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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL - UNIJUÍ

GIRLYANNIE PAZ MORAIS BONIATTI

A ESTIMULAÇÃO PRECOCE NA CLÍNICA PSICANALÍTICA

IJUÍ
2016
GIRLYANNIE PAZ MORAIS BONIATTI

A ESTIMULAÇÃO PRECOCE NA CLÍNICA PSICANALÍTICA

Trabalho de Conclusão de Curso,


apresentado ao Curso de Psicologia da
Universidade do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito
parcial para obtenção do título de Bacharel
em Psicologia.

Orientadora: Prof. Ms. Ana Maria de Souza Dias

Ijuí
2016
UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul

DHE – Departamento de Humanidades e Educação

A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova o Trabalho de Conclusão de


Curso

A ESTIMULAÇÃO PRECOCE NA CLÍNICA PSICANALÍTICA

Elaborado por

GIRLYANNIE PAZ MORAIS BONIATTI

Como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Psicologia

Comissão examinadora

Prof. Ms. Ana Maria de Souza Dias (Orientador) – DHE/UNIJUÍ

Prof. Ms. Kenia Spolti Freire – DHE/UNIJUÍ

Ijuí, RS, 22 de dezembro de 2016.


AGRADECIMENTOS

Primeiramente à Deus que permitiu que tudo isso acontecesse “no Seu
Tempo”, ao longo de minha vida e não somente nestes anos como universitária, mas
que é o maior Psicólogo que já existiu.

Ao meu amado esposo Régis e nossas princesas Nicole e Emily pela


paciência nos momentos de minha ausência, palavras de apoio, carinho, pela
oportunidade assinalada quanto a publicação de um artigo e pelas orações que me
fortaleceram a cada dia, também por acreditarem em mim. Pelos momentos de
escape, para repor energias, cada sorriso, cada abraço, cada cartãozinho de minhas
princesas em demonstração de carinho, me trazendo paz e alegria.

Aos meus pais Natalino e Dinair e meus manos Kirliel e Débora, que ao longo
desses 16 (dezesseis) anos em formação, sempre estiveram ao meu lado com
palavras de incentivo e apoiando todas as minhas decisões, orações e força nos
tempos difíceis e por acreditarem que eu chegaria ao fim. Agora também não
esquecendo de Yanni e Emmanuelle que trazem alegria à nossa família.

Aos meus tios Edgar e Roseli por me acolherem em sua casa, como filha para
uma etapa deste curso poder ser executada. Cada momento de apoio, conversas,
orações, me auxiliaram muito. Aos primos Delano e Delanise que sempre carinhosos
me mostraram o amor de Deus em olhar, gestos e atitudes.

Aos queridos Cézar e Márcia por todo o carinho e apoio que foi muito
importante.

Agradeço também a Bisa Ceni pelo carinho com as meninas nestes dois
anos, cuidando delas nos momentos que eu mais precisava.

À minha orientadora Ana Dias, por cada detalhe observado no decorrer das
supervisões e que fundamentaram minha escrita. Cada intervenção sua me levou a
caminhos distintos para chegar a minha escrita.

À Julieta Jerusalinsky que aceitando nosso convite para uma Conferência


Psicanalítica em nossa universidade, instigou o tema em meus pensamentos, cada
frase escutada neste dia e no seguinte, sustentaram minha escolha e deram direção
à minha pesquisa.

À todos os colegas que teceram comigo essa teia de conhecimentos, em


especial a Pati Duarte que foi apoio nesse momento angustiante da escrita e
organização deste trabalho.
RESUMO

O presente trabalho reflete a importância da estimulação precoce na clínica


psicanalítica. A escolha desse tema acontece a partir de elementos que surgiram na
prática da clínica-escola durante o atendimento a crianças pequenas. Após
transcorrer a constituição psíquica a partir de autores como Freud, Lacan, Julieta e
Alfredo Jerusalinsky, entre outros, faz-se um recorte histórico que situará o início da
multidisciplina como campo de atuação em psicanálise com bebês e crianças
pequenas. Logo após, o texto discorre sobre a clínica que prioriza as questões de
ordem estrutural, então apontando para intervenções em problemas constitutivos
que podem ser passíveis de mudanças antes da patologia se instaurar
completamente. Seguindo o método qualitativo, o estudo se deu através de uma
revisão de literatura sobre o tema, embasado na teoria psicanalítica, a partir da qual
é possível considerar uma intervenção na constituição psíquica da criança se a
intervenção acontecer antes dos 3 anos de idade.

Palavras-chaves: Estimulação Precoce; Constituição Psíquica; Psicanálise; Bebês


e Crianças pequenas
ABSTRACT

The present work reflects the importance of early stimulation in the psychoanalytic
clinic. The choice of this theme happens from elements that arose in the practice of
the school-clinic during the care of small children. After the psychic constitution has
passed from authors such as Freud, Lacan, Julieta and Alfredo Jerusalinsky, among
others, a historical review is made that will situate the beginning of the multidiscipline
as a field of action in psychoanalysis with infants and young children. Soon after, the
text discusses the clinic that prioritizes the structural questions, then pointing to
interventions in constitutive problems that may be amenable to changes before the
pathology completely establishes itself. Following the qualitative method, the study
was carried out through a literature review based on psychoanalytic theory, from
which it is possible to consider an intervention in the psychic constitution of the child
if the intervention happens before the age of 3 years

Keywords: Early Stimulation; Psychic Constitution; Psychoanalysis; Babies and


Toddlers.
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 9
1. A CONSTITUIÇÃO PSÍQUICA DO SUJEITO EM PSICANÁLISE ..................... 10
2. A INTERVENÇÃO PRECOCE NA CLÍNICA PSICANALÍTICA ......................... 21
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 29
4. REFERÊNCIAS .................................................................................................. 30
9

INTRODUÇÃO

A proposição deste trabalho visa desenvolver questões no que concerne à


constituição psíquica do sujeito em psicanálise a estimulação precoce na clínica com
bebês e crianças pequenas, levando em consideração a importância deste tema
para o trabalho de um psicólogo.

O tema em questão surgiu a partir de uma experiência no estágio da clínica,


como terapeuta-estagiária, e se intensificou durante a conferência psicanalítica com
a psicanalista Julieta Jerusalinsky, durante a semana acadêmica de psicologia em
junho de 2016.

Foi vivendo essa experiência juntamente com outras na clínica, que pude
atravessar os conceitos e definir qual seria então o ponto discorrido durante esta
pesquisa bibliográfica, que será embasada na teoria psicanalítica.

No primeiro capítulo, a abordagem será a constituição psíquica do sujeito em


psicanálise, perpassando pela diferença entre desenvolvimento e constituição do
sujeito, trazendo também um contraponto de instinto e pulsão, passando pelo
narcisismo, estádio do espelho, a questão edípica e chegando ao nascimento do
sujeito.

No segundo capítulo, o questionamento ficará em torno do bebê e da


estimulação precoce, uma proposição da clínica psicanalítica.

A partir de clássicos como Freud contemporâneos como Julieta e Alfredo


Jerusalinsky e outros psicanalistas discorre-se na pesquisa bibliográfica para
aproximar a teoria da prática na clínica com bebês e crianças pequenas.
10

1. A CONSTITUIÇÃO PSÍQUICA DO SUJEITO EM PSICANÁLISE

Quando fala-se em constituir, logo surge em mente algo que não está pronto,
algo que não está dado ou biologicamente pré-estabelecido, mas sim precisa se
constituir a partir do Outro.

Ricardo e Mariza Rodulfo (1990) em: O Brincar e o Significante: um estudo


psicanalítico sobre a constituição precoce, falam da importância desse Outro
Primordial com destaque no Outro Primordial do mito familiar, seria esse o lugar
disparador das funções subjetivas, ou seja, o que é que do mito familiar impera
neste primeiro tempo que é revelador de um lugar para esta criança nesta família.
Os autores dão dá importância para o que se destaca desse mito familiar que se
coloca como referência de Outro para a criança se espelhar. Seria esse Outro
primordial o mito familiar, o primeiro lugar através do qual se exercem funções que
disparam a constituição psíquica, destacando ainda as primeiras experiências da
criança com o Outro materno, que inauguram, dessa forma, a relação com o objeto.

Em psicanálise, estuda-se que para se constituir, um sujeito precisa da


presença do Outro, alguém que represente e encarne a função materna. Para que
um processo de desenvolvimento se inicie, é necessário estar em questão o desejo
desse Outro materno, que vai fornecer elementos para esse sujeito se estabelecer e
iniciar um reconhecimento de sua estrutura subjetiva.

Constituir lembra construir, sendo assim, diferente dos animais onde seu
instinto é pré-determinado biologicamente e não se pode modificar, como escreve
Jerusalinsky (1999) em seu texto Falar uma criança, ao oferecer a um macaco bebê
uma banana, ele pode demorar para abrir, mas instintivamente sabe que é um
alimento e o leva até a boca pois de maneira instintiva sabe que se trata de um
alimento.

Já em outro texto, Desenvolvimento e Psicanálise, Jerusalinsky (1999), faz a


diferenciação de instinto e pulsão, acrescentando que ao observarmos um animal, o
objeto e a ação estão ligados à satisfação da necessidade, esse instinto é
transmitido ou pré-inscrito hereditariamente em seu sistema nervoso. No ser
11

humano, esse campo está completamente indefinido, o campo instintivo é reduzido a


ritmos biológicos. Segundo o autor, essa insuficiência deixa espaço para uma
dimensão psíquica - a pulsão. Para que a pulsão seja articulada como
representante, é necessária a intervenção do semelhante que vem trabalhar com
esse mal-estar do bebê. Logo, o papel do semelhante não é imaginário como em
espécies animais, mas sim, significante.

Com palavras de Alfredo Jerusalinsky:

Inclusive esse imaginário, no humano, dependerá do outro, porque de


acordo com o que o Outro deseje, o que psicologicamente se constituirá
como imago do objeto faltante será essencialmente diferente. Ocorre que
frente a um Real que o arrasta para um mal-estar de lugar vazio de objeto, a
única possibilidade que se oferece ao bebê é desejar o que o Outro deseja
nele (pois para isso o engendrou). Outro que, então, não opera uma
imagem sobre ele, mas sim um discurso. E esta a dimensão na qual o
semelhante não se oferece tão-somente como imagem especular, oferece-
se sim referido a outro lugar: o lugar desde onde esse semelhante procura
incessantemente recobrir o que no Real permanece sempre aberto, a saber:
o objeto. (JERUSALINSKY, 1999, p.26)

O mundo é transformado pela cultura, que por sua vez é construída por
palavras: os registros simbólicos têm significação, valor, uma história. Um bebê é
recebido neste mundo simbólico antes mesmo de nascer. Os pais desenvolvem um
pensamento sobre esse bebê, escolhendo suas roupas, preparando um enxoval,
preparando um quarto, dando um lugar no mundo real para aquele que ainda está
no mundo simbólico. A escolha do nome, as cores da decoração do quarto, todos
esses aspectos são da cultura familiar.

Ao nascer então, esse bebê vai encontrar um lugar e também vai se encontrar
com uma estrutura de linguagem, um lugar nesse mundo que já começou. Leda
Bernardino (2008) escreve:

Ele nasce e já encontra toda essa organização cultural pronta, à espera


dele, e essa organização que já está pronta à sua espera é o que vai ter
que ser incorporado por ele, para atuar na organização do seu corpo e na
constituição do seu psiquismo. O corpinho do bebê – sua aparelhagem
biológica, seu sistema nervoso central – vai se encontrar com esses
aspectos culturais, com essa estrutura simbólica que pré-existe à ele. Seu
psiquismo vai surgir desse encontro”. (BERNARDINO, 2008, p.59)

Esse encontro não pode ser automático, muito menos técnico, não podemos
esperar que a criança saia em busca de seu próprio alimento como os animais o
fazem. A criança necessita da intervenção do Outro. É necessário que algumas
funções essenciais de humanização, basicamente: função materna e função
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paterna, independente de quem as cumpra, é necessário que elas sejam


instauradas e cumpridas.

A primeira delas é a função materna, responsável pelos cuidados básicos


para que o bebê sobreviva, não somente uma sobrevivência física, já que esse bebê
é extremamente dependente em seus cuidados básicos. Todavia para sua
sobrevivência psíquica, é necessário algo a mais do que satisfazer suas
necessidades biológicas, é necessário que essa mãe dê uma significação a cada
parte do corpo desse bebê, falando com ele em seus cuidados, usando entonação
de voz para mostrar sentimentos e estados psíquicos. Normalmente as mães já o
fazem, o que acontece quando uma patologia se instaura, é que isso se
problematiza na relação mãe-bebê.

Sabe-se que as mães estabelecem uma relação afetiva com seu bebê,
dialogando com eles nos cuidados básicos, olhando-os nos olhos no momento da
amamentação, dando um colo aconchegante onde ele se sinta contido, seguros de
maneira agradável. Isso que vai além do que permite a sobrevivência física, é o que
vai permitir a constituição. A mãe, lhe oferece esse olhar, essas palavras, toques
carinhosos num vai-e-vem de presenças e ausências, nesse sentido produzindo
inscrições psíquicas dessas experiências numa vida mental. Além dessas
experiências de satisfação de necessidade, tem uma conotação de significados, o
outro materno então passa para ele experiências boas e ruins, nesse sentido, o
bebê desenvolve em termos físicos e se estrutura em termos mentais.

Para que uma mãe consiga estabelecer esse laço com seu bebê, é
necessário que ela esteja presente nessa relação, não só com seu corpo, mas
também com seu desejo, para o que parece ser somente da ordem da necessidade,
passe a ter uma significação maior de vivência prazerosa e simbólica de
reconhecimento. Ao mesmo tempo que ela o alimenta, também o reconhece como
seu filho e se reconhece nessa nova função, nesse novo lugar, o lugar de mãe.

Nesse sentido, a mãe como Outro primordial, se esforça para fazer as


representações e costuras necessárias, recobrindo o que aparece sempre como
uma abertura, buracos esses que a chamam para um preenchimento, marcas
simbólicas que a mãe ou quem exerça essa função, inscreve neles, criando assim a
13

borda do objeto que permanecerá vazio, que só será preenchido no caso de uma
psicose se instaurar.

Segundo Jerusalinsky (1999), ao falar de uma criança entre 10 e 12 meses de


idade, a qual se transforma em verdadeira exploradora do ambiente, abrindo
gavetas, tirando objetos, afirma que

[...] a criança que se constitui em sujeito desejante se deterá, antes ou


depois de extraí-los de seu buraco, nelas, nessas coisas, analisando-as
como que colocando um interrogante em cima (JERUSALINSKY, 1999,
p.27).

Freud em Além do Princípio do Prazer (1920/1996), traz um exemplo modelo


disso, o Fort-Da do brincar da criança com o carretel, na ausência de sua mãe, no
princípio de descontinuidade do significante, como aponta Jerusalinsky (1999, p.27),
que seria pela criança trabalhar essa estrutura que faz da ausência da coisa, uma
possibilidade de se tornar sujeito, nesse sentido então seu olhar passa a investigar e
suas mãos passam a experimentar. Freud (1920/1996), relata um princípio de
prazer, que poderia ser tomado como um princípio de constância, seria então a
tendência de manter constante a excitação intracerebral, onde a presença da mãe
seria o momento de prazer e sua ausência, o momento de desprazer, nesse
princípio de constância, a criança manteria esse estado de prazer na ausência da
mãe, entendendo que sua ausência é temporária.

Quando o bebê perpassa por esse jogo de ausência-presença, entende-se


que o Outro operou uma separação que o distanciou de seu corpo real: “sua mãe
tomou seu cocô – como um presente, mas não o reteve; a canção e a modulação de
sua voz fizeram ausência em seus ouvidos” (JERUSALINSKY, 1999, p.27).

O corpo do bebê se organiza pelas marcas simbólicas esculpidas por sua


mãe ou quem exerça essa função. Sendo assim, o bebê não nasce com um corpo
construído, inicialmente é um pedaço de carne desorganizado. Ele não nasce com
os atributos necessários para sua sobrevivência individual, precisa ser sustentado
pelos significantes do Outro encarnado. A inserção do bebê no campo da linguagem
faz a condição humana em que o corpo enquanto órgão é subvertido pelo desejo. A
linguagem então surge dos significantes do Outro e transformam o que era
necessidade em demanda.
14

Um bebê é totalmente dependente, ele é desprovido de comportamentos fixos


que permitem uma rápida adaptação. Nesse momento, então, para organizar o
contato com o Outro (Função Materna), o qual entra em cena e organiza nessa
construção que nas outras espécies já estão prontas. De fato, a forma como se
organiza ou se dá a resolução edipiana na mãe, se articula e possibilita a ela
construir uma pré-história para o filho, falando da subjetividade da mãe e do lugar
que esse bebê vai ocupar. “A criança está presa nesta matriz simbólica, desde que
nasce é jogada nela. A matriz simbólica vai depender das tramas, das inserções da
cadeia significante com o discurso”. (JERUSALINSKY, 2000, p.11).

Julieta Jerusalinsky (2002), afirma que mesmo se na criança esteja em jogo


um sujeito em constituição, já há um sujeito do desejo ali que, a partir das marcas
primordiais, começou a tecer suas próprias respostas. Segundo a autora, é por meio
da fantasia materna que o bebê é sustentado em seu funcionamento pulsional.

Ainda Jerusalinsky (2002), vai falar sobre o bebê que ao nascer se depara
com uma estrutura simbólica que o antecede, ou seja, um lugar determinado
previamente a ele, seja pela cultura onde nasce, pelos modos pelos quais os laços
parentais se articulam ou pela posição na família, nome e outras
sobredeterminações simbólicas, é certo que, por não chegar ao mundo constituído,
é necessário um tempo para que esta estrutura simbólica produza inscrições
simbólicas nesse bebê.

Falando em constituição, deve-se lembrar que a sexualidade no humano não


é garantida por maturação biológica como em outras espécies, ela se articula em
dois tempos que são separados pelo período de latência. Segundo Jerusalinsky
(2002), no primeiro tempo, o que está implicado é a tramitação do complexo de
Édipo1, quando as posições, masculino e feminino, se decidem simbolicamente, em
tempo anterior a maturidade anatômica que permite a reprodução. É, então, no
segundo tempo que ocorre a puberdade, a qual dá acesso ao exercício sexual.

1Segundo Roudinesco (1998), O Complexo de Édipo é a representação inconsciente pela qual se


exprime o desejo sexual ou amoroso da criança pelo genitor do sexo oposto e sua hostilidade para
com o genitor do mesmo sexo. O complexo de édipo aparece entre os 3 e 5 anos e seu declínio
marca a entrada num período chamado de latência, com sua resolução após a puberdade.
15

Observa-se que quando a castração é operada de maneira inconsciente, tem


uma função central na constituição psíquica. Pois dela advém das escolhas
posteriores de objeto sexual.

Jerusalinsky (2002), situa o bebê considerando encontrar-se na pré-história


do sujeito da enunciação, tempo esse onde não se produziu nele a inscrição
simbólica. Será necessário, então, diferenciar a concepção do tempo de ser bebê
como uma pré-história do sujeito da enunciação à de toma-lo como tempo pré-
edípico (termo introduzido por Freud).

Supõe-se, então, que a função materna seja realizada por um Outro castrado,
alguém que está estruturado em torno da falta e, portanto, deseja. Esse Outro, toma
seu bebê como sendo um objeto de desejo que representa o que lhe falta. Sabe-se
que é necessária essa ilusão do corpo do bebê como objeto fálico, para que essa
relação tenha a ilusão de completude. Essa estrutura, então, aos poucos vai se
instalando no corpo do bebê, dando assim forma ao seu psiquismo. Um bebê, então,
está situado no primeiro tempo do complexo de Édipo: o de ser o falo da mãe. Essa
operação simbólica, da castração, permitirá que essa mãe invista falicamente em
seu bebê. Desse modo, a função paterna está desde o início, no laço da mãe com o
bebê.

A partir do segundo tempo do Édipo, o pai vai ocupar a posição de um rival


nessa relação dele com a mãe, o qual se colocará para impedir essa relação de
amor com a mãe, ele então (o pai), é porta-voz da ameaça de castração, onde a
criança supõe que ele é detentor do falo. No terceiro tempo, esse pai vai aparecer
como doador do falo, essa criança se inscreve na sexuação (no masculino),
rejeitando sua mãe e se identificando com o pai, para ser o portador do falo,
recalcando assim, a conflitiva edípica. Ou no lado feminino, reconhece-se como
castrada, identificando-se com a mãe, mesmo que ela não tenha o falo, vai saber
onde busca-lo, nesse momento, os homens passam a ser tomados como objetos de
amor, marcando assim a entrada no complexo de Édipo.

Rodulfo (1990) também aborda o grande mito da psicanálise: o Édipo. Da


mesma forma que o narcisismo vem resolver as questões do ser, o Édipo vem dar
respostas ao ser. Dessa forma, o Édipo se transforma numa via privilegiada de
acesso do sujeito a humanização. Na clínica psicanalítica, é importante observar-se
16

também como se deu a reconstrução do Édipo nas gerações anteriores. Foi a partir
deste sentido que Lacan afirmou a existência do Édipo antes do nascimento.

Sabe-se que para um bebê, a função paterna não é um suposto rival que
detém o falo, mas o laço dele com a mãe nunca é dual, pois não existe
complementariedade possível. Mesmo que no bebê a castração ainda não tenha se
inscrito, ele está sustentado pela estrutura edípica, mesmo ainda não se envolvendo
nos conflitos edípicos, já se depara com os efeitos advindos em seus pais. Logo, os
pais que sustentam e marcam as diferenças de menino e menina, pois esse bebê é
recebido a partir da fantasia materna e no melhor dos casos, do casal parental,
fantasias que ficam implicadas na constituição do laço conjugal e familiar.

Nesse momento, então, como um tempo lógico, ocorrem as primeiras


experiências da vida, inscrições que sucumbirão ao recalque primário, constituindo
assim, o núcleo do inconsciente, e estabelecendo no cerne do sujeito a marca do
que lhe é mais estranho, mesmo sendo familiar os dados que o constituem. É
necessário, então, um tempo, para que a estrutura que antecede um bebê inscreva
nele seus efeitos, dando lugar à constituição de um sujeito. Todo sujeito, para vir
como tal, terá que lidar com significantes de sua estrutura parental, mesmo que
ainda possa trilhar novas significações a partir dos significantes recebidos. É nos
tempos de criança que o sujeito começa a escrever suas próprias versões e
surpreender a todos.

Falando em corpo psíquico, não podemos deixar de lado o corpo biológico,


fato que envolve questões do desenvolvimento do bebê como: crescimento,
maturação e desenvolvimento. O primeiro se refere a aspectos quantitativos e de
proporções do organismo, mudanças corpóreas como peso, altura, perímetro
cefálico. O segundo é resultado desse processo de transformação do organismo. E
o terceiro, diz das transformações globais que inclui também os aspectos
psicológicos permitindo assim à criança realizar novas coisas, com habilidades cada
vez maiores.

Também há os aspectos estruturais e instrumentais, para entender o


desenvolvimento: os que fazem parte do sistema nervoso central são os aspectos
estruturais (aparelho biológico), sujeito psíquico e sujeito cognitivo como um sistema
diferenciado. O aparelho biológico, regula, impõe e amplia o campo dos
17

intercâmbios, bem como possibilita a existência. O sujeito psíquico se constitui sobre


esta base, cada gesto, palavra ou atos, dá lugar ao que nasce, esse lugar é o que
permite o bebê ser sujeito inscrito.

As ferramentas para a realização dos intercâmbios são os aspectos


instrumentais como a linguagem, a psicomotricidade, a aprendizagem entre outros.
Os primeiros recursos instrumentais a serem desenvolvidos pelo bebê são a partir
do Outro nos primeiros meses de vida.

Para que se relacione dentro de uma sociedade, uma cultura e sobreviva


nela, o bebê precisa do Outro, alguém que o receba e marque seu corpo para que
ele possa se desenvolver.

[...] uma criança nasce como um amontoado de músculos, nervos e


ossos. Nasce como um organismo, como um conjunto de partes que
concorrem para o mesmo fim: a manutenção da vida desse organismo.
Contudo sabemos que o ser humano ao nascer não dispõe de todos os
atributos necessários para manter a própria sobrevivência. Comparando-
o aos animais é sem dúvida o que leva mais tempo para adquirir certa
independência. (JERUSALINSKY, 1988, p.308).

A mãe ou quem se ocupe dessa função, é quem vai acolher esse bebê e
apresentar o mundo a ele. A falta da presença deste Outro, produz angústia no
bebê, pois seu corpo esfacelado precisa desse Outro para se constituir. Para
conquistar esse corpo, passa pela experiência de unificação com a imagem que a
mãe projeta como sendo deste bebê. Então, o momento do estádio do espelho é
fundamental, pois através desta identificação que irá constituir-se como corpo
unificado. Aos poucos então, o bebê vai aprendendo os objetos de sua cultura e se
utilizando deles como elementos de investigação intelectual ou mesmo para suas
brincadeiras, dirigidas pela lógica simbólico-imaginário, presentes no psiquismo
encarnados nas funções parentais.

É o Outro que inscreve o nascimento de um bebê. Esse Outro que representa


a imagem do corpo e do movimento, nomeando o destino do sujeito, através das
marcas simbólicas. A mãe representa, assim, um ritmo de ausências e presenças ao
cuidar, tocar, falar, olhar, amamentar, seduzindo assim seu bebê, mas dando a ele
condições de se reconhecer através de sua imagem e apropriar-se de seu corpo
como sendo diferente do Outro.
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No desenvolvimento, então, há uma articulação entre o preservar o


crescimento e impor simultaneamente sua estrutura. Sendo assim, na teoria
psicanalítica, o tempo necessário para a constituição do sujeito psíquico se dá na
ordem de tempo lógico e não do tempo cronológico, e vai depender também, do
lugar que o bebê ocupa no desejo do Outro. É necessário um reconhecimento para
que a criança produza, sendo impulsionada pelo desejo materno, esse banho de
linguagem se tornando um sujeito. Pode-se dizer então, que as funções do
organismo podem vir a se inscrever a partir do enlace com o Outro e com uma
cadeia significante.

Nessa cadeia, o sujeito do inconsciente, vai situar o objeto de satisfação


como perdido, lançando assim um exercício desejante, colocando-se em movimento
em cada zona erógena. Na medida em que o bebê se torna objeto de desejo da
mãe, esta produz em seus cuidados não só o objeto da função, mas sendo então um
objeto de gozo pela dimensão significante adquirida pelo bebê enquanto
representante nesse laço desejante. É no estádio do espelho que Lacan (1966/1998)
nos aponta, que permite a incorporação simbólica na constituição do sujeito. O olhar
do Outro, antecipa uma imagem única de seu corpo. Tal antecipação imaginária
produz uma tensão entre o que o bebê é e o que ele deveria ser. A função materna
deve então oferecer um espaço onde o bebê terá que se precipitar, se lançar e se
implicar como sujeito em uma realização. Sendo assim, ao bebê se implicar nessa
demanda, sua cadeia significante se desdobra na busca pela satisfação.

Entendendo então que o corpo se constrói a partir da pré-história do bebê e


se desenvolve sem sua própria escolha, este corpo depende do Outro para norteá-lo
e o subjetivar. Tal Outro, tem a função de apresentar o corpo ao bebê e transformá-
lo em um corpo erógeno e simbólico. Então, para poder significar algo, esse corpo
precisa ser atravessado pela linguagem, inscrevendo-se numa cadeia de
significantes, recebendo assim, elementos capazes de estabelecer um lugar para
iniciar-se na construção simbólica

Nasce como um organismo, mas por si só não se mantém. Assim


encontrará suas possibilidades de vir a ser apenas se alguém tomá-lo e
banhá-lo na linguagem, dando-lhe um nome inscrito simbolicamente
numa “cadeia significante”, tocando-lhe e interpretando-lhe na pura
indiferenciação. (GOULART, 1996, p. 13-14).
19

Então, mesmo antes de nascer, antes mesmo de existir no ventre de sua


mãe, o sujeito já é objeto de desejo no discurso, nas fantasias inconscientes
daqueles que produzem um laço parental em torno de quem se constitui uma
família.

O surgimento só é possível na relação mãe-bebê e no articular de quatro


operações que, segundo Jerusalinsky (2011) são: o estabelecimento da demanda,
correspondência entre as urgências vitais do bebê e o que a mãe significa; a
suposição do sujeito, quando a mãe supõe que o bebê resolva o enigma de seu
desejo; a alternância, quando a mãe se coloca como pura ausência ou pura
presença nos cuidados com a criança, um ritmo de presença e ausência; e por fim, a
alteridade, onde a mãe não toma mais o bebê como objeto de satisfação. A autora
do texto acrescenta que nessa relação primordial pode haver também impasses
durante a gestação ou nos primeiros meses, impasses estes que possam interferir
no seu desenvolvimento. Nessas circunstâncias, o bebê imaginado é colocado lado
a lado com o bebê real.

Em psicanálise também fala-se de uma outra função necessária para esse


processo de humanização, a função paterna. Essa função aparece num segundo
momento para a criança, mas inscrita na mãe já que é a condição para que esta
exerça a função materna. Sendo assim, tudo o que serve de referência terceira
nessa relação da mãe com seu bebê, chama-se de função paterna. Essa função faz
com que a mãe lembre que o bebê é um sujeito diferente dela e sobre o qual ela não
tem posse absoluta. Nesse sentido, a mãe começa a instaurar regras na
alimentação, não estando com seu corpo, seu seio, disponível a todo instante,
preparando assim alguém que já vai educar.

Quando uma mãe coloca essas regras, esses ritmos em seu bebê, de
alimentação, de sono, ela o está colocando em contato com o que é esperado dele
na cultura, o situando dentro desses valores simbólicos. A cada momento assim, ela
está se referindo a fatores externos a sua relação com seu bebê, está então se
referindo ao que chamamos de função paterna, ou seja, essa estrutura simbólica
que são as leis e normas, os costumes transmitidos nas gerações através da
linguagem que constitui a nossa cultura. Essa função permite a entrada de um
terceiro elemento rompendo essa dualidade mãe/bebê, o outro diferente da mãe,
20

essa função dá abertura ao mundo externo e faz com que a criança se interesse por
outras coisas.

A criança, passa então a internalizar essa estrutura simbólica apresentada


pelas funções primordiais. Assim, constituindo o seu psiquismo e lhe tornando aos
poucos, falante e desejante, se ocupando de uma posição de sujeito único, singular
e dono de sua história. Essa instância, será a base para esse sujeito montar sua
identidade e se posicionar frente a sociedade, escola, família e comunidade. É a
partir disso que vai ter sentido o mundo externo e o mundo interno, a partir dessa
série de operações psíquicas que vão atravessando os diferentes momentos do
desenvolvimento.

Sem essa instância, Leda Bernardino (2006) afirma que, pode-se encontrar
crianças com capacidades cognitivas, psicomotoras e mesmo afetivas, mas
desorganizadas, pois, embora repitam palavras, façam algumas coisas, não tem
acesso ao sentido para entender o mundo que as cerca.

Nesse sentido então percebe-se a necessidade de uma detecção precoce de


riscos psíquicos e devidos encaminhamentos para recolocar ou até mesmo instaurar
esse processo de humanização que corre o risco de não ocorrer pois está
paralisado. É esse o papel do psicanalista na clínica, fazer as palavras circularem,
“pois onde há palavras verdadeiras, efeitos subjetivos se produzem” (BERNARDINO,
2006 p.64).
21

2. A INTERVENÇÃO PRECOCE NA CLÍNICA PSICANALÍTICA

Observa-se que no centro Dra. Lydia Coriat2, em Buenos Aires e Porto Alegre,
tal tipo de intervenção sustenta-se pela prática interdisciplinar. De acordo com o
artigo: A relação mãe-bebê na estimulação precoce: um olhar psicanalítico de
Goretti, Almeida e Legnani (2014), a intervenção terapêutica ocorre quando a
espontaneidade do processo de desenvolvimento é interrompida por um acidente
patológico. Essa ótica de intervenção estimula as funções já existentes no sujeito, e
proporciona situações a partir do nível em que se encontram. Sendo assim, é
necessário conhecer a sequência do desenvolvimento, mesmo não sendo uma
técnica comportamentalista. Consiste em reconstruir, sustentar, ou substituir a
função materna, sendo o terapeuta um terceiro na relação mãe-bebê. Neste método,
a escuta psicanalítica transpassa todo o tratamento, não há intervenções
psicoterapêuticas e, por isso, a estimulação precoce que segue esse modelo não é
uma psicanálise com bebês.

Mesmo sendo uma clínica interdisciplinar, adota-se um terapeuta único nas


intervenções diretas, pois entende-se que até os três anos de idade o
desenvolvimento da criança ainda não tem uma diferenciação instrumental. Somente
após essa idade, já havendo uma complicação da organização funcional da criança,
passa a necessitar de profissionais específicos, para cada necessidade. A
intervenção coloca o orgânico como limite e não como causa. Não é o diagnóstico
que discrimina essa prática de outras de estimulação precoce. O profissional de
transferência com os pais conduzirá o tratamento, pois nesse modelo de clínica, não
existe hierarquia.

Segundo Alfredo Jerusalinsky (1998), a Dra. Lydia F. de Coriat foi quem


começou uma clínica interdisciplinar, que abriu caminhos para que concepções
neuropsiquiátricas imperantes fossem atravessadas por uma psicopatologia e
prática psicanalítica.

2
Segundo o site www.lydiacoriat.com.br , o Centro Lydia Coriat é uma clínica interdisciplinar especializada em
diagnóstico e tratamento dos problemas do desenvolvimento na infância e adolescência.
22

Ao mesmo tempo em que o número de disciplinas que se ocupavam da


infância e se propunham à cura surgiam, surgia a diferenciação das funções
afetadas e as causas iam sendo investigadas se somando as especialidades. Desse
modo, segundo Jerusalinsky (1998) se multiplicavam as intervenções, supondo que
sua adição sistemática contribuía para completar o quadro da normalidade. Eis
então, a origem da multidisciplinariedade na clínica.

De acordo com Jerusalinsky (1998), nas décadas de 60 e 70, era comum


encontrar crianças que recebiam conjuntamente cinco, seis ou até mais tratamentos.
Cada terapeuta fazia a sua parte, a criança raramente conseguia juntar todas. Essa
fragmentação imaginária, trazia consequências simbólicas, em outras palavras, a
criança, enquanto sujeito, se confundia com tantos discursos, e essa cadeia de
discursos, não constituía nela um sistema de significantes, levando em
consideração, que tamanha a gravidade de alguns casos, os pais já tinham
fracassado em exercer um saber sobre essa criança. Alfredo Jerusalinsky então
explica os passos iniciais instituídos por ele e a Dra. Lydia Coriat:

Um dos primeiros passos para reduzir este grande número de


competências de saberes (em ambos os sentidos), foi a proposta que
formulamos a partir de 1973, conjuntamente com a Dra. Lydia Coriat, de
trabalhar de forma interdisciplinar para decidir sobre as estratégias
terapêuticas. Mas esta proposição nos confrontou imediatamente com
duas questões peremptórias. A primeira, que era impossível conservar a
equivalência absoluta e a independência recíproca dos discursos
técnicos-científicos (critérios próprios da multidisciplinar), porque isso
impedia efetivar uma estratégia terapêutica que reduzisse o quadro de
operadores. A segunda, que a ampla proporção de bebês e crianças
pequenas que chegavam a nossas consultas se mostrava especialmente
sensível às consequências iatrogênicas da metodologia muldisciplinar.
(JERUSALINSKY, 1998, p. 36)

Houve outra confrontação na prática com bebês, pois certamente eles eram
os mais prejudicados com essa multiplicação de especialistas ao seu redor. Havia
um embate entre os especialistas para determinar quem deteria a autoridade para a
criação da criança. Os pais, em casos graves, ficavam totalmente de fora do saber.

Jerusalinsky (1998) aponta que em se tratando de bebês ou de crianças que


estão atravessando o momento de inscrição das formulações fantasmáticas
primordiais, que vão instalar e oferecer o código de todo o deciframento posterior, a
qual essa criança poderá realizar com o mundo; a preservação da unicidade (no
sentido de único, singular e não de unido) de tal código é essencial.
23

Nos tratamentos que até então vinham sendo realizados, os códigos da língua
fragmentados em tantos pedaços quando os terapeutas intervinham, dificultavam o
entendimento dos pais em relação às questões ali apresentadas. Logo, eles pouco
ou nada participavam. A consequência dessa fragmentação gerava condições mais
propícias para se instaurar a psicose. A estruturação da filiação, a sexuação 3 e as
identificações no plano simbólico também entravam em risco, levando em
consideração o pouco ou nenhum entendimento dos pais nas questões de seus
filhos, lançando-os numa fragmentação imaginária ou indiferenciação real. Os
reflexos disso eram observadas na clínica.

Profissionais de algumas áreas como: psicomotricidade, fonoaudiologia,


psicopedagogia, fisioterapia, psicologia entre outros, atuavam numa perspectiva
instrumental e estrutural em alguns centros, de maneira interdisciplinar, ou ainda
transdisciplinar, para auxiliar nos problemas de desenvolvimento perceptíveis. Esses
dois aspectos – estruturais e instrumentais – estão juntos em um processo único e
que vão dissociar-se na medida em que o bebê vai crescendo, desde que a criança
tenha mais de 3 anos.

Antes de 3 anos de idade, a mãe em sua função, não é somente quem


procria, mas ela também sustenta a criança na possibilidade de seu
reconhecimento. Quando essa mãe leva sua criança para essas
variações de tratamentos, “a criança é lançada a compreender que o ser
reconhecida não depende da repetição mímica de seu ato, mas da
repetição de uma significação apesar da variação da imagem, e [...]
repetindo-se a imagem se a significação não se repete, o efeito do
reconhecimento não terá lugar. (JERUSALINSKY, 1998, p.40).

Jerusalinsky (1998), escreve o que estabelece os quatro termos que permitem


que se opere a separação (do sujeito em relação ao fantasma materno) e a
alienação (da criança enquanto sujeito de um Outro) são: a criança concebida em
sua desproteção, a mãe em sua função imaginária, a Função Paterna que
desenvolve um símbolo de reconhecimento para além do espelho e o enigma que
nisso se constitui. Esses processos, são necessários para dar um percurso à pulsão,
não ficando achatada sobre o real do corpo do bebê, mas percorrendo o que o
desejo do Outro primordial lhe marca como destino. O autor coloca essa distensão
em que a pulsão é capturada quando encontra seu destino simbólico, como um

3
Segundo Roudinesco (1998), sexuação é uma proposição de Jacques Lacan para traduzir a diferença sexual e a
sexualidade feminina.
24

“estiramento da corda da pulsão”, ponto segundo ele e Lydia Coriat crucial na


direção da cura dos problemas graves na infância.

Leda Bernardino (2008), em seu texto Aspectos psíquicos do


desenvolvimento infantil fala dos distúrbios globais, diz que quanto mais cedo a
criança puder ser recebida em um tratamento conjunto, com seus pais, maiores
resultados e grandes chances de remissão de um quadro que se não for tratado ou
for detectado tardiamente, produz um círculo vicioso no sentido de não permitir que
essa criança se torne um cidadão no verdadeiro sentido do termo.

Crianças com transtornos globais do desenvolvimento, não conseguem


encontrar uma significação para si, não entendem qual seu papel no mundo, não
entendem seu lugar e não estabelecem uma história de vida. Pensando numa
abordagem psicanalítica, podemos intervir no âmbito estrutural do quadro e sua
instauração, construindo com essas crianças e com seus pais essa significação. Só
cumprimos certos rituais como levantar da cama, escovar os dentes, se vestir, se
isso tem uma significação, se entendermos que existe algo além desses atos, pois é
a partir dessas vivências cotidianas que encontramos lugar na cultura.

Julieta Jerusalinsky (2002) situou um marco no que se refere ao tratamento


com crianças com problemas no desenvolvimento, que seria o corte epistemológico
operado pela psicanálise. A autora afirmou a importância que a detecção e a
intervenção precoces têm na clínica com bebês com problemas no seu
desenvolvimento e constituição psíquica.

A estimulação precoce é nova, tem aproximadamente 30 anos. Vamos nos


aprofundar aqui em alguns autores para fundamentar nossa escrita. Sabemos que a
clínica da estimulação precoce, segundo Jerusalinsky (2002), intervém nos tempos
primordiais. A intervenção é com o bebê que apresenta um problema, e não com a
patologia. A autora falou de crianças com condutas estereotipadas, ou atípicas, as
quais apontam para a inscrição de problemas na constituição psíquica. Nesses e em
outros casos, com a detecção e intervenção precoces, segundo ela, pode-se evitar a
plena instalação da patologia e construir uma reinscrição no funcionamento da
estrutura psíquica.

Voltando à Leda Bernardino (2008), a autora escreve que aos quatro anos é
tarde para uma intervenção precoce nos casos de autismo, por exemplo, tendo em
25

vista que nessa fase, as estruturas mais nobres do sistema nervoso já estão em vias
de finalização. Recentes pesquisas de neuroplasticidade demonstram possibilidades
de modificações no desenvolvimento, mas a possibilidade de intervir durante o
estabelecimento das estruturas básicas já terá passado.

Uma criança, geralmente é acompanhada por especialistas e passa por


certas avaliações desde o seu nascimento. Na atualidade, um psicólogo ou
psicanalista, não tem acompanhado no geral essas crianças nas avaliações iniciais.
Quando a família parental começa a observar aspectos faltantes no
desenvolvimento dessa criança, como a fala, o cambalear sem motivo aparente, a
mesma está próxima de seu quarto ano de vida. Sendo assim um tanto tardio para
uma intervenção na constituição psíquica dessa criança.

Percebe-se assim a importância de que sejam introduzidos nesses primeiros


testes, um olhar no sentido de prestar atenção nos aspectos psíquicos, pois eles
permitem diferenciar o que seria um elemento humano de uma aparelhagem.

Nos últimos anos esse olhar tem sido objeto de atenção de profissionais. A
partir da pesquisa Multicêntrica de Indicadores Clínicos de Risco para o
Desenvolvimento Infantil (IRDI)4, fundamentou-se sobre a constituição psíquica de
crianças entre 0 e 36 meses, elaborando-se e validando indicadores clínicos de
detecção precoce de transtornos psíquicos do desenvolvimento infantil, observáveis
nesse tempo de vida da criança.

Bernardino e Mariotto (2009), em Detecção de Riscos Psíquicos em Bebês de


Berçários de Centros Municipais de Educação Infantil de Curitiba, destacam os
principais resultados obtidos a partir do IRDI, localizando a peculiaridade dos laços
entre cuidador e bebê, verificando fenômenos do dia-a-dia das creches.

As autoras acima citadas, mostram que mudanças na sociedade


contemporânea, na vida das mulheres que são convocadas, a “ultrapassar os muros
do território doméstico para lançar-se no mercado de trabalho” (Bernardino e
Mariotto, 2009, p.2), possibilitou a criação dessas instituições chamadas creches ou
escolinhas de educação infantil. Elas observaram que a realidade das crianças que

4
Pesquisa desenvolvida no período de 2001 a 2008 pelo Grupo Nacional de Pesquisa, sob a chancela do
Ministério da Saúde e da Fapesp, a partir de pressupostos teóricos psicanalíticos. (BERNARDINO, 2007 p.1)
26

estão nesses lugares, passam mais tempo naquele ambiente, do que no meio
familiar. Esse adulto cuidador, será ponto de referência para o que essas crianças
possam vir a ser.

Segundo Guedenay, Mintz e Dugravier (2007), há uma proposição de


elementos que concorrem para o desenvolvimento precoce: a existência no bebê de
capacidades inatas que lhe permitem compreender, apreender o mundo, formando
categorias e, mais tarde, desenvolver a linguagem; a relação pais-filhos que
permitem desenvolver capacidades precoces como estas, e a curiosidade própria da
criança e seu desejo de dominar as coisas. (apud BERNARDINO E MARIOTTO
(2009).

Alfredo Jerusalinsky (2015), em um evento realizado pela fundação síndrome


de down, fala que os seres humanos funcionam em três registros, e isso é universal.
Quando um desses três registros não funciona há sérios problemas. O autor está se
referindo ao real, ao simbólico e ao imaginário. Tem-se noção e percepção de que
nosso corpo é real, implica limitações. Sabemos que não podemos voar e nem
temos visão de raio X como o superman, não conseguimos subir em paredes como
o homem-aranha, quando o fogo nos toca, queima. Esses três registros existem
para assinalar o que desejaríamos ser e não somos. As crianças têm essa ilusão de
imaginar-se além dos limites reais.

A cultura incide sobre nós pela linguagem, linguagem esta que causa estados
emocionais, causa também escolhas e significados.

É por isso que dizemos que a genética é uma dotação importante e


fundamental, que pode limitar-nos às condições reais, mas ao mesmo
tempo não configura o destino porque além do real, está o imaginário”.
(JERUSALINSKY, 2015)

Ao se falar de imaginário, abre-se um campo referido às primeiras


identificações: algumas pessoas dizem que o bebê recém-nascido se parece com o
avô, outros dizem que se parece com a mãe, sendo assim, também imagina-se que
vai ser inteligente como o avô. Isso tudo, mais tarde, passará a ser um conto, assim
passa-se a contar aos filhos como imaginava-se que eles pareciam e com quem.

As crianças simbolizam situações em que elas estão elaborando sua relação


com o mundo, e como nos conta Jerusalinsky (2015) em sua participação no evento
realizado pela Fundação Síndrome de Down em Maio de 2015, quando essas
27

crianças cortam uma formiga ao meio, não quer dizer que vão se transformar em
agentes do estado islâmico, significa simplesmente que eles estão elaborando sua
raiva por ter que fazer coisas que não compreendem muito bem o porquê.

Ao nascer, esses três registros não estão diferenciados, mas os responsáveis


os ensinam a diferenciar, pouco antes de andar, para isso os três registros precisam
ser compreendidos por esses adultos também, quais são os limites do real, para que
possamos dar espaço a fantasia e imaginação. O espaço da fantasia e os campos
das significações precisam estar claros. A partir dessas vivências, as crianças
constroem uma ordem do bem e do mal.

Jerusalinsky (2015) em sua fala no evento citado anteriormente, afirma que


até os 4 anos, os tablets são brinquedos contra-indicados, porque obstaculiza a
transmissão dos três registros, a transmissão de saber em que mundo vivo. Ao
utilizar esses dispositivos, o mundo virtual passa a fazer parte do imaginário dessas
crianças, mas também o real. O autor acrescenta que não é que os aparelhos sejam
ruins em si, o problema são os softwares fabricados especialmente para serem
consumidos por um bebê de 3 anos até um senhor de 50 anos, é uma prevenção
necessária no que tange ao problema do desenvolvimento.

As crianças até os 5 anos aproximadamente, são extremamente moldáveis e


influenciáveis por esse fascínio criado por imagens mágicas, dado que estão no
período de construir representações do mundo. Ao apresentarmos uma
representação pronta, as transformamos em manejadoras, mesmo sem saber
desenhar uma linha. Essas crianças se aproximam de figuras artísticas cheias de
detalhes, mas não ensaiam para a base da escrita, do traço. Sem querer, ao permitir
o uso excessivo desses aparatos eletrônicos, os estagnamos, precipitando uma
ilusão de alta inteligência, onde na verdade está travado o processo intelectual.

Jerusalinsky (2015) afirma que todos os seres humanos são neuroplásticos,


especialmente até os 3 anos de idade. O autor coloca que o maior momento de
neuroplasticidade, ou seja, quando o sistema nervoso central é permeável a ser
configurado no seu modo funcional, é nesta fase inicial da vida, o momento da
constituição psíquica, como falamos em psicanálise. A lógica, as representações,
modos de relações, significados emocionais, tudo isso nos é transmitido pelos
nossos pais, não nascemos com isso.
28

Pode-se dizer que no brincar, a criança desenvolve o território de ensaios das


relações com o outro, elas brincam do que vão vir a ser. O autor ainda fala que é no
brincar que a neuroplasticidade permite que estes esquemas ou estruturas que se
articulam, se gravem na memória e no modo de funcionar. Sendo assim, mesmo
após chegar a fase adulta, ao ver uma fotografia de uma senhora muito velha e
enrugada, temos que lutar contra identifica-la preconceituosamente com a bruxa
infantil.

A aquisição da linguagem então começa desde o nascimento, como


escrevemos no primeiro capítulo. Há pequenos sinais que são importantes e
fundamentais. Entre o nascimento e os primeiros 6 meses de idade (essas datas são
flexíveis, pois levamos em conta o tempo do sujeito e não o tempo cronológico),
nesse período então, encontram-se as identificações primordiais, elas não vão
permanecer ao longo da vida como outras que aparecem após esse tempo de vida,
mas são base para as que vão acontecer. Não acontecendo essas primeiras
identificações, não temos base para as identificações primárias.

Sabe-se que há duas coisas que rapidamente o bebê aprende a diferenciar, a


voz e o olhar. O olhar, porque nascemos com uma predisposição a uma fixação ao
rosto do semelhante. Os animais, em poucas horas já ficam em pé, e num tempo
não tão longo, já correm no mesmo ritmo de seus pais e as girafas, por exemplo,
podem identificar sua mãe no meio de um bando de girafas. Colando um bebê
nessas mesmas condições e mesmo tempo de vida para ficar em pé, ele vai cair,
não tem sustentação em seu corpo, nós humanos, não temos instinto na memória
genética.

Segundo Jerusalinsky (2015), é uma memória externa que se chama


linguagem. Precisamos ir à escola para aprender o que esta memória externa nos
diz, sendo assim, o modo de adquirir essa memória é saber falar e saber entender o
que se fala. O autor nos fala de três sistemas de linguagem, que aqui não vamos
aprofundar, basta saber quais são: uma é a verbal, outra, gestual, e ainda a
situacional. Linguagem situacional pode ser entendida pelas atitudes, esta
linguagem o bebê aprende muito antes de falar, são leitores do rosto, especialistas
nisso, se a mãe está contente, triste, se hoje pode ou não pedir o bico (chupeta), e
não somente ler o rosto, como as atitudes, movimentos e a agitação em casa.
29

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A temática que envolve a clínica com bebês e crianças pequenas é muito


extensa, sendo assim, fez-se recortes que somente a partir de uma nova pesquisa
possibilitaria mais conteúdo sobre o tema.

Ao ser referenciada pelos pais mesmo antes de nascer, esse pequeno ou


pequena torna-se parte da estrutura familiar que o aguarda. Sendo assim, o
humano, diferentemente do animal, é o ser que leva mais tempo para adquirir uma
independência, necessitando de um Outro que faça a função materna imprimindo
assim, marcas significantes para a sua constituição psíquica e sua inserção no
mundo da linguagem.

Na contemporaneidade o número de profissionais para atender crianças de 0


a 4 anos tem aumentado, mas muitos ainda preocupam-se com as funcionalidades e
adaptações dessas crianças e sua inserção no social de forma fragmentada. Sendo
assim, a clínica interdisciplinar chega preocupada não somente com a criança, mas
com o todo em torno dela, família, escola, e demais profissionais envolvidos,
conversando entre si para um melhor trabalho nestas crianças que ainda estão em
constituição psíquica.

No que se refere à relação mãe-bebê, pode-se enfatizar que é uma


operação inconsciente, não se dando assim por um saber instintivo, nem mesmo
técnico-científico. Desse ponto de vista, a psicanálise é de extrema importância
como corpo teórico e clínica do sujeito.

A experiência como terapeuta estagiária, leva a estudar sobre estimulação


precoce. Ao receber pacientes com problemas no desenvolvimento em fase de
constituição, pode-se intervir, sustentando com a teoria psicanalítica, uma possível
intervenção no desenvolvimento dessas crianças.
30

REFERÊNCIAS

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vicissitudes. In: O que a psicanálise pode ensinar sobre a criança em
constituição. São Paulo: Escuta, 2006 (Coleção Psicanálise de crianças). 152 p.
BERNARDINO, Leda Mariza Fisher. Aspectos psíquicos do desenvolvimento
infantil.In: O cravo e a rosa : a psicanálise e a pediatria : um diálogo possível?
Daniele de Brito Wanderley (org.). - Salvador: Ágalma, 2008. 187 p.
BERNARDINO,Leda Mariza Fisher (org) Detecção de riscos psíquicos em bebês de
berçários de centros municipais de educação infantil de curitiba, através do protocolo
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FREUD, Sigmund. Além do Princípio do Prazer. Rio de Janeiro: Imago, 1996
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GORETTI, Amanda Cabral dos Santos; ALMEIDA, Sandra Francesca Conte de;
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psicanalítico. Estilos clin., São Paulo , v. 19, n. 3, p. 414-435, dez. 2014 .
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GOULART, Janete Teresinha de Aquino. Aprendizagem e não-aprendizagem:
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de bolsa).
JERUSALINSKY, Alfredo. Quantos terapeutas para cada criança? - Texto extraído
dos Escritos da Criança no 5, edição comemorativa aos 20 anos do Centro Lydia
Coriat. 1998 Porto Alegre, editoração eletrônica: VisionTech – p. 143.
______. Mesa 1.4: Eu nasci.2015. [Vídeo Internet]. Disponível em:
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JERUSALINSKY, Julieta. Enquanto o futuro não vem: a psicanálise na clínica
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LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.1998 (1966). 937 p.
RODULFO, Ricardo. O brincar e o significante: um estudo psicanalítico sobre a
constituição precoce. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. 179 p.
ROUDINESCO, Elisabeth, 1944 – Dicionário de psicanálise/Elisabeth Roudinesco,
Michel Plon; tradução Vera Ribeiro, Lucy Magalhães; supervisão da edição brasileira
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Site: <www.lydiacoriat.com.br>. Acesso em 09 dez 2016.

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