Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1. AÇÕES RESTRITIVAS
A primeira reação restritiva do estado foi o ajuizamento de uma Ação Civil Originária
(ACO) no Supremo Tribunal Federal (STF), pleiteando, em caráter liminar, o fechamento da
fronteira Roraima-Venezuela. O pedido foi lastreado no “incalculável impacto econômico”
decorrente da instalação de cerca de 50 mil refugiados na capital (BRASIL, 2018a).
Na pendência de apreciação da liminar, o governo do estado publicou, em 01/08/2018, um
decreto limitando a prestação de serviços públicos a imigrantes apenas àqueles que tivessem
passaporte válido (RORAIMA, 2018), com a nítida finalidade de desestimular a migração de
refugiados ao Brasil.
Cinco dias após, um juiz federal de Roraima prolatou decisão suspendendo, de forma
total, o ingresso de venezuelanos pela fronteira do estado, sustentando a necessidade de adotar
medidas que “assegurem a fruição dos direitos e garantias dos brasileiros” (BRASIL, 2018b).
Na ACO já mencionada, por outro lado, a Rel. Min. Rosa Weber indeferiu o fechamento
pugnado pelo estado, e, concomitantemente, concedeu liminar pleiteada pela União no sentido de
suspender, com base na dignidade da pessoa humana, o decreto estadual retrocitado (BRASIL,
2018). Já a decisão do juiz federal foi revogada pelo TRF-1 um dia após sua publicação.
1
GT 4 – Migração, Interações Regionais e Direitos Humanos.
2
Bacharelando do Curso de Direito da URI Santo Ângelo. E-mail: lucasoliveiravianna@gmail.com
3
Pós-Doutor em Direito (UFSC). Doutor (UFRGS) e Mestre em Direito (UFSC). Especialista em Direito e em
Educação. Professor do PPGD – Mestrado e Doutorado em Direito da URI, Santo Ângelo, RS. Líder do Grupo de
Pesquisa registrado no CNPq Tutela dos Direitos e sua Efetividade. Coordenador do Projeto de Pesquisa Direito
Internacional do Trabalho e o resgate da dignidade e da cidadania. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6894960744708682.
E-mail: florisbaldelolmo@gmail.com. ORCID ID: https://orcid.org/0000-0002-8070-2912.
Visualiza-se, nas ações restritivas citadas, uma política antiga de tratar a crise migratória
unicamente como uma questão de defesa e de supremacia dos interesses da população nacional,
em prejuízo das prementes necessidades dos refugiados, o que não condiz com a política
migratória adotada atualmente pelo país.
2. A LEI DE MIGRAÇÃO
Em nenhum caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país, seja ou não de
origem, onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação por
causa da sua raça, nacionalidade, religião, condição social ou de suas opiniões políticas
(CADH, 1969, art.22).
Desse modo, foi elevado “não apenas a um principio básico de Direito Internacional dos
Refugiados, mas também a uma norma peremptória do Direito Internacional dos Direitos
Humanos” (PAULA, 2006, p. 55), o que traz implicações consideráveis em sua aplicação e
interpretação, dentre elas: recebe status materialmente constitucional, conforme doutrina
dominante (MELLO, 2008; PIOVESAN, 2016); deve ser interpretado sempre no sentido de
maximização dos direitos por ele tutelados (CANOTILHO, 1983); e adquire força cogente,
impondo-se como matéria de direitos fundamentais. Nesse norte, a Declaração de Cartágena de
1984 conclui por “reiterar a importância e a significação do princípio de non-refoulement
(incluindo a proibição da rejeição nas fronteiras), como pedra angular da proteção internacional
dos refugiados”, bem como seu caráter de “jus cogens” (ONU, 1984).
Ademais, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 assevera, em seu
art. 31, que “um tratado deve ser interpretado [...] em seu contexto e à luz de seu objetivo e
finalidade”, e, para isso, serão tidos em consideração “qualquer prática seguida posteriormente na
aplicação do tratado” e “quaisquer regras pertinentes de Direito Internacional aplicáveis às
relações entre as partes” (ONU, 1969), tais como, por exemplo, as manifestações do sistema
interamericano de direitos humanos.
É inegável, entretanto, como pontuado pelo juiz federal na decisão mencionada, que os
ônus da política migratória nacional “devem ser repartidos por todos e não suportados por apenas
um”, e isso não somente por uma questão de justiça entre os entes federativos, mas,
principalmente, a fim de possibilitar a adequada manutenção dos direitos fundamentais.
A União procedeu à criação de cinco abrigos no ano de 2018, em alguns dos quais, no
entanto, já se desenvolveram situações de superpopulação e criminalidade (GLOBO, 2018). Além
disso, trata-se de medida que, embora necessária, possui caráter provisório, não sendo uma
solução durável.
O governo federal também tem promovido a interiorização dos venezuelanos, deslocando-
os, voluntariamente, para outros estados brasileiros, com o fito de abrandar a sobrecarga local.
Essa política é sustentada pela ONU como adequada a longo prazo para conjunturas de migração
forçada (ANAJURE, 2018). Não obstante, o processo ainda é lento, e o número de imigrantes
deslocados é ínfimo face aos que ingressam mensalmente no estado.
Também é questionável que o Comitê Federal de Assistência Emergencial instituído para
atuar no local esteja subordinado ao Ministério da Defesa, demonstrando uma permanência do
antigo viés de defesa nacional em vez da atual compreensão de direitos humanos.
Desse modo, é imperioso, para a tutela dos direitos fundamentais de imigrantes e
nacionais, que o governo federal atue de forma mais efetiva no processo de interiorização.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANAJURE; FPMRAH. Nota Pública sobre fechamento da fronteira com Venezuela.
Publicada em 07 jul. 2018. Disponível em: <https://www.anajure.org.br/fronteira-com-a-
venezuela-e-fechada-anajure-e-fpmrah-emitem-nota-publica/>. Acesso em: 11 ago. 2018.
BRASIL. 1ª Vara Federal da Seção Judiciária de Roraima. Ação Civil Pública nº 002879-
92.2018.4.01.4200. Suspende a admissão e o ingresso de imigrantes venezuelanos. Decisão
publicada em 05 ago. 2018b.
BRASIL. Decreto nº 9.199/17. Regulamenta a Lei de Migração. Publicado em 21 nov. 2017b.
BRASIL. Lei nº 13.445/17. Institui a Lei de Migração. Publicada no D.O.U. em 25 maio 2017a.
BRASIL. Lei nº 6.815/80. Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil. Revogada.
Publicada em 21 ago. 1980.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Cível Originária nº 3.121. Atuada em 13 abr. 2018a.
CADH. CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. 1969. Disponível em:
<https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm>. Acesso em: 20 ago.
2018.
CANOTILHO, José J. G. Direito Constitucional. 3. ed. Coimbra: Almedina, l983.
CIDH. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Resolução 3/08: Direitos Humanos dos
Migrantes, Normas Internacionais e Diretiva Europeia sobre Retorno. 25 de julho de 2008.
Disponível em: <https://cidh.oas.org/Resoluciones/Resoluci%C3%B3n%2003-
08%20PORT.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2018.
CORTEIDH. Opinión Consultiva OC-18/03. Condición jurídica y derechos de los imigrantes
indocumentados. 17 set. 2003. Disponível em:
<www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_18_esp.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2018.
GLOBO. Rua, abrigo ou aluguel: venezuelanos relatam a busca por um novo lar em RR.
Notícia publicada no sítio eletrônico em 25 jun. 2018. Disponível em:
<https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/rua-abrigo-ou-aluguel-venezuelanos-relatam-a-busca-
por-um-novo-lar-em-rr.ghtml>. Acesso em: 21 ago. 2018.
MELLO, C. A. Bandeira. Voto no MS nº 26.603/DF. Publicado em 19 dez. 2008.
ONU. Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Adotada em 22 mai. 1969.
ONU. Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados. Adotada em 28 de julho de 1951.
ONU. Declaração de Cartagena. Adotada em 22 nov. 1984.
ONU. Protocolo de 1967 Relativo ao Estatuto dos Refugiados. Assinado em 31 de janeiro de
1967.
PAULA, Bruna Vieira de. O princípio do non-refoulement, sua natureza jus cogens e a
proteção internacional dos refugiados. Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2006, p. 54.
Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/tablas/r28151.pdf >. Acesso em: 20 ago. 2018.
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 16. ed., rev.,
ampl., e atual. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 86.
RORAIMA. Decreto nº 25.681-E, de 1º de agosto de 2018. Decreta atuação especial das forças
de segurança pública e demais agentes públicos do Estado de Roraima em decorrência do fluxo
migratório de estrangeiros em território do Estado de Roraima e dá outras providências.
Publicado no D.O.E. em 1º ago. 2018.