso paciente.
• Observações comportamentais – observação do comportamento da pessoa durante a
entrevista e na sua vida pessoal. Observar os aspetos não verbais (sinais, gestos, maneira
de estar, o olhar).
• Dados biográficos e registos prévios – observar todos os dados escritos sobre a pessoa,
por exemplo relatórios, percurso criminal (dossiê onde consta um conjunto de
informações sobre liberdade condicional, tipo de pena, duração, cumprimento da pena).
• Provas de avaliação psicológicas estandardizadas são úteis para o esclarecimento de
várias questões. Podem ser provas de cariz cognitivo que consistem em aferir a
capacidade intelectual da pessoa, podemos saber se a pessoa tem ou não um défice.
Também podem ser provas que tenham a ver com a avaliação da personalidade, como
por exemplo testes de personalidade, provas que nos indicam patologias que podem ou
não estar presentes (há formas estandardizadas que medem um determinado construto por
exemplo a psicopatia, a autoestima, autocontrolo). Pode acontecer que os resultados
sejam surpreendentes e que nos deem algumas pistas ou então podemos confiar naquilo

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que pensamos sobre a pessoa. Podemos tomar todos estes elementos para poder
determinar o que achamos relevante sobre o paciente.

Temos de retirar o máximo possível de informação prévia, observar o comportamento do paciente


para nos dar uma certa garantia adicional sobre o sujeito. Tudo isto são formas de aceder a
informação que permite ao técnico avaliar o paciente, dizendo coisas sobre este que são relevantes
para a situação em específico. O que nós queremos saber é como é que é a pessoa, como é que
ela se enquadra, quais os seus comportamentos, não sendo o objetivo saber se a pessoa cometeu
o crime ou não.

Na atualidade considera-se fundamental a utilização de instrumentos de avaliação do risco (e das


necessidades criminógenas), uma vez que estes orientam a própria recolha clínica (por fatores de
risco e de proteção) e dispõe de suporte empírico (particularmente de validade preditiva superior
ao julgamento clínico não estruturado). Estes instrumentos, com base na ciência, estão
relacionados com fatores ligados à delinquência e, por isso, se existem instrumentos construídos
para avaliar o risco de reincidência criminal, devemos usar os mesmos.

O conhecimento criminológico veio introduzir coisas novas ao sistema que para alguns peritos
forenses era algo crucial. Este método atuarial era desconhecido até alguns anos. Desde há muitos
anos, particularmente nos últimos 50/60 anos, o conhecimento sobre pessoas e aspetos sobre a
personalidade do delinquente foi precedendo a existência de determinados fatores (muitos deles
chamados fatores de risco). Há que priorizar a avaliação clínica profissional focada nos aspetos
da saúde, mas também aspetos forenses e como tal não podemos esquecer que há características
individuais que estão muito relacionadas com a atividade criminal e há outras que estão menos
relacionadas com a atividade criminal. Para além disto, foram sendo constituídos instrumentos
que procuram avaliar o risco de reincidência criminal, ou seja, instrumentos feitos com estrita
intenção de transportar para a fase de avaliação do paciente o risco de este reincidir.

Se temos estes instrumentos de avaliação do risco então nós podemos utilizá-los para dar
informações, priorizando a nossa escolha. Podemos querer saber muita coisa sobre o sujeito, mas
há determinados aspetos na literatura que são cruciais e que permitiram testar se havia uma
possibilidade de prever o crime. Por isso, esta é uma avaliação probabilística e atuarial. Temos
assim a possibilidade de utilizar vários instrumentos de medição do risco e para prever o risco de
reincidência.

Alguns instrumentos de avaliação do risco têm intenções não meramente atuariais, o que quer
dizer que nós modificamos a nossa recolha de dados, nomeadamente nas nossas entrevistas. Isto
significa que a própria recolha clínica é condicionada pelos instrumentos de risco e que no fundo

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priorizam coisas. Nós modificamos a avaliação clínica através da recolha que vai à busca
específica dos fatores de risco e fatores de proteção.

A supervisão parental é um fator importante para a medição da reincidência e da delinquência


juvenil. Os instrumentos de avaliação do risco dispõem de informação e indicadores de validade
preditiva, isto é, cada instrumento apresenta um valor que vai indicar um risco baixo, médio ou
alto do risco, por exemplo. Essa escala pode ser por pontos.

Na avaliação estamos a avaliar riscos e necessidades.

Deve sempre recorrer-se ao contacto face a face com o avaliado, a todos os tipos de informação
possível, tendo por limite a ética profissional e o tempo disponível (que deve ser o razoável para
a complexidade da tarefa) e a instrumentos estandardizados sejam de natureza psicológica ou de
avaliação do risco.

Toda a informação recolhida deve ser preservada para uma razoável utilização futura.

AVALIAÇÃO DO COMPORTAMENTO CRIMINAL (GRESSWELL & KRUPPA,


1994)

Tarefas comuns a qualquer avaliação:

1. Produzir uma descrição correta do comportamento, ou seja, temos de saber como é que o
comportamento ocorreu, em que situações ocorreu, entre outros.
2. Desenvolver uma compreensão da sua história e etiologia (causas), incluindo uma
interação entre o sujeito e o ambiente em que o comportamento ocorreu.
3. Determinar a função do comportamento para o indivíduo. Os comportamentos criminais
têm benefícios secundários, uma vez que quando o indivíduo pratica um crime, muitas
vezes, não é visto de forma socialmente negativa, aumentando sim o prestígio do mesmo.
Assim, o crime praticado pelo jovem delinquente tem uma função económica, social,
cultural e, por isso, devemos perceber a gratificação que os sujeitos têm ao praticar esse
crime, porque se essa função continuar a ser ativa, é muito difícil contrariar e prevenir a
criminalidade.

DIFERENÇAS RELATIVAS A OUTROS CONTEXTOS DE AVALIAÇÃO

1. Problemas práticos relativos ao contexto (observação indireta do comportamento,


preparação da entrevista e organização da informação).

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2. Questões motivacionais provenientes do estatuto involuntário do sujeito avaliado


(negação, minimização, racionalizações, distorções, ...).
3. Questões emocionais do profissional (dificuldade de estabelecer uma relação empática
com o sujeito, desejo de tratar, ambivalência face à responsabilidade das vítimas,
pessimismo terapêutico).

GUIA PRÁTICO PARA LIDAR COM QUESTÕES EMOCIONAIS DO


PROFISSIONAL (BASEADO EM ROUNDY & HORTON, 1990)

• Estar preparado para aceitar que este trabalho pode não ser para si.
• Aceitar a negação como um estádio de um processo para a reabilitação e não como um
traço de todos os criminosos. É preciso tentar mudar esta situação.
• Estar preparado para enfrentar uma motivação nula ou negativa e para encorajar o
tratamento.
• Procurar identificar as questões pessoais que podem prejudicar o seu trabalho. Ou seja, é
preciso estarmos preparados para identificar quais são as nossas questões pessoais e
principalmente emocionais que podem estar a interferir na nossa ação.
• Estabelecer expectativas realistas de sucesso.
• Aprender a medir o sucesso através de pequenas melhorias.
• Estabelecer uma adequada supervisão e rede de suporte que nos ajude a superar as
dificuldades do dia a dia.
• Reconhecer o valor do seu papel, isto é, reconhecer que o nosso papel é necessário para
ajudar as pessoas a lidar com os seus problemas e mudar alguns aspetos da sua vida.

AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA FORENSE

As avaliações psicológicas em contexto forense podem conter:

• Avaliações cognitivas – quando são avaliados e medidos processos mentais como o


pensamento, aprendizagem, perceção, resolução de problemas, memória.
• Avaliações sobre a personalidade – quando são avaliados aspetos estruturados e
relativamente estáveis da pessoa. Existem diversas formas de realizar este tipo de
avaliações, havendo modelos que nos auxiliam nestas avaliações.
• Avaliações sobre o risco – quando se procura estabelecer probabilidades do
comportamento criminal. Estamos aqui no âmbito da previsão e, portanto, queremos

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perceber como é que este indivíduo em concreto se vai comportar no futuro. Ou seja, no
fundo, queremos saber qual é o risco de reincidência do indivíduo e, para isso, usamos
instrumentos desenhados para o efeito.

A avaliação é um processo e, por isso, é preciso conhecer diferentes formas e técnicas de trabalhar
para chegar a um determinado fim. Assim, é preciso consultar várias fontes de informação para
colher diferentes perspetivas sobre os factos e confrontá-las entre si, sendo que:

1) Devem ser usadas todas as fontes que sejam viáveis.


2) O sujeito avaliado não pode nunca ser a única fonte de informação.
3) As fontes de informação devem permitir a validação das informações recolhidas.
4) As fontes de informação devem permitir a análise de diferentes perspetivas sobre a
pessoa.
5) As fontes de informação incluem registos e entrevistas.

USO DE REGISTOS

1) Todos os documentos acessíveis sobre o indivíduo devem ser examinados para obtermos o
máximo de informação possível sobre o mesmo.
2) Todo o acesso aos registos deve ser autorizado pelo próprio e pelas instituições envolvidas.
3) Os registos podem ser judiciais, policiais, prisionais, de saúde/médicos, sociais, escolares e
militares.

A revisão dos registos deve, na medida do possível, preceder as entrevistas.

Na apresentação da avaliação deve constar:

• O propósito da avaliação, ou seja, deve ser feito um esclarecimento sobre do que se trata a
avaliação.
• O enquadramento legal do pedido. Não se pode ultrapassar as regras básicas do direto.
• O estatuto profissional do avaliador.
• A possibilidade de participar ou não.
• A possibilidade de não responder a questões.
• A necessidade de elaborar um relatório escrito baseado na informação disponível e o facto de
ele poder ser acedido.
• Que a informação recolhida não é confidencial porque temos de transformar as informações
recolhidas num relato acessível aos juízes.

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É também necessário obter o consentimento informado do sujeito sobre os propósitos da


avaliação, sobre os potenciais riscos e benefícios e sobre a possibilidade de decidir participar ou
não. Para além disso, deve ser assinada a declaração de consentimento informado.

ENTREVISTA

Os diferentes autores atribuem diferentes significados para a entrevista. Contudo, é necessário ter
em conta que os fins e as formas de realizar este tipo de entrevistas e as entrevistas qualitativas
são diferentes.

Assim, a entrevista é…

• “Uma conversa com um objetivo” (Bingham & Moore, 1924).


• “Uma conversa séria, com um fim determinado que não o simples prazer de dialogar”
(Nahoum, 1976).

A partir destas duas definições percebemos que a entrevista decorre de uma conversação entre
pelo menos duas pessoas, um especialista na área e um outro indivíduo, que tem em vista uma
finalidade.

Outras definições são:

• “Uma forma de conversação entre duas ou mais pessoas envolvidas numa interação verbal e
não-verbal, com uma finalidade previamente estabelecida ...” (Muchielli, 1980). Nesta
conversação o verbal e o não verbal têm a mesma importância.
• “Encontro interpessoal que se desenrola num contexto e numa situação social determinados,
implicando a presença de um profissional e de um leigo” (Rogers, 1970). Assim, verificamos
que toda a conversação é diferente, esta vai sempre depender do contexto em que ocorre.
• “Ato de comunicação … troca de palavras com outras pessoas … supõe uma transmissão
simbólica (a linguagem), mas não se resume a esta, uma vez que o “não verbal” (gestos,
prosódia, posturas…) têm a sua importância” (Pedinielli & Ruan, 2005).

Neste sentido, a entrevista baseia-se em competências básicas de comunicação, permitindo uma


dinâmica:

• Interativa, ou seja, a entrevista exige a interação humana.


• Relacional. Isto significa que a interação humana é condicionada e depende de aspetos
relacionais, ou seja, há o estabelecimento de uma relação de carácter profissional. De

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notar que a relação estabelecida e a capacidade de estabelecer limites e proximidade com


a pessoa, só é possível com uma relação relacional.
• Intersubjetiva. Por exemplo, quando temos de realizar uma entrevista em contexto
forense, o que está em causa é o facto de eu, enquanto pessoa, ter de perceber como é que
a pessoa alvo de entrevista pensa, age, entre outros, independentemente das vivências da
pessoa e do seu contexto cultural. E, neste sentido, o técnico tem de reconhecer no outro
o que quer perceber, tem de se transportar o máximo possível para o mundo do outro,
apreendendo a forma como as pessoas pensaram, sentiram e agiram em concreto.

É de notar que as entrevistas são a forma primordial de avaliação, sendo os outros mecanismos
tecnicistas apenas auxiliares deste instrumento. Logo, não há nenhum outro instrumento que
subsitua a entrevista.

As entrevistas diferem, ainda, das conversações ordinárias, porque:

• São um instrumento de avaliação, uma forma intencional de aprender acerca dos


sentimentos, pensamentos e experiências das pessoas.
• São guiadas pelo avaliador que intencionalmente introduz um conjunto de questões que
pretende esclarecer.
• Podem visar a obtenção de informação mais ou menos estruturada.

É muito importante saber conduzir uma entrevista e, neste sentido, é muito importante criar um
guião de entrevista.

Tipos de Entrevista

• Estruturada
• Semi-estruturada
• Não diretiva
Em clínica, as entrevistas forenses são todas semi-estruturadas. Assim, não há uma entrevista
totalmente estrutura no sentido de questionário, uma vez que a entrevista tem de ser uma
conversação corrida e tem de ser flexível. Por sua vez, também não há entrevistas não diretivas,
até porque estas são diretivas, uma vez que não é a pessoa que diz tudo o que quer, pelo contrário,
o técnico tem de conseguir conduzir a entrevista.
Assim, a entrevista tem de ser a combinação de duas coisas, a estrutura (saber o que quero
perceber) e flexibilidade (saber conduzir a entrevista).

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Condições da Entrevista

É necessário garantir boas condições para ser possível realizar uma entrevista:

• Ambiente físico (espaço, isolamento, privacidade).


• Acolhimento. Por exemplo, receber as pessoas, ser cordial, tratar bem o indivíduo é muito
importante para acolher as pessoas.
• Contratualização. Isto significa que estamos perante a celebração de um contrato de
trabalho com a pessoa, ou seja, chegamos a um acordo com essa mesma pessoa, pedindo,
por exemplo, autorização para lhe serem realizadas entrevistas. Sem esta
contratualização, o técnico não é capaz de realizar o seu trabalho profissional.
• Desenvolvimento. Ou seja, ser capaz de conduzir a entrevista de modo flexível e fluído
e, ao mesmo tempo, ser capaz de obter as informações que se pretende.
• Finalização. Uma vez que mexemos com aspetos diversos na vida das pessoas, temos de
lhes dar um feedback e, por isso, é necessário deixar a pessoa equilibrada (tal como estava
ou ainda melhor) e dizer o que vamos escrever no relatório e o que vamos fazer (dizemos
o que pensamos sobre a pessoa e devolvemos os nossos resultados).

Algumas Técnicas de Entrevista

Para realizar uma entrevista, são necessárias determinadas técnicas:

• Escutar e observar (o verbal e o não verbal), ou seja, é necessário estar atento ao que a
pessoa diz, tanto a nível verbal como não verbal, sendo que para tal é preciso tempo e
disponibilidade. Assim, é necessário estarmos focados na pessoa, para compreendermos
o que as suas palavras e comportamentos refletem.
• Questionar, ou seja, é necessário fazer as perguntas certas e, por isso, a conversação tem
de surgir de uma forma espontânea sem prejuízo da estruturação que é importante.
• Explorar/concretizar, ou seja, é necessário explorar o pensamento. Assim, esta é uma
tentativa de ir mais fundo no pensamento da pessoa.
• Clarificar, ou seja, é muito importante clarificar o que foi dito, uma vez que é muito
importante tornar o mais evidente possível aquilo que é importante saber. Tal como na
técnica anterior, esta é uma tentativa de ir mais fundo no pensamento da pessoa.
• Resumir, ou seja, no meio da entrevista devolvemos a pessoa à questão resumida de modo
a perceber se nós próprios e o indivíduo concorda ou não com o resumo.
• Reformular, ou seja, dizer de outra maneira o que o indivíduo disse para obter a sua
concordância ou discordância.

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• Confrontar. Por exemplo, há casos em que não conseguindo obter o que pretendemos do
indivíduo, pode ser possível confrontar o mesmo, ou seja, colocar o indivíduo perante as
suas incongruências. Esta é uma técnica terapêutica muito importante, mas na entrevista
clínica, esta é uma técnica muito arriscada que só deve ser utilizada em último caso.
• Interpretar. Isto consiste em dar juízos sobre as motivações e aspetos mais íntimos das
pessoas, sendo que se o fizermos podemos gerar uma confusão com o indivíduo. Logo,
tal como a anterior, esta técnica só pode ser usada em último caso.

Áreas a abordar nas Entrevistas

O que é que se trata na entrevista? Tudo o que se segue tem de ser abordado nas entrevistas.

Nota: os 4 primeiros pontos, são grandes preditores da delinquência.

• Crime, ou seja, temos de falar do crime, nomeadamente as circunstâncias imediatas,


vítima, ações, o processo criminogénese (o processo que o indivíduo seguiu até cometer
o crime).
• História criminal do sujeito (delinquência juvenil, condenações, prisão, punições,
conduta, conformidade com supervisão). Quanto maior a história criminal, maior o risco
de reincidência e, por isso, é muito importante saber a história criminal do indivíduo.
• Atitudes/orientação face ao crime e à justiça (crime cometido incluindo sentimentos
relacionados com o crime e suas consequências, crimes em geral, normas, sentenças,
supervisão). É muito importante perceber a posição do indivíduo em relação ao crime, à
sentença, entre outros.
• Personalidade, ou seja, é muito importante perceber os aspetos individuais, tendo
particular atenção ao âmbito:
– Desordens antissociais – hostilidade, controlo dos impulsos, sentimentos,
desrespeito pelos sentimentos de outros, egocentrismo.
– Problemas no relacionamento interpessoal e de autocontrolo. É importante
perceber os aspetos individuais.
• Companhias/pares (relacionamento, envolvimento em crimes), ou seja, é importante
perceber o suporte social para o crime, percebendo com quem é que o indivíduo se dá,
com quem passa mais tempo, entre outros.

Os pontos que se seguem têm muito a ver com a vida pessoal do indivíduo, sendo que também
isto tem de ser abordado na entrevista:

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• História familiar (pais e irmãos, separações, abusos, padrão educativo, problemas,


relacionamentos). Assim, podem existir problemas na família do indivíduo que nos dão
indicações sobre o seu envolvimento criminal.
• Infância (ajustamento social, vida familiar, disciplina, relacionamentos).
• Educação (habilitações, aprendizagem, relacionamento, comportamento, disciplina,
interesse, abandono). Na educação está inerente a aprendizagem de regras sociais, sendo
necessário perceber se o indivíduo foi capaz de aprender estes aspetos, se se dá bem com
as pessoas, entre outros.
• Ocupação/profissão/emprego (estatuto, regularidade, trajetória, relacionamento,
competências, performance).
• Tempos livres/recreação (atividades organizadas, interesses, uso do tempo).
• Família/Intimidade/sexualidade (satisfação, relacionamento, dificuldades, disfunções,
separações). Por exemplo, se se tratar de um delinquente sexual, é muito importante
estarmos atentos ao aspeto da intimidade e sexualidade.
• Saúde/médica (estado geral, doenças, deficiências, tratamentos).
• Saúde mental/psiquiatria (desordens psiquiátricas, problemas emocionais, tratamentos,
hospitalizações). Os aspetos das doenças mentais são muito importantes e devem ser
tratados na entrevista.
• Uso de substâncias (álcool/drogas; frequência, periodicidade, atitude, afetação da vida,
saúde, tratamentos, relação com atividade criminal). A relevância e existência do
consumo naquele tipo de situação também deve ser tratada na entrevista.

Entrevista com outros informantes

É muito importante o confronto das perspetivas e, por isso, é necessário falar com outras pessoas
como familiares, técnicos, entre outros. Por exemplo, quando abordamos apenas a perspetiva do
arguido, temos uma perspetiva muito limitada que seguramente será defensiva e poderá ser
enganadora. Por fim, um cuidado muito importante é o de não abordar as vítimas, especialmente
se são vítimas sexuais, pois apesar de isto ser útil e interessante, é complicado no sentido de que
as afirmações dadas pelas vítimas estão enviesadas e serão muito negativas, não esquecendo que
há a probabilidade da vítima ser alvo de reevitimação.

1. A informação obtida deve ser valorizada tendo em conta a posição das pessoas face ao
sujeito avaliado.
2. Os informantes mais habitualmente utilizados são:
• Familiares
• Amigos/Vizinhos/…

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• Técnicos que acompanham ou acompanharam o avaliado (das áreas da justiça,


saúde, educação, …)
3. Vítimas ou familiares das vítimas são mais raramente contactados.

TRADIÇÕES NA PSICOLOGIA FORENSE

• Clínica

Esta tradição é dirigida ao funcionamento psicológico e à personalidade. São utilizadas as


informações que foram recolhidas através de entrevistas, provas de avaliação psicológica que
procuram ajudar a mensurar determinado conceito psicológico, como a personalidade, dados
comportamentais e informações prévias.

Os traços de personalidade, em particular, devem permitir dar indicações suscetíveis de


fundamentarem a valoração judicial da perigosidade criminal.

• Atuarial

Esta tradição é dirigida às probabilidades do comportamento criminal, sendo aqui utilizadas as


informações recolhidas através do estudo de fatores de risco, sendo que o risco quantificado deve
permitir a valoração judicial da perigosidade criminal.

Aqui procura-se criar instrumentos para atender aos fatores de risco e calcular então a
probabilidade do risco do cometimento de crimes.

Agora há muitas tentativas de reconciliação entre estas duas tradições.

TESTES PSICOLÓGICOS OU PROVAS DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

As provas de avaliação psicológicas são denominadas de testes auxiliares de diagnóstico.

Existem diferentes tipos de testes psicológicos, nomeadamente:

• De desenvolvimento. As provas de avaliação psicológica de desenvolvimento podem ser


importantes nos casos em que é preciso aferir o desenvolvimento das crianças para avaliar
o seu testemunho.

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• De inteligência e aptidões. As provas de avaliação psicológica de inteligência e aptidões


podem servir para confirmar quais as capacidades de natureza intelectual do indivíduo.
• De personalidade. Apesar de haver diferentes definições de personalidade, há algum
consenso entre elas, nomeadamente entende-se que a personalidade é um conjunto de
traços que caracterizam os indivíduos. Assim, as provas de avaliação psicológica de
personalidade são realizadas sobre as:
− Dimensões normais da personalidade. Aqui não se pensa sobre as características
patológicas que podem existir na personalidade do indivíduo.
− Dimensões patológicas da personalidade. Aqui temos uma análise sobre os traços
patológicos da personalidade. Assim, aqui podemos falar de doenças mentais, como
a esquizofrenia, mas também podemos falar na depressão que são doenças que têm
um impacto muito grande ao nível da personalidade do indivíduo. Contudo, também
existem transtornos de personalidade que por si só constituem doença, como por
exemplo a personalidade narcisista e a desordem antissocial da personalidade.

Deste modo, os testes psicológicos podem olhar para a personalidade de uma forma normal, onde
se querem saber quais as características gerais e específicas da personalidade, mas também pode
haver interesse em olhar para os transtornos de personalidade em particular.

Os testes psicológicos são provas que mensuram aspetos da personalidade e a forma como o
sujeito se situa. Procuram-se as caraterísticas, dificuldades e eventualmente patologias que o
indivíduo tem e, por isso, estamos no âmbito do conceito da personalidade.

Estes testes são importantes para saber se há motivo de inimputabilidade penal e, por isso, são
muito importantes para o Direito.

Critérios para uso de testes psicológicos em contextos forenses (Heilbrun, 1992):

1. O teste deve estar adequadamente documentado e revisto na literatura científica, ou seja, é


necessária comprovação empírica.
2. A confiança do teste deve ser considerada cautelosamente.
3. O teste deve ser relevante para a questão legal em causa ou para avaliar o conceito psicológico
subjacente à questão legal.
4. A administração do teste deve ser standard. Por exemplo, no teste de desenho da família,
pedirmos para “desenhar UMA família” é diferente de pedirmos para “desenhar a TUA
família” e, por isso, o teste não vale nada se for mal interpretado. Assim, todo o resultado de

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prova é comparado a valores normativos e, por isso, em todas as provas existe uma
estandardização.
5. Os resultados do teste não devem ser aplicados a fins para os quais o teste não foi
desenvolvido e, por isso, é preciso ter cuidado com as inferências abusivas. Todos os testes
medem determinados aspetos e determinados conceitos como a autoestima, impulsividade,
psicopatia, etc. e, por isso, não podemos tirar conclusões de um aspeto cujo teste não mede.
6. Muito cuidado com previsões de comportamento a partir de resultados de testes. Ou seja, o
comportamento e personalidade avaliados no teste remetem-se à atualidade e, por isso, aquilo
que é medido não é obrigatoriamente vinculativo exatamente pelo facto de os testes
analisarem apenas a situação atual do sujeito.
7. Muito cuidado na interpretação dos resultados, tendo em atenção o estilo de resposta adotado
no contexto forense. Isto porque a pessoa sabe que está a ser avaliada e, por isso, vai dizer
coisas que pensa serem favoráveis para si perante o tribunal, assim podemos deparar-nos com
fenómenos de negação, defensividade ou fingimento.

ESTUDO DA PERSONALIDADE

Existem muitas conceptualizações no estudo da personalidade que procuram a normalidade, mas


também outros traços que podem estar relacionados com o comportamento criminal, tais como:

• Cattell refere que existem 16 traços de personalidade (16 PF) que distinguem os indivíduos
entre si.

• Eysenck refere que existem três dimensões de personalidade (EPI, EPQ):


− Neuroticismo
− Extroversão/introversão
− Psicoticismo. Este conceito usado por Eysenck levanta alguns problemas pelo facto de o
autor querer olhar para a normalidade da personalidade, mas também para as psicoses,
tendo misturado as características da psicose com as características da psicopatia. As
psicopatias são transtornos antissociais, sendo uma desordem de personalidade
concretizada quase sempre em comportamento criminal. Assim, os psicopatas são
pessoas cujo sentido temperamental e comportamental estão altamente perturbados, mas
não no sentido de estarem fora da realidade comum, como acontece nas psicoses.

• Costa & Mcrae referem cinco dimensões da personalidade (NEOPIR):

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− Neuroticismo (ansiedade, hostilidade, depressão, autoconsciência, impulsividade,


vulnerabilidade).
− Extroversão (acolhimento, gregariedade, assertividade, atividade, procura de excitação,
emoções positivas).
− Abertura à experiência (fantasia, estética, sentimentos, ações, ideias, valores).
− Agradabilidade (confiança, retidão, altruísmo, complacência, modéstia, sensibilidade).
− Conscienciosidade (competência, ordem, obediência, luta, realização, autodisciplina,
deliberação).

• Inventários clínicos, como por exemplo MMPI 2 – Minnesota Multiphasic Personality


Inventory
− Escalas clínicas (hipocondria, depressão, histeria, desvio psicopático,
masculinidade/feminilidade, paranoia, psicastenia, esquizofrenia, hipomania,
introversão social).
A ideia é detetar as diferentes patologias e perceber os graus dessa perturbação e, por
isso, não estamos no campo forense, mas sim no campo da clínica (concebido num
hospital psiquiátrico).
Entende-se que a depressão grave é extremamente incapacitante, que existem
perturbações emocionais, como a histeria caracterizada pela teatralidade. Para além
disso, verifica-se que a hipocondria é psicossomática, sendo o extremo o corpo
manifestar algo quando não há motivo para se estar doente fisicamente, apesar de na
realidade se estar (neurose). Por sua vez, o desvio psicopático, que está muito
presente nos delinquentes, é a medida da psicopatia, que se caracteriza por um fraco
acesso à culpa, afetividade superficial, etc. e é um alto preditor da delinquência.
Contudo, nem todos os delinquentes têm altos níveis de desvio psicopático. Já a
masculinidade/feminilidade mede a tendência sexual, sendo que naquela época
entendia-se que existia o distúrbio psiquiátrico da homossexualidade. Deste modo,
avaliava a inversão dos papéis de género.
Depois seguem se coisas mais disruptivas como a paranoia (por exemplo, achar que
se está a ser perseguido) que, às vezes, pode ser elevada de acordo com o desvio
psicopático. A psicastenia tem a ver com a energia ou falta desta. A esquizofrenia
pode manifestar-se através da audição de vozes. A hipomania são “manias
compulsivas” e a introversão social consiste na falta de reatividade e interação.

− Escalas de validade (não respostas, mentira, incongruência, defensividade – correção


comportamento).

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Nas escalas de validade temos de considerar a prova como auxiliar de diagnóstico e


não o diagnóstico daí a necessidade de comparação. Assim, ao dizer que o perfil é ou
não válido é preciso ter em conta o que se mencionou anteriormente.
Quando temos um certo número de não respostas não se valora. Assim como não se
podem valorar as perguntas que são respondidas com mentira, respostas
incongruentes (quando o indivíduo diz uma coisa no início e mais à frente diz o
contrário). É preciso também ter em conta a defensividade, ou seja, a possibilidade
de ver se o indivíduo se está a defender, tentando ser agradável.

Este instrumento foi realizado para a clínica, mas como tem estas escalas de validade é muito útil
para a forense. Estas perguntas estão separadas precisamente para conseguir detetar
incongruências e mentiras e detetar, através disto, a frieza emocional e outras caraterísticas
preditoras do crime congruentes com a psicopatia.

• Provas projetivas, como por exemplo o Rorschach Test que consiste na projeção de meras
manchas simétricas nas quais se parece ver, na maior parte das imagens, animais, como
borboletas ou morcegos. O objetivo é perceber o que as pessoas dizem que veem para ver se
as pessoas dizem as respostas populares ou se veem conteúdo agressivo, como por exemplo
sangue.
− Cotação: localização, determinantes, conteúdo, respostas populares, scores especiais.
Procura-se saber o que determinou a nossa resposta, como a forma da mancha, a cor ou a
textura.
− Sumário estrutural: central, ideação, afeto, mediação, processamento interpessoal, auto
perceção, índices especiais (esquizofrenia, depressão, coping, constelação suicida,
hipervigilância, obsessão).

• Provas focadas em aspetos particulares


− Psicopatia (PCL-R); Depressão (ex. BDI); …
Há provas que se focam em aspetos próprios da personalidade, como é o caso destas
provas e, por isso, estas querem avaliar um aspeto particular, nomeadamente a psicopatia.
Assim, estas são provas ou testes estandardizados na personalidade ou nalguma das suas
componentes que ajudam na idealização e compreensão da pessoa em causa. A
compreensão psicológica e psicopatológica dos sujeitos é fundamental apesar de não ser
a única.

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Assim, qualquer avaliação pode beneficiar com estes aspetos, sendo que os testes psicológicos
não são incompatíveis com a avaliação do risco nem com as entrevistas clínicas.

PSICOPATIA

PCL-R

• Insinceridade e charme superficial


• Sentido grandioso de autoestima
• Propensão ao tédio
• Mentira patológica
• Manipulativo
• Falta de remorso ou culpa
• Afeto superficial
• Insensível/falta de empatia
• Estilo de vida parasita
• Controlo comportamental pobre
• Relações sexuais promíscuas
• Problemas de comportamento precoces
• Ausência de planos realistas de longo prazo
• Impulsividade
• Irresponsabilidade
• Falta de aceitação da responsabilidade das suas ações
• Relações maritais curtas e diversas
• Delinquência juvenil
• Falhas em períodos de supervisão
• Versatilidade criminal

Estes aspetos têm por objetivo medir algumas dimensões. Inicialmente considerava-se que estes
aspetos da PCL-R apenas mediam a dimensão interpessoal/afetiva relacionada com a
personalidade e a dimensão da desviância social relacionada com o comportamento. No entanto,
posteriormente considerou-se que a PCL-R era composta por quatro dimensões relacionadas com
a psicopatia, nomeadamente a interpessoal (personalidade), afetiva (personalidade), estilo de vida
(personalidade) e desviância social (comportamento).

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LIMITAÇÕES DAS AVALIAÇÕES CLÍNICAS (BURMANN ET AL., 2007)

Algumas críticas e limitações feitas às avaliações clínicas tradicionais são:

• Precisão questionável, tendência para enviesamentos pessoais e subjetividade.


• Conclusões variadas dependendo das competências do avaliador.
• Menos fidedigno que os atuariais.
• Fraca validade preditiva.

Mas estas avaliações comportam também vantagens, nomeadamente:

• Requerem a individualização da avaliação do risco. Esta avaliação deve ser fundada na


avaliação do risco e nos contributos criminológicos sobre comportamentos criminosos e
os seus preditores.
• Podem conter informação importante sobre comportamentos de risco individuais.
• Podem assistir o estabelecimento de gestão do risco informada e apropriada.
• Podem melhorar utilizando abordagens de avaliação do risco sistemáticas/estruturadas.

NOÇÕES DE RISCO E PROTEÇÃO (ANDREWS & BONTA, 2006)

Risco: Características das pessoas e das suas circunstâncias que são associadas com um aumento
da probabilidade de atividade criminal. É preciso conhecer as características das pessoas e as
circunstâncias que estão relacionadas com o comportamento criminal das pessoas.

Risco dinâmico (necessidade criminógenea): Fatores de risco dinâmicos, suscetíveis de mudança.


A mudança destes fatores resulta em mudança na atividade criminal. Distinguem-se necessidades
não criminogéneas, cuja eventual mudança não tem consequências na probabilidade de atividade
criminal.

Proteção: Características das pessoas e das suas circunstâncias que são associadas com uma
redução da probabilidade de atividade criminal.

MODELO RNR (ANDREWS & BONTA, 2006)

Princípios

• Risco: identificação dos fatores de risco (caraterísticas das pessoas e ambiente associados
com probabilidade acrescida de reincidência) e ligação do nível de risco com a
intensidade da supervisão/tratamento.

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− Dinâmico (necessidades criminogéneas suscetíveis de mudança).


− Estático (não suscetível de mudança).
• Necessidades: avaliar e intervir sobre as necessidades criminógeneas (fatores de risco
dinâmicos que, quando modificados, diminuem as probabilidades de reincidência).
• Responsividade (atenção às características das pessoas alvo de intervenção e
ajustamento das intervenções).

Os dois primeiros princípios são fundamentais para avaliação (ofender risk assessment) e o
terceiro associa-se a esses princípios no tratamento (effective ofender rehabilitation).

A avaliação do risco e das necessidades criminógenas é, consequentemente, essencial para as


avaliações forenses e para o tratamento reabilitativo nos sistemas de justiça, constituindo o RNR
um modelo integrado de intervenção.

No âmbito das ciências forenses estamos apenas e só no âmbito da avaliação do risco.

Fases da avaliação do risco (Andrews & Bonta, 2006)

• 1ª geração – Clínica
− Apreciação clínica não estruturada, de pendor psicopatológico.
− Direciona-se ao funcionamento da pessoa.
− Através de entrevistas e provas de avaliação psicológica dirigidas à personalidade ou a
aspetos específicos (ansiedade, depressão, autoestima).
− Pobre evidência empírica de previsão do risco.

• 2ª geração – Risco estático


− Dirigida a fatores estáticos, atuariais, relacionados com a reincidência (geralmente,
relativos à história criminal).
− Permite diferenciar ofensores em função do risco (não fornece indicações de
intervenção).

• 3ª geração – Integração Risco/Necessidades


− Introdução de fatores dinâmicos suscetíveis de mudança.
− Distinguem necessidades criminogéneas e não criminogéneas (as primeiras devem ser o
alvo preferencial da intervenção).
− Recuperam a avaliação clínica (estruturada e baseada em estudos de avaliação do risco).

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• 4ª geração – Integração da Responsividade/Gestão de Caso


− Inclui fatores de responsividade à intervenção.
− Fornece indicações sobre o processo de gestão da supervisão do caso.

AVALIAÇÃO DO RISCO

O problema da predição

Podemos, através do instrumento de avaliação do risco, concluir que o indivíduo apresenta baixo
risco (previsto) e, por isso, há uma baixa probabilidade de o indivíduo reincidir, estando por isso
a prever a não reincidência. Contudo, pode acontecer que este indivíduo a quem foi previsto baixo
risco, reincida e aqui estamos perante um falso positivo.

Por outro lado, através do instrumento de avaliação do risco, podemos concluir que o indivíduo
apresenta alto risco (previsto) e, por isso, há uma elevada probabilidade de o indivíduo reincidir,
estando por isso a prever a reincidência. Contudo, pode acontecer que este indivíduo a quem foi
previsto alto risco de reincidência, não reincida e aqui estamos perante um falso positivo.

Deste modo, nós podemos considerar que há um risco baixo de reincidência criminal e isso não
provocar um comportamento problemático no nosso futuro. Os nossos instrumentos podem prever
que o nosso paciente tem alto risco e na verdade este pode não manifestar qualquer perigo. Isto
são problemas que se colocam e que diminuem a qualidade do nosso juízo.

Assim, é preciso que os instrumento de risco apresentem alta capacidade preditiva para que sejam
capazes de prever com grande certeza que o indivíduo vai ou não reincidir. Contudo, não há teste
nenhum que saiba o que vai acontecer com cada sujeito e, por isso, apenas podemos falar em
probabilidades.

Duas medidas para avaliar empiricamente a capacidade preditiva de um instrumento (tabela de


conversão de Rice & Harris, 2005)

• r = 0 – AUC = .50 (nula; igual ao acaso)


• r = .10 – AUC = .56 (muito fraca; acerta pouco)
• r > .30 – AUC > .67 (perfeitamente aceitável)
• r > .45 – AUC > .79 (não conheço nenhum instrumento!)
• r =1 (perfeita, seguramente inexistente no mundo real)

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AUC calcula-se tendo em conta: a ratio dos verdadeiros positivos (sensibilidade) vs. a ratio de
falsos positivos (especificidade).

REQUISITOS DA AVALIAÇÃO DO RISCO

• Instrumentos fundados na teoria e na evidência empírica.


• Estudos quantitativos em larga escala de validação dos instrumentos. É necessário realizaram-
se estudos sobre o instrumento com amostras grandes para se determinar a sua validade e
fidelidade.
• Diferenciação em função de tipos criminais (escalas gerais e escalas específicas para
violência, delinquência sexual, etc.).
• Diferenciação em função de grupos populacionais específicos (adultos/jovens;
homens/mulheres).
• Diferenciação em função do contexto (comunidade/prisão).

Métodos atuariais

Os instrumentos de avaliação do risco de reincidência, empiricamente testados, são relevantes


para:

• Relatórios periciais de assessoria técnica da escolha da sanção e dos níveis de segurança,


supervisão e tratamento dos delinquentes.
• Monitorização e adequação da supervisão de delinquentes, com vista à prevenção da
reincidência criminal. O instrumento de avaliação do risco diz-nos quais são as áreas mais
problemáticas e ajuda-nos a planear um plano de intervenção. Assim, se soubermos quais são
os fatores de risco, será mais fácil intervencionar.

Deste modo, os instrumentos de medição do risco fornecem indicações úteis que é preciso ter em
consideração para diminuir o risco.

AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA FORENSE

Critérios para uso de instrumentos de avaliação do risco de reincidência criminal em contextos


forenses (Doren, 2002):

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Ciências Forenses II | Margarida Oliveira e Tânia Soares

1. Devem ser por regra utilizados. Contudo, em algumas circunstâncias excecionais admite-
se que não sejam adaptados à avaliação daquele sujeito, tendo de se explicar o porquê da
sua não utilização.
2. O instrumento escolhido deve estar relacionado razoavelmente com o sujeito e com a
tarefa.
3. O avaliador deve estar a par do conhecimento científico para selecionar aproximadamente
os instrumentos.
4. As diversas dimensões de risco devem ser avaliadas.
5. As opiniões sobre o risco devem situar o sujeito num intervalo de probabilidade de risco
individual (e não uma percentagem direta).
6. Os testes psicológicos tradicionais não permitem calcular risco.
7. Devem ser apresentadas as bases factuais dos instrumentos de avaliação do risco
utilizadas.

Os instrumentos de avaliação do risco atuariais são:

• Baseados na evidência, são instrumentos estruturados, onde aos itens individuais são
atribuídos pesos numéricos, combinados de forma mecânica, e relacionados com o
comportamento criminal (Bonta & Wormith, 2008). Há instrumentos que foram feitos para
ser simples (ex. instrumentos feitos para os polícias) e ao acesso de qualquer um.

• Podem ser baseados em:


− Questionários de autorrelato
− Análise de dossier
− Entrevistas combinadas com análise de dossier

• A maior parte dos instrumentos são de preenchimento por técnicos treinados.

Exemplos de Instrumentos de Avaliação de Risco

• LSI – R (Level of Service Inventory)


• LS/CMI (Level of Service/Case Management Inventory)
• YLS/CMI (Youth Level of Service/Case Management Inventory)
• OASys (Offender Assessment System)
• CAIS (Correctional Assessement and Intervention System)

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• HCR – 20 (Historical-Clinical-Risk Scale-20)


• VRAG (Violence Risk Appraisal Guide)

LSI-R (ANDREWS & BONTA, 2001)

Este instrumento é constituído por itens que abordam os seguintes fatores de risco:

• História criminal (10) – ex: Condenações em adulto


• Educação/emprego (10) – ex: atualmente desempregado
• Finanças (2) – ex: problemas financeiros
• Família (4) – ex: Insatisfação com a situação marital
• Habitação (3) – ex: Insatisfação com habitação
• Tempos livres (2) – ex: ausência de participação recente em atividade organizada
• Companhias (5) – ex: Isolamento social
• Álcool/drogas (9) – ex: Problema de álcool durante a vida
• Emocional/Pessoal (5) – ex: Moderada interferência
• Atitudes/orientação (4) – ex: Suporte para o crime

LS/CMI (ANDREWS, BONTA & WORMITH, 2004)

Este instrumento é composto por 8 secções:

1. Secção 1: Fatores de risco/necessidades (baseada no LSI-R), nomeadamente a história


criminal (8), educação/emprego (9), família (4), tempos livres (2), companhias (4),
álcool/drogas (8), atitudes/orientação pró-criminal (4) e padrão antissocial (4).
2. Secção 2: Fatores de risco/necessidades específicos (ex: problemas pessoais com
potencial criminogéneo).
3. Secção 3: Experiência prisional – fatores institucionais (ex: história prisional).
4. Secção 4: Outras necessidades do cliente (ex: saúde mental).
5. Secção 5: Responsividade (ex: motivação como barreira).
6. Secção 6: Sumário dos risco/necessidades e ajustamento dos níveis de supervisão.
7. Secção 7: Perfil de risco/necessidades.
8. Secção 8: Decisões de programa e de planeamento.

YLS-CMI (HOGE & ANDREWS, 2008)

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Este instrumento é composto por 7 secções:

1. Secção 1: Avaliação de riscos e de necessidades (versão para jovens do LSI-R acrescida


com preditores específicos da delinquência juvenil), nomeadamente:
– Delitos prévios e atuais (5) – ex: 3 ou mais processos anteriores
– Circunstâncias familiares (6) – ex: supervisão inadequada
– Educação/emprego (7) – ex: comportamento disruptivo na sala de aula
– Relações com Pares (4) – ex: alguns conhecidos delinquentes
– Abuso de substâncias (5) – ex: uso de drogas ocasional
– Tempos livres (3) – ex: atividades organizadas limitadas
– Personalidade/Comportamento (7) – ex: autoestima exagerada
– Atitudes/orientação (5) – ex: atitudes antissociais
2. Secção 2: Sumário dos riscos/necessidades
3. Secção 3: Avaliação de outras necessidades (da família e do jovem)
4. Secção 4: Avaliação do nível geral de risco/necessidades
5. Secção 5: Nível de contacto (supervisão)
6. Secção 6: Plano de gestão do caso (objetivos e forma de atuar)
7. Secção 7: Revisão da gestão do caso (progresso e revisão)

HCR-20 (WEBSTER, DOUGLAS, EAVES, & HART, 1997)

A HCR-20 (tradução não oficial) é constituída por fatores de risco:

• Históricos, nomeadamente a violência prévia, jovem no primeiro incidente violento,


instabilidade nas relações, problemas de emprego, problemas de uso de substâncias,
doença mental major, psicopatia, desajustamento precoce, desordem de personalidade e
falha prévia em supervisão.
• Clínicos, nomeadamente a falta de insight, atitudes negativas, sintomas ativos de doença
mental major, impulsividade e não responde ao tratamento.
• Gestão de risco, nomeadamente planos pouco realizáveis, exposto a desestabilizadores,
falta de suporte pessoal, não conforme com tentativas de intervenção e stress.

VRAG (QUINSEY, HARRIS, RICE & CORMIER,1998)

A VRAG (tradução não oficial) é composta por vários itens, como:

• Viveu com pais biológicos até aos 16 anos

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• Desajustamentos na escola básica


• História de problemas de álcool
• Estatuto marital
• História criminal de ofensas não violentas
• Falhas em libertações condicionais
• Idade da primeira ofensa
• Danos na vítima
• Vítima mulher
• Desordem de personalidade
• Esquizofrenia (Desconta!)
• Resultado na PCL-R (Psicopatia)

Por sua vez, a utilização de instrumentos de risco permite uma melhor precisão na avaliação da
probabilidade de novas ofensas, minimizando as estimativas defensivas e minimizando
enviesamentos próprios do “conhecer a pessoa” (Doreen, 2005).

Assim, o resultado do sujeito num instrumento de avaliação do risco entra numa categoria que a
investigação prévia mostrou estar associada com uma probabilidade X (com um intervalo de
confiança X1 a X2) de reincidência (para determinado crime) em Y anos. Contudo, é de notar que
não diz que este sujeito tem X probabilidades de reincidência em Y anos.

LIMITAÇÕES DAS AVALIAÇÕES ATUARIAIS (BURMANN, ET AL., 2007)

Apesar da boa consistência, robusta validade preditiva e o facto de poder melhorar utilizando
abordagens de avaliação do risco sistemáticas/estruturadas, as avaliações atuarias têm limitações:

• Uso de informação agregada de uma população para aplicação a um indivíduo


• Predição de risco em grupos agregados, não tendo em conta a diversidade das populações
• Não é particularmente sensível aos contextos onde os fatores de risco operam
• Validados com referência a dados de reincidência, que são os resultados de processos
sociais (condenações não são todas as reincidências).
• Predição da probabilidade, mas não do impacto da reincidência.

EM CONCLUSÃO

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Há forte evidência empírica da fidelidade, da validade e da validade preditiva dinâmica deste tipo
de instrumentos de avaliação do risco, sendo que estes instrumentos auxiliam três tipos de
pessoas:

• Os técnicos, devidamente treinados, podem beneficiar da utilização deste tipo de


instrumentos na elaboração de relatórios forenses e na gestão dos casos em supervisão,
uma vez que estes instrumentos ajudam a perceber se estamos ou não a ter progressos.
• Os decisores judiciais podem obter informação específica para tomar decisões sobre
sanções e níveis de supervisão adequados aos riscos/necessidades, pois esta informação
ajuda a fundamentar a decisão.
• Os delinquentes podem obter respostas judiciais que tenham em conta os níveis de risco
e beneficiar de serviços adaptados às suas necessidades que promovam a reabilitação e a
prevenção criminal.

AVALIAÇÃO E INTERVENÇÃO PSICOLÓGICA EM PROCESSOS PENAIS

SISTEMA LEGAL PORTUGUÊS

O sistema legal português tem como objetivos a segurança dos cidadãos, a prevenção e repressão
do crime e a recuperação do delinquente como forma de defesa social. Assim, tendo em conta
este último aspeto, a aplicação de qualquer pena tem como pressuposto a definição de uma culpa
concreta, devendo a sua execução ser sempre presidida por um sentido pedagógico e
ressocializador.

Neste sentido, a questão que se coloca no nosso sistema é a de saber onde encontramos espaço
para a intervenção psicológica forense.

FASES PROCESSUAIS

Pré-sentencial

• Notícia de crime
• Inquérito
• Instrução

Sentencial (julgamento)

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Pós-sentencial
• Execução de penas de prisão e não privativas de liberdade (multa, pena suspensa, regime
de prova, prestação de trabalho a favor da comunidade, admoestação).
• Execução de medidas de segurança privativas e não privativas de liberdade.
• Execução de pena relativamente indeterminada.

ASSESSORIA TÉCNICA A TRIBUNAIS EM PROCESSOS PENAIS

INSTRUMENTOS

O relatório social é a primeira comunicação com o tribunal, sendo importante para a decisão sobre
a medida de coação (art. 1º CPP).

O segundo nível, mais especializado e focado nas questões psicológicas, surge na atividade
pericial. Temos três tipos de perícias: (1) perícia médico-legal (art. 159º CPP), (2) perícia sobre a
personalidade (art. 160º CPP) e (3) perícia sobre a personalidade relativa à questão da capacidade
de testemunhar (art. 131º CPP). Esta última é apenas prevista para crimes que atentam contra a
autodeterminação sexual, só para menores de 18 anos.

São estas as nossas possibilidades de comunicação com o tribunal, em matéria forense. A nossa
atividade especializada é isto, previsto pela lei.

1. O relatório social para decisão sobre medida de coação (art. 1º do CPP)

2. O relatório social para decisão sobre a determinação da sanção (art. 1º do CPP)

Este relatório, no fundo, informa sobre a inserção familiar e socioprofissional do arguido. Assim,
visa auxiliar o Tribunal ou o Juiz no conhecimento da personalidade do arguido e é solicitado
pelo Tribunal, mas pode ser realizado por iniciativa dos serviços de reinserção social, quando o
acompanhamento de arguido preso preventivamente o aconselhar. Este relatório pode ainda ser
solicitado para a fase de julgamento/sentença, quando considerado necessário à correta
determinação da sanção. Além disso, o consentimento expresso do arguido não é pressuposto
formal para a sua elaboração, embora tenha o direito de não participar e de permanecer em
silêncio.

Contudo, há uma certa ambiguidade. Assim, é dito como sendo uma informação, relativamente
básica, sobre a reinserção da pessoa no seu meio, mas depois, na verdade, o que está dito é que
visa auxiliar o juiz na compreensão e conhecimento sobre a personalidade do arguido, sendo que
isto é muito diferente da ressocialização. Na prática corrente entende-se que há um esforço de

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Ciências Forenses II | Margarida Oliveira e Tânia Soares

fazer documentos com qualidade que não sejam pequenas referências apenas à reinserção ou não
do arguido no meio.

Deste modo, com o modelo RNR há uma linha que basicamente procura perceber quais são as
necessidades criminógenas dos sujeitos para que estas possam ser colocadas neste relatório.
Assim, os modelos organizados ajudam os técnicos, no sentido de haver alguma harmonização,
sendo que os relatórios sociais não são uma mera descrição, devendo falar-se sobre o
conhecimento sobre a personalidade.

Para além disso, este é o documento mais utilizado e a forma mais privilegiada de comunicação
com o sistema de justiça. Segundo a opinião do professor, nenhuma decisão judicial deve ser feita
sem ter por base este relatório e, por isso, os relatórios sociais são de extrema importância e
deveriam ser generalizados.

3. A perícia médico-legal forense (art. 159º do CPP)

No que toca às questões psiquiátricas, diz a lei, podem participar especialistas em psicologia e
criminologia, sendo esta perícia sempre assinada por um médico, pois este é que tem autoridade
legal para confirmar se é ou não uma doença. Assim sendo, estas perícias têm sempre um médico-
legal.

4. A perícia sobre a personalidade (art. 160º do CPP)

O objetivo desta perícia é a avaliação da personalidade e perigosidade do arguido (necessidade


de realizar juízos de prognose), de modo a adquirir um conhecimento aprofundado do arguido.
Contudo, o problema do nosso sistema é que avaliamos uma pessoa alegadamente inocente,
enquanto no sistema, por exemplo, anglo-saxónico só se avalia depois de provar que há culpa.

Assim, esta consiste numa perícia sobre as características psíquicas do arguido independentes de
causas patológicas. Deste modo, se há causas patológicas, por exemplo crimes praticados por
pessoas com perturbações mentais graves, pensa-se sempre que é necessária uma avaliação
médica que identifique a doença. Se, pelo contrário, não é caso disso, mas queremos na mesma
saber muito desse sujeito, por motivos diversos, pede-se a perícia sobre a personalidade.

Além disso, se pedirmos uma perícia, assumimos que há algo que ultrapassa o nosso
conhecimento comum, utilizando-se em casos de alta complexidade, sendo que a palavra perícia
implica este exercício de entregar a um especialista a apreciação de um certo aspeto e eu, enquanto
juiz, não vou contrariar este juízo.

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Ciências Forenses II | Margarida Oliveira e Tânia Soares

Esta perícia serve para as questões da prisão preventiva, para a determinação da sanção e para a
culpa do agente. Contudo, é de notar que este domínio da culpa é muito complexo e, por isso, as
nossas avaliações normalmente não interferem na determinação da culpa, sendo isto tarefa do
juiz. Assim, o juiz pode apreciar graus de culpabilidade em função de determinadas características
que são apresentadas nesta perícia, o que acresce ainda mais a nossa responsabilidade na
realização da mesma.

Por sua vez, estas perícias podem ser ordenadas pelo MP (raro), ou pelo juiz de instrução. De
notar que, no nosso país as perícias podem ser ordenadas pelas entidades judiciais, mas há países
em que pode ser requerido pelas partes.

Seguidamente, as perícias devem ser deferidas a serviços especializados como os de reinserção


social ou, quando isso não for possível ou conveniente, a especialistas em criminologia,
psicologia, sociologia ou psiquiatria. Quanto aos serviços de reinserção social, espera-se que
sejam capazes de o fazer. A credibilização das perícias é muito importante, por isso, segundo a
perspetiva do professor, pode ser perigoso entregar as perícias na mão de uma só pessoa, na mão
de um especialista em criminologia, psicologia, sociologia e psiquiatria. Logo, deve haver uma
instituição com uma equipa que faça perícias.

Há 60 dias para apresentação da perícia, podendo este prazo ser prorrogado a requerimento por
mais 30, sendo que em 90 dias, no máximo, esta tem de estar pronta.

Por fim, a perícia constitui prova pericial, sendo que o juízo nela formulado presume-se subtraído
à livre apreciação do julgador. Assim, o perito é que sabe e, por isso, a perícia ganha uma certa
autonomia, apenas podendo ser contrariada por uma contra peritagem e não pelo juiz.

5. A perícia sobre a personalidade relativa à questão da capacidade de testemunhar (menor


de 18 anos, em crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual) (art. 131º do CPP).

PSIQUIATRIA FORENSE

A psiquiatria forense é uma subespecialidade médica que trata e lida com os problemas e pessoas
na interface entre os sistemas médico-psiquiátrico e legal. No fundo, é um auxiliar do direito a
respeito da aplicação da lei a pessoas, potencialmente, com desordens mentais. Assim, procura-
se a deteção de patologias mentais.

Deste modo, como o tribunal não tem competências para determinar doenças, vai indagar, através
da perícia médico-legal, se há doença, procurando a deteção de patologias mentais (limite do

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Ciências Forenses II | Margarida Oliveira e Tânia Soares

normal e do patológico). Se não houver doença, o sujeito responde perante a lei pelos factos que
cometeu e cumpre uma pena, mas se houver uma patologia o primeiro passo é o diagnóstico, com
base em classificações e, por isso, no fundo, é fazer o diagnóstico diferencial. É também preciso
perceber se a desordem mental está relacionada com o crime. Além disso, em direito penal, a
psiquiatria forense contribui para decisões judiciais sobre a imputabilidade.

Neste sentido, a psiquiatria forense procura:

• Deteção de patologias mentais (limite do normal e do patológico).


• Diagnóstico diferencial.
• Estabelecer ligação entre as desordens mentais e a conduta criminal.
• Contribuir, designadamente, para decisões judiciais sobre imputabilidade (art. 20º CP).
De notar que a decisão de imputabilidade é relativa a cada crime, não vale para todos,
pois para determinados crimes o sujeito pode ser considerado inimputável e noutros pode
ser considerado saudável. É então necessário estabelecer uma conexão entre as desordens
mentais e a conduta criminal.

AVALIAÇÃO DE MENORES VÍTIMAS DE ABUSO SEXUAL

Esta peritagem, nomeadamente quando estamos perante a avaliação de menores, é diferente de


todas as outras.

Primeiramente, os abusos sexuais de menores constituem crimes contra a autodeterminação


sexual das crianças, sendo que estes crimes estão previstos nos artigos 171º a 177º do CP,
referentes ao abuso sexual de crianças e de crianças dependentes, atos sexuais com adolescentes,
prostituição, lenocínio e pornografia de menores.

Seguidamente, é de ter em conta que na grande maioria dos casos de abuso sexual de crianças,
não há evidencias físicas, nem testemunhas, sendo que o único meio de prova é o relato e
testemunho da criança vítima.

Para além disso, é muito frequente que a criança não revele o abuso e, por isso, podemos estar
perante a síndrome do segredo (Furniss, 1991). Porém, contrariamente a isto e muito mais grave,
há crianças que mentem e, por isso, como nunca sabemos em definitivo se a situação é verdadeira,
o que fazemos é avaliar o testemunho.

Deste modo, a avaliação psicológica do sujeito é fundamental para avaliar a capacidade de


testemunho das pessoas, sendo que esta avaliação deve dirigir-se às dinâmicas psicológicas
características do abuso, à avaliação do impacto traumático (perceber a existência ou não de

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eventuais impactos traumáticos) e à avaliação do desenvolvimento da criança e das manifestações


comportamentais (perceber se os relatos são compatíveis com o desenvolvimento da criança e das
manifestações comportamentais). Além disso, devemos ainda permitir a avaliação da
compatibilidade do relato com a sintomatologia apresentada, o nível de desenvolvimento da
criança e com indicadores de veracidade conhecidos (conteúdo e estrutura do relato, adequação
emocional, consistência, detalhes, sugestionabilidade, …).

MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DE MENORES DE ABUSO SEXUAL

Entrevista

• Narração livre.
• Perguntas focalizadas.
• Perguntas diretas.
• Perguntas de contraste de hipóteses, mas isto depende da idade das crianças.
• Perguntas sugestivas.
• Finalização, ou seja, é preciso finalizar bem o processo, sem deixar as crianças pior do
que quando a encontramos.

Análise de Conteúdo baseada em critérios (Criteria Based Content Analysis – CBCA)

• Características gerais
– Estrutura lógica. Isto está relacionado com a idade da criança.
– Relato pouco estruturado, ou seja, se for mentira, há uma história decorada e pode
não ser credível.
– Quantidade de detalhes. Uma criança que não é capaz de dizer coisas sobre o que
a rodeavam no momento é porque, provavelmente, quer contar uma história
estruturada. A estrutura pode ser pouca, mas os detalhes devem ser suficientes
para demonstrar que está a ser verdadeira.

• Conteúdos específicos
– Características contextuais (tempo e espaço), ou seja, capacidade de relatar o
contexto, mesmo que esteja perturbada.
– Descrição das interações.
– Reprodução de conversas, ou seja, ser capaz de relatar o que aconteceu antes,
depois e durante o abuso.

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Ciências Forenses II | Margarida Oliveira e Tânia Soares

– Complicações inesperadas durante o acontecimento, ou seja, ser capaz de


descrever que durante o abuso tocou o telefone, por exemplo. Isto é uma fonte de
credibilização, pois a pessoa consegue contar muitas coisas.

• Particularidades do conteúdo
– Detalhes pouco comuns, nomeadamente como estava o agressor.
– Detalhes supérfluos.
– Detalhes mal compreendidos.
– Associações externas relacionadas.
– Relato de estados mentais subjetivos.
– Relatos sobre o estado mental do perpetrador.

• Conteúdos motivacionais
– Correções espontâneas. Se alguém conta uma história falsa, por norma não faz
correções, pois está muito focado na sua história e não admite que se pode ter
enganado. Assim, a correção dos factos credibiliza o relato.
– Admitir dificuldades de evocação.
– Levantar dúvidas sobre o seu próprio testemunho.
– Auto depreciação.
– Perdoar o perpetrador.

• Detalhes caraterísticos da ofensa

Lista de critérios de validade (Steller, 1989):

• Caraterísticas psicológicas
– Adequação da linguagem e conhecimento
– Adequação do estado emocional
– Suscetibilidade à sugestão

• Caraterísticas da entrevista
– Evidência de questões sugestivas e coercivas
– Adequação da entrevista

• Motivação para falsos depoimentos


– Motivação das alegações
– Contexto da revelação inicial

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– Pressões para um relato falso

• Questões da investigação
– Consistência com as leis da natureza
– Consistências com outros relatos
– Consistência com outras evidências

AVALIAÇÃO E INTERVENÇÃO PSICOLÓGICA EM PROCESSOS TUTELARES


EDUCATIVOS

SISTEMA DE JUSTIÇA DE MENORES EM PORTUGAL

O SISTEMA ATUAL (DESDE 1999)

O Estado assume respostas diversificadas em função da diversidade das situações dos menores:

• Para os menores em perigo, o Estado assume uma resposta protetora e assistencial (Lei
de proteção de crianças e jovens em perigo).
• Para os menores delinquentes, o Estado assume uma intervenção que eduque o menor
para o respeito pelos valores e normas fundamentais da sociedade, identificadas pelos
valores e normas jurídico-penais (Lei tutelar educativa).

Por sua vez, o Estado mantém o limite de 16 anos para a imputabilidade penal. Assim, desde
1999, a lei tutelar educativa aplica-se a jovens infratores, de 12 a 16 anos, de atos que a lei
classifica como crime. Deste modo, abaixo de 12 anos os atos de natureza criminal praticados não
são alvo de ação tutelar educativa, mas eventualmente são alvo de intervenção protetora, enquanto
que acima dos 16 anos o jovem pode ser alvo de ação penal, embora se deva aplicar o regime
especial para jovens adultos (até aos 21 anos). Para além disso, todos os menores em perigo, mas
que não pratiquem ato classificado como crime, são alvo da Lei de proteção de crianças e jovens
em perigo.

A LEI TUTELAR EDUCATIVA (LEI 166/99, DE 14 DE SETEMBRO)

A Lei procura conciliar proteção e justiça, assumindo a responsabilidade do menor e a vertente


educativa.

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Assim, a intervenção estatal só se justifica pela prática de um facto qualificado como crime
(ofensa a bem jurídico essencial) e pela necessidade de educação do menor para o respeito pelos
valores mínimos essenciais para a vida em comunidade (o controverso conceito de educação para
o direito).

Deste modo, é na aferição desta dupla condição que o Estado encontra legitimidade de intervir,
mesmo contra a vontade dos pais e/ou do menor.

Assim, as medidas tutelares, visando a educação do menor para o direito e a sua inserção, de
forma digna e responsável, na vida da comunidade, são as seguintes:

• Admoestação
• Privação de conduzir ciclomotores ou de obter permissão de condução de ciclomotores
• Reparação ao ofendido
• Realização de prestações económicas ou de tarefas a favor da comunidade
• Imposição de regras de conduta
• Imposição de obrigações
• Frequência de programas formativos
• Acompanhamento educativo
• Internamento em centro educativo (em regime aberto, semiaberto ou fechado)

ASSESSORIA TÉCNICA A TRIBUNAIS EM PROCESSOS TUTELARES


EDUCATIVOS

INSTRUMENTOS

Para comunicar com os tribunais temos vários instrumentos:

• A informação social (artº 71 da LTE).


• O relatório social (artº 71 da LTE).
• O relatório social com avaliação psicológica (não tem o estatuto de perícia) é obrigatório
quando for de aplicar aplica medida de internamento em regime aberto e semiaberto,
devendo ser apresentado em 30 dias (artº 71 da LTE).
• A perícia sobre a personalidade é ordenada quando for de aplicar medida de internamento
em regime fechado, devendo esta ser apresentada em 60 dias (artº 69 da LTE).

Todos estes instrumentos são meios de obtenção de prova que visam auxiliar no conhecimento da
personalidade do menor, incluída a sua conduta e inserção socioeconómica, educativa e familiar.

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Ciências Forenses II | Margarida Oliveira e Tânia Soares

FASE PÓS-SENTENCIAL

Há a assessoria técnica a tribunais, nesta fase, na execução de medidas tutelares institucionais e


na execução medidas tutelares não institucionais (particularmente nos acompanhamentos
educativos).

Assim, o plano educativo pessoal (PEP) elaborado pelos serviços de reinserção social (validado
pelo Tribunal) deve ser executado com o menor, procurando-se sempre a sua adesão ao programa
de “tratamento” delineado. Este plano educativo pessoal deve ter em conta o comportamento
delituoso, as atitudes/motivação para a mudança, as competências pessoais e sociais e o
enquadramento socioeducativo.

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