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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA – UFU

CENTRO DE ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO E ATENDIMENTO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL – CEPAE


I CONGRESSO NACIONAL DE LIBRAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
I CONALIBRAS-UFU
ISSN 2447-4959

DIFERENÇAS ENTRE TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO NA LÍNGUA BRASILEIRA


DE SINAIS (LIBRAS): UMA ANÁLISE SOBRE HESITAÇÕES

EIXO: Tradução e Interpretação de Libras

Francine, SOUZA-ANDRADE, UFMG1


Eva, BARBOSA, UFMG2
Guilherme, LOURENÇO, UFMG – Orientador3

Resumo: As tarefas de tradução e interpretação se diferenciam entre si, já que, enquanto a primeira envolve
uma língua escrita, a segunda envolve línguas na modalidade oral/sinalizada (QUADROS, 2004;
LACERDA, 2009). Dentro desse contexto, o presente artigo tem como principal objetivo verificar as
diferenças existentes entre uma tarefa de tradução e uma tarefa de interpretação em Língua Brasileira de
Sinais (Libras), no que diz respeito às hesitações de duas tradutoras/intérpretes durante a tradução e a
interpretação de um texto motivador escrito em língua portuguesa. As análises levaram em consideração o
modelo dos esforços para a interpretação proposto por Gile (1995). Além disso, objetiva-se aqui responder às
seguintes perguntas: (i) é possível observamos uma diferença em termos de hesitação entre uma tarefa de
tradução e uma de interpretação? (ii) qual a natureza dessas hesitações em cada uma das tarefas? Para a
análise dos dados, fizemos uma comparação entre os produtos da interpretação e da tradução e
contabilizamos o número de hesitações ocorridas, considerando o que cada um dos sujeitos de pesquisa teve
acesso antes e durante a produção. Após as análises realizadas, foi possível perceber que a hesitação ocorrida
durante a tradução foi bem pontual e se deu por uma distração do tradutor/intérprete. Já as hesitações
ocorridas durante a interpretação, ocorreram devido a uma sobrecarga nos esforços de processamento do
tradutor/intérprete, o que causou uma interrupção em sua produção e, consequentemente, a necessidade de
solicitar auxílio do intérprete de apoio. A partir da comparação das produções, pudemos responder a
pergunta de pesquisa e chegamos à conclusão de na tarefa de interpretação, o profissional realiza os esforços
de compreensão, memória e produção, além de fazer uso do esforço de coordenação, conforme proposto em
Gile (1995). Isto acaba sobrecarregando a capacidade de processamento do intérprete, resultando em um
número maior de rupturas no fluxo de fala e também de hesitações. Já na tradução, o processo de translação
da língua fonte para a língua alvo não acontece sob a pressão do tempo, de modo que os esforços feitos pelo
profissional não são empreendidos simultaneamente, gerando um número significativamente menor de
hesitações e interrupções. No presente estudo, não foi possível abarcar todos os aspectos inerentes à prática
de tradução/interpretação, porém, esperamos que este trabalho possa fomentar mais pesquisas na área da
tradução/interpretação em línguas de sinais e que possamos ampliar a visão do tradutor/intérprete em relação
à sua atividade profissional.
Palavras-chave: Tradução, Interpretação, Libras.

1
Monitora da disciplina “Fundamentos de Libras Online”, oferecida pela Faculdade de Letras (FALE) da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). Bacharel em Letras/Inglês, com ênfase em Tradução e graduanda do curso de
Licenciatura em Inglês, também pela UFMG. Atua na linha de pesquisa tradução e interpretação em Libras/Português.
2
Professora auxiliar da disciplina “Fundamentos de Libras Online”, oferecida pela FALE/UFMG. Licenciada e
Bacharel em Letras/Português e Mestranda em Estudos Linguísticos – Linguística Aplicada/Linguagem e Tecnologia,
também pela UFMG. Atua nas linhas de pesquisa: (i) tradução e interpretação em Libras/Português; e (ii) ensino de
português como segunda língua para surdos.
3
Professor da FALE/UFMG. Mestre em Linguística Teórica e Descritiva, pela UFMG. Coordenador do Projeto de
Capacitação de Tradutores e Intérpretes de Língua de Sinais (ProtTILS), além de membro pesquisador do Núcleo de
Estudos em Libras, Surdez e Bilinguismo (NeLIS/CNPQ), atuando nas seguintes linhas de pesquisa: (i) descrição e
análise das Línguas de Sinais; e (ii) Tradução e Interpretação em Libras/Português.

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1. Introdução

Nos Estudos da Tradução, é comum a distinção entre tradução e interpretação. A dicotomia


texto escrito e texto oral (sinalizado, no caso das línguas de sinais) é o ponto central da
diferenciação entre essas duas práticas, de modo que a tradução parte do texto escrito, enquanto a
interpretação tem como fonte a produção oral. Nesse sentido, pode-se dizer que as condições de
trabalho do tradutor e do intérprete são muito diferentes. A partir da constatação dessa diferença, o
presente artigo propõe observar a diferença na produção de uma tarefa de tradução e de uma tarefa
de interpretação entre uma língua oral e uma língua de sinais.
As línguas de sinais apresentam uma diferença importante em relação às línguas orais: a sua
modalidade. Enquanto as línguas orais apresentam-se na modalidade oral-auditiva, as línguas de
sinais são produzidas na modalidade espaço-visual. Contudo, desde o trabalho de Stokoe (1960) e
de pesquisas subsequentes, tem-se a certeza do estatuto linguístico das línguas de sinais e da
existência de uma gramática nesses sistemas linguísticos, com seus níveis linguísticos (morfológico,
fonológico, sintático, semântico e pragmático) bem estruturados.
As práticas de tradução/interpretação entre uma língua oral e uma língua sinalizada
apresentam características diferentes, uma vez que o profissional precisa trabalhar com um par
linguístico que envolve duas modalidades diferentes, conforme exposto anteriormente. Em uma
tarefa interpretação para uma língua de sinais pode-se dizer que o processo cognitivo é semelhante
ao que acontece com a interpretação entre línguas orais, e pode se encaixar no modelo dos esforços
cognitivo proposto por Gile (1995). Porém, devido às diferenças de modalidade, a prática é mais
exaustiva, já que há um aspecto a mais na coordenação do esforço e o intérprete de línguas de sinais
precisa lidar com a estrutura da gramática desta língua, na qual as sentenças são construídas
espacialmente.
Dentro desse contexto, este artigo tem como principal objetivo verificar a(s) diferença(s)
entre a tradução e a interpretação da língua de sinais, mais especificamente da Língua Brasileira de
Sinais (Libras), no que diz respeito às hesitações de duas tradutoras/intérpretes durante a prática de
tradução e de interpretação de um texto escrito em língua portuguesa. Além disso, os objetivos
específicos são: (i) analisar duas sinalizações, uma feita a partir da audição de um texto em língua
portuguesa (interpretação), e outra feita a partir da leitura do mesmo texto (tradução); (ii) comentar
as hesitações existentes nas duas tarefas, contrastando seus produtos: interpretação simultânea do
português para a Libras e tradução do texto escrito para a Libras.

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A iniciativa desta pesquisa se deu através da participação dos pesquisadores no Projeto de


Capacitação de Tradutores e Intérpretes de Língua de Sinais (ProTILS), mais especificamente do
Curso de Capacitação de Tradutores/Intérpretes de Língua de Sinais, oferecido entre os meses de
abril e julho de 2015, e oferecido pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas
Gerais aos tradutores e intérpretes de língua de sinais (TILS) que atuam nas redes pública e privada,
em diferentes graus de ensino. Segundo o site do projeto, o ProTILS “visa trazer suas contribuições
para a comunidade de tradutores e intérpretes de Libras interna e externa à UFMG. Assim, são
propostas atividades de extensão que possam fomentar a capacitação desses profissionais”i.
Durante a participação neste projeto, foi possível perceber várias diferenças existentes entre
a prática da tradução e da interpretação dos TILS. Através disso, surgiu o interesse em realizar uma
análise para verificar algumas dessas diferenças que são de extrema importância para o profissional
que trabalha com a língua de sinais. Dessa forma, esta pesquisa se justifica por trazer uma
contribuição ao trabalho do TILS e para fomentar mais pesquisas na área da tradução/interpretação
de língua de sinais.
Apresentamos, a seguir, os principais pressupostos teóricos que embasaram este trabalho.

2. Referencial Teórico

Nesta seção apresentamos, primeiramente, as principais diferenças entre a


tradução/interpretação de línguas em geral, e, logo em seguida, da tradução/interpretação específica
das línguas de sinais.

2.1 Tradução x Interpretação

Há similaridades e diferenças entre a prática da tradução e da interpretação. A primeira


semelhança é o fato de que ambos os processos envolvem a comunicação. Pode-se dizer que tanto o
tradutor quanto o intérprete precisam tomar decisões. Ambos precisam conhecer a cultura das
línguas envolvidas e ter um repertório linguístico que os permita transitar de uma língua para outra.
A tradução é feita a partir da escrita e a interpretação é um produto da fala/sinalização da
língua, ou seja, é a língua em uso. O tradutor pode ter acesso à documentação, já que tudo o que é
traduzido fica documentado, por isso, nos Estudos da Tradução, os pesquisadores puderam formar
corpora de textos traduzidos e dos respectivos textos originais. Segundo Mona Baker (2004), a

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partir dos corpora é possível observar se o tradutor foi conservador no uso da língua ou não, se usou
formas padronizadas, se foi mais formal, se evitou o uso de expressões regionais, etc., assim, o
trabalho do tradutor tende a ser mais uniforme.
Esse padrão ajuda os teóricos a observarem a frequência das palavras e a adaptação do
estilo. O que não acontece durante a interpretação, já que nesse processo a possibilidade de
documentação é mais restrita. A não ser que seja gravada, a produção da interpretação pode ser
perdida. Além disso, o texto fonte é apresentado apenas uma vez, o fator “pressão de tempo” faz
com que o refinamento do produto final seja quase inexistente, pois a produção do intérprete precisa
ser rápida e há pouca possibilidade de correção ou revisão.
Na interpretação, conforme o modelo de interpretação de Gile (1995), o intérprete precisa
desprender-se dos seguintes esforços: 1) Compreensão, o esforço de ouvir e analisar a mensagem;
2) Memória, o esforço de reter a mensagem; 3) Produção, o esforço de reproduzir a mensagem na
língua de chegada; e 4) Coordenação, o esforço de coordenar os demais esforços. O modelo dos
esforços de Gile (1995) pode ser ilustrado conforme a Figura 1, a seguir.

FIGURA 01: PROCESSO COGNITIVO DO INTÉRPRETE

Fonte: Adaptado de Gile (1995).

Na próxima seção, serão considerados aspectos inerentes à tradução e à interpretação da


Libras.

2.2 Tradução x Interpretação da Língua de Sinais

Segundo Russo (2009), o Tradutor/Intérprete de Língua de Sinais (TILS) tem sido cada vez
mais presente no dia a dia dos surdos, devido à crescente participação dessas pessoas nos espaços

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sociais, educacionais, políticos e culturais, incentivada a partir do reconhecimento da Libras no


Brasil:
À medida em que a língua de sinais do país passou a ser reconhecida enquanto
língua de fato [sic], os surdos passaram a ter garantias de acesso a ela enquanto
direito linguístico. Assim, consequentemente, as instituições se viram obrigadas a
garantir acessibilidade através do profissional intérprete de língua de sinais
(QUADROS, 2004, p. 13).

O intérprete de língua de sinais, geralmente, não tem uma formação profissional para atuar,
são chamados ad hoc, aqueles que começaram sua atividade de interpretação para auxiliar um
amigo ou um parente surdo e, na maioria das vezes, no meio religioso.
O trabalho do TILS é composto por duas tarefas: a de tradução e a de interpretação. Alguns
autores defendem que os dois termos se complementam e, até mesmo, remetem a uma mesma tarefa
de “versar os conteúdos de uma dada língua para outra, buscando trazer neste processo sentidos
pretendidos, sem que eles se percam ou que sejam distorcidos no percurso” (LACERDA, 2009, p.
14). Outros autores, porém, defendem que os conceitos remetem a tarefas distintas. Para esses
autores, a tradução sempre envolve uma língua escrita, podendo haver:

[...] uma tradução de uma língua de sinais para a língua escrita de uma língua
falada, da língua escrita de sinais para a língua falada, da escrita da língua falada
para a língua de sinais, da língua de sinais para a escrita da língua falada, da escrita
da língua de sinais para a escrita da língua falada e da escrita da língua falada para
a escrita da língua de sinais (QUADROS, 2004, p. 09).

Já a interpretação, sempre envolve as línguas faladas/sinalizadas, ou seja, línguas nas


modalidades orais-auditivas e espaço-visuais. Dessa forma, pode haver “a interpretação da língua de
sinais para a língua falada e vice-versa, da língua falada para a língua de sinais” (QUADROS, 2004,
p. 09).
A tradução da língua de sinais possui diferentes sistemas de transcrição que ainda se
encontram em processo de desenvolvimento. Dentre os sistemas mais conhecidos, podemos
encontrar o de William Stokoe (1960), mais codificado e analítico, e o de Valerie Sutton (1996),
mais gráfico e icônico (MCCLEARY; VIOTTI, 2005). Segundo McCleary e Viotti (2005), tais
sistemas de transcrição ainda não são totalmente aceitos pela linguística por apresentarem
dificuldades em sua leitura às pessoas que não estão devidamente treinadas.

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O que tem sido adotado, portanto, é a variação de um sistema de glosas, que, originalmente,
são criadas através de palavras em inglês, grafadas em maiúsculo, que são utilizadas na
representação de sinais da língua de sinais com o mesmo sentido. Além disso, “algumas marcações
não-manuais são acrescentadas por códigos sobrescritos, e alguns usos do espaço de sinalização são
representados por letras ou números subscritos” (MCCLEARY; VIOTTI, 2005, p. 03).
A interpretação da língua de sinais, por sua vez, ocorre de duas maneiras diferentes. No
primeiro caso, a interpretação de uma língua para outra acontece de maneira simultânea, ou seja, o
TILS “precisa ouvir/ver a enunciação em uma língua (língua fonte), processá-la e passar para a
outra língua (língua alvo) no tempo da enunciação” (QUADROS, 2004, p. 09). Já no segundo caso,
a interpretação de uma língua para outra ocorre de maneira consecutiva, ou seja, o TILS “ouve/vê o
enunciado em uma língua (língua fonte), processa a informação e, posteriormente, faz a passagem
para a outra língua (língua alvo)” (ibid, 2004, p. 09).
Dessa forma, existem também algumas diferenças entre o trabalho dos tradutores e dos
intérpretes. Essas diferenças são apresentadas no Quadro 01, a seguir:

QUADRO 01 - PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE O TRADUTOR E O INTÉRPRETE DE


LÍNGUA DE SINAIS

Tradutor Intérprete

Deve dominar as línguas envolvidas e o assunto Deve dominar as línguas envolvidas e o assunto alvo em seu
alvo em seu trabalho. trabalho, além de dominar as expressões orais/corporais presentes
em ambos os idiomas.

Tem acesso ao material a ser traduzido Não tem acesso ao que será falado/sinalizado previamente, o
previamente. assunto pode mudar no momento da interpretação.

Trabalha mais isoladamente, são horas de trabalho Atua em equipe, são vários os profissionais que se revezam num
diante do computador, entre livros e outras fontes mesmo evento, atuam nas relações face a face muitas vezes
de pesquisa, e eventualmente troca de ideias com conversando com o conferencista ou com o público alvo,
outras pessoas para consultas. buscando ajustar sua atuação da melhor forma possível.

Adaptado de: Lacerda, 2009, p. 18.

A partir do Quadro 01, podemos perceber que, apesar de se tratar do mesmo profissional, os
TILS possuem características diferentes em relação ao tipo de tarefa por ele desempenhada: a
tradução ou a interpretação. Portanto, cabe a ele adaptar sua intervenção de acordo com o ambiente,
o público alvo, a modalidade de língua e o objetivo final de seu trabalho em cada situação.
Através do exposto, apresentamos a metodologia utilizada, na próxima seção.

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3. Metodologia

A presente pesquisa foi realizada a partir da coleta de dados feita no Curso de Capacitação
de Tradutores/Intérpretes de Língua de Sinais, parte integrante do Projeto ProTILS. Foram
selecionados dois vídeos produzidos por dois alunos do curso, que assinaram um termo de
consentimento livre e esclarecido autorizando o uso integral ou parcial das produções realizadas
durante o curso. Tais alunos serão mencionadas durante a análise dos dados da seguinte maneira:

• Sujeito 01 – aluno que realizou a interpretação do texto.


• Sujeito 02 – aluno que realizou a tradução do texto.

Os vídeos, gravados em sala de aula, foram produzidos pelos dois alunos a partir do texto
motivador apresentado no Quadro 02 abaixo, sendo que um deles deveria produzir uma tradução e o
outro uma interpretação.

QUADRO 02 - TEXTO MOTIVADOR PARA A TRADUÇÃO E A INTERPRETAÇÃO EM LIBRAS

Pedro Bandeira nasceu em Santos, SP, em 9 de março de 1942, onde dedicou-se ao teatro
amador, até mudar para São Paulo a fim de estudar Ciências Sociais na Universidade de
São Paulo (USP). Morando então na capital, casou-se com Lia, com quem teve três filhos:
Rodrigo (31) e Marcelo e Maurício (28). Ah! E tem duas netinhas: Melissa e Michele.
Além de professor, trabalhou em teatro profissional até 1967 e com teatro de bonecos. Mas
desde 62, Pedro já trabalhava também na área de jornalismo e publicidade, começando na
revista “Última Hora” e depois na editora Abril, onde escreveu para diversas revistas e foi
convidado a participar de uma coleção de livrinhos infantis.

Adaptado de: <<http://fabianjaleu.blogspot.com.br/2011/08/pedro-bandeira-o-fantastico-misterio-de.html>>.

Os vídeos gravados foram transcritos em glosas por meio do software ELAN, que é “uma
ferramenta profissional para a criação de anotações complexas sobre os recursos de áudio e vídeo”
(tradução nossa)ii. Para a análise dos dados, fizemos uma comparação entre os produtos (da
interpretação e da tradução), e contabilizamos o número de hesitações da interpretação em oposição

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a uma hesitação da tradução, considerando o que cada um dos sujeitos de pesquisa tiveram acesso
antes e durante a produção.
O dicionário Caldas Aulete, apresenta a seguinte definição para o verbo hesitar: “1. Ficar
indeciso, não ter certeza. 2. demonstrar insegurança ou dúvida em” (AULETE, 2004). Dessa forma,
nossa análise objetivou verificar as diferentes hesitações ocorridas durante a tradução e a
interpretação em língua de sinais do texto motivador apresentado acima, a fim de verificar suas
possíveis causas .
Nossa hipótese é a de que, na tradução, o profissional não se encontra em um contexto de
conflito de esforços, uma vez que o processo de compreensão da mensagem e o de produção da
tradução não acontecem na mesma unidade temporal. Por outro lado, na tarefa de interpretação, o
profissional precisa controlar os diferentes esforços (compreensão, memória, produção e
coordenação – GILE, 1995) de maneira simultânea, gerando uma sobrecarga no processamento
cognitivo e resultando em um número maior de descontinuidades e hesitações.
Na próxima seção, apresentamos as análises realizadas e os resultados obtidos através desta
pesquisa.

4. Desenvolvimento e Resultados

O Quadro 03, a seguir, apresenta a transcrição da interpretação realizada pelo Sujeito 01


desta pesquisa. O texto motivador foi lido por outra pessoa, em leitura fluida e na velocidade
normal de fala. O Sujeito 01 contou também com o auxílio de um intérprete de apoioiii, e algumas
das hesitações apresentadas foram em demanda a este apoio, conforme discutiremos nesta seção.

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QUADRO 03 - PRODUTO DA INTERPRETAÇÃO

HOMEM PEDRO BANDEIRA NASCER SP CIDADE SANTOS 9 MÊS MARÇO 1942


LÁ COMEÇAR TRABALHAR TEATRO

*hesitação*

INFORMAL
MUDAR SÃO PAULO ESTUDAR CIENCIAS SOCIAL UNIVERSIDADE SÃO PAULO NOME USP

IX3 MORA CAPITAL MULHER CASAR LIA TER FILHO 3

UM RODRIGO IDADE 31/DOIS GÊMEOS

*hesitação*

MARCELO 31

PERDER

PULAR

TRABALHO PROFISSIONAL TEATRO ATÉ 1997 TAMBÉM TEATRO BONECO

*hesitação*

1962 JÁ COMEÇAR TRABALHAR “JORNAL” “PUBLICIDADE” É REVISTA NOME TÍTULO


ÚLTIMA HORA

TAMBÉM ESCREVER EDITORA ABRIL JÁ ESCREVER

JÁ ESCREVER LIVROS VÁRIOS JÁ 1CONVIDAR3 TRABALHAR LIVRO PRÓPRIO CRIANÇA

O Quadro 4, a seguir, apresenta a transcrição da tradução feita pelo Sujeito 02 da pesquisa.


Ele contou com a leitura prévia do texto e com um tempo para analisar e pensar nas possibilidades
de sinalização, além disso, foi permitida a elaboração de glosa.

QUADRO 04 – PRODUTO DA TRADUÇÃO

HOMEM PEDRO BANDEIRA NASCER CIDADE SANTOS LÁ SÃO PAULO


DIA NASCER 9 MARÇO ANO 1932

IX3 O-QUE TRABALHO? TEATRO/ PROFISSIONAL NÃO/ BÁSICO.

DEPOIS MUDAR LÁ SÃO PAULO CAPITAL LÁ

ESTUDAR CURSO LÁ

*hesitação*/ DESCULPA

VOLTA

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ELE MUDAR SÃO PAULO CAPITAL LÁ ESTUDAR VONTADE CURSO FACULDADE

CIÊNCIAS SOCIAIS

FACULDADE USP

IXa MORA FICAR SÃO PAULO CAPITAL FICAR

CASAR MULHER LIA NASCER TRÊS FILHOS

UM HOMEM RODRIGO IDADE 31

DOIS HOMEM MARCELO

TRÊS MARIO

QUATRO/TRÊS IDADE 28

AGORA HOMEM PEDRO TER DOIS NETOS

UM MULHER MELISSA/DOIS MICHELE

PEDRO JÁ TRABALHAR PROFISSIONAL TEMPO-ATÉ 67 O-QUE? TEATRO PROFISSIONAL

TAMBÉM TRABALHA O-QUE TEATRO BONECO MARIONETE

PASSADO ANO TEMPO-FUTURO-PRÓXIMO JÁ HOMEM PEDRO O-QUE ENTREVISTA

TAMBÉM “PUBLICIDADE”

COMEÇOU TRABALHAR LÁ REVISTA NOME TÍTULO REVISTA ÚLTIMA HORA

DEPOIS TRABALHAR ENTRAR O-QUE

REVISTA EDITORA ABRIL

PEDRO ESCREVER + LIVROS VÁRIOS / aCONVIDARb IXa PEDRO O-QUE?

ESCREVER LIVRO CRIANÇA / VÁRIOS LIVROS

Primeiramente, observa-se uma diferença significativa entre o produto da tarefa de tradução


e o produto da tarefa de interpretação, em termos de taxa de produção. Adicionalmente, podemos
perceber que na interpretação aconteceram três hesitações e na tradução apenas uma. A hesitação da
tradução é bem pontual, e aconteceu quando o Sujeito 02, ao ler a glosa, percebeu que estava
pulando uma linha do texto. Este fato pode ser percebido pelo sinal DESCULPA realizado após a
percepção do erro cometido.
Já em relação às hesitações na interpretação, como já foi citado anteriormente, podemos
perceber que ocorreram devido à descontinuidade na produção da interpretação e também a alguma
solicitação do Sujeito 01 ao intérprete de apoio. A primeira hesitação ocorreu quando o Sujeito 01
escutou a palavra “amador” e, por não conseguir encontrar uma equivalência imediata em Libras,
buscou o auxílio do intérprete de apoio, que lhe sugeriu o sinal INFORMAL. A segunda hesitação

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ocorreu quando o Sujeito 01 ouviu a informação do texto de que dois irmãos (Marcelo e Maurício)
possuíam a mesma idade, porém, ao processar a informação de que eles seriam gêmeos, acabou
perdendo a informação referente aos nomes desses irmãos, o que fez com que ele buscasse a
informação com o intérprete de apoio. Já a terceira hesitação, ocorreu quando o Sujeito 01 escutou a
informação do ano 1962 e, novamente, recorreu ao auxílio do intérprete de apoio para certificar-se
da data referida no texto.
Devemos nos atentar ao fato de que, nem sempre, o intérprete consegue dividir o tempo dos
esforços como deveria. Algumas vezes, o tempo para a compreensão é mínimo, o que irá influenciar
nos demais esforços. Pode acontecer também do tempo para a produção ser prejudicada se o
intérprete não conseguir memorizar a fala a ser interpretada, tal como aconteceu com o Sujeito 01
de nossa pesquisa.
A seguir, apresentamos as discussões as quais chegamos, após a análise dos dados e os
resultados por nós obtidos.

5. Discussões

O principal objetivo deste artigo era verificar quais são as diferenças entre a tradução e a
interpretação da língua de sinais, mais especificamente da Libras, no que diz respeito às hesitações
de dois tradutores/intérpretes durante a prática de tradução e de interpretação a partir de um texto
motivador escrito em Língua Portuguesa.
A partir da comparação das produções, podemos responder a pergunta de pesquisa: Por que
houve apenas uma hesitação durante a produção da tradução? Primeiro, porque o Sujeito 2 teve
acesso prévio ao texto, segundo porque lhe foi permitido elaborar uma glosa, e, terceiro, porque ele
teve a oportunidade de treinar a sinalização antes da produção. Já em relação ao Sujeito 1, ele não
obteve a oportunidade de ter acesso ao texto e sua produção foi simultânea, tendo como auxílio
apenas o intérprete de apoio.
Dessa forma, confirmarmos nossa hipótese de que haveria uma quantidade
significativamente menor de interrupções e hesitações na tarefa de tradução, uma vez que, o
profissional não se encontra em um contexto de conflito de esforços, já que o processo de
compreensão da mensagem e o de produção da tradução não acontecem na mesma unidade
temporal. Por outro lado, na tarefa de interpretação, o profissional precisa controlar os diferentes
esforços (compreensão, memória, produção e coordenação – GILE, 1995) de maneira simultânea,

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gerando uma sobrecarga no processamento cognitivo o que pode ser observado no número maior de
hesitações.
Os resultados obtidos através deste trabalho não devem servir como uma generalização das
práticas de tradução/interpretação da língua de sinais, já que é necessário levar em consideração o
contexto e as condições nos quais os TILS estão inseridos. Além disso, por se tratar de um artigo,
não foi possível abarcar todos os aspectos inerentes à prática de tradução/interpretação, tais como as
escolhas lexicais, a relevância, etc. Esses aspectos podem ser analisados em futuras pesquisas na
área. Esperamos que, através de nosso trabalho, possamos ampliar a visão do TILS em relação à sua
atividade profissional e proporcionar um direcionamento para a formação de novos TILS.

i
Informação encontrada em: << http://www.letras.ufmg.br/protils/>>. Acesso em: 25 ago. 2015.
ii
“ELAN is a professional tool for the creation of complex annotations on video and audio resources”. Informação
disponível em: <<https://tla.mpi.nl/tools/tla-tools/elan/>>. Acesso em: 25 ago. 2015.

iii
O intérprete de apoio serve como um ajudador para o intérprete sinalizador, ele auxilia com a audição do que está
sendo falado, apoiando com a memorização e com o léxico da língua de sinais, quando necessário.

Referências:

AULETE, Caldas. Mini dicionário contemporâneo da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2004.

BAKER, Mona. (2004). A corpus-based view of similarity and difference in translation,


International Journal of Corpus Linguistics, p. 167-193.

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