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AVALIANDO O TDAH
A psicopatologia da atenção tem sido pouco valorizada, assim como o fato de que a
maior parte dos transtornos psiquiátricos cursa com alterações da atenção. A própria
natureza do processo atencional raramente é discutida no nível clínico, e muita gente
fala de déficit de atenção sem sequer ter uma idéia clara do que seja, realmente, a
atenção. Critérios puramente comportamentais são utilizados para o diagnóstico, sem
levar em conta as funções neuropsicológicas essenciais que estão na pauta. Em nossa
clínica vimos casos de suposto déficit - diagnosticados pelo comportamento - nos quais
havia deficiência de tudo, menos de atenção.
Seria obviamente ridículo, por exemplo, que os indivíduos com suspeita de surdez
tivessem que ser avaliados pelo seu comportamento, e não pela deficiência específica
que supostamente teriam. Imaginemos que as suas atitudes fossem computadas numa
tabelinha, e a audiometria fosse sumariamente deixada de lado. Mas isso é o que
acontece rotineiramente no caso do TDAH.
Para fomentar essa discussão, transcrevemos a seguir um estudo clínico, com o objetivo
de mostrar, através da descrição de dois casos da nossa prática diária, a essencialidade
da adequada avaliação neuropsicológica para o diagnóstico do TDAH.
Considera-se nele que o diagnóstico deve ser essencialmente clínico, o que significa que
não poderia ser feito isoladamente por nenhuma escala ou teste. Leva-se em conta que o
processo da atenção envolve uma interação complexa de funções e o déficit consiste
num quadro sindrômico, e não em uma doença específica. Além disso, em termos
nosológicos a deficiência atencional pode se manifestar como um quadro primário ou
como um sintoma secundário a vários distúrbios e circunstâncias. Por conta dessa
diferença essencial entre os sintomas comportamentais e as manifestações
essencialmente cognitivas são constatadas freqüentes contradições entre as avaliações
realizadas a partir do uso de escalas específicas como a de Benczik ou os critérios do
DSM IV e aquelas baseadas exclusivamente em critérios neuropsicológicos, como os do
WISC-III.
A AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA E O DIAGNÓSTICO DO TDAH
Introdução
Consideramos que o diagnóstico deve ser essencialmente clínico, o que significa que
não pode ser feito isoladamente por nenhuma escala ou teste. Somente uma avaliação
adequada, juntamente com os exames complementares e demais dados colhidos com o
paciente pode constatar a existência ou não do transtorno. Mesmo sendo inegável que
muitas crianças apresentem esse quadro – quando apropriadamente diagnosticado –
devemos levar em conta que, numa visão psicopatológica mais ampla, o processo da
atenção envolve uma interação complexa de funções, e que o déficit consiste num
quadro sindrômico, e não em uma doença específica. Assim, o déficit de atenção pode
se manifestar como um sintoma secundário a vários distúrbios e circunstâncias, e não
apenas como um transtorno primário. A dinâmica familiar, por exemplo, muitas vezes
com excessos de preocupações e eventuais conflitos, produz um impacto negativo no
desenvolvimento destas crianças levando-as a sentimentos de inadequação e
insegurança. Assim, consideramos que é imprescindível no estabelecimento de uma
estratégia terapêutica, determinar se há comorbidade com outros déficits cognitivos ou
transtornos específicos do aprendizado. O objetivo deste trabalho consiste em mostrar,
através de dois casos clínicos, a contribuição da avaliação neuropsicológica para o
diagnóstico do TDAH.
O diagnóstico do TDAH
A atenção funciona como “porta de entrada” para os estímulos, que são necessários na
aquisição desde a linguagem oral, no inicio do desenvolvimento, até nas mais diversas e
complexas habilidades comunicativas, que fazem com que a interação do individuo com
seu ambiente seja adequada; é a chamada competência comunicativa, que é a esfera
mais comprometida no TDAH. O uso da linguagem pode ser considerado como um dos
componentes auxiliares na auto-regulação do comportamento que, paulatinamente, vai
evoluindo de estímulos sensoriais até o pleno desenvolvimento maturacional da
linguagem em sua expressividade e em sua compreensibilidade, como ferramentas para
gerenciar, organizar e planejar o comportamento, conseguindo manter a atenção e
controlando a impulsividade. E, como se sabe, os portadores de TDAH se beneficiam do
uso de estratégias verbais para desenvolver um auto-controle. Se a atenção interfere na
memória, esta, quando em comprometimento, também afetará todo o processo de
aprendizagem, inclusive o da linguagem. Na matemática, nos cálculos das operações
aritméticas, as alterações de atenção e das funções executivas do TDAH podem induzir
a erros como: inverter números de uma seqüência (136 ao invés de 163) apresentar
disgrafia no desenho do algarismo; esquecer de contar os reagrupamentos feitos na
adição e na multiplicação, ou então, esquecer de descontar os empréstimos na subtração;
ter dificuldade na sistematização na técnica e nas regras da divisão; não perceber dados
essenciais em enunciados matemáticos; ter dificuldade em selecionar o que deve ser
feito, inicialmente, em soluções que envolvem vários cálculos; ter comprometimento na
execução de expressões numéricas e polinômios pela desorganização espacial, pela
omissão de sinais, pela inversão da ordem, pela dificuldade no planejamento mental; ter
dificuldade em cálculo mental e na lentidão para evocação da tabuada. Quanto a estes
dois últimos fatores descritos, deve-se alertar aos educadores de que exigir cálculo
mental rápido e eficaz, em crianças com DA, é um gasto de energia e um desgaste na
relação professor-aluno desnecessário.
Para Pacheco “... desatenção é um sintoma primário para o TDAH, mas secundário a
vários outros como: Distúrbios Específicos de Aprendizagem, Transtornos de Humor,
Quadros Epilépticos, Transtornos Ansiosos, Alterações Neuroendócrinas, Reações de
Estresse Emocional, Atrasos no Desenvolvimento, Deficiências Mentais, Síndrome de
Tourette, Espectrum Autista, Traumatismos Crânio Encefálicos...”. Há que se ter o
cuidado com o diagnóstico diferencial, pois tem sido muito freqüente recebermos, para
avaliação, crianças e jovens com hipótese diagnóstica para TDAH, quando, em
realidade, o transtorno principal é outro, embora possamos identificar déficits atentivos.
Os comprometimentos e impactos na vida do paciente são, da mesma forma,
prejudiciais, o que reforça a idéia de serem avaliados, para que as intervenções
necessárias sejam tomadas com o intuito de minimizar as alterações psicopatológicas. É
preciso lembrar que comorbidades podem ocorrer, mas deve-se sempre ter o cuidado
necessário para não ampliar demais o leque de patologias associadas.
Quanto ao perfil emocional, sabe-se que o TDAH, freqüentemente, ocorre em
associação com outros transtornos psiquiátricos, existindo uma alta porcentagem (75%)
de escolares com outras desordens psiquiátricas. Realmente, uma taxa muito alta, que
sugere uma certa reflexão e que, clinicamente, inquieta e, ao mesmo tempo, estimula
para que se questione se tantas comorbidades podem estar associadas ao TDAH, ou não
seria este, em alguns casos, um primeiro diagnóstico, que no desenvolvimento
sintomático vai se caracterizando e se configurando como uma outra desordem e não
uma comorbidade. Ou então, uma resposta relativa frente às situações de conflito, de
impacto e de vivências de fracasso e de baixa auto-estima que podem ser secundárias
frente ao desajuste causado pelo TDAH.
WISC-III
ESCORE
O déficit de atenção não se evidencia pelos critérios neuropsicológicos face aos seus
resultados satisfatórios obtidos nos subtestes códigos (percentil 40), completar figuras
(percentil 99), dígitos (percentil 84) e aritmética (percentil 75) no WISC-III que se
correlacionam especialmente com TDAH (Seidman e cols., 1997; Pine e cols.,1999;
Guardiola,1994), assim com o seu resultado classificado como médio superior no fator
distraibilidade que avalia atenção e concentração. Como reforçadores do diagnóstico
temos a avaliação baseada nos critérios do DSM IV, na qual Pedro não atende aos
critérios para o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH), em nenhuma
de suas tipologias. Na escala Benczik, a avaliação da professora indicou ausência de
problemas de aprendizagem e de comportamento anti-social, mas revelou resultados
acima da expectativa para a sua faixa etária e sexo – embora não se refira ao transtorno
– nas áreas de Déficit de Atenção (percentil 80) e Hiperatividade (percentil 75).
Personalidade
Síntese
Pedro é uma criança cuja capacidade intelectual situa-se bem acima da média quando
comparada à do seu grupo padrão, tanto na dimensão verbal quanto manipulativa. Esse
fato contribuiu para que tenha desenvolvido necessidades especiais, assim como um
nível elevado de interesse e curiosidade, com um padrão de percepção crítica da
realidade – seja física ou social – um tanto diferenciado da média para sua faixa etária.
Vale ressaltar que na avaliação nãoencontramos indícios que pudessem constatar a
presença de TDA/H, nem qualquer outro tipo de distúrbio, seja cognitivo ou
psicoafetivo. Até porque o bom desempenho escolar apresentado, coerente com os seus
resultados nos testes, torna essa hipótese pouco provável. Com relação ao seu
desenvolvimento intelectual e educacional entendemos que a abordagem pedagógica
institucional atual não se acha em condições de atender adequadamente às necessidades
de suas altas habilidades cognitivas, considerando o seu grau de maturidade emocional e
a sua dinâmica de personalidade. Nesse sentido, é possível que o comportamento
avaliado na escola (Déficit de Atenção) esteja refletindo uma certa frustração por parte
de Pedro com relação ao que lhe é disponibilizado, tanto do ponto de vista social e
cultural como intelectual. Embora nenhum transtorno específico tenha sido
caracterizado na avaliação, os dados projetivos e relacionais nos permitem entender que
as vicissitudes da dinâmica familiar, cujo núcleo se mostra em uma posição de claro
desequilíbrio – com uma figura materna em situação insatisfatória e uma imagem
paterna em papel francamente esvaziado e alijado do centro de decisões – possam se
constituir num importante elemento causal. É provável que essa precariedade no
equilíbrio afetivo familiar – com excessos de preocupações e eventuais conflitos – possa
estar tendo um impacto emocional no desenvolvimento de Pedro, levando-o a
sentimentos de inadequação e insegurança (ainda que não significativos), com
conseqüências comportamentais importantes, conforme apontado pela avaliação da
professora. Assim, sugerimos orientação familiar, possivelmente seguida de uma
psicoterapia no sentido de se elaborar melhor os impasses e pendências emocionais nas
relações familiares.
WISC-III
ESCORE
QI VERBAL 40 87 20 Médio-inferior
QI DE EXECUÇÃO 33 76 5 Limítrofe
QI TOTAL 73 80 10 Médio-inferior
- Discrepância não significativa entre os aspectos verbais e não verbais. QIV-QIE = 7
Avaliação
O diagnóstico do TDAH
Personalidade
Síntese
Considerações Finais
Por fim, não podemos descartar como hipótese diagnóstica – ainda que não tão
freqüente – dos quadros em que a função atencional das crianças encontra-se
primariamente desequilibrada, e são exatamente essas as que respondem melhor à
terapias específicas. No entanto, são minoria, face à grande demanda dos quadros
ansiosos, depressivos e deficitários. Como a mídia vem tendendo a divulgar a versão de
que o TDA/H seria uma doença cerebral específica cujo tratamento se daria quase que
exclusivamente através de drogas, tende a criar nas famílias e nos agentes da escola uma
forte expectativa de resolver a questão do baixo desempenho escolar de forma
imediatista e simplória.
Referências Bibliográficas:
REITAN R.M. (1992) Trail Making Test - Manual for Administration and
Scoring, Arizona: Reitan Neuropsycology Laboratory.