Você está na página 1de 114

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Instituto de Economia

Thomas Victor Conti

RIVALIDADE POLÍTICA E COMPETIÇÃO ECONÔMICA


INTERNACIONAL:
A centralização de capitais e a eclosão da Primeira Guerra Mundial

CAMPINAS
2012
2

Thomas Victor Conti

Rivalidade Política e Competição Econômica Internacional: a centralização de


capitais e a eclosão da Primeira Guerra Mundial

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Graduação do Instituto de Economia da Universidade
Estadual de Campinas para obtenção do título de
Bacharel em Ciências Econômicas, sob orientação do
Prof. Dr. Eduardo Barros Mariutti.

Campinas
2012
Agradecimentos

Se esse estudo e a integridade física e mental do autor foram possíveis, deve-se


primeiramente ao apoio incondicional da minha família, Sônia, Mônica, Fábio, Andréa, Osmar e
Regina, que se colocaram sempre ao meu lado, não apenas quando necessitei de ajuda, mas
mesmo quando para isso tinham de se fazerem mais distantes, mostrando-me a força do amor e
da dedicação familiar, a que espero sempre ser capaz de retribuir.
Quanto ao estudo do tema, todas as linhas dignas de nota são de alguma forma
tributárias das conversas e direções que a orientação dedicada e inspiradora do Professor Eduardo
Mariutti forneceu ao longo da pesquisa. Foi também nas aulas de História Econômica Geral I e II
ministradas pelo Professor que tive a oportunidade de ver – e rever – a importância da História
para a compreensão crítica da realidade, de forma que meu interesse mesmo pelo estudo da
histórica econômica deve-se também à sua inflûencia, que antecede a pesquisa.
Também nesse sentido devo às aulas brilhantes que tive a oportunidade de assistir na
Escola de Campinas. Acredito que citar nominalmente os professores responsáveis por essa
formação seja pouco produtivo, uma vez que não são poucos, mas também por ser ademais
desnecessário – coloco minha participação em sala de aula e o interesse e dedicação que espero
ter mostrado em suas disciplinas como forma de agradecimento pessoal e prova de que o
conhecimento transmitido e os esforços didádicos buscados foram da maior significação para a
minha formação acadêmica. Agradeço às instituições de fomento à pesquisa, PIBIC e FAPESP,
sem as quais minhas horas de dedicação exclusiva à pesquisa não teriam existido.
Agradeço aos meus colegas de curso pela troca de ideias e experiências, em especial a
Guilherme da Silva e Robinson Moyses pelas conversas inspiradoras e críticas que a convivência
diária proporcionou-me, e a Martin Nydegger pelas discordâncias construtivas permanentes, bem
como o apoio sincero prestado nas horas mais difíceis. Aos meus amigos Gian Calobrezi,
Marcelo Neto, Marco Aurélio Brizzi, Lucas Pina e Marcos Paulo Beltran, agradeço pela amizade
sólida como a rocha que vivemos ao longo de muitos e muitos anos, sem a qual certamente não
seria quem sou hoje e não poderia encarar o futuro com o mesmo otimismo e segurança.
Por fim, um estudo como este, permeado dos caóticos, cinzentos e, não raro,
desalentadores movimentos da história mundial, também não teria sido possível sem os intervalos
à luz da experiência mais significativa a que nós enquanto humanos podemos passar – a
felicidade genuína e o amor sincero –, a que devo à Jéssica Marcon Dalcol, namorada e
companheira.
Campinas
2012

CONTI, Thomas Victor. Rivalidade Política e Competição Econômica Internacional: a


centralização de capitais e a eclosão da Primeira Guerra Mundial. 2012. 114 páginas. Trabalho de
Conclusão de Curso (Graduação) – Instituto de Economia. Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2012.

RESUMO:

O objetivo do estudo é compreender a natureza das forças imperialistas que, no final do século
XIX, foram responsáveis pela crise da “Hegemonia Britânica” e pela deflagração da Primeira
Guerra Mundial. Partimos da discussão de uma hipótese central: a ordem britânica era,
inicialmente, baseada em sua preponderância no comércio internacional, que possibilitou um
padrão de crescimento orientado em torno de sua demanda por produtos primários e a oferta de
industrializados. Contudo, o processo de centralização de capitais difundiu a industrialização para
um conjunto restrito de países, fato que possibilitou um tipo novo de rivalidade política, fundada
na simbiose entre o capital nacional e o Estado, crescentemente apoiada no nacionalismo. A
concorrência entre os capitais nacionais engendrou um expansionismo político que dividiu o
mundo em áreas de influência crescentemente hostis, que, ao assumir uma forma bipolar, resultou
na Grande Guerra. Buscamos uma análise mais profunda das conexões entre as estruturas
econômicas da organização produtiva e suas contrapartidas no jogo político dos Estados
modernos.

Palavras-chave: Capitalismo, Economia Internacional, Imperialismo

ABSTRACT:

This study aims for an understanding of the nature of the imperialist forces that, in the end of the
Nineteenth Century, were responsible for the “British Hegemony” crisis and for waging the First
World War. We start discussing a main hypothesis: the British order was initially based on its
domain in international commerce, which enabled a growth pattern oriented around its demand
for primary products and supply of manufactured goods. However, the process of capital
centralization diffused industrialization to a restrict set of countries, fact that opened the
possibility of a new type of political rivalry, based on the symbiosis between the national capital
and the state, increasingly supported on nationalism. The competition among national capitals
engendered a political expansionism that divided the world in influence areas ever more hostile
that, once fit in a bipolar form, resulted in the Great War. We look for a deeper analisis of the
conections between the economic structures of productive organizations and its counterparts in
the political game of modern states.

Keywords: Capitalism, International Economy, Imperialism


2

SUMÁRIO

Prefácio ........................................................................................................................................... 3
Introdução ...................................................................................................................................... 4
Parte I – A Hegemonia Britânica ................................................................................................. 8
Capítulo 1 – Antecedentes: o capital comercial autônomo ......................................................... 8
1.1 Relações de produção e acumulação em um mundo rural .............................................. 10
1.2 Ascensão Britânica e Industrialização Originária ........................................................... 19
Capítulo 2 – O Imperialismo do Comércio Livre ...................................................................... 34
2.1 Desenvolvimento econômico e liberalização comercial ................................................. 37
2.2 Hegemonia e a nova ordem liberal-concorrencial .......................................................... 50
Parte II – O desenvolvimento e as contradições da ordem liberal .......................................... 56
Capítulo 3 – Desenvolvimento: industrializações atrasadas e a centralização de capitais ........ 57
3.1 Os Estados Unidos e o Capitalismo Gerencial Competitivo ........................................... 59
3.2 A Alemanha e o Capitalismo Gerencial Cooperativo ..................................................... 70
Capítulo 4 – Contradições: a Grande Depressão e a Nova Rivalidade Política Internacional .. 79
4.1 A Grande Depressão (1873-1896) ................................................................................... 80
4.2 Imperialismo, Indústria da Guerra, Nacionalismo .......................................................... 91
Conclusão: Rumo à Grande Guerra ........................................................................................ 107
Bibliografia ................................................................................................................................. 110
3

Prefácio

O trabalho de conclusão de curso que se segue foi resultado de um tempo de pesquisa


mais longo do que normalmente é colocado à disposição dos alunos, e a isso se deve esforços de
participação em programas de auxílio à iniciação científica – PIBIC e FAPESP.
Contudo, a abordagem do tema trouxe consigo elementos de grande dificuldade
analítica para o autor, que por ética acadêmica assume desde logo a responsabilidade pelas
lacunas e falhas de interpretação que certamente encontrarão ao longo do texto.
As dificuldades se expressam desde logo na divisão das partes desta pesquisa. A
priori, o projeto destinava-se exclusivamente ao tema da Parte II: o desenvolvimento e as
contradições da ordem liberal, as relações entre as industrializações atrasadas, a centralização de
capitais e a formação de novas rivalidades políticas. Como cabe a toda análise de história
econômica, a etapa inicial de estudo é o entendimento dos elementos mais importantes do
contexto histórico geral em que se insere seu objeto. Contudo, as dificuldades do autor se
expressaram já nessa etapa preliminar. Os fundamentos da ordem liberal ou da Pax Britannica
não me pareciam de forma alguma óbvios, e os estudos do contexto histórico anterior ao proposto
no projeto acabaram tomando um papel mais central do que o inicialmente planejado. De uma
breve síntese de elementos gerais desviei para textos que compunham diferentes debates
historiográficos, como a análise revisionista de Peter Cain ante outras interpretações sobre a
hegemonia britânica, e as novas interpretações da cliometria sobre os determinantes da revolução
industrial contra as análises marxistas da história.
O produto final do projeto acabou cindido em dois: metade dedica-se à discussão da
formação e consolidação da Hegemonia Britânica, enquanto apenas metade aborda o que seria o
tema central proposto, as transformações econômicas e políticas que culminaram na Grande
Guerra. Ambas as análises são certamente insuficientes diante do material bibliográfico
disponível e da complexidade dos elementos tratados, porém, dentro dos estreitos limites em que
posso me colocar como conhecedor mínimo das questões levantadas, o leitor encontrará na Parte
I um texto mais organizado, estruturado e consistente, enquanto a Parte II espero ser capaz de
elevá-la em pesquisas futuras.
Dito isso, peço desculpas pelas falhas e espero que a leitura seja frutífera.
4

Introdução

O capitalismo é um sistema inerentemente expansionista: o capital tem como objetivo


último a sua auto-expansão (D-M-D´). Contudo, esta dinâmica se manifesta sempre de forma
particular ao longo de sua história. No caso do século XIX, essa dinâmica conduziu à gênese de
novos elementos sociais, econômicos, invenções e expressões que dariam cara não apenas àquele
século, porém tornariam-se membros permanentes dos séculos XX e XXI. “Capitalismo”,
“socialismo”, “indústria”, “greve”, “liberal”, “conservador”, “cientista”, “crise”, “nacionalidade”
são apenas alguns exemplos de palavras que não existiam, ou ao menos não com seu significado
moderno, antes dos movimentos que tomaram conta do longo século a que nos ocupamos.1
Para o economista que busca compreender historicamente como certas relações foram
criadas e se desenvolveram o longo XIX assemelha-se a um labirinto de vidro – tanto
transparentes quanto enganosas; visíveis porém confusas. Sabemos que seu início é marcado pela
Revolução Francesa e seu fim pela Primeira Guerra Mundial; entre esses pólos, podemos marcar
uma diversidade de acontecimentos, invenções, lutas, que poderiam ser apontadas como
marcantes. O surgimento das ferrovias, o barco a vapor, o telégrafo, o movimento operário e as
revoluções, o comércio livre, o imperialismo, os sindicatos, a indústria bélica, o automóvel, o
refino do petróleo, a metalurgia do aço, as crises comerciais... para cada um destes podemos
encontrar dedicados trabalhos de economistas, historiadores e sociólogos que reconstituem,
analisam e interpretam seus significados. Assim, o esforço deste trabalho parte da extensa
bibliografia existente para organizar uma síntese dentro da área da história econômica, com base
na economia política internacional. Buscamos, no movimento histórico concreto e material,
relacionar o que Marx chamou de centralização de capitais com as novas formas de concorrência
econômica e, a partir dessa estrutura, discutir as mudanças na política interna da Inglaterra,
Alemanha e Estados Unidos, para chegarmos a uma vertente interpretativa acerca da grande
rivalidade política internacional que marcaria as últimas décadas do século XIX e início do XX,
que culminariam na eclosão da Grande Guerra.
As dificuldades do trabalho apresentam-se, portanto, na síntese de uma multiplicidade
de elementos e no método de interpretar e descrever processos em movimento, pois o longo XIX,

1
Hobsbawm, Eric J. “A Era das Revoluções: 1789-1848”. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. pp. 19.
5

como o século onde o capitalismo extendeu-se para todas as regiões do globo, subverteu tanto as
organizações antigas da produção quanto o ritmo e os modos de vida anteriores à sua lógica da
acumulação sem fim de capitais, e a explosão de inovações, conhecimento, revoltas, produção de
mercadorias, etc., que se observou foi o substrato tanto para a exaltação desse novo padrão de
vida, o da burguesia, quanto para a crítica ferrenha à ideologia dominante, marcada por Marx e
Engels no “Manifesto Comunista” de 1848 e na publicação do Volume I de “O Capital” em 1868.
Sendo assim, como considerar a história econômica de três grandes países ao longo
de um século? O método empregado na análise torna-se uma variável importante na separação
entre aquilo que constitui o essencial, o aparente e o supérfluo; no movimento histórico, separa as
relações determinantes das relações secundárias ou de fundo. Há portanto a necessidade de uma
apresentação do método que aplicamos, de forma a organizar a leitura, dando luz tanto aos seus
pontos fortes quanto fomentando críticas mais precisas e construtivas.
Nosso ponto de partida é a delimitação do contexto material em que determinado país
ou países estão inseridos; tamanho da população, a divisão entre população urbana e população
rural, suas conexões com o oceano, sua base produtiva, os detentores de capital, o trabalho
assalariado, a propriedade das terras, a tecnologia disponível, o setor de serviços. A partir da
caracterização histórica desses elementos buscamos extrair as vias em que era possível a
acumulação de capital; a forma com que aparecia (mercantil, industrial, financeira); os limites
desse processo; por fim, quando possível, buscamos caracterizar o sentido da acumulação em
suas determinações mais gerais, sentido que dá coerência aos elementos anteriores e torna
possível apreendê-los como realmente são – como processos em movimento, e não categorias
estáticas.
Como consequência do sentido que extraímos da análise concreta material, passamos
para uma análise dos processos. Urbanização, crescimento populacional, deslocamentos
populacionais (imigração e emigração), colonização, industrialização, revoltas populares. Temos
que a dinâmica da acumulação não engendra crescimento econômico em abstrato, mas recoloca a
todo momento o problema da composição das classes internas a cada Estado. O passo seguinte é
a análise desse movimento tal como ele se apresenta na luta de classes interna de cada país. O
Estado, a disputa política pelo poder, o sistema de impostos, a dívida pública, o gasto e o crédito
público, o exército e a marinha.
6

Temos no resultado dessa disputa a definição de políticas específicas, econômicas,


legais, militares, de forma que torna necessário relacionarmos essas políticas novamente com a
forma, os limites e o sentido da acumulação que descrevemos anteriormente; adicionalmente,
relacionamos-as com as questões de classe inerentes a todo esse processo, os vitoriosos e os
derrotados, as ideologias dominantes e as expressões de descontentamento, o nacionalismo.
Nosso objetivo final, a relação que buscamos entre centralização de capitais, concorrência
econômica e rivalidade entre Estado se apresenta apenas à luz dessa discussão, onde entramos
nos determinantes mais gerais das relações internacionais, da divisão internacional do trabalho, a
exportação de capitais, o mercado internacional, as barreiras protecionistas, as crises econômicas,
e, por fim, as motivações das guerras e os impactos causados por elas.
Esse é o movimento geral do presente trabalho, cabendo apenas distinguirmos como
essa análise se apresenta de forma distinta para cada país (Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha).
No caso britânico, a busca pela forma, limites e sentido da acumulação nos leva à reconstituir os
pontos principais do sistema mercantilista, as relações de classe específicas daquele país, as
formas de colonização, gestão do aparato Estatal, etc., que deram substrato material para a vitória
no conflito contra a França. No caso britânico temos que as relações internacionais apresentam-se
nas próprias características da acumulação baseada no sistema mercantilista, sua
indissociabilidade com a marinha mercante e de guerra e a presença constante e bem marcada da
interferência governamental nesse processo. Ao adentrarmos na “industrialização pesada”
britânica engendrada pelas ferrovias, novas determinações surgem no embate político interno e,
por tratar-se da potência hegemônica da economia-mundo, imprimem novas características às
relações internacionais com certos países, onde o centro econômico industrial do mundo passa a
pressionar as estruturas das demais economias em relações de complementariedade total ou
complementariedade restrita.
Essa discussão prepara o terreno para nos voltarmos ao movimento econômico e
político dos Estados Unidos e da Alemanha. Nestes, a arena externa constitui uma força
determinante muito maior para explicar seus movimentos internos do que no caso britânico, de
forma que devemos nos ocupar de inserir esses problemas na análise inicial da forma, limites e
sentido da acumulação, principalmente quanto aos seus limites. As disputas de classe e o embate
político resultante, contudo, são demasiadamente particulares a cada um destes países, não
cabendo generalizações e, para efeito dessa introdução, não é tampouco necessário nos
7

aprofundarmos em suas características específicas. No Capítulo 3, buscaremos apontar esses


elementos e traçar as tendências tanto do movimento econômico material presente naqueles
países quanto de suas aspirações políticas.
Por fim, no Capítulo 4, buscamos sintetizar tanto nossas conclusões acerca dos
determinantes da Hegemonia Britânica quanto das tendências verificadas para a Alemanha e os
Estados Unidos em uma análise geral de como as diferentes estruturas econômicas e políticas
reagem à Grande Depressão de 1873 à 1896. A discussão final acerca do Imperialismo, a
indústria da guerra e o nacionalismo nada mais é do que o desfecho dessas tendências, uma
análise das suas relações mútuas no contexto da economia política internacional. A conclusão, ou
o desfecho, é o caminho rumo à Grande Guerra.
8

Parte I – A Hegemonia Britânica

Capítulo 1 – Antecedentes: o capital comercial autônomo

A primeira grande transformação a que devemos nos ater para entender a Hegemonia
Britânica é o processo de consolidação da Grã-Bretanha como uma liderança econômica dentro
da economia-mundo em expansão. O grande setor manufatureiro, as instituições financeiras
sofisticadas centradas na City Londrina, a preponderância no comércio ultramarino e a ampla
gama de serviços ligados a essas duas últimas atividades, tiveram suas origens delineadas nos
tempos em que a produção tipicamente capitalista ainda não era central para o desenvolvimento
econômico, cujo núcleo era o investimento no comércio de bens produzidos em diferentes formas
de existência do trabalho, corporificadas em diferentes relações produção (escravidão, servidão,
putting out, assalariamento; variando em maior ou menor grau conforme a região). Seguramente,
podemos traçar esse período como indo de meados do século XIV até 1760, porém periodizar seu
fim – marcado pela crescente importância da industrialização britânica – pode chegar tão tarde
quanto 1830, dependendo dos critérios utilizados.
Contudo, entrar na polêmica da periodização da Revolução Industrial originária não
faz parte do escopo deste trabalho. Para os nossos objetivos, devemos iniciar mostrando como
operava a lógica econômica e política em um período onde a acumulação predominava na esfera
da circulação dos capitais. Obviamente, por detrás de qualquer lógica historicamente
determinada podemos identificar sujeitos atuando. Assim, ao conjunto de relações circunscritas
por eles e ao sentido geral da aplicação de seus recursos chamaremos de capital comercial
autônomo,2 cujo movimento se traduz em impactos decisivos para a conformação da Hegemonia
Britânica e sem o qual não conseguiríamos entender suas características gerais e específicas.
Ao conjunto de práticas e políticas destinadas a promover a acumulação do capital
circulante convencionou-se chamar de mercantilismo.
Vale lembrar, o mercantilismo foi um corpo antes prático que teórico. As ideias
mercantilistas eram difundidas através de pequenos tratados escritos pelos próprios mercadores
das companhias de comércio e navegação, ou por membros do aparato governamental envolvidos

2
O conceito de capital comercial autônomo foi desenvolvido por Fernando Novais. Para uma discussão minuciosa sobre este
conceito, ver Mariutti, Eduardo Barros. “Colonialismo, Imperialismo e o Desenvolvimento Econômico Europeu”. São Paulo:
Hucitec, 2009. pp. 156-166.
9

com o manejo das contas públicas – ou seja, por aqueles que mais diretamente se relacionavam
com a gestão dos riscos e rendimentos das trocas internas e entre fronteiras.
Sabendo do papel crescentemente central que as manufaturas e o investimento
capitalista na produção passariam a ter a partir da revolução industrial britânica e seguindo as
fortes tendências recentes à cliometria,3 as análises liberais relegam a decadência das ideias e
práticas mercantilistas aos equívocos sistemáticos de tais agentes, que não entendiam a real fonte
da riqueza das nações – a intensificação da divisão social do trabalho e dos ganhos de
produtividade dela decorrentes na produção de mercadorias, como pregou Adam Smith. Depois,
ao ressurgimento do mercantilismo em novas bases no último quartil do século XIX (o
imperialismo), relegam como uma herança atávica do período feudal, irracionalidade, influências
espúrias da alta finança nos governos ou a erro de cálculo dos investidores e do estado.4 Por vias
distintas, estes autores tentam encaixar a história em um modelo pré-concebido de verdade
universal, cuja origem é naturalizada – no caso, a imediata e invariável “preferência racional”
por investir de forma direta e pacífica na unidade produtiva manufatureira, cujo embate com
outras unidades econômicas deve ocorrer apenas mediante o mercado.
É, portanto, para escapar desse tipo de anacronismo e entender as transformações que
estavam em curso na esfera econômica e política no século XIX que devemos buscar: i) os
fatores que davam sentido às estratégias privadas e estatais de acumulação no Ocidente durante a
crise do Antigo Sistema Colonial; ii) o porquê da transição à produção capitalista levar a uma
reorientação em certas práticas de negócios e gestão governamental muito difundidas;5 iii) como
essa mudança se realiza – não devemos simplesmente supor que seja natural, consequência da
maior racionalização das atividades. Afinal, se assim fosse, por que levou tanto tempo para que
as atividades fossem mais “racionalizadas”?

3
Uma análise crítica da vertente cliometrista pode ser encontrada também em Mariutti. “Colonialismo...”, pp. 15-34.
4
Essa é uma síntese assumidamente muito supercial das conclusões acerca do imperialismo europeu de, respectivamente,
Schumpeter, Norman Angell, J. A. Hobson e, de certo modo, Patrick O’Brien. Este último, ao concluir que o império era
economicamente ineficiente e a Inglaterra teria ‘ganhado mais’ aplicando seus recursos em outros investimentos, no fundo
implica que a visão do autor pode ser resumida como um “erro de conta” dos contemporâneos. Cf. Mariutti. “Colonialismo...”, pp.
155-224.
5
Como mudança, entendemos uma passagem do foco principal, no caso britânico, para outras estratégias de acumulação que lhe
darão vantagens na competição mundial pela apropriação de maiores excedentes. A saber, a lógica do capital comercial autônomo
de forma alguma desaparece do cenário econômico mundial, apenas passa a conviver com outra forma segura e muito rentável de
aplicação de recursos em escala ampliada.
10

1.1 Relações de produção e acumulação em um mundo rural

O cenário europeu nas décadas as quais se atribui a aceleração dos métodos


industriais de produção ainda é essencialmente rural – na Rússia e leste europeu, em 1789 o
percentual da população vivendo no campo era maior que 80%, podendo chegar aos 97%, sendo
o quadro para os demais países europeus não muito diferente dessas marcas. A transição da
maioria rural para a maioria urbana dava-se a passos lentos: na própria Inglaterra, onde o ritmo de
urbanização mais se acelerava,6 essa marca só seria ultrapassada em 1851. Os dois maiores
centros urbanos eram Londres e Paris, com aproximadamente um e meio milhão de habitantes,
respectivamente. Na Europa como um todo, havia apenas umas 20 cidades com mais de 100 mil
habitantes, das quais apenas duas encontravam-se na Alemanha.7
Contudo, a essa época a cisão rural/urbano já era clara aos contemporâneos. O campo
era composto por diversas pequenas cidades provincianas que, se falhavam em marcar uma
distinção nítida em ritmo produtivo com relação às suas imediações rurais, eram eficientes em
demarcar separações culturais entre campo e cidade. Mais letrados, fisicamente distintos (mais
magros), vestindo roupas diferentes e provavelmente com um raciocínio mais veloz, os que
viviam nestes pequenos centros não se enxergavam pura e simplesmente como camponeses.

A cidade provinciana ainda pertencia essencialmente à sociedade e à economia do


campo. [...] Suas classes média e profissional eram constituídas pelos negociantes de trigo
e de gado, os processadores de produtos agrícolas, os advogados e tabeliões que
manipulavam os assuntos relativos ao património dos nobres ou os intermináveis litígios
que são partes integrantes da vida em comunidades proprietárias de terras, os empresários
mercantis que exploravam os empréstimos aos fiandeiros e tecelões dos campos, e, por
fim, os mais respeitáveis representantes do governo, o nobre e a Igreja. Seus artesãos e
lojistas asseguravam as provisões aos camponeses e aos citadinos que viviam às custas
dos camponeses (Hobsbawm, “A Era das Revoluções”, pp. 28, grifos meus).

6
Nos três séculos entre 1500 a 1800, a população urbana da Inglaterra passou de 7% para 29% do total; a população rural que não
estava envolvida com a agricultura, dedicando-se à produção manufatureira em oficinas ou em suas próprias casas, formando o
chamado sistema de putting out, era de 18% da população em 1500 e passa para 36% em 1800. Holanda e Bélgica já tinham uma
parte maior da sua população vivendo em áreas urbanas em 1500 (em torno de 30%), porém ao longo dos três séculos em questão
pouco acresceram a esse percentual, sem contar que sua população em termos absolutos era muito menor que a inglesa. Ver Allen,
Robert C. “Britain’s economic ascendancy in a European context”. Em: “Exceptionalism and Industrialization: Britain and its
European Rivals, 1688 – 1815”. New York: Cambridge University Press, 2004. Pp. 16, tabela 1.1.
7
Hobsbawm, Eric J. “A Era das Revoluções: 1789-1848”. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. pp. 27.
11

Para os nossos efeitos, é importante demarcar essas diferenças por dois motivos: i)
porque as relações de produção nessas bases são específicas, assim como a expansão da
acumulação de recursos; ii) pois essa distinção acarretava diferenças nas práticas de controle e
poder das elites e dos Estados.

Quanto ao primeiro ponto. Se a vasta maioria da população encontrava-se no campo,


temos que os principais problemas econômicos são justamente a produtividade, o nível de
produto8 e os respectivos ganhos no comércio agrícola, bem como os impostos dele advindos.
Segundo Hobsbawm, essa questão agrária pode ser dividida nas relações: entre quem cultivava a
terra e quem a possuía; entre quem produzia sua riqueza e os que a acumulavam.
Seguindo esse raciocínio, repassamos a argumentação do autor dividindo as linhas
gerais das relações de propriedade e produção da Europa e regiões anexas (colônias) em três:9
colônias do atlântico, Europa Ocidental e Europa Oriental.
Nas colônias do atlântico, com exceção do norte dos Estados Unidos, o proprietário
típico possuía uma propriedade enorme, quase feudal, cuja maior parte da produção era levada
através do trabalho compulsório de índios ou escravos africanos. A economia dessas regiões era
rudimentar, voltada em pequena escala para subsistência e em grande escala para atender alguma
demanda regional europeia, antes principalmente através do açúcar, mas em fins do século XVIII
crescentemente a partir do algodão. Seus trabalhadores ou não tinham qualquer liberdade ou
trabalhavam através da coerção política. Na economia-mundo essas regiões articulavam-se
como economias complementares da Europa Ocidental e como demandantes para o comércio de
escravos africanos. O grosso do excedente destas regiões ficava do lado das metrópoles
europeias, onde estavam os beneficiários do monopólio do pacto colonial e da cobrança de
impostos das colônias: os grandes mercadores, as companhias de comércio e o governo
colonialista. Contudo, uma parte relativamente pequena do excedente era apropriada pelos
grandes latifundiários coloniais, que, em termos absolutos, eram capazes de acumular enormes
riquezas.

8
O’Brien e Prados de la Escosura também levantam esses pontos, porém utilizando-nos para criticar a importância dada pelos
historiadores e economistas à indústria e a economia urbana na Bretanha da Revolução Industrial. Quantificar o grande o peso
relativo da agricultura, contudo, não é o mesmo que quantificar seu dinamismo, ou menos ainda provar uma hipotética
desimportância do papel da formação e desenvolvimento das grandes cidades para a economia e sociedade inglesa. Cf. Prados de
la Escosura, Leandro. (org) Exceptionalism and Industrialization: Britain and its European Rivals, 1688–1815. New York:
Cambridge University Press, 2004. pp. 1-12.
9
Hobsbawm, Eric J. “A Era das Revoluções: 1789-1848”. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010., pp. 29.
12

Na Europa Oriental, os camponeses encontravam-se mergulhados no longo


recrudescimento da servidão desde o início do século XVII. Suas obrigações com relação aos
grandes senhores de terras eram enormes, em certos casos chegando próximas da escravidão, com
compra e venda de servos em separado de suas terras. As regiões próximas ao Mar Báltico
funcionavam como grandes propriedades feudais de exportação para as regiões do Oeste
Europeu, como trigo e madeira para construção naval, nesse sentido desempenhando um papel
complementar e dependente semelhante às colônias do Atlântico. As demais áreas eram mais
voltadas para atender às zonas de maior desenvolvimento urbano e manufatureiro da região.
Na Europa Ocidental, em regiões como Itália e Espanha, as relações de produção não
eram muito distintas. A propriedade era da nobreza e os duques e barões tiravam sua renda da
extorsão do campesinato, que produzia basicamente trigo e gado. Os rendimentos que esses
proprietários tiravam eram exorbitantes e mesmo a partir do declínio da produção feudal
continuariam a extrair enormes excedentes. Havia, contudo, um estrato intermediário de
cavalheiros proprietários, responsáveis por explorar e coagir diretamente os camponeses. Em
geral, quanto maior o percentual de cavalheiros em relação à população, mais pobres eles eram,
uma vez que havia menos excedente agrícola para sustentar cada um deles sem que tivessem de
recorrer à sua própria força de trabalho.
O elo entre a posse de terras e o status de classe dominante continuava de pé na
Europa Ocidental, porém o camponês já havia perdido grande parte da sua condição de servo. A
aristocracia tinha de explorar cada vez mais os servos para compensar a multiplicação da camada
de nobres proprietários e o esgotamento da produtividade feudal, engendrando a chamada “reação
feudal”. A dependência do campesinato através de dívidas, aluguéis, uso de serviços obrigatórios
do senhor (como o moinho) era recorrente, de modo que, segundo Hobsbawm,10 se removidos os
vínculos políticos a maior parte da Europa Ocidental tornar-se-ia como uma área de agricultura
camponesa livre, onde os maiores proprietários tenderiam a voltar suas produções para o
comércio e os menores teriam de dedicar parte de seu tempo de trabalho em outras fazendas ou
nas manufaturas em troca de remuneração.
Foi na Inglaterra que esse desenvolvimento agrícola ocorreu com mais força, no
sentido da organização comercial da produção. O proprietário de terras era um grande
proprietário que, com interesses mercantis, arrendava a terra para uma classe de agricultores que

10
Hobsbawm, Eric J. “A Era das Revoluções: 1789-1848”. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. pp. 33.
13

organizava a produção através da contratação de mão-de-obra rural, consolidando, entre 1760 e


1830, uma classe de empresários agrícolas (fazendeiros) e um grande “proletariado” rural, bem
como mantinha a predominância econômica e política dos landlords ingleses.
A produção agrícola da Europa no século XVIII era ainda voltada para a produção de
gêneros básicos relacionados à alimentação, cuja dieta era composta dos produtos regionalmente
disponíveis. Os alimentos produzidos nas zonas tropicas, com exceção do açúcar, eram bens
próximos do luxo, como o fumo, monopolizado pelo governo para gerar receitas fiscais. Contudo,
esse século não foi de estagnação da produção agrícola. A urbanização e o grande crescimento
demográfico não seriam possíveis sem o aumento da produtividade.
No sistema inglês de produção rural, esse aumento apresenta uma dinâmica
específica, observável desde o século XVI.11 A terra pertencia aos landlords ingleses que, com a
dissolução dos vínculos de servidão, passaram a ver no arrendamento uma fonte fácil e segura de
obter grandes quantias de dinheiro. A população de camponeses praticantes da agricultura de
subsistência e da manufatura para o próprio uso vinha sendo desapropriada desde o século XIV,
primeiro através da violência direta, depois crescentemente através da violência legal do
parlamento – dominado pela elite proprietária de terras – mediante leis que beneficiavam os
cercamentos12 e a concentração fundiária nas mãos de poucos. Nesse contexto, surge a figura do
intermediário, o fazendeiro capitalista. O fazendeiro firmava um contrato de arrendamento de
longíssimo prazo com o senhor de terras, estabelecendo um pagamento fixo pelo usufruto da sua
produção. Depois, para realizar a produção agrícola, contratava trabalhadores, dava-lhes um
pequeno local para morar e algum lote de terra para realizar sua produção de subsistência, e
pagava-lhes uma pequena quantia para produzir o que seria de propriedade do arrendatário. Em
um sistema produtivo organizado desta forma, observamos que os custos do fazendeiro capitalista
são próximos de fixos: contratos de longo prazo pela terra e exploração de mão-de-obra
abundante e barata. Assim, vemos que quaisquer ganhos de produtividade deste tipo de
agricultura, bem como quaisquer aumento de preços nos gêneros agrícolas, favorece diretamente
a apropriação do excedente pelo fazendeiro, que pode aplicá-lo de variadas formas, como na
produção de gado, levando a novas rodadas de expulsão de camponeses.

11
Hobsbawm, Eric J. “A Era das Revoluções: 1789-1848”, pp. 33. Ver também: Marx, Karl. “O Capital – Volume 1”, cap. 24:
A Chamada Acumulação Primitiva, parte 4 – Gênese do Arrendatário Capitalista.
12
“O roubo assume a forma parlamentar que lhe dão as leis relativas ao cercamento das terras comuns, ou melhor, os decretos
com que os senhores das terras se presenteiam com os bens que pertencem ao povo, tornando-os sua propriedade particular,
decretos de expropriação do povo”. Marx, Karl. “O Capital – Volume 1”, cap. 24: A Chamada Acumulação Primitiva, pp. 841.
14

Esse movimento tem implicações para as relações entre campo e cidade, produtores e
comerciantes. A população rural, enquanto assentada no campo, detinha os meios para realizar
uma produção doméstica de pequena escala de têxteis e gêneros agrícolas, necessários para a sua
própria subsistência, e algum excedente poderia ser eventualmente vendido no mercado.
Conforme perde o uso das terras comuns e a posse de suas vilas, essa população agora dispersa
de seu local de origem deixa de ser capaz de prover o suficiente desses dois tipos de bens para si
mesma, tornando-se, de um lado, demandante para os produtores destes, ou seja, aumenta a
demanda interna potencial por gêneros agrícolas e produtos manufaturados; de outro, torna-se
uma ofertante da única coisa que lhe restara, sua própria força de trabalho, criando uma oferta
interna potencial de mão-de-obra.13
Nessas condições, o campo, antes de agricultura camponesa de pequena escala e
reduzido comércio, torna-se um sistema produtivo baseado na concentração de seu produto nas
mãos dos fazendeiros capitalistas. Como essa concentração acontece mediante a expulsão das
pessoas que antes consumiam diretamente a produção agrícola sem ter de passar pelo intermédio
do mercado, temos que a reprodução simples dessa sociedade passa a depender da sua capacidade
de suprir as “novas” necessidades de uma grande parcela de sua população, agora
geograficamente mais distante do local produtivo e despossuída de seus meios de subsistência.
Assim, o comércio prospera conforme consolida seu papel de articulador, entre a
produção agrícola de várias regiões – tanto internas quanto no ultramar – e os centros urbanos em
crescimento. Seus ganhos crescem proporcionalmente com o crescimento das cidades e vice-
versa, assim como crescem a influência e importância dos mercadores e outros agentes do setor
de serviços ligados ao comércio (como os financistas e futuros banqueiros).14
Da parte das relações de produção agrícolas em desenvolvimento que descrevemos,
seu cenário é notadamente lento. Fundadas em tradições ou heranças servis, ainda amplamente
dispersas geograficamente e submetidas à coerção direta das elites (individual ou estatal), o
quadro geral era sustentado e forçado pelo nível tecnológico vigente nos meios de transporte.
Até meados do século XIX, com o surgimento do primeiro sistema ferroviário, o
transporte por terra mais eficiente disponível era feito em estradas por carroças a cavalo muito
lentas e custosas. Se comparadas com a navegação sofisticada que os europeus já tinham
desenvolvido, não há dúvidas que a conexão entre as grandes capitais e cidades portuárias era
13
Marx, Karl. “O Capital – Volume 1”, cap. 24: A Chamada Acumulação Primitiva, pp. 865.
14
Tilly, 1990.
15

muito mais fácil, barata e veloz do que a ligação destes centros com as regiões internas aos
próprios países que faziam parte.15
Esse padrão tecnológico dos meios de transporte é outro fator fundamental para a
compreensão da lógica mercantil de acumulação do período, seu relacionamento com a gestão
governamental e as implicações no sistema interestatal da economia-mundo em expansão.
Em uma economia onde o grosso da população e da produção advinha do campo,
temos um padrão de comércio baseado principalmente em gêneros de baixo valor e grande
volume (commodities e materiais de construção, principalmente). Assim, os custos de transporte
em relação ao valor da produção eram altos pela própria natureza do bem comercializado. As
dificuldades no transporte e comunicação entre as regiões eram – quando viáveis de se enfrentar,
o que não era o caso para a maior parte das regiões do mundo distantes do mar e das vias fluviais
–, administradas por uma grande e complexa rede de comerciantes intermediários que
adicionavam ainda mais custos de transação. Como consequência, temos que o comércio interno
aos Estados era escasso, custoso e de lenta comunicação. Assim, não havia um mercado
“nacional” e sim um conjunto de mercados regionais pequenos e diferenciados, relativamente
autônomos, dentro de cada país.16
Sob essas condições, o objetivo ao aplicarem-se recursos privados para o
investimento dificilmente poderia ser o mercado interno,17 mesmo tratando-se de um período em
que este se encontrava em expansão. O caminho mais rentável e de menor risco situava-se nas
trocas entre os grandes centros urbanos e vias navegáveis ligadas ao Mediterrâneo ou ao Oceano,
unidades agrícolas próximas aos centros urbanos e, crescentemente, nas manufaturas do sistema
de putting out ou nas já localizadas nas cidades. Dentro de cada região, as oportunidades de
atingir uma maior economia de escala, viabilidade técnica e organizacional de inovações era
limitada conforme o acesso aos mercados internacionais e as maiores rotas de comércio regional,
em geral às margens dos grandes rios.
As grandes cidades portuárias eram, portanto, os centros da acumulação no mundo
pré-industrial e, se o grosso da produção nacional era de gêneros agrícolas e vinha do campo, a
conclusão ainda assim se mantém, pois eram nas cidades em que se concentravam os sujeitos que

15
Para algumas ilustrações desse quadro, ver Hobsbawm, Eric J. “A Era das Revoluções: 1789-1848”, pp. 23-26.
16
Horlings, Edwin. “The Transition to an Industrial Economy”. Em “Economic and Social Change in Europe – 1400-1800”. pp.
92-93.
17
Hobsbawm, Eric J. “A Era das Revoluções: 1789-1848”, pp. 35-38. Ver também Mariutti, Eduardo Barros. “Colonialismo,
Imperialismo e o Desenvolvimento Econômico Europeu”. São Paulo: Hucitec, 2009. pp. 156-166.
16

articulavam as vias mais dinâmicas e volumosas do comércio regional e internacional, inclusive


de gêneros agrícolas. Em outras palavras, através da regra simples do “comprar barato e vender
mais caro” de seus mercadores, as cidades formavam a base do mercado para toda a produção
excedente e eram capazes de reter parte considerável das somas que movimentavam.
Assim, havia três modos básicos e visíveis aos contemporâneos de fomentar a
concentração de riquezas dentro do território de um país: i) através do aumento da produção
especializada nas regiões agrícolas próximas aos centros urbanos (o que passava por estimular o
despejo das populações rurais e a sujeição dos novos “trabalhadores livres” ao comando
capitalista); ii) através da ampliação do acesso às rotas internacionais de comércio ou ao maior
controle sobre elas; iii) através da expansão da conquista colonial.
Temos aqui a ligação entre as lógicas privadas e estatais, a acumulação de riqueza e o
controle sobre recursos estratégicos. Passamos agora para o segundo ponto ao qual nos referimos
anteriormente, que apenas tangenciamos: as diferenças nas práticas de controle e poder das
elites e dos Estados.
Em um sistema interestatal, viabilizar a acumulação de recursos sobre quaisquer uma
dessas vias implicava uma capacidade excepcional de assegurar vantagens sobre outros locais de
produção e acumulação, notadamente sobre outros centros urbanos e grandes cidades portuárias.
Garantir uma forte capacidade de expansão de longo prazo dessas vias passava necessariamente
pela capacidade de manter o controle sobre sua rede de trocas e, portanto, era uma questão tanto
militar quanto econômica,18 indissociável dos conflitos geopolíticos existentes e da capacidade do
estado de administrá-los.
Em uma era de elevada rivalidade internacional – nos cem anos entre 1700 e 1800, a
Grã-Bretanha passara 50 anos em guerra; a França, 50; a Espanha, 4819 –, havia uma necessidade
simples e imediata de ampliar a coesão e a eficiência do aparelho estatal, cabendo colocar freios
aos interesses mais diversos e particularistas de seus nobres através da construção de uma
burocracia estatal com pessoas que não faziam parte da aristocracia. Essa renovação era vista
pelo ideário iluminista como uma modernização necessária do Estado; na prática, contudo, era
antes pelo interesse em adotar métodos mais modernos de multiplicação de receitas e poder de

18
Horlings, Edwin. “The Transition to an Industrial Economy”. Em “Economic and Social Change in Europe – 1400-1800”. pp.
94-95
19
Stanley L. Engerman and Patrick K. O’Brien. “The Cambridge Economic History of Modern Britain, Volume I”, pp. 461,
tabela 16.5.
17

intervenção do que pela fé na “sociedade iluminada” que as monarquias europeias buscaram


renovar suas bases de apoio.
No próximo tópico, veremos como a estrutura política e econômica prevalecente na
Inglaterra diferenciava-se daqueles dos países continentais e apontaremos o impacto dessas
diferenças para a conformação da Hegemonia Britânica após a vitória contra a França em 1815.

Buscamos mostrar como, em um mundo assentado no campo e na produção rural, o


sentido das estratégias privadas e estatais de acumulação apontava para o fortalecimento das
cidades e do comércio, especialmente o grande comércio colonial e internacional, ambos
dependentes da capacidade do Estado de prover mecanismos de ataque e defesa adequados à
expansão mercantil e à manutenção dos vínculos estabelecidos; vimos que esse movimento
mercantilista-colonialista não constituía um simples atavismo das relações feudais de poder que
em tese prejudicaram o crescimento econômico, mas antes uma estratégia deliberada e consciente
de crescimento econômico ao ampliar: o escopo da economia mundial e regional sujeita à
intermediação dos maiores investidores disponíveis, os mercadores; a apropriação de riquezas nas
mãos de intermediários que coparticipavam dos interesses geopolíticos governamentais; as fontes
de financiamento da crescente burocracia estatal e das guerras, em detrimento das potências
rivais.
Essas relações ainda se restringiam em grande medida às regiões mais imediatamente
próximas da Europa e do Atlântico. A Hegemonia Britânica do século XIX expandiu-se em
influência direta e indireta muito acima desta rede. Até o fim do século XVIII, havia civilizações,
como o Império Chinês, que eram capazes de defenderem-se de possíveis ofensivas europeias. Os
países islâmicos, ainda que por vezes atacados militarmente por seus vizinhos europeus mais
próximos, ainda possuíam um elevado grau de autonomia. As regiões ocupadas da África
restringiam-se a apenas alguns trechos próximos do litoral, seu interior ainda grandemente
intocado. Após a guinada da industrialização, esse quadro não se manteria, e os impactos dos
critérios, dos métodos e das armas mobilizadas pelos mercadores e capitalistas europeus e
principalmente ingleses já eram visíveis. Mesmo sobre este período anterior, Hobsbawm é
enfático:

“Ainda assim, a rápida e sempre crescente expansão maciça do comércio e do


empreendimento capitalista europeu minava a ordem social dessas civilizações; na
18

África, com a intensidade sem precedentes do terrível tráfico de escravos, em todo o


Oceano Indico, com a penetração das potências colonizadoras rivais, e no Oriente Médio e
Próximo, através do comércio e do conflito militar. [...] O avanço decisivo foi feito pelos
ingleses, que já tinham estabelecido o controle territorial direto sobre parte da índia
(especialmente Bengala), derrubando virtualmente o império Mughal, passo que os levaria
no período [...] a se tornarem administradores e governantes de toda a índia. Já então, a
relativa fragilidade das civilizações não europeias, quando confrontadas com a
superioridade militar e tecnológica do Ocidente, era previsível” (Hobsbawm, Eric J. “A
Era das Revoluções: 1789-1848”, pp. 42).

No próximo tópico, abordaremos diretamente a ascensão da Grã-Bretanha como


potência líder no sistema mundial. Abordaremos também as bases da Revolução Industrial,
consolidando o núcleo econômico da Hegemonia Britânica do século XIX. Essas mudanças,
veremos, eram indissociáveis da disputa pela hegemonia militar na Europa.
19

1.2 Ascensão Britânica e Industrialização Originária

A rivalidade entre França e Inglaterra pela posição de supremacia no sistema


interestatal definiu grande parte dos conflitos europeus entre as Guerras Anglo-Holandesas de
1652 e o fim das Guerras Napoleônicas em 1815. Nenhuma das duas potências foi capaz de
conquistar o país hegemônico anterior, os Países Baixos, de forma a internalizar suas grandes
conexões comerciais e aliá-las às suas estruturas mais robustas de Estado, população e exércitos,
o que levaria a uma rápida subida ao topo.20 Já analisamos no tópico 1.1 as formas de estratégia
possíveis de serem adotadas para ampliar a apropriação nacional de riquezas em um regime onde
predomina a lógica do capital mercantil. Assim, frustrada a tentativa de incorporação direta pela
via militar, a alternativa desses países rivais passava por incorporar não as Províncias em si, mas
suas fontes de riqueza e poder: o comércio, a navegação e o controle parcial do Atlântico.
Contudo, esses países começavam a empreitada ultramarina muito depois dos pioneiros Portugal
e Espanha e, principalmente, dos próprios Países Baixos, de forma que tinham de lidar com
posições inimigas já consolidadas nas principais conexões do comércio mundial. Para fazer frente
a esse problema estratégico, esses países, através do mercantilismo francês e britânico, “tiveram
de reestruturar a geografia política do comércio mundial”.21
Ainda segundo Arrighi, essa reestruturação se apoiou em três elementos principais,
que não devem soar estranhos à luz da nossa discussão anterior: a colonização direta, a
escravatura capitalista e o nacionalismo econômico.22 Trataremos mais a fundo cada um desses
pontos, dando grande ênfase à estratégia britânica e apontando as múltiplas interações entre eles.

Colonização direta e escravatura capitalista. Sabemos que o comércio era benéfico


não apenas para os mercadores, mas também para as receitas públicas e até mesmo para os donos
de terras, sendo a forma mais imediata e eficiente disponível, junto à conquista, para internalizar
grandes volumes de riquezas. Efetivamente, contudo, os benefícios das grandes empreitadas
comerciais dependiam do estabelecimento da segurança do reino ante seus rivais – outras

20
Arrighi, Giovanni. “O Longo Século XX: dinheiro, poder e as origens do nosso tempo”. São Paulo: editora Unesp, 1996, pp.
46-48.
21
Ibid, pp. 47-49.
22
Ibid, pp. 49.
20

potências europeias com sistemas mercantilistas similares, que competiam entre si pelo comércio,
território e prestígio nacional (França, Países Baixos e, em menor escala, Espanha). 23
Historicamente, podemos identificar três características específicas do mercantilismo
britânico quanto à colonização e a escravatura: i) flexibilidade comercial e eficiência do setor
econômico privado na Bretanha se comparado com o rígido mercantilismo dirigido pelo Estado
das demais potências europeias; ii) fundação de colônias permanentes ante as estratégias
convencionais de fundação de feitorias e entrepostos; iii) amplo suporte do Estado aos objetivos
privados através do poder naval, impostos governamentais e empréstimos, que permitiram o
florescimento e expansão do comércio oceânico mesmo tratando-se de uma era de guerras
internacionais.24 Analisaremos mais atentamente cada um desses pontos.
i) Na Inglaterra, mercadores e homens de negócios buscavam os governos por ajuda
na abertura de mercados e na quebra dos monopólios locais, além de suporte naval e militar para
as trocas. As relações entre esses interesses privados e o governo inglês eram colocadas em pauta
pelos defesenores mais explícitos do sistema mercantilista britânico – Pitt e Burke, por exemplo –
e, ademais, a possibilidade de ascender socialmente através do rápido enriquecimento era sem
dúvida mais bem aceita na Inglaterra que em qualquer outro país europeu antes da Revolução
Francesa, o que corroborou para que houvesse um relacionamento mais estreito e desimpedido
entre os setores privados mais dinâmicos e o aparato estatal.25 Assim, em 1765 a Companhia das
Índias Orientais ganhava responsabilidade pela administração de Bengala, adicionando nada
menos que 20 milhões de pessoas aos domínios britânicos através de sua empreitada comercial.
Apenas depois de passado quase meio século e apropriadas dezenas de milhões de libras, a
intensificação dos conflitos entre britânicos, franceses e os estados Mughal levaria a Coroa a
tomar para si a responsabilidade direta pela manutenção e expansão da presença britânica naquela
região do globo, em 1813.26 Vale dizer, existiam vozes contrárias às interferências do governo no

23
Morgan, Kenneth. “Mercantilism and the British empire, 1688-1815”. Em “The Political Economy of British Historical
Experience 1688- 1914”, pp. 165-169.
24
Segundo Kenneth Morgan, essa característica do regime mercantilista britânico configura um tipo de governo que ele denomina
de “Estado Fiscal-Militar”, cit. pp. 167. O termo não foi empregado aqui. Pressupõe-se que uma denominação geral para as
políticas do governo britânico contenha alguma capacidade explicativa que ajude a entender as peculiaridades em análise.
Contudo, fica a questão: havia algum estado no período que o autor analisa (1688 – 1815) que não fosse amplamente embasado
nas relações entre rendas fiscais e gastos militares? A análise do autor do regime mercantilista britânico levanta pontos
importantes que distinguem a Inglaterra dos países continentais, porém o termo, a meu ver, é de pouca utilidade.
25
Hobsbawm, Eric J. “A Era das Revoluções: 1789-1848”, pp. 35-38. Ver também Morgan, Kenneth. “Mercantilism and the
British empire, 1688-1815”, pp. 165-167.
26
Morgan, Kenneth. “Mercantilism and the British empire, 1688-1815”. Em “The Political Economy of British Historical
Experience 1688- 1914”, pp. 175.
21

livre jogo das forças privadas mesmo quando em subsídio a elas – cujo maior nome sem dúvida
era Adam Smith –, porém a ideia de que seria possível conquistar ganhos geopolíticos (ou mesmo
econômicos) através do liberalismo ainda era pouco aceita nos campos comerciais e fiscais dos
quais o Estado dependia – as liberdades do mercado eram mais fortemente defendidas pelos
agentes ligados aos interesses da produção manufatureira e industrial, onde a presença estatal
através de algumas leis era vista como impeditiva ao pleno avanço da indústria e da divisão social
do trabalho.27 Não é difícil entender o porquê dessa visão. Em um períodos de guerras constantes,
reduzir deliberadamente a capacidade fiscal do Estado, ou romper com proteções que garantiam
certa estabilidade interna ao reino, eram com razão deixadas de lado face as ameaças externas.
ii) Sendo um período onde o sentido da acumulação era dado pela circulação dos
capitais, a questão do comércio colonial e das políticas a ele associadas é fundamental. Nesse
sentido, a Grã-Bretanha apostou em uma estratégia distinta na fundação de suas colônias,
permitindo o estabelecimento de colônias permanentes ao invés de apenas as convencionais
feitorias. O diferencial estratégico dessas colônias era uma redução substancial nos custos de
defesa do território, pois deixava de ser de responsabilidade direta da Coroa: os próprios
residentes tinham de arcar com esses gastos de defesa ou mesmo das missões de ocupação e
expansão, enquanto o ônus em termos de recursos financeiros, humanos e físicos eventualmente
destruídos nos conflitos entre fronteiras ficava também para as famílias de colonos. Contudo, essa
era, na estratégia colonial britânica, apenas uma das linhas de frente, centrada na rota para as
Índias e no norte das treze colônias. A Inglaterra também fez uso das conhecidas colônias de
donatários, similares às capitanias hereditárias fundadas pelos portugueses no Brasil, e colônias
da Coroa, que eram diretamente controladas pela realeza britânica. Ademais, o estado inglês
passou a estimular a criação de vínculos comerciais dentro da própria colônia e da colônia com a
Inglaterra, ampliando o pagamento de impostos ao mesmo tempo em que um número cada vez
maior de pessoas era mobilizado indiretamente a participar dos custos de manutenção do

27
A política inglesa era dominada pelos interesses dos senhores proprietários de terras (landlords), dominância que seria mais
fortemente contestada apenas nas imediações da reforma parlamentar de 1832, que garantiu aos industriais e financistas maior
acesso à cadeiras no parlamento. Cf. Cain, P. J. e Hopkins, A. G. Gentlemanly Capitalism and British Expansion Overseas II:
New Imperialism, 1850-1945. Em: The Economic History Review, New Series, Vol. 40. No. 1 (1987). Blackwell Publishing.
Disponível em: www.jstor.org/stable/2596293. Acessado em 03/07/2012. pp. 510-512. e também Howe, Anthony. “Restoring
Free Trade: the British Experience, 1776-1873”. Em: “The Political Economy of British Historical Experience, 1688-1914”, pp.
193-213. Contudo, ainda assim não se pode colocar uma primazia dessas classes na política britânica antes da queda das Corn
Laws em 1846. Trataremos desse ponto mais a frente no tópico 1.2.
22

expansionismo territorial e comercial britânico. Assim, as guerras empenhadas em nome da


Inglaterra cada vez mais custeavam a si mesmas.28
A capacidade britânica de estender-se territorialmente através da colonização estava
fortemente relacionada com o acesso à mão-de-obra escrava. Conforme sintetiza Arrighi, “a
escravatura capitalista foi parte condição e parte resultado do sucesso da colonização direta”.29
Essa relação advinha da escassez de mão-de-obra latente nos territórios recém-colonizados. Uma
vez que nem sempre era possível subjugar as populações nativas através da coerção e havia
limites naturais claros à velocidade do crescimento vegetativo, o crescimento econômico e as
trocas internacionais entre metrópole e colônia passavam a depender dos esforços em obter,
transportar e utilizar escravos principalmente africanos nas Américas. A dinâmica traduzia-se em
um “virtuoso” circuito de crescimento econômico para os ingleses, que, além de em 1775 já
possuírem o controle sobre mais terras e população nas Américas que seus maiores rivais, viam
no rápido crescimento das cidades portuárias inglesas ligadas ao comércio colonial o reflexo em
solo britânico do sucesso nos esforços da colonização direta e da escravatura capitalista:
Liverpool, base do comércio de escravos; Bristol, ligada ao açúcar da Companhia das Índias
Ocidentais, e Glasgow, movimentada pelo monopólio governamental de tabaco.30
iii) O terceiro ponto que indicamos relaciona-se com o sucesso das empreitadas
privadas e coloniais britânicas, porém também é um importante nexo com o terceiro elemento da
ascensão britânica elencado por Arrighi, que, influenciado por List, denominou “nacionalismo
econômico”. Delinear as relações mútuas entre os interesses privados e estatais nos esforços
mercantilistas britânicos é um ponto importante, porém só acrescenta subsídios reais para a
questão da hegemonia britânica na medida em que esses esforços são bem sucedidos, isto é: do
ponto de vista interno à Inglaterra, temos de mostrar como, especificamente, o governo obtinha
fundos suficientes não apenas para custear as várias empreitadas, mas também para transformá-
las em aumento das receitas públicas através da arrecadação de impostos; do ponto de vista do
sistema interestatal, temos de comparar esses mecanismos do Estado Inglês com o praticado pelas
outras potências europeias, pois só assim podemos afirmar que as políticas e a gestão do
mercantilismo britânico levaram a uma ascensão da Inglaterra no período.

28
Arrighi, Giovanni. “O Longo Século XX: dinheiro, poder e as origens do nosso tempo”. São Paulo: editora Unesp, 1996, pp.
49-52.
29
Ibid, pp. 49.
30
Hobsbawm, Eric J. “A Era das Revoluções: 1789-1848”, pp. 43-53. Ver também Morgan, Kenneth. “Mercantilism and the
British empire, 1688-1815”. Em “The Political Economy of British Historical Experience 1688- 1914”, pp. 175-179.
23

Apontamos anteriormente que o longo século XVIII fora um século permeado por
guerras e rivalidades europeias. A Inglaterra foi, nesse quesito, o país que passou o maior número
de anos envolvido em combates diretos e, contudo, conseguiu superá-los com relativa
facilidade,31 sem degradar suas condições internas ao ponto de despertar revoltas de grande
magnitude que ameaçassem a ordem estabelecida. Temos na trajetória histórica e mais geral
britânica, portanto, um forte indício de que esse Estado conformava características específicas
que o permitiam lidar com as múltiplas pressões de um esforço de guerra com relativa
estabilidade nas estruturas social, fiscal e econômica.
Subordinada à base material britânica que discutimos, a dívida pública inglesa torna-
se um fator bastante elucidativo dessa questão. Em 1697, a dívida pública nacional inglesa era de
£16,7 milhões de libras. Em 1815, essa cifra encontrava-se em £744,9 milhões,32 isto é, ao longo
do século XVIII o Estado Inglês foi capaz de aglutinar um volume tão grande de financiamentos
ao ponto de multiplicar por 44 vezes o tamanho do seu endividamento, chegando em 1815 com
uma dívida pública nominal que era três vezes maior que sua própria renda nacional.33 Nenhuma
outra potência europeia contemporânea ou passada havia sido capaz de fazer um movimento
semelhante, muito menos sem rachar a confiança dos interesses credores e o apoio das classes
subalternas.
O diferencial britânico para mobilizar recursos nessa ordem de grandeza residia em
duas frentes. Primeiro, em seu sistema de impostos. Na Inglaterra, desde a Revolução Gloriosa as
principais receitas do governo deixaram de ter como pilar principal a cobrança de impostos
diretos, sobre a propriedade, terras, etc. e passaram a se embasar em formas de tributação
indireta, que incidia na produção dos bens a serem comercializados – como o imposto dos selos e
outros sobre produtos. Já em 1713 três quartos das rendas do governo vinham dessa forma de
tributação indireta. Os tributos invisíveis provaram-se uma fonte sólida de recursos, ao mesmo
tempo em que centralizavam na Coroa e sua burocracia a responsabilidade pelos repasses dos
impostos coletados. Em 1690, o governo central inglês contava com 3.214 oficiais responsáveis
pela receita do governo federal, contra 21.112 em 1815. Em contrapartida, oficiais ligados a todas

31
Hobsbawm, Eric J. “A Era das Revoluções: 1789-1848”. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. pp. 32-42.
32
Morgan, Kenneth. “Mercantilism and the British empire, 1688-1815”. Em “The Political Economy of British Historical
Experience 1688- 1914”, pp. 175-179.
33
O’Brien, Patrick K. “Fiscal exceptionalism: Great Britain and its European rivals from Civil War to triumph at Trafalgar and
Waterloo”. Em “The Political Economy of British Historical Experience 1688-1815”, pp. 253-254. Arrighi também salienta a
importância dessas questões, porém em um nível menor de detalhamento. Cf. Arrighi, Giovanni. “O Longo Século XX: dinheiro,
poder e as origens do nosso tempo”. São Paulo: Editora Unesp, 1996, pp. 164-165.
24

as outras funções do governo eram de apenas 147 em 1690 e subiram para 3.486 em 1815. O
período das guerras napoleônicas também foi de enorme avanço: de 1797 a 1815 foram
adicionados 6.230 membros a essa burocracia.34
A segunda frente de mobilização de recursos vinha dos próprios mecanismos de
financiamento da dívida pública nacional. A partir da fundação do Banco da Inglaterra em 1695,
o sistema da dívida pública foi ganhando uma complexidade crescente. Conforme aponta Marx, a
dívida pública constituía a “única parte da riqueza nacional que é realmente objeto da posse
coletiva dos povos modernos”.35 A capacidade de financiar o Estado é, objetivamente, a
capacidade de tornar-se, sem qualquer esforço além do simples dispêndio de capital, um
coparticipante do negócio per excellence do estado: a coerção,36 seja na forma de tributação, seja
na forma de império ultramarino. Na prática, a compra dos títulos da dívida pública inglesa
sequer traduzia-se em verdadeiros dispêndios de capital aos seus credores, pois, sendo o título
mais seguro e abundante disponível, era facilmente trocado e renegociado entre os capitalistas
ingleses, e ainda rendiam os sempre bem vindos juros do serviço da dívida.37 Esse sistema foi um
dos principais motores do Estado Nacional Moderno e seu mecanismo basculante: os Estados
mais fortes tendem a obter maior credibilidade dos financistas que, ao investir seu capital,
provém os recursos e ampliam as possibilidades de expansão desse Estado em um ritmo superior
ao dos demais, apontando-o para a expansão.
Em contrapartida, os oponentes continentais dos britânicos não contavam com um
sistema semelhante, ou ao menos comparável. A visão dos governos da França e Espanha
correspondia às suas bases materiais menos avançadas na mercantilização e na dominação
burguesa; embasava-se assim na tributação direta – sobre a terra, construções, posse de bens, uso
de recursos, laços de nobreza. Essas formas de tributo representavam a dependência territorialista
e demográfica dos impostos.38

34
Hoppit, Julian. “Checking the Leviathan, 1688 – 1832”. Em “The Political Economy of British Historical Experience 1688-
1815”, pp. 284.
35
Marx, Karl. “O Capital – Volume 1”, cap. 24: A Chamada Acumulação Primitiva, pp. 872.
36
Tilly, 1990.
37
Marx, Karl. “O Capital – Volume 1”, cap. 24: A Chamada Acumulação Primitiva, pp. 872-874.
38
O’Brien, Patrick K. “Fiscal exceptionalism: Great Britain and its European rivals from Civil War to triumph at Trafalgar and
Waterloo”. Em “The Political Economy of British Historical Experience 1688-1815”, pp. 254-258. A discussão posterior que
faremos acerca do sistema de impostos e dívidas britânicas e europeias está embasada fortemente nas reflexões desse autor.
Contudo, não concordamos com suas conclusões: O’Brien busca explicar a ascensão britânica no sistema interestatal através de
explicações institucionais e minimizando o papel do império ultramarino, fazendo uso de contrafactuais e análises economicistas
do tipo custos/receitas, apenas. Levantamos o ponto dos impostos e financiamentos não para, contrafactualmente, apontarmos
uma primazia natural-institucional presente naquele país, mas sim para diferenciarmos seu modo de operação dos seus rivais
europeus e mostrarmos como o inegável vasto império ultramarino será bem sucedido na conformação das grandes cidades
25

A lógica de expandir a base fiscal através da inclusão de territórios, domínios e


posses, bem como população, que antes ficavam além dos limites da tributação governamental,
traduz a visão territorial. Na prática, apontava para a conquista e a incorporação formal de
territórios e populações. Esse movimento extensivo por si mesmo não conseguia provocar uma
retroalimentação entre expansão do Estado e expansão das receitas, pois em geral eram mais
significativas as alterações que as novas regiões anexadas provocavam na dotação total de rendas
e posses sob o controle estatal do que a mensuração exata do total de impostos que viriam (ou
deveriam vir) das mesmas.
A visão demográfica baseava-se na criação de critérios universais confiáveis e
centralizados para realizar a administração de longo alcance do sistema de impostos: o acesso,
coleta e despacho das taxas cobradas para os lugares onde pudessem ser gastos pelos governantes
– reis, príncipes e ministros. Ampliar pela via demográfica a base fiscal significava aumentar o
aprofundamento e a penetração das cobranças dos monarcas e das oligarquias até os limites em
que eram capazes de forçar maiores taxas a domicílios e lugares já localizados dentro de seus
domínios.
Na realidade, o sistema de cobrança de impostos praticado no continente era
terrivelmente ineficiente em comparação com o sistema brintânico, do ponto de vista da busca
sistemática de interesses geopolíticos de expansão. O sistema continental dirigia os monarcas,
príncipes e oligarquias para o caminho da dependência dos clientes do patrimonialismo e da
administração da cobrança de impostos, que virtualmente controlavam o processo de
providenciar ao governo central com os meios indispensáveis para a renovação e sobrevivência
contínua nas rivalidades interestatais.
Da parte das finanças públicas, o continente também contava com grandes bloqueios
políticos às aspirações das classes capitalistas em ascensão, não podendo contar com um sistema
amplo, minimamente coordenado ou abundante de participação privada na gestão das contas
públicas, pelo menos até a Revolução Francesa romper com parte da nobreza na França.39 Porém,
a própria Revolução social naquele país traduz os problemas que o governo francês passava para
lidar com os esforços da guerra recorrente. Mesmo com a vitória contra os ingleses na guerra pela
independência americana, a ampliação de gastos promovida pelo estado francês para participar da

britânicas e em formar um mercado essencial para a indústria nascente, como também para uma gestão eficaz e razoavelmente
estável de um estado imerso em grandes rivalidades internacionais por poder.
39
Hobsbawm, Eric J. “A Era das Revoluções: 1789-1848”. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. pp. 32-42 e 71-94. Ver também
Wallerstein, Immanuel. “The Modern World System IV, Centrist Liberalism Triumphant 1789-1914”, Introdução e Cap. 1.
26

guerra provara-se estar acima das suas capacidades de reestabelecer uma ordem econômica e
social estável no país – a tentativa de recrudescer as imposições aos camponeses e a classe
burguesa em prol dos interesses de uma monarquia nobiliárquica sem dúvida corroborou para a
desestabilização geral e o levante da Revolução. No extremo oposto, a Inglaterra, que na ocasião
perdera sua maior e mais importante colônia, conseguiu arcar com esse ônus sem sofrer uma
grande crise interna – os fortes laços mercantis construídos ao longo do tempo entre os Estados
Unidos e a Inglaterra permitiram que esta continuasse a se beneficiar da especialização produtiva
fundada no regime escravista do sul daquele país, que tinha nas importações inglesas de algodão
sua principal fonte de recursos; ademais, tanto o norte quanto o sul do país continuavam
dependentes da importação de produtos ingleses.40 Além disso, o sistema inglês de tributação
através de invisíveis continuava a trazer receitas tarifarias da América independente à Coroa, pela
reexportação de bens, serviços de transporte e navegação e o comércio de escravos. O caso da
guerra de indpendência e o impacto relativamente pequeno que a derrota acarretou na economia
inglesa seria um argumento importante para as novas forças políticas que defendiam a diminuição
do império formal ou a liberalização do comércio colonial ao longo da primeira metade do século
XIX.41
Em contrapartida, no continente os problemas relacionados ao fisco e ao
financiamento do Estado eram latentes, e novamente a história é um juiz implacável. Podemos
ver o resultado desses sistemas distintos de gestão estratégica de recursos privados e
governamentais ao observarmos como os Estados europeus reagiram diante do teste último de sua
eficiência em financiar e organizar seus recursos materiais e humanos – a guerra.42 A derrota da
França de Napoleão em 1815 foi o golpe de misericórdia sobre aquele país. A Inglaterra surgia
como uma potência naval, imperial, mercantil e crescentemente industrial sem rivais no sistema
mundial. O resultado do esforço de guerra na Grã-Bretanha era uma população faminta, aumento
dos impostos, desbalanço completo das contas públicas e um excesso de capacidade produtiva
ociosa derivado da queda dos gastos para o esforço de guerra. Contudo, a derrotada França, bem
como os demais países Europeus, sem dúvida encontravam-se em uma posição muito pior, com a
desconstrução do império napoleônico e os levantes pró-independência das colônias da América
Latina.
40
Hobsbawm, Eric J. “A Era das Revoluções: 1789-1848”. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. pp. 49-53.
41
Howe, Anthony. “Restoring Free Trade: the British Experience, 1776-1873”. Em: “The Political Economy of British Historical
Experience, 1688-1914”, pp. 193-213.
42
Hobsbawm, Eric J. “A Era das Revoluções: 1789-1848”. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. pp. 38-41.
27

O nacionalismo econômico elencado por Arrighi como um dos pilares fundamentais


da ascensão hegemônica britânica pode ser visualizado diante dessa discussão. Vemos que a
Inglaterra conformou um Estado e um sistema de acumulação mercantilista de capitais que, ao
centralizar a administração de recursos fundamentais (os impostos e o financiamento do Estado,
bem como criar uma administração de fato burocrática) e desvincular do controle direto da Coroa
atividades mais custosas e que exigiam maior flexibilidade de resposta (como a defesa de
fronteiras nas colônias permanentes ou a dominação de longa distância na Ásia), possibilitou,
sinteticamente, a formação embrionária de um regime eficiente na definição de objetivos
geopolíticos e na coordenação dos meios necessários para alcançá-los, em suas frentes econômica
(rentabilidade nos negócios era um critério indispensável para definirem-se os objetivos), fiscal
(possibilidade de manter a segurança dos pagamentos dos credores do Estado através da expansão
das receitas, bem como manter os gastos de uma burocracia crescente) e militar (incentivos aos
gastos com a Marinha Real, como o Navigation Act e a política ‘Blue Water’, bem como uma
política que mantinha a marinha mercante e de guerra em constante operação).43 Da parte social,
a defesa do lucro e dos interesses capitalistas já era uma direção clara das políticas do governo,44
de forma que uma relativa estabilidade social era mantida através de leis como as Poor Laws e do
protecionismo aos interesses agrários que detinham ampla representação no Parlamento.
Os outros países europeus, mais arraigados nas relações feudais de produção, tinham
de lidar com dificuldades maiores ao buscar interesses geopolíticos expansionistas. A nobreza ou
mesmo reis e ministros nem sempre eram a favor da completa destruição da ordem social
tradicional para defender o acúmulo dos lucros. Não que este não fosse buscado, mas o faziam
dentro dos rígidos limites que a manutenção de uma nobreza privilegiada impunha à radical

43
Sobre o sistema inglês de suporte ao poder naval nos tempos de paz e de guerra, marinha mercante ou militar, ver Baugh,
Daniel A. “Naval Power: what gave the British navy superiority?”. Em: “Exceptionalism and Industrialization: Britain and its
European Rivals, 1688-1815”. New York: Cambridge University Press, 2004. Em síntese, o autor aponta como a parte mais
difícil e custosa aos estados era manter uma esquadra em operação constante, equipada com bons marinheiros preservando sua
saúde e alimentação. A situação insular inglesa tornava viável um modo marítimo de defesa nacional, bem como benefícios para a
manutenção desse sistema em tempos de paz através da marinha mercante e da fundação de postos permanentes de manutenção
naval no ultramar.
44
Hobsbawm, Eric J. “A Era das Revoluções: 1789-1848”. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. pp. 43-49. Isso não implica
dizer que não havia um arraigado interesse tradicional, conservador e elitista na cultura e na política britânica. Os senhores de
terras (landlords) dominaram a representação no Parlamento até o final da década de 1840, e mesmo após esse período
continuariam influentes na política britânica. Contudo, na medida em que mesmo a riqueza dessa elite de prestígio social herdado
vinha crescentemente das vias capitalistas e não feudais de acumulação, temos que a organização social crescentemente em torno
do lucro era mais desimpedida e não implicava necessariamente em uma ruptura com a estabilidade social em vigor. Discutiremos
o problema da relação entre mobilidade social e impasses políticos na Grã-Bretanha mais a frente no tópico 2.1,
“Desenvolvimento econômico e liberalização comercial”. O conflito, no caso britânico, vem quando o interesse das classes ricas
em ascensão passa a ser conflitante com o forte protecionismo exigido para manter elevada a importância do setor agrícola interno
do qual o interesse fundiário dependia.
28

transformação das relações agrícolas e servis em relações capitalistas, assim como a mobilidade
social das classes de mercadores burgueses por vezes esbarrava em impedimentos políticos,
problemas que a sociedade britânica havia enfrentado com antecedência.45 A Revolução Francesa
provocaria exatamente essa mudança radical na questão da ascensão social e dos interesses
capitalistas, porém, as garantias conquistadas pelos camponeses tornaria sua vida mais
independente e menos precária, sendo pouco benéfica para a aceleração dos métodos capitalistas
de produção e acumulação46 – a indústria. Juntamente com a amarga derrota em 1815, deixaria os
franceses longe na corrida para superar a Grã-Bretanha, corrida que, ao longo do século XIX,
seria marcada pelo crescimento da Alemanha e dos Estados Unidos.

Assim, vemos que a Inglaterra possuía, e foi eficiente em manter e aprimorar, fortes
vantagens diante de seus rivais para empreender uma missão mercantilista-colonialista em larga
escala, com amplo apoio dos setores privados proprietários e os interesses estatais. A ascensão da
hegemonia britânica à posição de líder no sistema interestatal, influenciando-o e colhendo seus
frutos – veremos mais a frente –, provocará mudanças substantivas em todos os países que
almejassem reconquistar uma posição importante no cenário mundial.
Nada demonstrava melhor o enorme avanço e sucesso britânico que o crescimento
que se via em Londres. A City Londrina era, já em fins do século XVIII, o maior centro
internacional – superando Amsterdã –, maior mercado de produtos coloniais, distribuição e
reexportação; as relações financeiras entre os grandes detentores de capital ingleses e o Estado
consolidou também em Londres o grande centro financeiro britânico; os mercadores que lá
negociavam coordenavam pessoas, produtos e capital do mundo inteiro, ajudando a integrar a
vasta economia do império britânico.
A formação das grandes cidades portuárias na Inglaterra era indissociável ao
movimento mais geral do mercantilismo britânico e das relações financeiras levantadas pelas
companhias de comércio e pelo próprio governo. Porém, vimos, está também intimamente ligada
aos movimentos internos à economia inglesa, fundamentalmente o longo processo de remoção
dos camponeses do campo, a expropriação de seus meios de produção e a expansão da agricultura
capitalista. Os dois processos evidentemente só podem ser entendidos em conjunto: ao mesmo
tempo em que a expansão ultramarina engendrava a acumulação de capital nas cidades, o
45
Ibid, pp. 50-54.
46
Ibid, pp. 64-69.
29

processo secular de acumulação primitiva e capitalista nas regiões da agricultura permitia uma
produção agrícola que se adaptava mais rapidamente às alterações na demanda por grãos que
poderiam ser causadas, por exemplo, por longos períodos de esforços na guerra que drenariam
mão-de-obra do campo para o embate militar. A produção interna de gêneros agrícolas deixava
de ser voltada para o próprio consumo e direcionava-se para atender ao mercado. Ao mesmo
tempo, esse mercado existia devido às demandas dos próprios camponeses que agora se
encontravam sem os meios para prover seu próprio sustento.47
A conjugação das forças em movimento em solo britânico, a saber: a existência de
mão-de-obra livre e capacitada;48 disponibilidade da tecnologia da produção mecanizada e
motorizada; capital disponível para ser investido; existência de um mercado capaz de absorver os
produtos industriais; a formação de grandes centros urbanos; uma agricultura capaz de sustentar
suas três funções durante um processo de industrialização49 e algum prestígio social fundado no
lucro; são pré-condições necessárias para o surgimento do novo modo de produção – a indústria
fabril.
Contudo, o fato de sabermos que a Inglaterra do século XVIII atendia esses requisitos
não é suficiente para explicarmos o surgimento específico dos métodos industriais de produção
no tempo em que surgiram e menos ainda na sua forma particular, a indústria algodoeira.
Primeiro, os contemporâneos não viam, nem era possível verem, nenhuma evidência
clara de que a fábrica era superior a outras formas de aplicação de recursos.50 A ideia do
crescimento auto-sustentado, do investimento que gera sua própria demanda, enquanto fonte
dominante da multiplicação das riquezas nacionais era completamente desconhecida e não
surpreende que o fosse, pois seria sobretudo falsa: discutimos anteriormente como o mercado
interno era pouco conectado e dinâmico, de difícil transporte de mercadorias em larga escala.51
O que os detentores de capital sabiam era maximizar os ganhos a seu tempo: comprar
barato e vender caro. Além dessa regra simples, era evidente que maximizar o giro dos

47
Marx, Karl. “O Capital – Volume 1”, cap. 24: A Chamada Acumulação Primitiva.
48
Analisaremos a questão das capacidades técnicas da mão-de-obra da Revolução Industrial em outro momento.
49
A saber, “aumentar a produção e produtividade de modo a alimentar uma população não agrícola em rápido crescimento;
fornecer um grande e crescente excedente de recrutas em potencial para as cidades e as indústrias; e fornecer um mecanismo para
o acúmulo de capital a ser usado nos setores mais modernos da economia”. Hobsbawm, Eric J. “A Era das Revoluções: 1789-
1848”. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. pp. 43-49.
50
Hobsbawm, Eric J. “A Era das Revoluções: 1789-1848”. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. pp. 43-49.
51
Como essa discussão é controversa, foge dos nossos objetivos abordá-la mais a fundo. Acreditamos que relembrar a
inexistência de um mercado nacional basta para invalidarmos a aplicação da tese do investimento que gera a sua própria demanda
na industrialização originária inglesa baseada em têxteis. Não havia, tampouco, uma produção industrial de bens de capital – a
produção de máquinas por máquinas, como diria Marx.
30

investimentos, de forma a ter sempre capital em mãos disponível para ser reaplicado, aumentava
a rentabilidade das aplicações e minimizava o risco individual das mesmas. Assim, investimentos
maiores em capital fixo – manufaturas e meios de produção em geral, com alguma exceção à
compra de terras – eram evitados na medida do possível, ou feitos apenas mediante garantias
substanciais de que seu retorno seria certo: monopólios oficiais, subsídios do Estado, suporte
militar, etc.52
Assim, a indústria tal como a imaginamos, consolidada no prédio fabril e dispondo de
amplo número de máquinas para auxiliar os trabalhadores, veio muito mais tarde que o simples
atendimento daquelas pré-condições elencadas. A técnica industrial-manufatureira e mesmo o
motor a vapor eram conhecidas dos ingleses bem antes do final do século XVIII, porém a
organização destas era feita pela ampliação do sistema de putting out e, no máximo, nas
manufaturas, cujo investimento em capital fixo era muito menor. Para realizar o investimento em
uma fábrica, essa aplicação deveria ser capaz de, primeiro, gerar ganhos substanciais imediatos e,
segundo, dispor de alguma segurança de que o mercado para seus produtos duraria tempo
suficiente para pagar o dispêndio inicial realizado.
Assim, é apenas a partir do crescimento do sistema mercantilista britânico que temos
um processo onde o já conhecido investimento na unidade industrial torna-se cada vez mais
atrativo. A consolidação de diversos mercados internacionais monopolizados, a ampliação das
rotas seguras de comércio e de meios de transporte capazes de escoar a produção, a conformação
de um regime escravista de produção capaz de fornecer as matérias primas necessárias à indústria
a baixos preços e grandes quantidades, tudo isso sobredeterminado pelo agressivo apoio
governamental aos grandes interesses britânicos privados de enriquecimento, colocará a indústria
no patamar de “grau de investimento” necessário.
Porém não qualquer indústria – a revolução industrial é fundamentalmente a
revolução do algodão.53 Isso se deve a vários fatores: primeiro, as capacidades técnicas da mão de
obra para a produção manufatureira do algodão eram conhecidas; segundo, o mercado para um
bem elementar como a vestimenta era tão amplo quanto o número de pessoas alcançáveis por
esse mercado, de forma que a demanda por têxteis não era apenas visível como seus ganhos, caso
conseguissem uma monopolização de todos os mercados, seriam também ilimitados.

52
Mariutti, Eduardo Barros. “Colonialismo, Imperialismo e o Desenvolvimento Econômico Europeu”. São Paulo: Hucitec, 2009.
pp. 156-166.
53
Hobsbawm, Eric J. “A Era das Revoluções: 1789-1848”. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. pp. 49-54.
31

Assim, a indústria algodoeira surge nas mediações das grandes cidades portuárias,
Bristol, Glasgow, Liverpool, Lancashire e Londres, fundada desde seu nascimento no mercado de
exportação. A correlação entre a produção de têxteis britânica e os mercados coloniais e de
escravos era altíssima. Boa parte dos escravos era comprada com algodão indiano e, quando esse
fornecimento cessava por conflitos militares, a região de Lancashire entrava em cena como uma
indústria de substituição de importações, fornecendo têxteis como os insumos necessários ao
comércio de escravos – quase o total das exportações de algodão daquela região ia para os
mercados americano e africano.54
O crescimento da indústria do algodão era explosivo. De uma produção de 3,65 mil
quilômetros de tecido em 1785, chegaria à quantia de 1,85 milhões de quilômetros em 1850. Suas
importações no mesmo período subiram de 5 mil toneladas para 267 mil toneladas. Vemos que a
indústria britânica prosperava articulando de um lado os regimes escravistas das Américas à sua
rede de importações e, de outro, o comércio internacional tornava-se sua grande rede de dumping
de manufaturados têxteis a preços decrescentes; concomitantemente e não sem relação com essa
forma de desenvolvimento da indústria, sua supremacia naval e militar consolidava-se diante do
conflito com a França.
Assim, evidenciamos mais de perto o argumento de Arrighi acerca dos ciclos
hegemônicos: a consolidação da Hegemonia transforma o sistema interestatal e,
simultaneamente, promove modificações nos ciclos de acumulação do capital.55 O período após
1815 seria de maior calmaria nas rivalidades entre as potências europeias. Sob a influência
econômica e política exercida pela Grã-Bretanha, o comércio internacional se multiplicaria
diversas vezes ao longo das décadas de 1815 à 1849, e, contrariando as expectativas dos
contemporâneos, de forma ainda mais impressionante no período 1849-1873.

***

Antes de continuarmos, retomemos as conclusões centrais da nossa discussão acerca


dos antecedentes determinantes da Hegemonia Britânica.

54
Hobsbawm, Eric J. “A Era das Revoluções: 1789-1848”. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. pp. 49-54.
55
Arrighi, Giovanni. “O Longo Século XX: dinheiro, poder e as origens do nosso tempo”. São Paulo: editora Unesp, 1996. pp.
46-49.
32

Vimos que as práticas mercantilistas, na lógica que denominamos a do capital


mercantil autônomo, com seus desdobramentos na fundação de monopólios comerciais, colônias
diretas e permanentes e no recurso à escravidão, em um sistema interestatal sobredeterminado
pela rivalidade incessante com outras potências europeias, limitado em sua via industrial-
capitalista pela desapropriação incompleta dos camponeses de seus meios de produção e com
precários mecanismos de transporte terrestre para integrar um possível mercado nacional,
consistia na forma mais segura e rentável de aplicar as riquezas acumuladas através das várias
formas de acumulação primitiva disponíveis, das quais o próprio mercantilismo pouco se
distingue.
Vimos também quais as principais especificidades do mercantilismo britânico que
fariam esse país crescer em meio à disputa pela sucessão hegemônica deixada pelas Províncias
Unidas, fundamentalmente entre Inglaterra e França. Através de esforços na colonização e na
escravatura capitalista, o mercantilismo britânico orquestrou interesses de agentes privados e
governamentais em torno da sua marinha mercante e de guerra, na defesa dos interesses
comerciais dos agente privados ingleses e na projeção internacional do poder político inglês. Ao
fundar colônias permanentes e desenvolver mecanismos complexos de financiamento e
refinanciamento dos gastos públicos, gerou um sistema de retroalimentação onde os subsídios
públicos às iniciativas privadas no ultramar retornavam aos cofres da Coroa pelo sistema de
tributação indireta, e os subsídios privados às empreitadas públicas – guerras contra outras
potências, conquista colonial direta e quebra de monopólios – eram não só permitidos como
estimulados entre os capitalistas britânicos através do sistema da dívida pública organizado pelo
Banco da Inglaterra e os grandes detentores de capital nucleados na City Londrina.
O funcionamento desse complexo circuito permitia a coordenação mercantil – através
das representações no Parlamento, e dos agentes do setor de serviços, transporte e comércio – de
grandes somas de capitais, população e armas. A direção geral das políticas estava assim
engatada no lucro privado,56 crescimento econômico e na ampliação do tamanho e prestígio do
governo e das elites britânicas, conjugando a defesa do expansionismo econômico com as
representações políticas que guiavam a Inglaterra – união que, vimos, era por diversos motivos
menos desenvolvida nas demais potências europeias durante o século XVIII.57

56
Arrighi, Giovanni. “O Longo Século XX: dinheiro, poder e as origens do nosso tempo”. São Paulo: editora Unesp, 1996, cap. 1.
57
A própria Revolução Buguesa britânica e a centralização do Estado devem ser elencadas como parte importante da explicação
dessas diferenças.
33

A conjugação das longas tendências internas à urbanização e a organização capitalista


da agricultura através dos cercamentos e os movimentos mais gerais de ampliação do domínio
sobre os mercados externos, enorme acumulação de capitais e disponibilidade de técnicas de
produção e transporte adequadas abriu a possibilidade de surgir, nas proximidades dos novos
centros urbanos ingleses, uma nova forma de produção e acumulação, baseada nos investimentos
em capital fixo, mão de obra assalariada e produtividade do trabalho: a indústria têxtil fabril. O
crescimento dessa indústria levou não apenas ao reforço do crescimento econômico britânico e
ampliação das receitas públicas, como também passou a articular as diversas regiões conectadas
ao sistema mercantil britânico através de relações cada vez mais fortes de dependência ou
complementariedade produtivas: intensificação das monoculturas nas colônias, escravidão nas
Américas, segunda servidão na Europa Oriental e a ruptura de monopólios mercantis rivais para a
entrada dos produtos manufaturados ingleses ao redor do globo.
34

Capítulo 2 – O Imperialismo do Comércio Livre

Analisamos no tópico anterior os elementos específicos do sistema mercantilista


britânico que deram a este Estado os impulsos fundamentais para viabilizar o investimento em
unidades de produção fabrís, de elevado componente de capital fixo, inerentemente ligadas ao
setor têxtil exportador e, em um mesmo processo, vencer a disputa pela posição de poder
hegemônico internacional contra a França de Napoleão.
No período posterior, de 1815 à 1873, surgem novos elementos no setor produtivo e
de transporte: a expansão da metalurgia, o espaço crescente da indústria de bens de capital e o
surto ferroviário, que em conjunto intensificariam a acumulação continuada de capitais na
metrópole britânica, ocorrem nos moldes desse sistema mercantilista pre-existente. Cabe
analisarmos a relação entre essas mudanças econômicas e as transformações políticas em curso.
Como resultado econômico, fortalecem-se os laços de dependência ante outros países e promove-
se a expansão da “fronteira econômica” global passível de ser alcançada pelas relações
capitalistas. No centro desse sistema, a Grã-Bretanha orquestrava interesses na arena
internacional através do domínio praticamente único das finanças, o alcance e tamanho de seu
parque industrial, a marinha mercante e de guerra incontestável nos oceanos.
Em 1846, esse mesmo Estado estaria, unilateralmente, abolindo parte importante das
tarifas protecionistas à sua agricultura, e nos anos seguintes prosseguiria com a eliminação
unilateral de outros impostos e leis de proteção à recursos estratégicos, incluindo o Navigation
Act que havia sido importante para a manutenção da primazia marítima britânica.
Duas questões são fundamentais para direcionar nosso estudo. Primeiramente, como
explicar esse desmonte parcial de um aparato mercantilista que garantira o sucesso britânico ante
seus rivais e ainda permitira um desenvolvimento econômico e industrial sem precedentes? O
subtópico 2.1 busca responder a essa questão, analisando os movimentos econômicos e políticos
da Grã-Bretanha de 1815 até 1846-49, quando as Corn Laws e o Navigation Act são abolidos.
Buscaremos primeiro demonstrar como os elementos do sistema mercantilista britânico são
redefinidos pelo advento da industrialização. 58

58
A escolha dessa linha argumentativa foi diretamente influenciada pelo balanço do debate das teorias do imperialismo feito por
Mariutti e pode ser vista como uma tentativa de colocar as reflexões expostas pelo autor no eixo central de análise da história
econômica da Hegemonia Britânica. Se essa tentativa foi frutífera ou não, caberá ao leitor dizer. Ver Mariutti, Eduardo Barros.
“Colonialismo, Imperialismo e o Desenvolvimento Econômico Europeu”. São Paulo: Hucitec, 2009. pp. 167-224, em especial o
debate final, pp. 200-224.
35

Em segundo lugar, quais eram e como se formaram as bases da Hegemonia Britânica


após essa mudança? Enfrentaremos essa questão tratando dos desdobramentos da redefinição
prescrita no plano das relações econômicas e políticas internacionais no Tópico 2.2. A discussão
atenta para a necessidade de preparar o terreno para discutirmos, mais a frente, por que a Grã-
Bretanha manteria sua política de livre comércio mesmo após os demais países terem retornado
ao forte protecionismo durante o longo período de meados da década de 1870 até 1914, a
chamada “Era dos Impérios”.
Ao longo deste capítulo, colocaremos as principais mudanças que ocorriam tanto na
produção manufatureira e industrial britânica a partir do pleno desenvolvimento da indústria
algodoeira, o advento das ferrovias e da expansão da indústria de bens de capital, explicitando
como as forças colocadas em movimento por esse desenvolvimento econômico se relacionavam
com as estruturas do comércio, das finanças e da política que davam sentido ao sistema
mercantilista britânico, tal como desenhadas no tópico anterior. A partir dessas relações,
desenvolveremos o argumento de que o livre comércio, enquanto política ativa, foi antes um
complemento ao sistema mercantil imperial britânico pre-existente do que uma forma
essencialmente oposta a ele.
As formas comerciais de acumulação, ligadas ao diversificado setor de serviços das
grandes cidades portuárias inglesas e à expansão da marinha, foram essenciais para viabilizar o
surgimento da indústria e manter impulsos necessários ao crescimento contínuo da
industrialização; ao intensificar-se o desenvolvimento econômico pela via do comércio
internacional e da indústria na Inglaterra, novas classes socias (os industriais, o proletariado, as
classes médias da City, os banqueiros) ganham poder de barganha e disputam espaço no
Parlamento com a tradicional elite agrária que dominava a política, e cuja acumulação de
riquezas dependia do regime de protecionismo agrícola. Do conflito político entre esses interesses
emerge não o primado das elites ligadas ao capitalismo industrial, mas cresce como poder
político dominante uma elite de financistas e grandes mercadores ligados ao setor de serviços da
City Londrina, fundadas no comércio internacional e nas finanças em torno dos papéis de dívida
pública estatais e da bolsa de valores, cujos interesses passam a ser ativamente defendidos pelo
Estado britânico. A preservação desse poder interno é indissociável da necessidade de
ordenamento do sistema internacional externo à Grã-Bretanha, que assim se assenta na
36

centralidade desse país nas redes de comércio e finanças internacionais, donde a difusão do livre
comércio será crescentemente sua maior arma.
37

2.1 Desenvolvimento econômico e liberalização comercial

No tópico 1.2 situamos, dentro do contexto de ascensão hegemônica da Inglaterra, as


características do surgimento da indústria do algodão em fins do século XVIII e início do XIX.
Amplo mercado internacional disponível, rápido retorno do investimento e capacidades técnicas
disponíveis impulsionaram os têxteis conforme as conexões do sistema mercantilista britânico.
As importações de matérias-primas reforçaram regimes escravistas nas américas e a segunda
servidão na Europa Oriental, enquanto o império no ultramar abria antigos monopólios aos
baratos produtos ingleses, reduzindo os riscos e incertezas da imobilização de capitais em um
mundo onde a informação e os transportes ainda andavam a marchas lentas.
Do ponto de vista da política exterma da Grã-Bretanha, a indústria algodoeira era
parte do sistema mercantil, reforçando-o através da ampliação da sua rentabilidade, receitas
tributárias e dinamismo produtivo e comercial. Porém, o desenvolvimento dessa indústria gestava
dentro da sociedade britânica tendências divergentes com o poder estabelecido. Podemos agrupar
essas contradições em dois grupos maiores: i) quebra de monopólios, pressão concorrencial e
conflitos sociais; ii) maturação dos setores de serviços e transportes.
i) Quebra de monopólios, pressão concorrencial e conflitos sociais. Hobsbawm
aponta a enorme queda no custo da libra peso de fio-duplo, um dos produtos acabados da
indústria têxtil: em 1784, custava 11 shillings e 11 pence (aproximadamente 12 shillings),
enquanto já em 1812 custava apenas 2 shillings e 6 pence (2,5 shillings) e em 1832 custava 11 ¼
pence (aproximadamente 1 shilling), ou seja, uma queda de 91,7% no preço final. O custo da
matéria-prima também se reduz, porém em menor escala: de 2 shillings para 1,5 shillings no
intervalo 1784-1812, e de 1,5 para 0,6 shillings no internvalo 1812-1832 (queda de 70% no custo
da matéria prima). A margem para a remuneração de lucros e pagamento de outros custos, como
salários, que era inicialmente próxima de 9 shillings, cai para 1 shilling em 1812 e depois para
0,3 shillings (4 pence) em 1832, ou seja, apresentou uma queda de 97%!59
A rentabilidade dessa indústria só poderia ser mantida mediante um crescimento
contínuo e igualmente explosivo do volume total de vendas, para compensar no giro a tendência à
queda das margens de lucro, movimento que aconteceu com a expansão em massa da produção
algodoeira e da plataforma exportadora de mercadorias.

59
Hobsbawm, Eric J. A Era das Revoluções: 1789-1848. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. pp. 78.
38

A redução em mais de 90% do preço dos manufaturados têxteis, aliada ao agressivo


Estado britânico cuja política fundava-se no lucro, tornava possível aos produtos ingleses
penetrar em mercados onde antes encontravam forte resistência dos governos locais, oferecendo
justamente as possibilidades de crescimento explosivo necessárias ao capital industrial.
Hobsbawm cita o caso da Índia como o maior exemplo desse processo: a partir de 1820, o país,
que até então exportava têxteis de maior qualidade a baixos preços para a Grã-Bretanha e por
vezes inibia um desenvolvimento maior de sua indústria, passou a ser sistematicamente
desindustrializada pela inundação de produtos baratos Britânicos, tornando-se o mais importante
mercado colonial britânico ao longo de todo o século XIX e início do XX. A Companhia das
Índias Orientais, cujas tropas mobilizavam nada menos do que 150,000 pessoas em 1805 (em
1782 eram 115,400),60 veria seu principal negócio de compradora de têxteis indianos ser
radicalmente modificado, também conforme a própria Coroa assumia o empreendimento no
continente asiático. Rompia-se assim não apenas certa proteção de acesso ao mercado interno
indiano como o monopólio comercial da Companhia, cujos interesses eram colocados em
segundo plano ante os novos interesses industriais. Na América Latina, movimentos de
independência abriam antigos mercados coloniais aos produtos ingleses, que os apoiaram – ou
mesmo antes da indpendência, como o caso da abertura dos portos no Brasil em 1808.
Havíamos apontado como a expansão do comércio internacional permitia em tese não
apenas a penetração dos produtos ingleses em outras regiões, mas também que a produção de
outras regiões se voltasse para o mercado britânico – produção não apenas de matérias-primas,
mas também de alimentos agrícolas e da pecuária. Contudo, o sistema mercantilista inglês,
liderado politicamente pela elite de capitalistas-fidalgos (gentlemanly capitalists) ligados à
agricultura, contava com tarifas protecionistas (alfandegárias) fortes para que a possibilidade de
importação de grãos baratos de outras regiões produtoras não prejudicasse seu interesse agrícola
estabelecido, voltado para o suprimento do mercado interno e os ganhos da renda da terra. Houve
uma iniciativa na década de 1780 para que essa política protecionista fosse repensada, porém, em
1793, com o incío da guerra contra a França revolucionária, os argumentos a favor das proteções
tarifárias foram revitalizados diante das necessidades de financiamento do Estado e da
manutenção da estabilidade social interna para impedir uma eventual sublevação das massas.

60
Black, Jeremy. “Great Powers and the Quest for Hegemony”. New York: Routledge, 2008, pp. 89.
39

Industriais e financistas, contudo, imaginavam que após o fim das guerras essas
medidas seriam repensadas. Em 1815, a aprovação das Corn Laws inseriram um elemento de
forte conflito entre as elites britânicas e revelaram de forma nítida a ruptura que havia emergido
entre a manutenção dos interesses e do privilégio da elite agrária e os interesses dos demais
setores da sociedade. A publicação das críticas de Ricardo em 1817 inseria-se nesse contexto,
fortalecendo os argumentos dos industriais contra o rentismo do campo. A cisão vinha em um
período conturbado: deflação de preços, crises alimentares e desemprego foram a marca dos anos
1815-20.
A competição generalizada de uma indústria com baixas barreiras à entrada, por sua
vez, somava a quedra vertiginosa nas margens de preço e lucro e implicava em uma pressão por
maiores reduções no nível de salários, para que se preservasse o excedente individual dos
capitalistas industriais britânicos. Com a via política de redução de custos bloqueada pelos
interesses proprietários de terras, a tendência geral dos industriais era, primeiro, desvalorizar a
mão-de-obra existente; segundo, ampliar a produtividade do trabalho através de novas revoluções
na técnica industrial. Individualmente cada industrial cuidava de fazer os salários recuarem ao
mínimo possível bem como manter a jornada de trabalho o mais extensa. Com a generalização do
motor a vapor, as máquinas não demandavam mais a força motriz bruta do corpo humano para
tocar a produção manufatureira e se abria espaço para o emprego das mãos mais finais e sensíveis
das mulheres e crianças no reparo mais cuidadoso exigido pelo complexo maquinário. Se a
princípio a renda monetária familiar advinha basicamente do trabalho assalariado masculino,
procede que o salário de subsistência desse trabalhador deveria ser suficiente para suprir as
necessidades materiais não apenas dele próprio, mas também de sua família. Ao pressionarem os
salários dos chefes de família abaixo do limite da subsistência familiar e abrirem as portas para o
trabalho infantil e feminino, as mulheres e crianças eram pressionadas à complementar a renda
familiar, agora insuficiente, do pai de família. O resultado desse movimento era a multiplicação
da força de trabalho disponível para a produção fabríl sem o respectivo aumento dos custos do
trabalho: mantinha-se o critério da subsistência do trabalhador, porém o mesmo salário que antes
era pago apenas pelo trabalho do chefe da família, que sustentava os demais, agora era pago entre
ele, sua mulher e seus filhos.61

61
Marx, Karl. O Capital – Volume 1. Cap. 13: Maquinaria e Grande Indústria.
40

Havia contudo limites físicos (fisiológicos) para a magnitude da exploração a que


submetiam o trabalhador, e talvez a máxima de que os salários seriam sempre aqueles do nível de
subsistência tenha sido um dos poucos consensos da economia política inglesa. Ricardo
cristalizou os argumentos teóricos em prol da redução do custo de reprodução da mão-de-obra: o
preço dos grãos deveria ser reduzido para que fosse possível pagar menores salários. Enquanto
isso, na medida em que os custos do trabalho tornavam-se excessivos diante da queda nas
margens, a pressão era por novas revoluções na técnica produtiva. A produtividade do trabalho
advinda de melhorias técnicas permitia poupar mão-de-obra; ao aumentar a oferta de mão-de-
obra disponível, era possível reduzir os salários mantendo-se o tempo de exploração do
trabalhador dentro da fábrica, com ampliação dos lucros. Ou seja, vemos que concomitantemente
ao desenvolvimento das forças produtivas acirrava-se o conflito de classe entre capitalistas
industriais e o operáriado na crise da economia britânica do início do século XIX.
Não tardaria para que a longa série de choques e problemas econômicos do país desse
vazão ao radicalismo das massas. Em 1819, o inchaço dos grandes centros urbanos e a
concentração de trabalhadores provocada pelo empreendimento fabril, aliada ao exemplo de força
dos populares vindo da França, a classe trabalhadora do maior distrito industrial da Inglaterra
organizava-se para responder aos problemas de sua época. O resultado foi o trágico episódio do
Massacre de Peterloo.62 Entre 60 e 80 mil trabalhadores da região de Manchester marcaram um
encontro em praça pública para pressionar por reformas parlamentares.63 O governo, de elite
convervadora, reprimiu prontamente a realização, com tropas do exército avançando sobre a
multidão desarmada. O incidente motivaria o governo a passar novas medidas de repressão e
contenção de organizações populares, e a situação política em 1819-20 parecia tender a uma
rebelião popular agressiva.
Politicamente, o impacto dessas demonstrações é mais difícil de ser mensurado.64 Os
industriais eram a favor da reforma parlamentar e da quebra do protecionismo agrícola, porém se

62
Ou Batalha de Peterloo. O nome era uma sátira com a suposta “glória” britânica alcançada na vitória contra Napoleão e o
contraste com as péssimas condições de vida da base da população em solo britânico. Wallerstein, Immanuel. “The Modern World
System IV – Centrist Liberalism Triumphant”.
63
O sistema eleitoral inglês era extremamente desigual nessa época. As regiões dos distritos industriais de Lacanshire e
proximidades, com uma população de aproximadamente 1 milhão, elegia em conjunto apenas dois Membros do Parlamento. Em
contraste, regiões antigas muito menos populosas elegiam grande parte das cadeiras: 154 eleitores eram responsáveis por eleger
metade do Parlamento.
64
A dificuldade vem das derrotas sucessivas dos protestos, porém em um prazo muito mais longo do que a esquerda desejaria as
reformas acabaram sendo implementadas. Nesse tema, Wallerstein defende o polêmico argumento de que o período entre o
massacre de Peterloo e a Reforma Parlamentar de 1832 foi um período onde o governo britânico adaptava o método de gerir uma
sociedade frente às agitações crescentes em torno da idea da democracia: uso rápido e direcionado da violência e da repressão
41

colocavam em um meio de campo contrário tanto aos movimentos de massa quanto à elite agrária
estabelecida no Parlamento. A possibilidade de um projeto em aliança com as demandas
populares caminhar para pedidos pelo sufrágio universal ou um ataque contra a propriedade –
uma sombra irreversível que a França jacobina imprimira no pensamento conservador da época65
– pressionava os industriais para uma aliança com os outros interesses proprietários, das elites
fidalgas da terra e das finanças, mesmo que por vezes tivessem de renunciar às práticas políticas
que fossem de seu maior interesse econômico.66 Sem despontar uma resolução que ao mesmo
tempo fosse capaz de acalmar as massas, garantir as margens de lucro da indústria e a
estabilidade política, a estrutura interna da sociedade britânica cambaleava diante das forças
colocadas em movimento pelo seu próprio sucesso na arena internacional. Contudo, com
industriais, proletários e a elite agrária em conflito constante, as elites do setor de serviços
encontrariam um espaço crescente para se colocarem como a nova liderança interna, no que
passamos para o próximo ponto.
Desenvolvimento dos serviços e dos transportes. A depressão econômica do período
1815-1820 não é explicada somente pelo término do esforço de guerra. O governo havia se
endividado muito com os grandes detentores privados de capitais e, conforme apontamos
anteriormente, a dívida pública nominal chegava a três vezes o valor da renda nacional. Assim, a
prioridade no pós-guerra foi a ortodoxia econômica: aumento da carga tributária e redução do
gasto público para priozar o pagamento do serviço da dívida. Os financiadores da dívida pública
eram não só a elite agrária, mas principalmente os grandes mercadores e banqueiros que vinham
desde o início do século XVIII amontoando fortunas com os negócios em torno do sistema
mercantilista britânico e eram coparticipantes do sucesso do Império. Se já no século XVIII a
elite agrária via com certa desconfiança a ascensão desses setores na esfera pública, que
copiavam sua cultura de lazer e consumo conspícuo, após 1815 a influência desse setor já havia
se tornado uma realidade muito incontornável e, como os negócios dessa nova elite tinham pouca
relação com a manutenção de uma agricultura interna forte, aqueles que não faziam a transição

para impedir radicalismos em um primeiro momento, e implementação gradual das reformas necessárias após a repressão,
misturando o conservadorismo político da manutenção da ordem vigente e da estabilidade social com valores liberais moderados
de progresso econômico aliado a legitimidade popular. Curiosamente, o raciocínio já se fazia presente na obra de Maquiavél. Ver
Wallerstein, Immanuel. The Modern World System IV: Centrist Liberalism Triumphant, 1789-1914. Introdução e Capítulo 1.
65
Hobsbawm, Eric J. A Era das Revoluções: 1789-1848. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. pp. 191.
66
Cain, P. J. e Hopkins, A. G. Gentlemanly Capitalism and British Expansion Overseas I: The Old Colonial System, 1688-1850.
Em: The Economic History Review, New Series, Vol. 39. No. 4 (1986). Blackwell Publishing. Disponível em:
www.jstor.org/stable/2596293. pp. 508.
42

do manejo da terra para o manejo de papéis sentiam-se muito mais ameaçados por essa classe de
modos semelhantes aos seus do que pelos truculentos industriais.67
Já apontamos como a indústria expandira exponencialmente seu volume de vendas,
compensando no giro e na quantidade as perdas com as margens de lucro. Decorre desse
crescimento que a expansão da indústria têxtil e a acumulação de capital nas mãos dos industriais
era necessariamente concomitante com a ampliação das redes internacionais de distribuição de
suas mercadorias, da gestão do transporte e do comércio naval e dos serviços ligados a eles,
principalmente os financeiros (seguros, corretagem e financiamento). Assim, ao crescimento em
importância estratégica da indústria de bens de consumo inglesa correspondia uma ascensão igual
ou maior do setor de serviços nas grandes cidades da Grã-Bretanha, principalmente Londres.
Se do ponto de vista econômico os ganhos desses setores distintos cresciam em
proporção direta nesse período, do ponto de vista político, a situação se complicava. Enquanto a
indústria polarizava os donos das fábricas com a massa de trabalhadores explorados – e era por
isso vista pejorativamente pelas elites contemporâneas como a “linha de frente da luta de
classes”68 –, os serviços da City promoviam a formação de um estrato de classes médias de
advogados, contadores e profissionais liberais mais bem remunerados e letrados, cujos padrões de
vida encontravam-se em ascensão e culturamente os distinguiam do proletariado urbano e rural.
As elites organizadas dessa classe eram os grandes mercadores e banqueiros, que aliavam as
novas demandas dessa população que surgia do processo de desenvolvimento econômico (como
uma sociedade organizada mais em torno da seleção meritocrática do que pela tradição e o
privilégio) com o prestígio social necessário para que se colocassem como “líderes naturais” na
política.69 Os chefes da indústria, a despeito da sua riqueza crescente, dificilmente tinham acesso
aos escalões da alta elite inglesa, que giravam em torno do lazer, da política e das escolas
públicas na qual os filhos desses ricos eram educados e formavam laços de solidariedade – onde
Peter Cain enfatiza exageradamente a questão da falta de tempo para exercer essas funções.
Contudo, os industriais de fato se colocavam entre a cultura dessa elite, que também crescia com
a riqueza capitalista, e a tecnologia da qual essa própria riqueza dependia – o ambiente sujo das
fábricas, o ar cinza do carvão mineral e o controle da força de trabalho através da crua exploração

67
Cain, P. J. e Hopkins, A. G. Gentlemanly Capitalism and British Expansion Overseas I: The Old Colonial System, 1688-1850.
Em: The Economic History Review, New Series, Vol. 39. No. 4 (1986). Blackwell Publishing. Disponível em:
www.jstor.org/stable/2596293. pp. 507-508.
68
Ibid.
69
Ibid, pp. 508.
43

capitalista. Na medida em que a riqueza industrial vinha de lidar com máquinas e não pessoas,
seu investimento inicial era baixo e permitia uma rápida ascensão econômica, essa classe de
dirigentes das fábricas não detinham as qualidades vistas como necessárias para instigar
confiança na política, e a hostilidade que sofriam, aliada ao grande número e pequena dimensão
das indústrias que dificultavam a formação de uma organização política forte, minavam a
autoridade que sua riqueza poderia ter lhes gerado.70
Em conjunto, contudo, as classes ricas, seja na indústria, nos serviços ou na própria
agricultura, acumulavam rendimentos tão rapidamente e em um volume tão assombroso que
ultrapassaram todas as possibilidades de gasto e investimento disponíveis. A agonia do
proletariado britânico crescia pari passu com o crescimento da indústria, porém os gastos com
proteção social (educação, por exemplo) não eram uma opção: a elite temia as conseqüências
políticas que poderiam resultar de uma população mais bem educada.71 O investimento
estrangeiro era outra opção, porém recorrentemente frustrada: tanto a Europa continental
debilitada pelas guerras napoleônicas quanto os novos governos independentes da América do
Sul viam com bons olhos a possibilidade de empréstimos ilimitados – que os britânicos
prontamente cediam – porém não estavam tão ansiosos assim por honrar suas dívidas, de forma
que a metade dos empréstimos cedidos não retornou ao cabo de alguns anos.72 A elite gastava na
construção e reforma de luxuosas catedrais e na construção civil, porém ainda sobravam capitais
disponíveis.
A indústria algodoeira era um investimento relativamente barato e incapaz de
absorver todo o novo excedente gerado. O baixo custo também se traduzia em uma demanda
insuficiente para gestar por si só o surgimento de uma indústria forte em ferro, aço e bens de
capital, de forma que seria impróprio dizer que a Inglaterra encontrava-se em um processo de
industrialização pesada no período – as máquinas eram feitas com algum auxílio de métodos mais
avançados de metalurgia, porém seu acabamento era quase que totalmente artesanal. Ademais,
conforme apontamos, havia impedimentos políticos e culturais a certos tipos de gasto, e na
Inglaterra a fábrica não era o mais bem visto dos empreendimentos fora dos circuitos dos
próprios industriais que dela dependiam, ou dos comerciantes que adentravam na produção para
ter maior controle sobre a oferta da sua mercadoria.

70
Ibid, pp. 507-510.
71
Hobsbawm, Eric J. A Era das Revoluções: 1789-1848. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. pp. 43-49.
72
Ibid, pp. 63-64.
44

Assim, a indústria de processamento do algodão isoladamente não seria capaz de


engendrar um processo autodeterminado de industrialização – a formação da indústria de bens de
capital, ou o sistema de máquinas que caracteriza a indústria moderna, nas palavras de Marx.73
Os investimentos necessários em capital fixo para a instalação de uma planta produtiva eram
relativamente baixos,74 assim como a demanda por ferro e aço, em um período onde os
capitalistas ingleses acumulavam capitais a uma velocidade e volume sem qualquer precedente na
história.
Um volume crescente dos gastos em investimento dirigia-se assim para aqueles mais
bem vistos e seguros: o transporte, seja diretamente em barcos, na abertura de novos canais ou
nas estradas; e a mineração, localmente nas minas de carvão e, no ultramar, em metais preciosos.
Mesmo parte dos industriais mais ricos por vezes buscavam ganhar prestígio social tornando-se
membros da elite organizada em torno das finanças, do comércio de longa distância ou da
marinha; as elites já instaladas nesses setores buscavam expandir seus ganhos também nesse tipo
de empreendimento.
É nesse contexto mais amplo que em 1825 seria inaugurada a primeira linha férrea,
por uma empresa de mineração britânica. A inovação vinha do conhecimento tecnológico e
prático previamente acumulado através do emprego dos trilhos e da máquina a vapor na
exploração de carvão e minério de ferro em solo britânico, pois a tecnologia utlizada nas
primeiras ferrovias não era essencialmente nova. A máquina a vapor já era empregada para
auxiliar no transporte subterrâneo das minas de carvão, que ademais faziam uso de um sistema de
trilhos e carros de carga para escoar a produção. A invenção que dominaria o imaginário da
época, provocando a paixão das elites e do povo, reerguendo a confiança na indústria (que até
então, apesar de lucrativa, não era sob nenhum aspecto romântica) necessitava pouco mais que a
ideia de utilizar um motor móvel em um sistema mais longo de trilhos para o transporte das
minas que permeavam o território inglês.
A ferrovia deu início a um processo que fez convergir uma multiplicidade de
demandas não atendidas das elites e da economia inglesa. Rentabilidade, redução de custos em
transporte, opção segura de investimento de longo prazo, coberta de uma aura romântica que
despertava o encanto de todos... a partir do surgimento da primeira ferrovia os ingleses teriam
nela sua principal fonte de dinamismo industrial. Investir na construção ferroviária significava
73
Marx, Karl. “O Capital – Volume 1”, cap. 13: Maquinaria e Grande Indústria.
74
Hobsbawm, Eric J. A Era das Revoluções: 1789-1848. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. pp. 53-59.
45

demandar enormes massas de ferro e aço, pressionando os empresários por reformulações


tecnológicas nesses setores – o início da siderurgia pesada e os primeiros métodos de produção
em massa de aço.
Os empreendimentos ferroviários cresceram rapidamente e suas ambições eram
crescentes, com ferrovias sendo inauguradas nos Estados Unidos já em 1827, apenas dois anos
depois de adotadas na Inglaterra, e chegando até a Rússia em 1837.75 Ao crescer em escala, as
ferrovias organizavam não apenas uma indústria pesada nascente como também novos métodos
de financiar grandes empreendimentos.
As novas companhias ferroviárias britânicas eram caracterizadas pelo complexo e
livre arranjo das sociedades anônimas utilizadas para aglutinar os vários capitalistas individuais
em um único grande empreendimento.76 O importante a ser destacado desse movimento é que
tanto a bolsa de valores quanto o mercado acionário eram instrumentos financeiros previamente
existentes e bem desenvolvidos em Londres, gestados no sistema mercantilista, de forma que não
foi necessário revolucionar nem a institucionalidade financeira nem a organização dos
mecanismos de crédito devido ao surgimento dos grandes empreendimentos ferroviários. De toda
forma, tanto o setor de serviços quanto o setor de transportes caminhavam para a maturação
necessária a uma nova rodada de desenvolvimento econômico, fundada na indústria metalúrgica,
no capital bancário e acionário e na ampliação generalizada da economia capitalista através de
um novo meio que tornava economicamente viável a entrada nos territórios mais longínquos dos
continentes.
A City Londrina, que já era apoiada em um desenvolvido sistema bancário e
financeiro, via assim crescer seu tamanho e importância concomitantemente à expansão
ferroviária, suas elites detinham mais prestígio do que nunca e os estratos médios que
participavam desse crescimento eram cada vez mais conscientes do seu papel central na
economia inglesa. A ferrovia reforça a possibilidade de ascensão desses setores ante a elite
agrária. O crescimento em maior escala das ferrovias na Inglaterra aconteceu a partir da década
de 40 do século XIX, mas antes disso novas mudanças aconteciam na política.

75
Hobsbawm, Eric J. A Era das Revoluções: 1789-1848. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. pp. 61.
76
Hilferding, Rudolf. “O Capital Financeiro”. São Paulo: Nova Cultural, 1985. pp. 209.Ver também: Marx, Karl. “O Capital –
Volume 1”, Capítulo 13: Maquinaria e Grande Indústria.
46

Por volta de 1830 ocorria uma nova onda revolucionária por toda a Europa.77 A
Revolução de Julho em Paris teria repercurssões na Inglaterra do cartismo e dos luditas;78 o
conflito popular se somaria aos pedidos das novas classes endinheiradas por maior representação
no Parlamento, e em 1832 seria aprovada a Reforma Parlamentar, que garantia maior
representação para os distritos urbanos. A reforma foi um passo decisivo na defesa das demandas
dos novos setores econômicos, porém não constituiu uma derrota para a elite agrária: foi antes
uma forma de preservação desse interesse proprietário de terras do que a sua superação. Através
da concessão de espaço para novos representantes, a antiga aristocracia se adequava à nova
realidade sem abrir mão da sua enorme influência já estabelecida, seus vários assentos no
parlamento e as tarifas protecionistas, prevenindo-se ainda de uma hipótetica afronta
revolucionária à sua propriedade.79
A partir da reforma, contudo, as elites intelectuais esperavam seguir rumo ao livre
comércio. O debate em torno da questão das tarifas protecionistas, em suas diferentes vertentes
da economia política inglesa – Ricardiana, Smithiana e evangélicas80 – divergiam apenas se a
abolição do protecionismo agrícola deveria ser parcial ou total. Haviam diferentes argumentos a
favor do livre comércio, porém apenas um deles, referente a uma minoria radical, advogava pela
abolição total tanto das tarifas quanto das preferências comerciais do império e mesmo o
desmembramento do império oficial. As divergências entre as demais correntes fundava-se em
duas preocupações: primeiro, como financiar o Estado; segundo, como garantir a manutenção do
poder internacional britânico preservando-se a paz europeia.
Hurkinsson expressava a opinião mais moderada quanto às reformas. Advogava não a
abolição unilateral de tarifas, mas negociações de tratados de livre comércio com as demais
potências. Acreditava firmemente na ligação entre comércio e paz, com a prosperidade e as trocas
sendo o melhor meio para evitar a guerra e a revolução; rejeitava os laços econômicos rígidos do
Império, porém mantinha intacta uma crença firme no valor econômico das aquisições colôniais
como base para trocas, investimento, migração – interesses que seriam ampliados por tarifas

77
Hobsbawm, Eric J. A Era das Revoluções: 1789-1848. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. pp. 183-187.
78
Ibid, pp. 203-205.
79
Cain, P. J. e Hopkins, A. G. Gentlemanly Capitalism and British Expansion Overseas I: The Old Colonial System, 1688-1850.
Em: The Economic History Review, New Series, Vol. 39. No. 4 (1986). Blackwell Publishing. Disponível em:
www.jstor.org/stable/2596293. pp. 506-509.
80
Howe, Anthony. “Restoring Free Trade: the British Experience, 1776-1873”. Em: “The Political Economy of British Historical
Experience, 1688-1914”,
47

preferenciais. A política resultante dessa visão seria uma abertura gradual das trocas imperiais
conforme as ideias de Smith.81
Contudo, a industrialização intensificava-se na Grã-Bretanha, e o crescimento
populacional aliado com a forte urbanização já tornavam necessárias as importações de grãos
para abastecer as massas. Em 1840, entre 10 a 15% da população era alimentada por trigo
importado.82 Nesse contexto seria criada em 1838 a Anti-Corn Law League, uma organização
liderada pelas elites industriais com o objetivo de atacar agressivamente as proteções agrícolas. A
grande inovação da Liga, que permitiu mudar o ambiente político a seu favor, foi a inclusão das
classes trabalhadoras no público-alvo de seus panfletos, organizando o interesse popular em torno
da queda do protecionismo, rotulado como “dear loaf” (pão caro) – tornando as tarifas
crescentemente mal vistas pelo público e os formadores de opinião.83
A despeito dos protestos da Liga, a abolição das Corn Laws envolvia necessariamente
os problemas do Estado e do Império Britânico, e eram esses os interesses que as mantinham
politicamente de pé. Havia contudo uma visão cada vez mais presente de que a Grã-Bretanha
seria capaz de manter sua hegemonia internacional sem a necessidade do protecionismo: as
experiências com os novos estados independentes da América do Sul e mesmo a independência
dos EUA mostravam como a autonomia política dessas regiões não rompia com a estrutura
econômica organizada em torno de uma função periférica, de economia satélite, na complexa
rede de conexões comerciais e produtivas inglesas.84 Em outras palavras, de posse de uma forte
indústria exportadora, com o início da industrialização pesada e um grande setor de serviços
apoiando-a, a apropriação de excedentes pelas forma lucro, juro, diferenciais no valor do
trabalho, possse de bens estratégicos e redução dos riscos já era vista pelos contemporâneos como
suficientes para preservar a hegemonia de seus interesses em escala internacional sem a
necessidade de uma margem alfandegária adicional.85 A hegemonia que iniciara-se em torno das
bases comerciais e militares do sistema mercantilista havia se materializado em um sistema

81
Ibidem.
82
Kenwood, A. G.; Loughheed, A. L. The Growth of International Economy, 1820–2000: an introductory text. 4a ed.; Londres:
Routledge, 2001. pp. 61-64.
83
Howe, Anthony. “Restoring Free Trade: the British Experience, 1776-1873”. Em: “The Political Economy of British Historical
Experience, 1688-1914”
84
Ibid, pp.
85
Cain, P. J. e Hopkins, A. G. Gentlemanly Capitalism and British Expansion Overseas I: The Old Colonial System, 1688-1850.
Em: The Economic History Review, New Series, Vol. 39. No. 4 (1986). Blackwell Publishing. Disponível em:
www.jstor.org/stable/2596293. pp. 506-509. A discussão também aparecer na discussão de Mariutti sobre o Império Informal. Cf.
Mariutti, Eduardo Barros. “Colonialismo, Imperialismo e o Desenvolvimento Econômico Europeu”. São Paulo: Hucitec, 2009. pp.
200-216.
48

político econômico onde as vantagens competitivas tornavam-se crescentemente inalienáveis; não


eram expressas somente em mecanismos diretos de intervenção (passíveis de sofrerem
contestação política ou destruição militar), mas também na aplicação consciente e em grande
escala de novas tecnologias, e no crescimento em geral das formas de organizar população e
recursos com o objetivo de obter e preservar excedentes econômicos.
O passo fundamental para a abolição das tarifas foi dado em 1842 por Peel, ao adotar
o imposto de renda como nova forma de financiamento do Estado.86 A partir daí já seria
economicamente possível a extinção gradual de um grande conjunto de tarifas, mas ainda havia o
forte interesse agrário que defendia sua manutenção. Contudo, a distribuição das terras agrícolas
inglesas, ao contrário da situação prussiana, era extremamente concentrada em grandes
propriedades, de forma que os ataques da Liga e crescentemente da imprensa de Londres
tornavam o protecionismo difícil de ser defendido como um caso de interesse nacional, ao passo
que medidas a favor do livre comércio pareciam agradar a todos. Ainda assim, foi necessária a
catastrófica crise da fome irlandesa de 1845-1846, onde morreram por volta de um milhão de
pessoas, para que a importação de alimentos do exterior se concretizasse como uma necessidade
inadiável e as Corn Laws fossem finalmente abolidas.87
O ponto fundamental a ser destacado desse movimento tem pouco a ver com a
questão econômica prática da abolição das Corn Laws – diversos outros impostos sobre
importação permaneciam de pé, como sobre o tabaco, açúcar e chá; em 1840, 17 dos 721 artigos
de taxação eram responsáveis por gerar 94.5% das receitas públicas.88 O movimento era na
verdade a adoção de um princípio: a partir de 1846, as reformas iriam no sentido da aplicação
progressiva do comércio livre, que atingiria sua forma mais completa durante a década de 1860.89
Ainda que houvessem defensores da abolição total dos laços imperiais da Grã-
Bretanha e da abolição total das tarifas alfandegárias – como Cobden defendia na Liga –, na
prática as reformas foram lideradas por interesses mais moderados, que buscavam adequar a
arquitetura do bem sucedido sistema mercantilista britânico às novas forças econômicas e sociais

86
Howe, Anthony. “Restoring Free Trade: the British Experience, 1776-1873”. Em: “The Political Economy of British Historical
Experience, 1688-1914”. Ver também Keenwood, A. G.; Loughheed, A. L. The Growth of International Economy, 1820–2000:
an introductory text. 4a ed.; Londres: Routledge, 2001. pp. 62-64.
87
Howe, Anthony. “Restoring Free Trade: the British Experience, 1776-1873”. Em: “The Political Economy of British Historical
Experience, 1688-1914”.
88
Harley, Knick C. Trade, discovery, mercantilism and technology. Em: The Cambridge Economic History of Modern Britain,
Vol. I. pp. 189.
89
Howe, Anthony. “Restoring… Free Trade: the British Experience, 1776-1873”. Em: “The Political Economy of British
Historical Experience, 1688-1914”.
49

que ali despontavam. Assim, tanto a eliminação de tarifas quanto os interesses a serem
defendidos pelo Império foram feitos nos moldes da manutenção do poderio internacional
britânico e nunca em detrimento deste, baseadas na reformulação da importância das colônias
como economias satélites cuja função era preservar a preponderância industrial e financeira
britânica.
Simultaneamente, as novas elites procuravam bases para legitimar sua liderança ante
ao povo, atacando o interesse agrícola estabelecido que dominava o parlamento. Apontamos
como os industriais careciam de maior legitimidade política e prestígio social. A nova elite, que
substituiria crescentemente a elite agrária após 1846-49, seria a dos setores ligados à City
Londrina, essencialmente banqueiros, grandes financistas e em menor medida grandes interesses
comerciais. Essa elite ilustrada beneficiava-se da industrialização, reconhecia a importância da
indústria e principalmente das ferrovias para a expansão de seus lucros, para a defesa do interesse
britânico internacionalmente e para o nível de emprego nacional. No período de 1849 à 1873 a
convergência desses interesses – da maior elite financeira com a maior economia industrial do
mundo – daria forma ao auge da Hegemonia Britânica e da ordem liberal: inaugurava-se a “Era
do Capital”.
50

2.2 Hegemonia e a nova ordem liberal-concorrencial

O período de 1849 à 1873 marcou a história pela extraordinária expansão econômica


não apenas da Grã-Bretanha, mas de praticamente todos os países ligados à economia-mundo,
sendo a expansão acompanhada pela difusão da industrialização para um conjunto restrito de
países – Estados Unidos, Alemanha, França e Bélgica (trataremos das industrializações dos dois
primeiros mais atentamente no próximo capítulo). O movimento inicial a que devemos nos ater
para entender as consequencias que o surgimento de novas potências industriais trouxe tanto para
a concorrência econômica quanto para as relações internacionais entre Estados é o de como a
Grã-Bretanha estava inserida no contexto da grande expansão, e quais os interesses fundamentais
que estavam em jogo.
Já analisamos a economia política interna à Grã-Bretanha no período anterior, que
levara à queda das Corn Laws e a ascensão de uma nova elite ante a antiga elite agrária. Cabe
mostrarmos os impactos dessa nova articulação de forças para a economia internacional. O
comércio livre oferecia à City londrina a oportunidade de tornar-se o mercado chefe do mundo,
satisfeitas duas condições básicas: primeiro, deveria ser buscada uma progressiva expansão
industrial, comercial e financeira, isto é, um aumento da influência econômica britânica pelo
globo; em segundo lugar, essa expansão deveria ser acompanhada de uma política econômica
que sustentasse o padrão ouro-libra como pilar das trocas internacionais. De modo geral, o
resultado desses dois movimentos era uma tendência à manutenção da ortodoxia econômica,
entendida como equilíbrio das contas públicas e uma aversão à intervenção do governo nos
assuntos econômicos internos, aliada à exploração privada irrestrita das conexões mercantis ou
imperiais já estabelecidas.
As bases da grande expansão foram a difusão da tecnologia da construção ferroviária
e do barco a vapor. Se o crescimento dos 332 quilômetros de linhas férreas no mundo em 1831
para 17.424 quilômetros em 1846 havia mudado substancialmente a paisagem das regiões
afetadas, nos 15 anos subsequentes, de 1846 à 1861, essas linhas somariam 106.886 quilômetros,
apenas para mais que duplicarem novamente nos 10 anos seguintes, chegando a 235.375
quilômetros em 1871. Nas toneladas carregadas por navios a vapor, os números eram igualmente
impressionantes: 32.000 toneladas em 1831; 139.973 em 1846; 803.003 em 1861 e um enorme
salto para 1,939,089 nos 10 anos seguintes (nos 5 anos entre 1871 e 1876, a tonelagem carregada
51

por esses navios quase duplicaria novamente, chegando a 3.293.072).90 O barco a vapor,
juntamente com seu desenvolvimento posterior, o barco de ferro desenvolvido em 1860 na Grã-
Bretanha, era nesse período uma produção dominada pelos britânicos, que só não perderam a
posição de maior marinha mercante para os Estados Unidos devido aos avanços nessa fronteira.91
Seu impacto só não foi ainda maior no período devido ao aperfeiçoamento dos barcos à vela, que
ainda em 1870 detinha 51% da tonelagem transportada pelo mar (em 1840, detinha 86% desse
total).92
Esse crescimento exacerbado dos transportes só pode ser compreendido em função
tanto do aumento nas trocas internacionais quanto dos fluxos migratórios e de capitais.
A indústria exportadora de tecidos da Grã-Bretanha, já bastante desenvolvida no
período anterior, seria acrescida de por volta de 200 mil novas máquinas de algodão; mais
eficientes, as 1.100 milhões de jardas que haviam sido adicionadas às exportações de 1820 à 1850
seriam aumentadas em 1.300 milhões em apenas 10 anos, entre 1850 e 1860.93
Os fluxos de capitais foram também multiplicados diversas vezes. Em 1830, o
investimento externo britânico era de 100 milhões de libras; passaria para 260 milhões em 1854,
e 770 milhões em 1870. O padrão de distribuição desses investimentos mudava substancialmente:
em 1830, 66% do total dirigia-se para a Europa, 23% para a América Latina, e apenas 9% para os
Estados Unidos e 2% para as regiões do Império Britânico. Nessa fase, onde o crescimento da
indústria ferroviária ainda se restringia à Grã-Bretanha e as construções nos demais países seguia
o capital inglês, a prioridade era tanto a construção ferroviária ligando regiões que exportavam
produtos para a Grã-Bretanha aos seus portos (como o sul dos Estados Unidos e a América
Espanhola) quanto estabilizar as moedas desses países, dar subsídio à mineração e à manutenção
do status quo político.94
Isso não necessariamente siginificava que aqueles países honraram essas dívidas, e no
curso da década de 1830 os financistas britânicos voltaram-se para os Estados Unidos, onde a
construção de canais e de ferrovias financiadas pelo Estado e pela contração de dívidas públicas
municipais gerava demanda atraente para fundos estrangeiros. O ritmo frenético de construção
ferroviária naquele país, aliado ao crescimento do seu setor industrial e bancário fundado em
90
Hobsbawm, Eric J. “A Era do Capital: 1848-1875.” 15ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011. pp. 463, Tabela 2, parte II.
91
Ibid, pp. 273.
92
Ibid, pp. 102.
93
Ibid, pp. 61.
94
Keenwood, A. G.; Loughheed, A. L. The Growth of International Economy, 1820–2000: an introductory text. 4a ed.; Londres:
Routledge, 2001. pp. 31.
52

sociedades por ações, somava fatores atrativos para o capital britânico. Por volta de 1854, o
padrão dos fluxos de capitais britânicos havia mudado substancialmente. A Europa recebia 55%
do total, enquanto os Estados Unidos passava de 9% em 1830 para 25% em 1854, a América
Latina caía de 23% para 15%, e o Império Britânico ainda ficava à margem dos fluxos, com 5%
do total. A queda na Europa era consequência dos aumentos na concorrência com os britânicos,
através das indústrias da França, Bélgica e Alemanha (Prússia). As exportações Britânicas
tendiam a seguir esses investimentos, sendo a América Espanhola e a Europa os principais
compradores de produtos britânicos. Apenas a Índia, que encontrava-se em processo de
desindustrialização, comprava milhões de jardas de tecidos britânicos sem receber parcela
considerável dos recursos de crédito.
Com o aumento da concorrência na Europa, os investimentos britânicos dirigiam-se
cada vez mais para as áreas do Império. Em 1870, dos 770 milhões de libras investidos no
exterior, 34% direcionava-se para essas regiões, a maior parte para a Índia, enquanto a parcela da
Europa caía de 55% em 1854 para 25% em 1870, enquanto nos EUA a parcela se mantinha nos
27% e na América Latina caía novamente, absorvendo 11%.
Esses investimentos tinham uma contrapartida nos fluxos internacionais de comércio,
que ao longo do século XIX, de 1800 à 1913, foi multiplicado em 25 vezes, enquanto o produto
per capita cresceu apenas 2,2 vezes, e não é coincidência que justamente no período de 1840 à
1870 as maiores taxas de crescimento do comércio mundial foram observadas.95 O que assistimos
é um acúmulo recorrente de superávits na balança comercial inglesa, que importava matérias
primas a baixos custos de novas regiões férteis agora inseridas no mercado mundial, e
reexportava produtos manufaturados para todo o globo. Esse excedente era reaplicado para
financiar tanto a construção ferroviária no país e no exterior, quanto para financiar o próprio
comércio internacional e os Estados que dele participavam. Na medida em que era possível
importar maquinaria inglesa para a produção manufatureira interna aos países e financiar-se no
exterior para essa compra, mesmo os países com interesses em desenvolver sua própria indústria
enxergavam vantagem em “seguirem” o liberalismo britânico nos limites em que lhe fossem
benéficos. Foi por esse motivo que Alonso classifica a ordem britânica como uma ordem de
convergência de interesses, onde as regras internacionais eram fixadas pela Inglaterra e
predominava a concorrência econômica ante o clima belicista da era do mercantilismo.
95
Keenwood, A. G.; Loughheed, A. L. The Growth of International Economy, 1820–2000: an introductory text. 4a ed.; Londres:
Routledge, 2001. pp. 78-79.
53

Devemos contudo contratastar essas considerações teóricas acerca do período que


observamos com a história concreta. Em primeiro lugar, ainda que relativamente ao século XVIII
pudessemos classificar essa época como pacífica devido à ausência de conflitos extensos no
tempo, é importante ressaltar que a lógica da guerra havia se alterado subtancialmente com o
desenvolvimento da marinha a vapor, novas tecnologias nos armamentes e novas técnicas de
organização. Durante a Era do Capital, em especial após 1860,96 as guerras passaram a ser
definidas pela superioridade tecnológica ou organizacional ante as grandes massas de exércitos
que caracterizaram as guerras napolêonicas e outras guerras do século XVIII. A paz, entendida
como ausência do medo de uma guerra geral europeia, é melhor explicada pelo grande desnível
entre as sociedades modernas e as civilizações baseadas em técnicas tradicionais do que por um
interesse genuíno na paz mundial. As duas Guerras do Ópio empreendidas pelos britânicos na
China (1839-1842 e 1856-1858) e a expansão dos americanos para o oeste, que incluía o
crescimento da sua influência sobre o pacífico e a Ásia, são igualmente melhor entendidas como
a expansão de um sistema econômico agressivamente expansivo sobre regiões tradicionais que
não lhe eram solidárias do que um “abandono da ideologia” do capital.97 Na Grã-Bretanha, ainda
que não tão desenvolvida quanto a seria na Era dos Impérios (1875-1914), a ideologia do “fardo
do homem branco” permeava tanto as elites quanto boa parte dos cidadãos, sendo os diálogos
diplomáticos europeus uma realidade muito distante dos povos que não compartilhavam da
origem europeia, ou que por ventura tivessem a infelicidade de estarem em seu caminho, como
sofreu o Paraguai, massacrado entre 1864 e 1870. Conforme coloca Hobsbawm, era “o próprio
processo de expansão capitalista global que multiplicava as tensões no mundo não europeu, as
ambições do mundo industrial e os conflitos diretos e indiretos dele surgidos”. A Guerra Civil
Americana significou a passagem do sul dos Estados Unidos do império informal inglês para a
nova economia industrial dos estados do norte, enquanto Guerra do Paraguai pode ser vista como
a integração total da bacia do Prata à economia mundial da Inglaterra.
A influência que a expansão econômica britânica causou nas diversas regiões do
globo foram muito diferentes. A saber, na Alemanha e nos Estados Unidos durante a ordem
liberal, as tarifas aduaneiras foram reduzidas, mas não abolidas, dando margem ao crescimento
manufatureiro nacional. Como diz Hilferding, o protecionismo desse período:

96
França e Savóia contra a Áustria (1858-1859), Prússia e Áustria contra a Dinamarca (1864), Prússia e Itália contra a Áustria
(1866), Prússia e os Estados Germânicos contra a França (1871). Hobsbawm, pp. 129.
97
Alonso
54

“(...) tinha a tarefa, além da compensação de circunstâncias naturais


desafavoráveis, de acelerar o surgimento de uma indústria no âmbito das
fronteiras desprotegidas. Ele devia preservar a indústria nacional em
desenvolvimento do perigo de ser obstacularizada ou aniquilada pela poderosa
concorrência da indústria estrangeira já desenvolvida. Seu nível precisava ser
apenas o suficiente para compensar a vantagem da indústria estrangeira. Não
podia ser de modo algum proibitivo, já que a indústria nacional não era capaz de
cobrir a demanda. E, sobretudo, [o protecionismo] não era concebido como
permanente.” (Hilferding, 1985: 288)

Contudo, os interesses político-comerciais eram, no continente, muito distintos


daqueles defendidos pela potência hegemônica, pois esbarravam na concorrência da mesma que a
partir de certo ponto impedia ou retardava o desenvolvimento industrial próprio.

“Tratava-se de, primeiro, vencer as dificuldades, ultrapassar todos os obstáculos


constituídos pela falta de operários especializados, de diretores técnicos e de
engenheiros, de vencer o atraso da técnica, de criar a organização comercial, de
fomentar o desenvolvimento do crédito, de acelerar a proletarização por meio da
destruição do artesanato e da dissolução da velha economia camponesa ─ numa
palavra, trava-se de alcançar tudo o que constituía o fundamento da vantagem
que levavam os ingleses, acrescendo-se o interesse fiscal pelas receitas
tributárias.” (Hilferding, 1985: 285)

Face tais dificuldades, esse capitalismo, em desenvolvimento na Alemanha e nos


Estados Unidos, crescentemente se colocaria a favor de tarifas visando possibilitar o crescimento
de uma indústria nacional forte. Eram, contudo, ainda vistas como medidas temporárias até que
fosse gestada uma capacidade de concorrer em igualdade com a indústria britânica – o que, como
veremos, praticamente não aconteceu. De toda forma, a metáfora utilizada por Hobsbawm para
descrever o período de auge da ordem britânica é bastante apropriada: a economia mundial nesse
período era como um sistema solar girando em torno de uma estrela única, a Grã-Bretanha.
Poderíamos até mesmo levar o exemplo mais adiante – nesse sistema solar, os determinantes da
força da gravidade, definida na física pela massa e a distância, eram respectivamente o tamanho
das economias nacionais e o grau relativo com que seu funcionamento estava atrelado aos portos
que a ligavam à economia mundial e portanto à marinha britânica. Assim um país como o Brasil
estaria na região permanentemente presa à órbita dos países centrais pela dependência do
comércio, porém igualmente distante de exercer uma força relevante sobre os pesados países
centrais devido à pequena e especializada economia. Já a Alemanha encontrava-se ainda mais
presa pela proximidade, sem deter saída outra para o mar que não sofresse da presença britânica,
55

porém crescentemente tornava-se capaz de exercer sobre esta e outras nações sua própria força
conforme a industrialização seguia em curso e a ferrovia minava a centralidade do mar. A pujante
massa em crescimento dos Estados Unidos, em contrapartida, buscava puxar para si seus próprios
satélites através da órbita do Pacífico onde a influência da força econômica britânica era mais
distante.
De modo geral, o resultado mais importante do período foi a formação de uma
verdadeira economia mundial. Com as ferrovias, regiões antes inabitadas ou que ficavam
completamente à margem de qualquer mercado, subitamente encontravam-se em ligação rápida e
regular com o mercado internacional. As características desse movimento expansionista, contudo,
são fundamentalmente distintas daquelas que veremos no período posterior, identificadas com o
imperialismo moderno.
Para entendermos esse movimento mais de perto, contudo, é essencial entendermos
os processos de industrialização dessas novas potências, análise a que nos dedicaremos no
próximo capítulo.
56

Parte II – O desenvolvimento e as contradições da ordem liberal

Ao longo do Capítulo 1, nosso enfoque foi nos determinantes da industrialização


originária na Inglaterra: as relações de produção do campo, o papel da economia urbana e como
esta se articulava, através dos grandes mercadores, com o sistema mercantilista, dando sentido às
estratégias privadas e estatais de acumulação e gestão de recursos. Analisamos o papel central da
marinha mercante e de guerra, bem como das finanças em torno da dívida pública, e como as
elites britânicas racionalizaram o Estado de modo a vencer a guerra contra a França e se
estabelecer como grande potência no sistema interestatal.
No Capítulo 2, analisamos os conflitos políticos gestados pelas mudanças na base
econômica britânica, basicamente em torno da questão da liberalização comercial e quais seriam
os meios mais efetivos de manter a centralidade do país na economia-mundo em expansão.
Através da queda das Corn Laws e dos Atos de Navegação, a vitória dos capitalistas-fidalgos
ligados à Londres colocava o comércio livre e o império informal como eixos da política
ecônomica e da diplomacia britânica ao redor do globo. A convergência de interesses de diversos
países da periferia e da semiperiferia em se inserirem no mercado internacional – basicamente a
Grã-Bretanha – possibilitou a difusão do dinamismo britânico para outras regiões, expandiu a
economia capitalista pelo mundo e com ela a centralidade da libra e da influência britânica nas
questões externas das nações.
De modo geral, a Parte I deste trabalho objetivava mostrar as especificidades da Grã-
Bretanha, para depois esclarecer o modus operandi da ordem internacional orquestrada por ela.
Na Parte II, nosso objetivo será mostrar as contradições colocadas em marcha pelo
desenvolvimento dessa ordem.
57

Capítulo 3 – Desenvolvimento: industrializações atrasadas e a centralização de


capitais

No Capítulo 3, analisamos as “industrializações atrasadas” de dois países que são


chaves para entendermos a etapa do imperialismo, os Estados Unidos e a Alemanha. Seguiremos
a mesma estrutura analítica que apresentamos na análise dos condicionantes para a
industrialização originária: i) os fatores que davam sentido às estratégias privadas e estatais de
acumulação no ocidente, agora durante a predominância da Hegemonia Britânica no comércio
mundial; ii) o porquê da produção capitalista, industrial, levar à divergências quanto às práticas
econômicas e políticas adotadas por esses países; iii) como essas mudanças se realizaram –
novamente não devemos supor que seja natural, consequência da maior racionalização das
atividades.
O principal fator distintivo da industrialização nesses dois países decorre dela se
processar na presença e proximidade de uma nação já industrializada, capaz de demandar
enormes quantidades de matérias primas destes países através das importações de bens primários,
possibilitando que estes acumulassem grandes excedentes dentro de seus territórios, poupando-os
da necessidade de criar um eficiente sistema mercantilista capaz de acumular recursos de diversos
modos de produção distintos, como o fez a Grã-Bretanha. Não apenas esses países tinham uma
via mais rápida para a acumulação de capital, como a tecnologia da produção fabril incorporada
do maquinário sofisticado produzido pelos britânicos podia ser importado pelo comércio
internacional; junto com as máquinas, esses países contavam também com a possibilidade de
atrairem imigrantes ingleses, operários e outros trabalhadores capacitados que não raro
encontravam-se assolados pela precarização das condições de vida conforme a indústria crescia
em seu país de origem.
Deste modo, se no Capítulo 1 a análise dos outros países rivais à Grã-Bretanha foi
feita principalmente para explicitar as características específicas e mais sofisticadas daquele em
oposição aos outros Estados, na análise das industrializações atrasadas dos Estados Unidos e da
Alemanha a comparação com o país hegemônico torna-se indispensável para entendermos o
próprio movimento interno a esses países, suas influências e contrastes.
O ponto de partida das análises é um esboço da condição inicial destes países,
expressa basicamente nas suas relações de produção ainda sob uma economia rural (relação entre
58

quem cultivava a terra e quem a possuía, quem produzia sua riqueza e quem a acumulava), e a
contrapartida dessas relações em diferentes práticas de controle e poder das elites e dos Estados.
Após essas considerações, passamos para os fatores que levaram à formação das primeiras
indústrias; ao adentrarmos na industrialização propriamente dita, a ênfase passa para o papel dos
novos meios de comunicação e transporte (a ferrovia e o telégrafo) e de financiamento na
economia e na sociedade destes países. Por fim, adentramos na caracterização da especificidade
das indústrias gestadas nos Estados Unidos e na Alemanha, suas semelhanças e diferenças com
relação à Grã-Bretanha. Toda a análise perpassa a identificação desses países como regiões
semiperiféricas da economia-mundo: o que há de específico nessa relação é a oportunidade
colocada a esses países de tocarem iniciativas para minimizar os elementos que determinavam
sua posição periférica e simultaneamente incorporarem os avanços que garantiam a vantagem do
país hegemônico.
59

3.1 Os Estados Unidos e o Capitalismo Gerencial Competitivo

Desenvolvemos no capítulo anterior a proposição de que a ordem liberal-


concorrencial estabelecia uma relação de complementariedade restrita com certos países
estrategicamente posicionados na economia-mundo (a semi-periferia, nos termos de Wallerstein).
Para entendermos o desenvolvimento da indústria nos Estados Unidos durante a Era
do Capital, devemos antes situar as condições econômicas e políticas vigentes naquele país antes
da “grande expansão”.
A economia dos Estados Unidos de fins do século XVIII e início do século XIX pode
ser dividada em três regiões fundamentalmente distintas: i) a economia escravista dos estados do
sul; ii) a economia agrícola mercantil da fronteira do oeste; iii) a economia mercantil dos estados
do norte.
A economia escravista do sul consistia basicamente em uma região complementar à
economia britânica, isto é, parte do império informal britânico até a Guerra Civil Americana em
1862.98 A propriedade agrícola desses estados estava baseada em grandes latifúndios
monocultores de algodão para suprir a demanda das fábricas inglesas; a escassez de mão de obra
latente no país era ali resolvida pelo recurso à escravidão.99 Embora seja verdade que a
escravidão seja um bloqueio ao aumento da divisão social do trabalho,100 isso não as fazia menos
lucrativas, e no contexto mais amplo da economia dos Estados Unidos a região detinha tanto as
maiores riquezas quanto o maior exército, sendo profundamente influente na política americana.
A fronteira agrícola do oeste encontrava-se em franca expansão durante todo o
período a partir da guerra da independência americana. A região era conectada aos mercados
internos dos Estados Unidos tanto do norte quanto do sul, mas principalmente do norte. O regime
de trabalho poderia ser tanto livre quanto o da servidão temporária (4 a 7 anos),101 e a
possibilidade de reproduzir uma vida rural livre no oeste era um forte atrator de imigrantes
europeus e trabalhadores livres das regiões do norte.

98
Hobsbawm, Eric J. “A Era do Capital: 1848-1875.” 15ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011. pp. 130.
99
Durante a primeira metade do século XIX, as plantações de algodão respondiam por mais da metade da utilização de escravos
nos Estados Unidos, e em grande medida foi o crescimento das importações britânicas de algodão que permitiram a expansão das
escravidão no país. Ver Engerman, Stanley L. “Slavery and its consequences for the South”. Em: “The Cambridge Economic
History of the United States, vol. II: The Long Nineteenth Century”. pp. 336-337.
100
Oliveira, Carlos Alonso Barbosa de. “Processo de industrialização do capitalismo originário ao atrasado”. São Paulo: Editora
UNESP, 2003. pp. 201-202.
101
Gallman, Robert E. “Growth and Change in the Long Nineteenth Century”. Em: “The Cambridge Economic History of the
United States, vol. II: The Long Nineteenth Century”. pp. 18.
60

A economia mercantil do norte dos Estados Unidos caracterizava-se pela geografia e


clima semelhante ao Europeu, o que impossibilitava o desenvolvimento extensivo das grandes
plantações de gêneros tropicais. A boa qualidade dos portos da região tornava atrativa a produção
de barcos e o desenvolvimento da acumulação mercantil pelo comércio triangular, onde os
mercadores do norte beneficiavam-se do tráfico de escravos e outros produtos que o sul, mais
rico, necessitava. O desenvolvimento manufatureiro na região iniciou-se por volta de 1812,
quando uma situação de embargo cessou a concorrência dos produtos britânicos e deu margem
para o desenvolvimento das manufaturas nacionais.102
Colocadas essas relações básicas quanto à produção, a posse e propriedade das terras
e o regime de trabalho, podemos delinear os modos básicos e visíveis aos contemporâneos de
fomentar a concentração de riquezas dentro da economia americana: i) através do aumento da
produção especializada nas regiões monocultoras do sul dos Estados Unidos, suprindo as
demandas industriais crescentes da Inglaterra industrial; ii) através da ampliação da invasão das
terras do oeste com a mão de obra imigrante e a articulação crescente de suas produções agrícolas
com o comércio; iii) através da expansão do comércio e das manufaturas do norte do país,
aproveitando-se, através de seus mercadores, tanto do crescimento econômico e da renda do sul e
do oeste do país.
Dentro desse contexto, podemos explicitar as visões dos americanos acerca das
políticas a serem desenvolvidas pelo Estado. Cabe relembrar que os governos de estadp (ou até
mesmo municipais) tinham grande autonomia nos Estados Unidos e contavam com legislações
próprias que podiam ser frontalmente distintas.
A contrapartida dessa autonomia seriam embates recorrentes no que tange o caráter
das medidas federais do Estado, desde a sua gênese dividido entre o federalismo centralizador de
Hamilton e a república descentralizada de Jefferson. De 1801 a 1825, a democracia Jeffersoniana
concebia idealmente os Estados Unidos como um agregado em expansão de pequenas fazendas
que trocariam seus excedentes com a Europa, que necessitava mais de seus recursos do que o
inverso. Contudo, a despeito da retórica e dos ideais perseguidos se colocarem como opostos,
havia um relativo consenso quanto à certas formas de apoio governamental à expansão

102
Engerman, Stanley L. Sokoloff, Kenneth L. “Technology and Industrialization 1790-1914”. Em: “The Cambridge Economic
History of the United States, vol. II: The Long Nineteenth Century”. pp. 371-372.
61

econômica que tiveram papel decisivo para o enorme crescimento dos Estados Unidos no longo
século XIX.103
Havia um ideal antigo, que inclusive motivara parte do descontentamento da guerra
da independência, de que a utilização dos recursos naturais deveria ser irrestrita e estimulada no
solo americano. De 1789 à 1862 o governo realizou enormes aquisições e anexações de territórios
de outros países – às vezes essas terras já haviam sido ocupadas por iniciativas individuais e a
iniciativa pública oficial apenas tinha o papel de formalizar a ocupação do território; outras,
antecipava os movimentos populacionais e estimulava a migração através da venda de terras a
preços extremamente baixos. De modo geral, através da compra ou conquista pública e
subsequente venda à iniciativa privada, enormes recursos naturais intocados transformavam-se
em recursos econômicos – fatores de produção disponíveis para serem utilizados na produção
mercantil ou passíveis de extração direta para a venda.
Como corolário dessa política permissiva à ocupação irrestrita do vasto território
americano (e consequente extermínio dos índios nativos), a política de imigração praticada pelo
governo aceitava todos aqueles que desejassem vir para o território americano e concedia
cidadania a todos que a quisessem. A debandada de um número crescente de pessoas para os
territórios do oeste traduzia-se em uma escassez relativa de trabalho para os industriais do norte,
aumentando os custos com salários (pressionando por melhorias no maquinário e nas técnicas),
ao mesmo tempo em que estimulava a utilização de mão-de-obra escrava no sul. Através do livre
influxo de imigrantes, valorizava-se o capital industrial do norte e o valor das terras do sul,
enquanto regiões cada vez mais afastadas das 13 colônias iniciais eram incorporadas ao mercado
americano.
Por fim, já no último decênio do século XVIII o governo dos Estados Unidos fez o
primeiro movimento no sentido de criar de um mercado de capitais104 – arranjos bancários,
mercados de securities e de finanças públicas – dos quais o próprio governo seria e de fato foi um
dos principais beneficiários. Ainda que extremamente caótico e propício à especulação
generalizada, o manejo do sistema de crédito permitia alavancar políticas públicas de gasto
(inclusive os de anexação territorial) enquanto a cobrança de impostos sobre instituições
financeiras privadas provavam-se uma fonte importante de recursos. O mercado de capitais foi

103
Sylla, Richard. “Experimental Federalism 1789-1914”. Em: “The Cambridge Economic History of the United States, vol. II:
The Long Nineteenth Century”. pp. 489-491.
104
Ibid, pp. 490-493.
62

criado prematuramente através da securitização, como resposta à enorme dívida herdada da


guerra pela independência. Ainda que com diversos defeitos, mostrava-se bem sucedido na tarefa
básica de promover a centralização de capitais, captando grandes volumes de poupanças
privadas nacionais e estrangeiras para financiar um país emergente. A base econômica rural dos
Estados Unidos pouco tinha de semelhante com a densa economia comercial britânica de fins do
século XVIII e início do XIX, de modo que o passo no manejo do sistema financeiro tornava-se
fundamental para tocar empreendimentos da ordem de grandeza compatível com a crescente
extensão territorial do país, complementando o sistema de privatização de milhões de acres de
terras e de atração de milhões de trabalhadores imigrantes para os negócios americanos. A
contrapartida da criação de um mercado de títulos da dívida pública federal, estatal e municipal
era a gênese de um mercado de capitais atrativo tanto para os intermediários financeiros
nacionais quanto internacionais (britânicos).
Assim, de modo geral, entre as duas décadas de 1780 e 1800, o governo dos Estados
Unidos buscou as bases institucionais que permitiriam um rápido avanço das forças produtivas
sem encontrar grandes crises de crédito ou de escassez de trabalho.
O país, que se encontrava economica e politicamente cindido entre os estados
escravistas do sul, defensores do livre-comércio com a Grã-Bretanha, e os estados de homens
livres do norte, crescentemente apoiados nas manufaturas e, portanto, defensores de políticas
protecionistas para garantir mercados para a indústria nacional nascente, encontravam bases
financeiras que, apoiadas em um apelo patrótico e um sentimento público em torno da neessidade
de buscar autonomia da produção de produtos manufaturados, daria impulso à economia dos
estados do norte.
O resultado dessa conjunção de forças públicas e privadas em torno da estrutura
comercial e manufatureira do norte foi a realização de diversos investimentos em infra-estrutura,
principalmente de forma privada, mas com o apoio do governo em todos os níveis. A base
principal de avanço em unidades de maior investimento em capital fixo era a indústria têxtil do
algodão, porém outras manufaturas que faziam uso de matérias-primas agrícolas também
cresciam rapidamente. Começava a industrialização americana.
As mudanças na base econômica dos Estados Unidos foram drásticas. O principal
elemento de mudança foi a vinda do capital dos grandes bancos mercantes britânicos a partir de
meados da década de 1830, interessados em financiar a construção ferroviária cujo potencial de
63

crescimento era tão vasto quanto o território americano. Os futuros bancos de investimento
americanos cresceram com a tutela desses bancos internacionais ingleses, aprendendo a técnica
do complexo negócio de forma que dentro de pouco tempo os intermediários americanos estariam
fundando seus próprios bancos e financiando eles mesmos a construção ferroviária nacional.105 A
vinda do capital britânico era fundamental para financiar o recorrente déficit no balanço de
pagamentos que sucedia os booms de crescimento da economia e da população americana, com
crescimento das importações acima das exportações.
O desenvolvimento das ferrovias estava inerentemente atrelado ao suporte do Estado,
principalmente nas regiões do sul onde não podiam contar com um grande número de capitalistas
individuais e financistas para bancar o pesado investimento da construção. A questão coloca um
ponto importante: como o Estado americano era financiado? De modo geral, as receitas públicas
ao longo de todo o período que vai de 1789 à 1914 derivavam de três fontes básicas: tarifas
aduaneiras, impostos indiretos sobre bebidas alcoolicas e fumo, e venda de terras. As receitas
derivadas de investidores no mercado de capitais eram utilizadas principalmente para financiar
guerras, e em segundo lugar para a compra de territórios.
A produção ferroviária americana, inicialmente apoiada na importação dos
mecanismos mais complexos das locomotivas, passou rapidamente por um processo de
substituição de importações e logo se apoiava inteiramente na produção nacional. Enquanto na
Grã-Bretanha privilegiavam-se as ferrovias em linha reta e a construção de túneis, em solo
americano, onde o capital era mais escasso e o território a ser coberto era mais vasto, tornava-se
premente cortar ao máximo os custos de construção e carregar o máximo de carga possível. O
ponto a ser destacado é que rapidamente fez-se necessária uma produção ferroviária nacional para
fazer os ajustes necessários, dando flexibilidade aos engates das rodas e substituindo parte do
ferro utilizado para conectar as linhas dos trilhos por madeira, barateando o contorno de possíveis
túneis. Assim, a construção pôde ser realizada rapidamente e seus limites reais passaram a ser
apenas os financeiros. A depressão na economia americana de 1839 a 1843, que cortou a entrada
de capital estrangeiro, levou à insolvência de diversas administrações públicas e privadas que
tocavam o financiamento da expansão ferroviária, porém logo em seguida a construção
recuperou-se, e em fins de 1840 a milhagem total de linhas no país já era o dobro do início da

105
Pp. 44.
64

década, e nos 22 anos entre 1828 e 1850 foram investidos aproximadamente 309,4 milhões de
dólares na construção ferroviária.
Mas isso seria pouco se comparado com o desenvolvimento posterior: nos 10 anos de
1851 a 1860 foram investidos nada menos do que 737,4 milhões de dólares na expansão das
ferrovias. A participação pública nesse total foi em torno de 25%, chegando a 50% nos estados
do sul. Os empreendimentos ferroviários respondiam nesse período por uma parcela
relativamente pequena das demandas ao setor metalúrgico e de máquinas, porém essa parcela era
cada vez mais significativa (em seu auge, na década de 1880, as demandas ferroviárias seriam
responsáveis por 50% de todo o crescimento da produção nacional de aço).
O fundamental a ser destacado da grande expansão que ocorria nos Estados Unidos é
que em suas origens ela pouco contrastava com a experiência britânica. A despeito das marcantes
diferenças quanto ao território e os recursos naturais nele disponíveis, podemos dizer que tal
como na Grã-Bretanha foram utilizados todos os meios disponíveis para alavancar a
mercantilização. O processo de luta por independência deu margem à formação de um interesse
político nacional em torno da inserção geopolítica não subordinada e o estímulo à prosperidade
(lucro) dos nacionais. A república estabeleceu desde logo uma reforma financeira radical,
articulando interesses privados no apoio às iniciativas públicas e impulsionando a viabilidade
econômica destas, não muito diferente das motivações por trás da instituição do Banco da
Inglaterra e o manejo dos papéis da dívida pública em fins do século XVII e ao longo do XVIII.
Enquanto na Inglaterra a mobilização deste aparato ia tanto no sentido da
mercantilização da economia interna, da proletarização do campesionato e na expansão
internacional de seu sistema mercantilista, nos Estados Unidos, que já nasceu sob a forte presença
naval britânica e portanto não detinha meios suficientes para basear a maior parte de seu avanço
econômico inicial através da exploração de produções periféricas pré-existentes ou economias-
satélites, os esforços foram no sentido de transformar os territórios adjacentes em um espaço
econômico produtivo em processo de valorização. Assim como na Inglaterra, a racionalização
fiscal para atingir esse objetivo foi essencial: tarifas aduaneiras compunham a forma mais fácil de
coletar recursos e adicionalmente protegiam as manufaturas nacionais; impostos indiretos sobre
bens específicos permitiam o aumento das receitas sobre uma extensa base populacional e
cresciam proporcionalmente ao crescimento de seu consumo com poucas perdas para possíveis
arbitrariedades da burocracia.
65

Do ponto de vista tarifário, foi o imposto sobre o valor das terras que permitiu uma
dinâmica diferente, possível apenas em uma área geográfica extensa e onde a terra fosse uma
mercadoria não apenas formalmente, mas também livre de grandes laços aristocráticos: o
escalonamento da expansão ferroviária. Ao auxiliar no financiamento das ferrovias, o governo
valorizava todas as propriedades adjacentes às novas linhas, sendo essa valorização e a
privatização de novas áreas uma fonte adicional de recursos que poderia mesmo pagar por todo o
adiantamento realizado à construção.
Na realidade, essa conta raramente fechava, porém isso não impossibilitava que os
contemporâneos pudessem acreditar nesse mecanismo de financiamento ao ponto de dar
credibilidade suficiente aos rendimentos dos títulos públicos emitidos para financiar as ferrovias.
Tratando-se de uma rentabilidade que só poderia ser confirmada em um prazo mais longo dada a
demora em terminar toda uma linha ferroviária e colocá-la em operação, essa expectativa de
rendimento só seria frustrada muito tempo depois, quando diversos empreendimentos já
estivessem em curso ou terminados. No médio prazo, esse mecanismo especulativo seria fonte de
movimentos recorrentes de boom e crise. Podemos imaginar o caos gestado durante esse
processo, mas de todo modo fora incrivelmente efetivo em realizar empreendimentos enormes
que, se tivessem sua contabilidade e gestão financeira realizada por métodos mais rigorosos de
avaliação de viabilidade econômica, simplesmente poderiam não existir.
O que observamos na realidade é um processo embrionário porém consciente de
centralização e concentração de capitais, parte tocado pela iniciativa privada, mas sempre com o
apoio da capacidade centralizadora do estado, mobilizando poupanças privadas, criando
instituições e criando crédito. Na medida em que a construção ferroviária exigia um investimento
inicial que estava além das capacidades de qualquer capitalista individual, a opção pela realização
desses investimentos só poderia acontecer mediante o envolvimento de um grande número de
financiadores. Os dois movimentos na verdade se traduzem em um só: o processo de
financeirização da riqueza capitalista.106
Foi justamente nesse processo de enorme alavancagem da construção ferroviária que
uma forma fundamentalmente distinta de encarar a realização dos negócios seria gestada nos
Estados Unidos, sem paralelo na Grã-Bretanha. As ferrovias, cuja tecnologia decorria dos
desenvolvimentos da primeira revolução industrial, eram de longe o investimento com maior
106
Prado, Nelson. “A institucionalidade financeira”. Em “Revisão Crítica Marxista, n.28”, 2009. pp. 51-54. Seguiremos as
direções desse autor quanto à análise do capital financeiro de Hilferding.
66

imobilização de capital fixo disponível até a década de 1870 com o surgimento das novas
indústrias da segunda revolução industrial – a química pesada, a metalurgia do aço, o motor à
combustão e a eletricidade. Aproximadamente dois terços de todos os custos envolvidos na
atividade de uma linha férrea não dependiam de fatores variáveis, como a realização de fato de
viagens pelos trilhos.107 Essa característica do investimento fazia uma enorme pressão nos
empresários para que racionalizassem ao máximo a utilização das linhas, tentando manter sempre
um fluxo contínuo de passageiros e carga, minimizando o tempo em repouso ou as viagens
vazias. Na Inglaterra, onde o espaço geográfico permeado pelas ferrovias era menor, a densidade
populacional era alta, o tráfego de mercadorias era intenso e havia grande quantidade de capitais
excedentes buscando aplicações possíveis, era possível basear parte considerável do sistema
ferroviário em sistema de linhas duplas, onde trens em sentidos opostos podiam trafegar pelo
mesmo percurso sem acarretar grandes problemas de racionalização das atividades, e o curto
território tornava possível a manutenção do padrão familiar de gestão de empresas que
prevalecia por toda parte, mesmo quando fazia-se uso das sociedades anônimas.
Nos Estados Unidos o desenvolvimento das ferrovias tendeu a romper com esse
padrão. A minimização de custos necessária para abranger o vasto território permitia apenas a
construção de linhas de sentido único,108 e ademais a baixa densidade populacional do território
inicialmente não daria rentabilidade para um sistema nos moldes ingleses. O resultado dessas
pressões era que nos Estados Unidos o sistema ferroviário exigiu a criação de novas formas de
gerenciamento das empresas. Supervisionar uma linha férrea transcontinental, gerir seus fluxos
de mercadorias, minimizar os custos com acidentes e maximizar a utilização contínua do capital
fixo só poderia ser feito através de uma expansão da burocracia gerencial de modo a coletar essas
informações e sistematizá-las em formas práticas e regulares de gestão.
Enquanto um corpo crescente de gerentes medianos ficava responsável por tocar os
problemas diários da empresa, a família fundadora, ou os primeiros acionistas proprietários,
passavam a ocupar cargos de decisão na direção mais alta onde apenas recebiam as informações
necessárias em reuniões periódicas. Com o passar do tempo, o volume de informações e de
envolvimento nas complexas redes criadas sequer permitia que se apreendessem os rumos dessas
empresas apenas em reuniões periódicas, e a tendência foi a de os fundadores se aterem ao papel

107
Chandler, Alfred D. Jr. “Scale and Scope The Dynamics of Industrial Capitalism”. Massachusetts: Harvard University Press,
1990. pp. 51-54.
108
Ibid, pp. 54.
67

de proprietários, enquanto diretores e gerentes contratados pelas suas capacidades técnicas eram
os responsáveis pelo dia-a-dia concreto dos negócios.109
Esse fenômeno é tratado na literatura corrente como o início da cisão entre a
propriedade e a gestão das empresas, característico dos empreendimentos onde predominam as
sociedades anônimas. Na Inglaterra, a forma de sociedades anônimas também foi mobilizada para
financiar os pesados investimentos que a ferrovia demandava, porém foi nos Estados Unidos que
a gestão empresarial, pelas próprias características específicas da dimensão dos investimentos
naquele país, foi levada a cabo e difundida para o conjunto das empresas ferroviárias e
posteriormente para toda a estrutura industrial.
Essa difusão foi praticamente uma externalidade decorrente da generalização do
transporte ferroviário. Nos Estados Unidos, até então, havia um capital mercantil bem
desenvolvido, principalmente no norte, porém os mercadores menores, que auxiliavam na
intermediação entre a produção manufatureira e a venda a varejo, em geral operavam por um
sistema de comissões onde ganhavam pela quantidade vendida e jamais chegavam a deter a
propriedade sobre a mercadoria transacionada: o risco da atividade ficava para os produtores,
uma vez que as quantidades eram pequenas, seu fluxo incerto, o consumo esparso e o transporte
lento.110
Com as conexões ferroviárias e a crescente confiabilidade, velocidade e regularidade
das conexões entre as regiões econômicas mais dinâmicas, esses intermediários começaram a
perceber a oportunidade de estabelecerem centros fixos de distribuição de mercadorias, apoiados
na proximidade com as estações ferroviárias. Surgem as primeiras lojas de departamento,
fenômeno típico nos Estados Unidos e em meados do século XIX ausente em qualquer outro
lugar do globo. A conexão dinâmica entre centros de produção com centros de distribuição,
aliada à formas de gerenciamento onde a manutenção do caráter pessoal-familiar das empresas
não era uma variável determinante dos investimentos favorecia adicionalmente a combinação
vertical das empresas, incorporando fornecedores ou distribuidores – e, após 1873 e
principalmente após 1887, incorporando também seus concorrentes.
O que vemos nesse processo é simultaneamente o desenvolvimento da logística e da
grande empresa moderna, onde os negócios baseiam-se em um sistema de distribuição baseado

109
Chandler, Alfred D. Jr. “Scale and Scope The Dynamics of Industrial Capitalism”. Massachusetts: Harvard University Press,
1990. pp. 51-54.
110
Ibid, pp. 58-62.
68

em economias de escala e escopo onde a gestão adquiria uma complexidade e importância


crescente. Na complexa gestão de fluxos de mercadorias (no caso dos mercadores, das
companhias de correio ou das indústrias apoiadas no transporte ferroviário) e no fluxo de pessoas
(as companhias ferroviárias ligadas ao transporte populacional), as técnicas da produção e
distribuição tornavam-se cada vez mais sofisticadas, e os custos associados à erros de gestão
eram cada vez maiores. Enquanto na Inglaterra a indústria surgiu apoiada na produção de bens de
consumo ligada a um setor de serviços forte herdado do sistema mercantilista e capaz de articular
a produção com mercados consumidores locais e distantes no ultramar, nos Estados Unidos o
processo de industrialização transcorria simultaneamente à criação de grandes redes de
distribuição desses produtos, trazendo novos desafios para os gestores desses empreendimentos.
Na realidade, o que esse movimento implica é a necessidade crescente de uma
resposta do sistema educacional: os novos negócios demandavam a alfabetização e a capacitação
profissional em massa, fazendo surgir as primeiras universidades diretamente ligadas ao interesse
industrial e à formação de conhecimento administrativo e técnico. Enquanto na Inglaterra a
tecnologia da primeira revolução industrial pôde surgir e prosperar a partir do conhecimento de
homens práticos e artesãos e multiplicar-se mesmo sob uma base populacional grandemente
analfabeta e aqueles envolvidos nos serviços já tinham conheciento e experiência para a
distribuição em larga escala baseada na marinha, nos EUA (e também na Alemanha, como
veremos) o padrão de crescimento não tinha como se assentar nessas mesmas bases. Assim,
durante os anos de 1850, “as ferrovias americanas tornavam-se as pioneiras no gerenciamento
moderno” e as escolas empresariais dos Estados Unidos, que cresceriam enormemente após 1880,
davam seus primeiros passos com a formação de engenheiros para abastecer a demanda das
ferrovias.111
Essas eram as bases do padrão empresarial que se gestava nos Estados Unidos,
fundamentalmente distintas do padrão tradicional e familiar que se via na Grã-Bretanha. Assim
como a concorrência nos moldes britânicos tinha um padrão específico, de pequenas barreiras a
entrada a que denominamos supercialmente de capitalismo concorrencial, o padrão distinto que
crescia nos EUA teria uma contrapartida na disputa intercapitalista nacional.
As diversas empresas ferroviárias, contrapostas a surtos especulativos de crescimento
de novas linhas, encontravam dificuldades cada vez maiores de garantir a utilização do seu
111
Chandler, Alfred D. Jr. “Scale and Scope The Dynamics of Industrial Capitalism”. Massachusetts: Harvard University Press,
1990. pp. 51-54.
69

capital imobilizado. A resposta mais imediata a esse problema era a redução nos preços dos fretes
para atrair consumidores. O efeito é o que se chamaria de “competição destrutiva”, onde era
racional reduzir as tarifas abaixo do próprio custo: uma vez que manter a ferrovia inutilizada
consistia no maior prejuízo possível, colocá-la em movimento, ainda que a preços pequenos, era
preferível a perder todo o rendimento, ademais quando o perderia para uma companhia
concorrente. Contudo, esse tipo de competição tornaria evidentemente toda a indústria ferroviária
inviável no longo prazo, e urgia uma solução.
Logo aqueles envolvidos na gestão das ferrovias perceberam que o único modo de
garantir alguma rentabilidade ao investimento realizado era a organização de empresas
concorrentes em torno de acordos comerciais – basicamente cartéis dos transportes, delimitando
os preços a serem praticados e as esferas de influência de cada empresa. O resultado, contudo,
ficava sempre aquém das expectativas: os incentivos para quebrar o cartel eram fortes demais
para impedir que alguns não reduzissem seus preços contrariamente à política do cartel.
A solução definitiva para esse problema nos Estados Unidos só viria no último quartil
do século XIX, quando a lei anti-truste gerou um surto de fusões e aquisições empresariais
buscando expandir ganhos de escala e eliminar concorrentes. O que cabe ressaltar aqui é que
novas formas de competição econômica já surgiam ao longo do processo de industrialização dos
Estados Unidos, e tendiam a generalizar-se pela econômia conforme as sociedades anônimas, a
cisão entre a propriedade e a gestão das empresas e a estrutura econômica baseada em empresas
intensivas em capital fixo e na utilização de ganhos de escala e escopo cresciam em número e
importância pela economia.
Os Estados Unidos foram assim os pioneiros no gerenciamento moderno, com
profissionais da administração, gerência e contabilidade com experiência e conhecimento voltado
para o desenvolvimento das técnicas necessárias à grande empresa. Na Grã-Bretanha, o mesmo
padrão tecnológico não foi capaz de revolucionar totalmente a forma de gerenciamento das
empresas e suas formas de competição.
Quando se iniciam os investimentos nas tecnologias da segunda revolução industrial,
os Estados Unidos encontrava-se com um sistema educacional, gerencial e distributivo adequado
às necessidades dos novos empreendimentos, cujas escalas produtivas eram incomparavelmente
maiores que as da primeira revolução industrial.
70

Durante a Era do Capital, contudo, esses avanços eram pouco visíveis, ainda que o
crescimento da capacidade industrial nos Estados Unidos assustasse os contemporâneos. Na era
da grande expansão econômica mundial, a difusão da indústria para outras economias era
possível sem gerar grandes atritos – em síntese, era possível acomodar a todos no crescimento
econômico. Do ponto de vista da Grã-Bretanha, o crescimento da renda e da atividade industrial
nos Estados Unidos apenas aumentava as possibilidades da exportação de capitais britânicos para
o país, enquanto a montagem de novas indústrias demandava a importação de máquinas e outros
produtos industriais britânicos para complementar a indústria nacional, e a expansão da
agricultura tanto nos Estados Unidos quanto no mundo continuava a abastecer seus mercados
consumidores e lhe fornecer os insumos necessários à sua indústria. Ademais, os Estados Unidos
não se colocava na geopolítica mundial como interessado nas disputas pelo poder na Europa –
seus olhos estavam voltados para as Américas, o Pacífico e a Ásia, onde logo fizeram uso das
canhoneiras para abrir os portos do Japão e iniciar a projeção de influências sobre o continente
asiático.
Contudo, a possibilidade de emergir um conflito mais acirrado entre os interesses do
país e os da Grã-Bretanha cresciam com o crescimento industrial e a sua característica
necessidade de obter novas fontes de recursos, matérias-primas e mercados consumidores. Essas
tendências se acirravam nas crises comerciais, porém eram de fôlego curto e não despertavam
grande atenção. Contudo, uma crise mais longa colocaria a possibilidade dos capitalistas se
voltarem para uma disputa mais acirrada pelo controle do mercado de seus rivais. Era
precisamente isso que aconteceria a partir da Grande Depressão de 1873, contudo deixaremos
para analisar esse período no próximo capítulo.

3.2 A Alemanha e o Capitalismo Gerencial Cooperativo

Analisar a história ecônomica da Alemanha coloca em primeiro lugar o problema de


definí-la antes da unificação em 1871. Ao invés de nos referirmos à Alemanha como um vir-a-ser
e atentarmos para as mudanças ecônomicas mais gerais nos limites de seu território, como
buscamos relacionar as mudanças econômicas com as transformações na política, esboçaremos
uma análise que trace um paralelo entre a economia germânica, especialmente a prussiana, e os
71

embates políticos em torno da unificação alemã. Na análise dos Estados Unidos pudemos buscar
essas relações a partir de um ponto de vista mais estreito entre a sociedade mercantil de pequenos
produtores independentes e manufatureiros que progressivamente ganhava indústrias maiores,
integrava-se e promovia uma rápida industrialização. No caso da Prússia e dos estados
germânicos esse processo se desenvolve no século XIX a partir de uma sociedade essencialmente
feudal aristocrática, gerando problemas renovados para entender as características específicas da
Alemanha e das formas econômicas que ali surgiriam.
Ao longo do século XIX, o “Estado” alemão era uma mistura de diversas coisas:
entidade geográfica, grupo étnico germânico, entidade cultural, nação com diversos estados –
tudo isso mais ou menos simultaneamente – sendo o caminho até a unificação bastante longo.112
Os estados alemães eram em sua essência atrasados quanto às mudanças das duas revoluções que
abalaram o final do século XVIII, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, sendo
derrotados pelo exército de Napoleão no início do século XIX. Após a derrota de Napoleão
contra a Inglaterra, as primeiras reformas vieram na Prússia como uma reação à sua própria
derrota ante o sistema político superior francês.
As primeiras medidas foram com relação às antigas relações feudais que organizavam
a propriedade e a posse das terras, mudando-as no sentido da emancipação dos camponeses e
redefinição dos direitos de propriedade. O exército foi reorganizado de forma a possibilitar
recrutamento e armamento em massa, realizaram-se reformas educacionais – com a fundação da
Universidade de Berlim em 1806-1810113 –, e outras reformas econômicas e legais, expressas
com o objetivo de reverter o visível atraso germânico.114
Contudo, a solução prussiana para o problema da terra foi a menos revolucionária
dentre os países que aqui analisamos. Baseava-se na transformação dos nobres proprietários
feudais em fazendeiros capitalistas e o servos em trabalhadores contratados, mantendo assim a
produção agrícola sob o controle da elite junker (nobres feudais), que permaneciam também com
a maior parte dos direitos sobre a propriedade. De modo geral, o cultivo que já era destinado para
a exportação através da mão de obra servil agora se fazia com camponeses livres – livres tanto da
112
Pierenkemper, Toni; Tilly, Richard. “The German Economy during the Nineteenth Century”. Nova York: Berghahn Books,
2004. pp. 3-12.
113
Hobsbawm, Eric J. “A Era do Capital: 1848-1875.” 15ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011. pp. 438.
114
Ibid, pp. 152. O argumento, contudo, já estava presente em seu livro anterior: “Esses três fatores – a influência da Revolução
Francesa, o argumento econômico racial dos servidores civis, e a ganância da nobreza – determinaram a emancipação dos
camponeses na Prússia entre 1806 e 1816. A influência da Revolução foi claramente decisiva, pois seus exércitos tinham acabado
de pulverizar a Prússia e assim demonstrado com força dramática o abandono dos velhos regimes que não adotaram métodos
modernos”. Hobsbawm, Eric J. “A Era das Revoluções: 1789-1848”. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. pp. 249.
72

servidão quanto de qualquer posse das terras e consequentemente de seus meios de produção e
subsistência, gerando nítido descontentamento. Hobsbawm aponta o significado das mudanças:
enquanto em 1773 o próprio termo “trabalhador” era desconhecido, em 1849 os sem-terras ou
trabalhadores rurais assalariados eram uma figura presente por toda parte e somavam por volta de
2 milhões de pessoas.115
A direção geral dessa mudança era a transformação da terra em mercadoria e, não
tendo mudado as pessoas que detinham o poder político, a quebra dos vínculos com a nobreza de
fato significou apenas a possibilidade de falência dos gestores das terras caso se mostrassem
incompetentes – problema que os privilégios anteriores da nobreza permitiam ignorar. As
relações feudais contudo demoraram a sair de cena definitivamente, sendo o feudalismo abolido
progressivamente ao longo do período 1789-1848.116
Enquanto nos Estados Unidos os conflitos geopolíticos, ainda que onipresentes e
extremamente violentos (guerra contra o México, invasão do território Francês e dos ameríndios),
imprimiriam uma preocupação menos marcante devido à sua localização e a ausência tanto de
inimigos expansionistas quanto de uma vontade política de interferir nos assuntos europeus, a
Prússia e os estados germânicos encontravam-se em meio ao delicado contexto geopolítico da
Europa continental, permeada por relações diplomáticas, o equilíbrio de poder, populações
organizadas em torno de Estados centralizados política e militarmente, ademais envoltos nos
conflitos sociais explosivos que conturbavam as antigas monarquias principalmente entre 1830 e
1838. Nesse contexto, a Prússia era um país pouco expressivo após 1815 em termos tanto
militares quanto econômicos; sua principal importância era o papel como estabilizador de
conflitos geopolíticos europeus, fazendo fronteira opondo-se tanto à França quanto à Rússia
(esses três países, junto com a Áustria e a Grã-Bretanha, formavam as cinco maiores potências
europeias do início do século XIX).
As mudanças sociais e econômicas no país aceleram-se após a onda revolucionária de
1830, onde podemos demarcar também a formação das primeiras industrias e firmas na
Alemanha.117 Ao contrário das condições iniciais inglesas, na Prússia o capital era escasso, e a
liberdade de ofício e exercício profissional seria apenas progressivamente adotada a partir de

115
Hobsbawm, Eric J. “A Era do Capital: 1848-1875.” 15ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011. pp. 242.
116
Ibid, pp. 244.
117
Ibid, pp. 245.
73

1830 até a década de 1850.118 A acumulação primitiva pela via legal – que na Inglaterra,
conforme colocamos anteriormente,119 expressava-se na lei dos cercamentos – veio em solo
germânico com a adoção da Lei dos Pobres que visava tornar a vida no campo intolerável,
gerando massas urbanas após 1850. Enquanto na Inglaterra, onde o capital era abundando, esse
movimento de expropriação foi diretamente acompanhado da formação de uma classe de
fazendeiros capitalistas e uma elite agrária, fundada na renda da terra, na Prússia – onde o capital
era escasso – a transformação da terra em mercadoria foi impulsionada com a centralização de
capital em torno do primeiro Banco de Terras, cujo objetivo era financiar os camponeses que
queriam comprar suas antigas posses.120 Aliado com as mudanças legais, esse novo mecanismo
financeiro reforçou o empobrecimento e a marginalidade dos pequenos proprietários que não
tinham condições de sustentar lucros recorrentes e empregar nova mão de obra, fortalecendo
econômica e socialmente a aristocracia proprietária de terras na Prússia. Apesar desse mecanismo
de acumulação primitiva, os camponeses mais prósperos tiveram a oportunidade de sobreviverem
enquanto classe social e foram capazes de se manterem como atores econômicos relevantes, se
não pelo seu nível de produto, ao menos pela importância de seus pagamentos na forma de juro –
característica que não tinha paralelo na Grã-Bretanha.121
No período de 1800 a 1846, a população da Prússia duplicou-se, mudando também a
demografia do país, agora mais urbanizado. O crescimento do trabalho, do consumo e da
população total dificilmente teria ocorrido com a intensidade que se verificava sem as fortes
mudanças econômicas no sentido de estimular – através da possibilidade de falência – uma classe
de capitalistas agrícolas a modernizarem os equipamentos utilizados na produção e empregarem
mão de obra de forma mais eficiente. Enquanto em 1816 80% da população da Prússia vivia no
campo, em 1858 esse percentual havia caído para 45,4% – uma redução mesmo em níveis
absolutos, de 18 milhões para 16 milhões de pessoas – enquanto as massas urbanas cresciam de
4,6 milhões em 1816 para 19,3 milhões em 1858.
Em meio a essas mudanças, consolidou-se o interesse da Prússia em formar a união
aduaneira germânica – o Zollverein – que também era visto como um passo rumo à uma
necessária união monetária e fiscal, com vistas de aumentar as receitas e reduzir as complicações

118
Ibid, pp. 266-267.
119
Ver Capítulo 1, tópico 1.1, citação 11 deste trabalho.
120
Pierenkemper, Toni; Tilly, Richard. “The German Economy during the Nineteenth Century”. Nova York: Berghahn Books,
2004. pp. 25.
121
Ibid, pp. 30.
74

de uma multiplicidade de regimes monetários distintos entre os Estados da federação. A união


aduaneira influenciou os fluxos regionais de trocas e gerou nos estados afetados um forte
interesse em aumentar a integração dos transportes entre os territórios de modo a assegurar seu
próprio fluxo de trocas. Não apenas isso, mas a união de interesses gerou também novos passos
rumo a uma importante reforma bancária, que nas décadas seguintes gestaria um poderoso banco
central no Banco da Prússia, e depois de 1876 a uniformização monetária daria-se pela
centralização bancária adicional em torno do Reichsbank.122
É justamente nesse período da fundação da Zollverein que se iniciava a difusão do
novo transporte ferroviário, e em breve dos novos meios de comunicação – antes mesmo da
chegada dessas tecnologias, em território alemão e por toda parte já se observava forte
crescimento das estradas e dos correios. 123 Contudo, dado que o comando dessas mudanças veio
pela via de reformas progressivas que não alteravam as elites dominantes e eram ademais guiadas
pela Prússia, era praticamente inevitável que esse Estado também atuasse interferindo no rumo
das mudanças econômicas, planejando as ferrovias e controlando seu encadadeamento produtivo
mais direto, as minas de ferro e carvão – uma relação estreita entre governo e empresas que não
se verificou na história britânica ou americana. Havia ainda outros incentivos à interferência
governamental: no continente, dependia-se muito mais da capacidade de centralizar os capitais
individuais para realizar os grandes investimentos necessários à construção ferroviária – isto é,
dependia-se de um aparato financeiro, legislação bancária moderna, comercial e de negócios –
mecanismos todos eles de alguma forma dependentes de medidas ativas do Estado e passíveis de
serem acelerados pela participação estatal direta e pela centralização de capitais, seja via
sociedades anônimas, seja pela formação de grandes bancos. De fato, a característica mais
marcante do desenvolvimento industrial alemão foi a estreita relação entre o banco e a indústria,
onde o grande banco era também um grande investidor.124
Na realidade, era devido ao seu atraso na formação das forças produtivas industriais e
na concentração de capitais que a expansão do investimento industrial dependia assim em
compensar essas desvantagens através da política estatal – medidas como tarifas protecionistas,

122
Ibid, pp. 31-39.
123
Hobsbawm, Eric J. “A Era das Revoluções: 1789-1848”. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. pp. 273.
124
Ibid, pp. 282-283.
75

subsídios, investimentos em infraestrutura, concentração e centralização bancárias.125 Essas ações


aconteceram em alguma medida antes da década de 1840, e a produção industrial cresceu –
substancialmente em alguns ramos de bens de consumo, como os texteis – assim como o setor de
construção. De fato, é possível ver a década de 1830 como um ponto de inflexão significativo,
mas as rupturas decisivas vieram na década de 1840 quando a construção ferroviária subsidiada
pelo governo teve um surto de crescimento, suprindo os setores produtores de carvão, ferro e
maquinaria com mercados e um sistema de transportes em expansão, usando setores com
unidades em rápido aprimoramento. O nível de investimentos em ferrovias alcançado em 1846
não seria igualado novamente na Alemanha até 1859, tamanha a magnitude dos investimentos
iniciais de integração e racionalização econômicas.
Durante a década de 1850, os bens de consumo expandiram-se a taxas altas
juntamente com os bens de produção, comparativamente à estagnação dos primeiro em fins da
década de 1840. Ademais, a construção ferroviária dos 1850 levou – como a construção dos 1840
não tinha – a uma atividade subtancial de investimentos e expansão da produção nas indústrias de
ferro e carvão, interrompida momentaneamente apenas pela crise agrícola de 1846-1847 e as
revoluções de 1848-1849. No período da grande expansão (de 1850 à 1873), a industrialização
foi marcada pela forte participação das indústrias de carvão, ferro e ferroviária, ademais
impulsionadas pela unificação de fato da Alemanha em 1871.126
Tal como nos Estados Unidos, a indústria que crescia puxada pela grande indústria de
bens de produção e os novos meios de comunicação e transporte seria fundamentalmente distinta
daquela gestada sob os bens de consumo e os antigos meios de distribuição e integração. Na
Alemanha, como nos Estados Unidos, surgiam as grandes hierarquias gerenciais necessárias para
organizar o complexo controle regular de grandes redes de matérias primas, de distribuição do
produto industrial e de racionalização das economias de escala e escopo inerentes aos
investimentos intensivos em capital fixo e capazes de gerar expressivos ganhos crescentes de
escala.
Na Alemanha, também, as ferrovias encorajaram a criação de um intermediário
financeiro completamente novo, que posteriormente seria central em financiar as indústrias de
grande escala. Esse novo tipo de intermediário era o Kreditbank – um banco que providenciava
125
Tilly, R. H. “Capital formation in Germany in the Nineteenth Century”. Em “The Cambridge Economic History of Europe,
vol. VII, The Industrial Economies: Labour, Capital and Enterprise, part I: Britain, France, Germany and Scandinavia”.
Londres: Cambridge University Press, 1978. pp. 384-386.
126
Ibid, pp. 386.
76

capital em escala nacional ou mesmo internacional. Um número de bancos desse tipo apareceu na
Alemanha após 1850 e uma pequena parcela dos maiores Kreditbanken, denominados
Grossbanken (grandes bancos), passou a dominar as finanças alemãs desde então.127
O primeiro dos Grossbanken foi um banco comercial privado estabelecido à muito
tempo, que foi reorganizado em 1849 para financiar as ferrovias e os industriais abaixo do Rheno.
Era uma instituição para todos os propósitos que acabou combinando as atividades de um banco
comercial, banco de investimento, banco de desenvolvimento e um truste de investimento em
uma única corporação empresarial.
Na Grã-Bretanha, onde tal investimento era de certa forma menor, e onde o capital
local era disponível e onde o maior e mais sofisticado mercado de dinheiro existia e as
capacidades técnicas da mão de obra eram capazes de atender à demanda das indústrias
nascentes, a provisão de fundos para a construção ferroviária teve um impacto menor nas
instituições financeiras e educacionais preexistentes, tal como a construção ferroviária teve um
impacto menor nos processos da produção industrial.128
Na Alemanha e nos Estados Unidos, mas não como na Grã-Bretanha, o rápido
crescimento das ferrovias era parte integral da industrialização assim como da continuidade do
crescimento industrial da nação.129 Na Alemanha, a integração da malha tinha apenas começado
no fim da década de 1850, pois a extensão de linhas férreas seria duplicada entre 1865 e 1875.130
A produção de ponta estava associada à criação dessas linhas – mineração, metalurgia
e a produção de máquinas. Para dominar esses setores, era necessário fazer uso não apenas de
novas formas de financiamento (via Estado ou bancos de investimento), mas também de toda a
mão-de-obra capacitada disponível. A livre mobilidade do trabalho, característica da época,
certamente colaborou para o surgimento dessas indústrias. Mas, de modo geral, o diferencial
aparece nas formas de gerenciar essas capacidades. Posições decisivas dentro do corpo
empresarial eram relegadas segundo o talento e o mérito, sendo raros os casos na grande indústria
da Alemanha em que havia alguma relação entre a diretoria administrativa e os fundadores da
firma.

127
Chandler, Alfred D. Jr. “Scale and Scope The Dynamics of Industrial Capitalism”. Massachusetts: Harvard University Press,
1990. pp. 415.
128
Ibid, pp. 416.
129
Ibid, pp. 411.
130
Ibid, pp. 412.
77

Pelo fim do século XIX as instituições de ensino superior na Alemanha estavam


fornecendo o melhor treinamento técnico e científico do mundo. As universidades alemãs tinham
se tornado centros para pesquisas sérios e diplomas em ciência e tecnologia muito antes de suas
contrapartes na Grã-Bretanha ou nos Estados Unidos. Elas foram pioneiras em institucionalizar a
aquisição e transferência de conhecimento.131 Nesses anos o governo alemão também patrocinou
institutos de pesquisa onde estudantes que se destacavam dedicavam-se em tempo integral à
pesquisa científica.132
O movimento de valorização do capital dava-se a plena capacidade, sendo a expansão
dos grandes conglomerados alemães pautada, ao contrário daquela dos conglomerados britânicos,
em uma estratégia deliberada de apropriar-se de mercados consumidores, fornecedores de
matéria-prima ou pura e simplesmente na eliminação da concorrência via aquisições, fusões e
cartéis visando aproveitar-se ao máximo dos ganhos derivados da maior escala produtiva e
distributiva e da menor concorrência. Formava-se uma tendência à associação e cooperação
dessas empresas com o sistema bancário nacional. Trataremos desse ponto mais a fundo no
próximo capítulo.
Durante a década de 1880 na Alemanha, conforme a rede ferroviária se completava e
conforme as ferrovias eram estatizadas, o Grossbaken começou a se concentrar em financiar
empresas industriais, particularmente as novas indústrias.133 Os impactos desse tipo de união
entre o capital bancário, portador de juros, e o capital industrial forma o que Hilferding
denominou de capital financeiro; na prática, significava a eliminação da concorrência ecônomica
tal como ela se apresentava anteriormente:

“O princípio técnico-bancário da maior segurança possível faz com que os bancos não se
inclinem pela concorrência. Por isso, a exclusão da concorrência, pelos cartéis nas
indústrias, e a obtenção de um “lucro constante” lhes é mais conveniente.” (Hilferding,
1985: 176)

Quando as empresas alemãs expandiam seu marketing e distribuição em países


europeus, elas eram estrangeiras competindo com cidadãos locais. Contudo, fora da Europa, na
América Latina, Ásia e África, os britânicos e em menor medida os americanos já haviam
estabelecido forte presença comercial antes que as empresas alemãs se movessem para essas

131
Ibid, pp. 425.
132
Ibid, pp. 425.
133
Ibid, pp. 416-417.
78

áreas. O desafio de encontrar tal competição nos mercados internacionais comumente também
afia como reforço à cooperação na economia nacional.
Tal cooperação era encorajada ainda mais pelo Grossbanken, pois sua determinação
era dupla: não apenas tinha a capacidade de prover um estrondoso volume de capitais de uma só
vez – podendo alterar a escala de eficiência industrial e, por consequencia, seus impactos na
concorrência e na monopolização – mas também podia emprestá-lo a partir dos critérios
convenientes às suas próprias aspirações por lucro fácil e seguro que, não raro, encontrava-se
precisamente naquelas empresas de maior tamanho, maior eficiência produtiva e maior
proximidade com a fronteira tecnológica vigente. Na medida em que o grande banco investia
capital em diversas firmas com capacidade de elevar a intensidade da concorrência em escala
nacional e/ou mesmo internacional, eles normalmente preferiam a coopereração dessas empresas
de forma a não prejudicar suas margens de lucro. Assim, na Alemanha, conforme a competição
se intensificava, resultado de novas escalas produtivas e o rápido crescimento da oferta a preços
mais baixos, a união pessoal entre o grande banco e a grande indústria – que Hilferding
denominou de capital financeiro – torna possível o arbítro sobre as próprias leis, direcionando-as
para o reforço da cooperação internamente, possibilita a projeção da agressiva concorrência de
grandes grupos para o mercado internacional.134

134
Ibid, pp. 427.
79

Capítulo 4 – Contradições: a Grande Depressão e a Nova Rivalidade Política


Internacional

Através da análise das industrializações atrasadas dos Estados Unidos e da Alemanha,


percebemos diferenças marcantes entre a sua forma de organização e aquela da indústria
britânica. O sistema industrial britânico em sua essência foi moldado pelo sistema mercantilista
anterior; sua produção assentava-se na técnica e na maquinaria modernas, no trabalho assalariado
e na divisão do trabalho pela especialização, contudo a rede de distribuição do produto desse
setor era tanto expandida por um setor de serviços singular e imenso centrado nos mares, porém
cujas determinações e sujeitos eram de natureza e interesses distintos daqueles que giravam em
torno do ambiente fabril. Na Alemanha e nos Estados Unidos, as técnicas modernas englobavam
a maior parte dos setores envolvidos com a produção e o fornecimento de toda sorte, as técnicas
gerenciais avançaram para a impessoalidade, o crescimento das hierarquias corporativas e a cisão
entre a propriedade e a gestão das empresas nos mais variados ramos.
Se na Grã-Bretanha empregavam-se trabalhadores expropriados pela urbanização e os
cercamentos, para abastecer mercados consumidores ao redor de toda a economia-mundo
tornados seguros apenas através de um sistema mercantilista poderoso e sem rivais sérios, nos
Estados Unidos e na Alemanha a produção industrial não se assentou nessas bases, e nem
poderia. Sua origem advém, de um lado, da manutenção de tarifas protecionistas modestas para
assegurar a sobrevivência das manufaturas nacionais, e, de outro, dos esforços na utilização do
Estado para expandir a área econômica passível de ser integrada a essa indústria ainda incipiente.
Para a indústria moderna nascente nessas regiões, a integração entre a tecnologia manufatureira e
industrial com regiões mercantilizadas capazes de lhe fornecer insumos e mercados consumidores
não poderia prover de linhas preexistentes como no caso Britânico; daí a conformação de um
interesse nacional voltado para a integração econômica interna – primeiro pela via Estatal;
depois, com o advento das ferrovias, pela via econômica: a centralização de capitais, em suas
mais variadas formas. Integradas pela terra e não pelo mar, dependentes da gestão eficientes de
novos e pesados investimentos com o mais elevado componente de capital fixo disponível na
época, as economias dos Estados Unidos e da Alemanha gerariam um padrão de organização
produtiva fundamentalmente distinto do padrão britânico.
80

Para vencer nesse ambiente, as empresas que ali surgiam buscavam formar grandes
hierarquias gerenciais e impessoais, ao contrário das empresas familiares britânicas; essas
hierarquias seriam definidas por critérios científicos, pragmáticos, crescentemente apoiadas em
sistemas educacionais direcionados aos negócios e à ciência, em oposição à mão-de-obra
artesanal disponível na Inglaterra; a integração dessas indústrias com os mercados consumidores
seria ademais dificultada pela dispersão e insuficiência destes, forçando ao desenvolvimento de
grandes plantas baseadas em eficiências de escala e escopo, enquanto na Grã-Bretanha a
lucratividade constante das indústrias de bens de consumo atreladas ao amplo mercado disponível
pelas redes comerciais tornariam não apenas seu padrão produtivo preso às menores escalas, mas
também alheio à capacidade de mobilizar o Estado para regular e intervir em prol de expansões
ainda maiores da produção industrial.
As diferenças são múltiplas e seus impactos são os mais variados. Analisaremos ao
longo deste capítulo, sem qualquer pretensão de esgotar o assunto, algumas direções apontadas
por essas especificidades.

4.1 A Grande Depressão (1873-1896)

“Tenho urgido entre nós os seguintes argumentos. Se nós pudessemos por qualquer
medida comprar toda a competição e ter um monopólio absoluto do ramo, não nos
valeria o investimento. A essência da manufatura é uma produção regular e máxima. A
demanda do país por pólvora é variável. Se nós a possuíssemos por completo, portanto,
quando tempos ruins viessem nós teríamos de reduzir o produto na extensão da demanda
reduzida. Se por outro lado nós controlassemos apenas 60% do mercado e fizessemos os
60% mais barato que os outros, quando tempo ruins viessem nós ainda poderíamos
manter nosso capital empregado ao máximo e nosso produto ao máximo, ao tirar dos
outros 40% o que for necessário para esse propósito. Em outras palavras, vocês
poderiam sempre contar com a plena capacidade se vocês a produzirem barato e
controlarem apenas 60%, enquanto, se vocês a controlassem totalmente, quando tempos
ruins viessem vocês poderiam apenas manter um produto reduzido.” – Albert Moxham,
em carta para a Coleman du Pont, indústria de explosivos americana, em 1902.135

“A grande empresa moderna defronta-se com a crise de outro modo; sua produção é tão
grande que uma parte dela pode prosseguir também durante a crise. O truste americano
do aço pode ser forçado a reduzir sua produção pela metade durante a crise, mas não
precisa restringí-la abaixo de determinado mínimo. Assim, com a concentração das
135
Cit. Chandler, Alfred D. Jr. “Scale and Scope The Dynamics of Industrial Capitalism”. Massachusetts: Harvard University
Press, 1990. pp. 76. Tradução livre feita por mim.
81

empresas, cresce o volume em que podem manter sua produção”. – Rudolf Hilferding,
“O Capital Financeiro”, pp. 273.

A simultaneidade de relatos na Europa, nos Estados Unidos e nos diversos países


especializados na produção de produtos primários, de que haviam entrado em um período
recessivo e de deflação de preços, era uma prova incontestável de que o período da ordem liberal
fora de fato capaz de integrar as regiões do globo em uma única e desordenada economia
mundial. Contudo, esse não foi um período onde as estatísticas apontaram uma redução de fato da
produção de praticamente todos os setores da economia, nem mesmo nas economias periféricas e
dependentes que chegaram a ver os preços agrícolas caírem 40%. As citações que abrem o
presente capítulo são as chaves para entendermos esse impacto aparentemente contraditório da
Grande Depressão que atingiu a economia mundial.
O ano de 1873 marca o pânico financeiro iniciado na quebra da bolsa de Viena, que
se propagou gerando quebras sucessivas das bolsas nos Estados Unidos, França, Grã-Bretanha,
apenas para citar algumas. Os determinantes da depressão são motivo de grande debate entre
diferentes historiadores e economistas, contudo é possível marcar a deflação de preços que
assolava a produção dos países e os surtos de investimento especulativo que antecederam a crise
como importantes no acontecimento de seu estouro.
Nos Estados Unidos e na Alemanha, as novas indústrias do aço levariam as
tecnologias de produção a uma nova escala de eficiência, multiplicando a capacidade produtiva,
diminuindo o tempo da produção e consequentemente derrubando os preços nos mercados
nacionais e internacionais através do aumento da oferta – conforme coloca Hobsbawm, a “Era
dos Impérios” (1875-1914) foi também a era do aço. A queda nos preços aliada ao aumento da
oferta permitiu o surgimento de uma nova gama de indústrias baseadas no aço como insumo
básico, em substituição ao ferro, pressionando por novas revoluções na técnica produtiva de
outros setores industriais. Surge o processamento das ligas metálicas e a utilização dos metais
não-ferrosos – níquel, cobalto, manganês, alumínio, apoiados também na indústria química – em
suma, os elementos básicos da Segunda Revolução Industrial expandiam-se pelas maiores
economias industriais.
Simultaneamente, tanto pouco antes quanto durante e após a depressão foram os
períodos onde a construção ferroviária atingiu seu maior boom, ainda maior que durante a grande
expansão das duas décadas anteriores. Nos Estados Unidos, o fim da insegurança da Guerra Civil
82

impulsionou um novo surto de construção ferroviária e de investimentos produtivos, apoiado nos


mecanismos altamente especulativos que analisamos do sistema bancário, público e das
sociedades anônimas americanas. Na Alemanha, a unificação econômica e política, que como
vimos constituiu na história desses países industriais um forte estímulo à grande indústria, sem
dúvida já resultaria em uma onda de grandes investimentos; foi, ademais, reforçada pelo
pagamento das reparações da guerra contra a França, e a economia alemã, caracterizada pela forte
cooperação entre o Estado, os grandes bancos e a grande indústria, guinou em um rápido
processo de crescimento direcionado para a indústria ferroviária, a indústria de bens de produção
e as novas indústrias da segunda revolução industrial, a química pesada e a elétrica.
Como vimos, tanto a tecnologia de ponta da primeira revolução industrial – a
ferrovia, a metalurgia e a mineração – quanto os novos setores da fronteira tecnológica foram
progressivamente levados, na Alemanha e nos Estados Unidos, aos limites da capacidade de
organização da produção, da distribuição e da técnica de gerenciamento de economias de escala e
escopo. Esses novos corpos econômicos levavam a concorrência de preços ao seu paroxismo ao
serem capazes de reduzir drasticamente seus custos através de investimentos pesados em busca
de capturar e manter um controle permanente de parcelas significativas do mercado, onde os
demais produtores ficariam relegados à dependência das políticas da firma dominante ou, no caso
alemão, da organização cartelizada.
Uma vez que as indústrias começaram a se assentar nessas bases, o impacto de uma
recessão, entendida simplificadamente como um período de contração de preços e de atividade
econômica, não poderia mais ser o mesmo. As tendências inerentes da economia à concentração e
a centralização de capitais acentuam-se, isto é, o paradoxo entre uma percepção generalizada de
crise com as estatísticas de crescimento do produto é apenas aparente: na prática, a depressão
levou um número sem precedentes de empresas de todos os ramos à bancarrota, gerando
igualmente um número crescente de desempregados; a falência desses negócios, contudo, não
significava uma falência da indústria enquanto tal, mas, pelo contrário, significava a captura de
seus antigos espaços de valorização pela grande indústria que se organizava por acordos
comerciais, fusões, holdings, trustes, carteis, ou o que fosse necessário, de forma a não apenas
sobreviver como expandir-se diante da quebradeira geral que assolava seus competidores
menores.
83

Não por menos o período da depressão foi também de fortes conflitos sociais e fluxos
migratórios, com a saída recorde de população da Europa para as Américas e o ressurgimento do
trabalhismo nos países centrais como elemento importante no cenário político.
Para os nossos efeitos, o ponto fundamental a ser destacado da Grande Depressão foi
seu impacto marcante na arena internacional, na concorrência entre as empresas tanto por
mercados fornecedores de matérias primas quanto por mercados consumidores. Se, conforme
colocamos no tópico 2.2, durante a era da ordem liberal o protecionismo aparecia como uma
medida defensiva e necessária para a sobrevivência de uma indústria nacional ainda incipiente, e
que ademais não podia bloquear totalmente as importações de bens de capital e manufaturados do
estrangeiro (da Grã-Bretanha), pois a produção nacional não era capaz nem de se desenvolver
nem de suprir o mercado interno sozinha, o momento de crise internacional aguda significa uma
completa reformulação desses princípios.
Em primeiro lugar, face uma abrupta redução do mercado e intensificação da
concorrência, aumentar as tarifas protecionistas era o movimento mais rápido e direto de proteger
a indústria nacional da captura pelo estrangeiro. Na concorrência caracterizada pela grande
indústria, a questão temporal torna-se um elemento decisivo da competição: a empresa que
primeiro realizar simultaneamente os pesados investimentos necessários em escala, distribuição e
marketing ocupará nesse mercado alvo uma posição de dominância; caso novos capitalistas
queiram competir nesse mercado, terão de fazer gastos ainda maiores e estarem preparados para
todo tipo de prática anticompetitiva que uma grande empresa já estabelecida pode exercer nos
mercados, como o dumping de preços, o reinvestimento dos lucros em novas rodadas de fusões e
aquisições, a pressão por acordos comerciais assimétricos, etc.136
É em uma estrutura econômica que tende para esse padrão de concorrência que
podemos entender a completa captura de indústrias importantes em solo britânico por seus
concorrentes americanos ou alemães.137 Nas máquinas leves e nos equipamentos elétricos, os

136
Hilferding expõe esse ponto sobre outra ótica: “A cartelização supõe, em princípio, uma mudança da taxa de lucro. Essa
mudança dá-se à custa da taxa de lucro de outras indústrias capitalistas. A equiparação dessas taxas de lucro a um mesmo nível
não pode efetuar-se pela migração do capital. Pois a cartelização já significa que a concorrência do capital pelas suas áreas de
investimento está obstruída. O impedimento da livre disponibilidade de capital por causas econômicas e pelas relações de
propriedade (monopólio das matérias-primas) é a condição prévia da supressão da concorrência, no mercado, entre os vendedores.
A compensação só pode efetuar-se pela participação na taxa de lucro aumentada pela autocartelização ou sua eliminação pela
associação. Ambos supõem maior concentração e, daí, facilidades para a ulterior cartelização.” Hilferding, Rudolf. “O Capital
Financeiro”. São Paulo: Nova Cultural, 1985. pp. 223. Trataremos da questão do monopólio das matérias primas mais à frente ao
abordarmos os impulsos ao imperialismo.
137
“A ampliação nas indústrias pesadas pode ocorrer somente em grande escala, aos saltos, e não no modesto volume da época
inicial do capitalismo”. Ibid, pp. 250.
84

pioneiros americanos estabeleceram-se tão rapidamente na Grã-Bretanha que as firmas locais


dificilmente tiveram uma chance de começarem.138 Nos químicos orgânicos e eletroquímicos, as
possibilidades de desenvolvimento estavam solapadas já na década de 1880 – os alemães, não os
britânicos, fizeram os investimentos em plantas gigantescas, recrutaram times gerenciais para
coordenar os complexos processos tecnológicos, e construíram as essênciais organizações
mundiais de marketing.139 Essas firmas americanas e alemãs todas tinham plantas gigantes nas
quais a energia elétrica era gerada por lignite e/ou carvão, uma fonte energética prontamente
disponível na Grã-Bretanha – e ainda assim os britânicos fracassaram tanto nos eletroquímicos
como em químicos baseados no carvão, seu recurso abundante.140 Nos metais não-ferrosos, como
o alumínio, os britânicos foram colocados para trás pela falta de uma fonte energética baseada
nas águas.141
Na produção do aço, até a depressão da década de 1870 os britânicos haviam liderado
o caminho através de duas inovações tecnológicas – o processo de Bessemer e o processo de
“open-heart”, levado à perfeição no final da década de 1860. Os britânicos foram pioneiros na
adoção de ambos, e a princípio exerceram forte concorrência no mercado alemão, que teve de
aumentar seu protecionismo.142 Em 1880, a Grã-Bretanha se mantinha como o maior produtor
mundial de aço, mas apenas por uma pequena margem. Conforme o mundo emergia da severa
depressão da década de 1870, as indústrias americanas e alemãs começaram a fazer novos
investimentos que utilizavam plenamente as vantagens de custo das novas tecnologias.143
Tanto nos Estados Unidos quanto na Alemanha as novas plantas integradas de aço,
muito maiores que quaisquer umas na Grã-Bretanha, foram capazes de atender à demanda
crescente na década de 1880 por tubos, canos, fios, cabos, pontes, placas e, acima de tudo, trilhos
e estruturas conforme os Estados Unidos e a Europa rapidamente se industrializavam e
urbanizavam.144 Conforme a produção se multiplicava, os preços caíam ainda mais nos Estados
Unidos que na Alemanha: os preços de trilhos na Pennsylvania caíram de $67,50 por tonelada em
1880 para $29,25 em 1889. Os produtores britânicos não eram mais capazes de competir em
nenhum dos continentes. As importações de trilhos britânicos nos Estados Unidos de 1880 à 1883
138
Chandler, Alfred D. Jr. “Scale and Scope The Dynamics of Industrial Capitalism”. Massachusetts: Harvard University Press,
1990. pp. 275.
139
Ibid, pp. 278.
140
Ibid, pp. 279.
141
Ibid, pp. 279.
142
Ibid, pp. 281.
143
Ibid, pp. 282-283.
144
Ibid, pp. 283.
85

foram substaciais, embora não tão grandes quanto haviam sido antes de 1874 quando a depressão
ocorreu. Após 1883, essas importações desapareceram.145
Nos meandros da Primeira Guerra Mundial, os fabricantes de aço americanos e
alemães haviam tomado a liderança em todos os mercados importantes exceto o Império
Britânico e a própria Grã-Bretanha.146
Na Grã-Bretanha, a pequena extensão territorial da nação, sua falta de matérias
primas, suas indústrias ainda lucrativas – aquelas criadas antes da invenção da ferrovia e do
telégrafo – e seus mercados consumidores extraordinariamente ricos proviam incentivos para
investir capital e trabalhadores na indústria de bens de consumo ligadas ao grande varejo e nas
velhas indústrias de bens de produção da Primeira Revolução Industrial. Com essas
oportunidades continuadas de lucros, investimentos grandes o suficiente para explorar o potencial
máximo das economias de escala e escopo nas novas indústrias – o aço, alumínio e cobre
produzidos eletroliticamente, maquinaria leve, máquinas pesadas, elétricas, e químicos – podem
ter parecido menos atraentes.147 No aço, os industriais britânicos podem ter pago o preço de terem
sido os pioneiros antes das oportunidades de explorar totalmente a nova tecnologia houvesse
aparecido, e certamente sofreram com o protecionismo seguido de cópia no estrangeiro.148
Nos químicos e equipamentos elétricos, os britânicos tiveram quase as mesmas
oportunidades que os americanos e alemães. Nessas indústrias a disponibilidade de capital na
Grã-Bretanha dificilmente era um constrangimento: Londres era o maior e mais sofisticado
mercado de capitais do mundo. As companhias britânicas mais bem sucedidas não tinham
qualquer dificuldade em levantar fundos através dele; de fato, os próprios “first movers”
americanos e alemães financiaram suas subsidiárias em Londres. Nem, tampouco, a
disponibilidade de trabalho treinado era uma restrição – os trabalhadores dessas subsidiárias
estrangeiras eram britânicos.149
Contudo, nessas indústrias os industriais britânicos aparentemente tiveram uma
desconfiança ou aversão à perda de controle pessoal das empresas que eles tinham criado ou
herdado.150 O viés britânico para operações em pequena escala e gerenciamento pessoal é
particularmente surpreendente quando se examina as diferenças nacionais nos padrões de
145
Ibid, pp. 283.
146
Ibid, pp. 283.
147
Ibid, pp. 284-285.
148
Ibid, pp. 285.
149
Ibid, pp. 285.
150
Ibid, pp. 286.
86

crescimento industrial através de fusões e aquisições. Tanto nos Estados Unidos quanto na Grã-
Bretanha, aproximadamente a mesma quantidade de empresas industriais de larga escala foi
criada por fusões como por investimento direto em marketing e distribuição. Nos Estados Unidos,
contudo, fusões eram comumente planejadas como um movimento preliminar legal necessário
para atingir economias de fluxo através da integração de produção em grande volume com
distribuição em larga escala. Essas fusões precediam os investimentos em produção e distribuição
que determinava os jogadores chave no novo oligopólio. Na Inglaterra esse padrão dificilmente
ocorreu antes da década de 1930. Nos Estados Unidos, fusões levavam ao recrutamento de
hierarquias gerenciais centralizadas e corporativas, e então para o desenvolvimento de novas
capacidades organizacionais, e na Alemanha o mesmo acontecia através dos grandes cartéis. Na
Grã-Bretanha, as fusões permaneciam aglutinados de firmas pequenas, pessoalmente gerenciadas
(usualmente por familías). Assim, enquanto nos Estados Unidos e na Alemanha a centralização
de capitais comumente representava o primeiro passo em aumentar o poder de mercado através
de eficiências funcionais e estratégicas, na Grã-Bretanha elas permaneciam apenas um
mecanismo para manter o poder de mercado através da cooperação contratual.151
Em ambos os países, maiores movimentos de centralização de capitais vieram
aproximadamente ao mesmo tempo: durante o curto período no final da década de 1880 – na Grã-
Bretanha um pouco antes dos Estados Unidos – e depois durante um período mais longo na
virada do século, entre 1897 e 1902. Os números de fusões na Inglaterra foram menores, contudo,
e em média envolviam menos firmas. Chandler cita um contemporâneo: “Apenas em 1899,”
Leslie Hannah reportava, “houve mais de 979 desaparecimentos de firmas através de fusões nos
Estados Unidos, avaliadas em mais de £400 milhões, comparadas com 255 desaparecimentos de
firmas na Inglaterra, avaliadas em apenas £22 milhões”. Ademais, enquanto as fusões britânicas
se aglutinavam em uma gama relativamente estreita de indústrias estabelecidas, principalmente
em cervejarias e têxteis, nos Estados Unidos elas aconteciam nas novas indústrias intensivas em
capital, e na Alemanha aconteciam igualmente através do grande banco de investimentos, dos
cartéis e da participação direta ou reguladora do Estado.152 As fusões e cooperações industriais

151
Ibid, pp. 286-287.
152
Ibid, pp. 287. Chandler faz outra citação, do ano de 1907, também bastante elucidativa: ““as vantagens que o amálgama possui
sobre a associação ou o cartel.” Ele disse que essas vantagens “ascendem da sua permanência e o controle mais completo sobre a
produção. Plantas supérfluas ou má equipadas podem ser fechadas, moinhos podem ser especializados, a concentração dos
estabelecimentos permitirá a realização de maiores economias de grande escala produtiva e, acima de tudo, os melhores cérebros
da troca em cada departamento são colocados à disposição de todos os ramos da combinação.” Essa racionalização, avisava
Macrosty, requeria a centralização administrativa: “Quando o amálgama é formado virtualmente em princípio federal, esses
87

britânicas, contudo, mantinham-se sólidas e operantes – desde que não tivessem de competir com
os estrangeiros ou avançar para novos setores, mas apenas manter o controle sobre uma parcela
do mercado.153
Vimos os problemas britânicos do ponto de vista da indústria. Da parte dos
financistas, os interesses até então convergêntes entre a elite de capitalistas fidalgos das finâncias
britânicas e os setores industriais chegavam também ao seu limite – os pedidos dispersos dos
industriais pela adoção de tarifas protecionistas e por uma união próxima entre os bancos e a
indústria, imitando o modelo alemão, seriam infrutíferos. Afinal, as finanças prosperavam. O
crescente déficit na balança comercial britânica era mais que compensado pelas entradas de
capital e os ganhos com serviços “invisíveis”. A produção naval, uma das poucas manufaturas
que ainda não tinham sofrido revoluções importantes de escala e se baseavam ainda em um
trabalho praticamente artesanal, permanecia a pleno vapor, e a marinha mercante britânica
durante o período permaneceu responsável por quase metade do comércio internacional. A City
de Londres, igualmente, nunca foi tão central para a economia mundial. Seus financistas,
banqueiros e grandes mercadores haviam financiado governos, indústrias e bancos do mundo
inteiro, e a expansão da produção e do mercado atrelado ao comércio internacional e à libra não
tinha outra consequencia para o setor senão o enorme enriquecimento das elites financeiras
britânicas.154
Na Alemanha e nos Estados Unidos, contudo, reinava o interesse do capital
financeiro, da fusão entre a riqueza móvel, portadora de juros, e a riqueza imóvel, produtiva,
detentora do poder de arbítrio sobre a produção, o emprego e a renda, e do poder de geração e
apropriação crescente dos lucros – lucros de monopólio. Esses grandes grupos não eram apenas
capazes de influenciar na economia de mercado, mas se colocavam na esfera mais alta do
capitalismo, arbitrando no Estado e na lei – certamente mais na Alemanha do que nos Estados

interesses inevitavelmente colidem e levam à resultados confusos como nos trustes de têxteis. Nas formas mais organizadas de
amálgama, todas as funções são cuidadosamente definidas e graduadas de forma que a devida subordinação seja observada, e todo
o edifício culmine numa pequena direção executiva que forma, por assim dizer, o gabinete da indústria.” Nas indústrias onde as
fusões se concentravam – nos têxteis, comida, cervejas, cimento – as economias potenciais de escala eram pequenas e o potencial
para essa racionalização era limitado. pp. 291.
153
Hobsbawm também aponta, de forma mais geral, os impasses das medidas meramente defensivas de proteção ao mercado: “Se
o protecionismo era a reação política instintiva do produtor preocupado com a Depressão, essa não era, contudo, a reação mais
significativa do capitalismo a suas dificuldades. Ela resultava da combinação de concentração econômica e racionalização
empresarial ou, na terminologia americana que agora começa a definir estilos globais, “trustes” e “administração científica”.
Ambos eram tentativas de ampliar as margens de lucro, comprimidas pela concorrência e pela queda de preços.” Hobsbawm, Eric
J. “A Era dos Impérios 1875-194”. São Paulo: Paz e Terra, 2011. pp. 77.
154
Hobsbawm, Eric J. “A Era dos Impérios 1875-914”. 13ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011. pp. 70-73. Hilferding, contudo,
aborda o tema mais a fundo. Cf. Hilferding, Rudolf. “O Capital Financeiro”. São Paulo: Nova Cultural, 1985. pp. 284-285.
Retomaremos esse ponto mais à frente na análise da exportação de capitais durante o imperialismo.
88

Unidos, devido ao que Hilferding denominou de união pessoal entre esses interesses.155
Hilferding destaca as implicações desse fator:

“O capital financeiro significa a uniformização do capital. Os setores do capital industrial,


comercial e bancário antes separados encontram-se agora sob a direção comum das altas
finanças, na qual estão reunidos, em estreita união pessoal, os senhores da indústria e dos
bancos. Essa mesma união tem por base a supressão da livre-concorrência do capitalista
individual por meio das grandes associações monopolistas. Com isso muda também,
naturalmente, a relação da classe capitalista com o poder do Estado”. Hilferding, Rudolf.
“O Capital Financeiro”, pp. 283. Grifos meus.

Nas práticas efetivas de controle e poder dessas elites e destes novos Estados
industriais, portanto, as medidas protecionistas e de política econômica tornam-se
fundamentalmente distintas daquelas tão propagadas pela Grã-Bretanha do liberalismo
econômico. Uma ingerência do Estado no bloqueio à entrada de capital estrangeiro, na definição
de impostos que não deteriorem as condições das indústrias nacionais de concorrer no exterior e
que no limite não prejudiquem o reinvestimento e a utilização plena do capital acumulado pode
ter resultados catastróficos para a defesa dos interesses dos capitais nacionais e,
consequentemente, do controle sobre o nível de emprego e da produção de bens estratégicos – no
qual, desde a rápida vitória da Prússia contra a França, e em menor medida desde a produção em
massa de revolvéres durante a Guerra Civil Americana, já se incluía a indústria armamentista.
Não apenas isso, mas na medida em que a concorrência interna levava à formação
dos grandes grupos e cartéis, era natural que o conflito pelo controle de mercados se passasse na
arena externa. As tarifas protecionistas agora adquirem um sentido duplo: não apenas são um
mecanismo fundamental de exclusão da concorrência estrangeira, como tornam-se medidas
efetivas de expansão dos grandes grupos nacionais, através dos subsídios à exportação. Os
impostos coletados pelas tarifas que bloqueavam a entrada de produtos estrangeiros eram
reciclados pela aplicação na grande indústria exportadora, acrescentando à já presente

155
Hilferding, Rudolf. “O Capital Financeiro”. São Paulo: Nova Cultural, 1985. pp. 209. A centralização bancária é explorada
pelo autor em vários outros momentos: “Uma cartelização muito avançada, de antemão, induz os bancos a se associarem e se
ampliarem, para não cair na dependência do cartel ou do truste.” Ibid, pp. 217. “O capital financeiro desenvolveu-se com o
desenvolvimento da sociedade anônima e alcança o seu apogeu com a monopolização da indústria. O rendimento industrial ganha
um caráter seguro e contínuo; com isso, a possibilidade de investimento de capital bancário na indústria ganha extensão cada vez
maior.” Ibid, pp. 219.
89

possibilidade autônoma de dumping por parte dos capitalistas156 medidas governamentais


específicas de redução de preços visando a captura de mercados externos.

“Somente então a teoria do grupo de Manchester [escola de pensamento econômico


britânica, criticada pelo alemão List] tem menos influência ainda na marcha efetiva da
política exterior, a qual continuou sendo o norte do comércio internacional inglês do
século XIX, como o fora nos séculos XVII e XVIII. No continente, a prática se reduz
inteiramente à efetivação da liberdade industrial, e permanece uma máxima de política
internacional, enquanto a política comercial continua sendo muito naturalmente
protecionista.” Hilferding, Rudolf. “O Capital Financeiro”, pp. 283-284.

Na prática, o que observamos é uma tendência à transformação da concorrência


econômica em rivalidade política entre Estados nacionais. A ordem liberal-concorrencial
segmentava-se conforme o único freio aparente à capacidade de expansão efetiva das novas
indústrias eram aqueles impostos pela ‘infeliz’ divisão do mundo em fronteiras políticas
reguladas pela diplomacia e não pelo capital. Logo,

“A era dos impérios foi caracterizada pela rivalidade entre Estados. Ademais, as relações
entre o mundo desenvolvido e o subdesenvolvido também foram mais variadas e
complexas que em 1860, quando a metade do total das exportações da Ásia, África e
América Latina se dirigiu a um só país, a Grã-Bretanha. Por volta de 1900, a participação
britânica caiu para um quarto, e as exportações do Terceiro Mundo para outros países da
Europa ocidental já superavam as destinadas à Grã-Bretanha (31%). A Era dos Impérios
já não era monocêntrica.” Hobsbawm, Eric J. “A Era dos Impérios 1875-1914”, pp. 88-
89.

Colocadas as contradições exacerbadas pela Grande Depressão, temos assim as bases


para passarmos para a análise do imperialismo, que será baseado nos seguintes elementos
formados durante a centralização de capitais das industrializações atrasadas e reforçados pela
Depressão: uma tendência à proteção tarifária permanente; a reformulação da importância das
exportações de capitais; o nacionalismo de massas; e, por fim, a simbiose entre a indústria e o
estado formando um expansionismo político “ilimitado”.

156
“No mercado internacional, o cartel tem de vender, naturalmente, pelo preço do mercado internacional. (...) Mas, o cartel estará
em condições de vender mesmo abaixo de seu preço de produção. Pois no mercado interno já alcançou, sobre a produção aqui
vendida, um lucro extra, determinado pelo nível do tributo aduaneiro. Pois isso, está em condições de empregar uma parte desse
lucro extra para ampliar seu mercado no exterior pela oferta de melhores preços que seus concorrentes. Conseguindo-o, pode
então eventualmente aumentar sua produção, reduzir os custos de produção e obter assim novo lucro extra, visto que o preço
interno permanece o mesmo.” Ibid, pp. 290.
90
91

4.2 Imperialismo, Indústria da Guerra, Nacionalismo

“Mas o mundo desenvolvido não era só uma massa de “economias nacionais”. A


industrialização e a Depressão transformaram-nas num grupo de economias rivais, em
que os ganhos de uma pareciam ameaçar a posição de outras. A concorrência dava-se
não só entre empresas, mas também entre nações.” – Eric J. Hobsbawm, “A Era dos
Impérios 1875-1914”, pp. 75.

“Simultaneamente, pela cartelização, aumenta extraordinariamente a importância direta


do tamanho do território econômico, com relação ao patamar do lucro. (...) Ao mesmo
tempo, com a intervenção ativa na política internacional – ocasionada pela paixão
colonial – nasceu a ânsia de configurar o território econômico mais amplo possível,
rodeado pela muralha protecionista” – Rudolf Hilferding, “O Capital Financeiro”, pp.
295.

A unificação da Alemanha em 1871 e a depressão econômica de 1873 colocarem em


cheque a supremacia industrial inglesa. A maior parte de suas empresas produzia bens de
consumo assalariado, relativamente simples, e não meios de produção de maior complexidade.
Poucas estavam realmente nas novas indústrias de alto crescimento e tecnologicamente
avançadas. A saber, as maiores indústrias britânicas em petróleo, equipamentos elétricos e
máquinas leves eram subsidiárias de empresas americanas ou alemãs.
Essa defasagem aparece não apenas num dado segmento industrial, mas também na
forma com que as empresas inglesas se colocavam no ambiente econômico. A estrutura dessas
empresas estava voltada, em sua quase totalidade, para coordenar e monitorar as instalações de
produção e de vendas, dando pouca atenção para os orçamentos de operação e de capital,
estratégias de apropriação ou outras técnicas de alocação eficiente de capital, isto é, funções que
caberiam ao nível de decisões mais altos de uma grande associação monopolista.
Na Inglaterra, mesmo no caso das fusões, as companhias envolvidas comumente
retinham sua autonomia legal e administrativa, com ambas as firmas produzindo, divulgando e
distribuindo suas próprias marcas, desenvolvendo novas e destinando recursos para o crescimento
futuro. Como resultado, a inserção internacional das empresas britânicas era deficiente quando
comparada às modernas indústrias americanas e alemãs. Dava-se, em sua maioria, como uma
92

reação a tarifas e outras regulamentações estatais que fossem atrativas.157 No caso alemão, a
expansão das empresas dava-se majoritariamente através de um plano deliberado de usar as
vantagens competitivas da firma para sistematicamente adquirir mercados externos.
Na década de 1880, conforme as malhas ferroviárias eram completadas na Alemanha
e o Estado alemão encarregava-se de nacionalizar a propriedade das mesmas, as colossais
instituições bancárias alemãs começaram a se concentrar no financiamento de outras empresas
industriais, particularmente aquelas das novas indústrias da Segunda Revolução Industrial. Os
fundos provenientes desses bancos eram fundamentais para o investimento inicial nessas
indústrias intensivas em capital de forma que pudessem ser implantadas em escala suficiente
grande para se aproveitar das economias de produção e distribuição (escopo).
Esse papel no núcleo industrial alemão significava que representantes desses bancos
detinham lugares na diretoria de muitas empresas e participavam das decisões de maior
importância muito mais que na Inglaterra ou mesmo nos Estados Unidos.
O desafio de se deparar com essa competição externa promoveu a cooperação
capitalista dentro da própria Alemanha. Os grandes bancos de investimento, que detinham
participação em um grande número de firmas, comumente preferiam a cooperação frente a
competição, de modo a não estreitar seus lucros. Conforme a competição se intensificava como
resultado do grande potencial produtivo das novas tecnologias, as próprias leis passaram a
promover a cooperação capitalista, com os cartéis oficialmente legalizados na Alemanha, em
total oposição ao Sherman Anti-trust Act dos Estados Unidos, mas ambos, sob formas distintas –
o cartel e a fusão – permitiam a enorme centralização do capital da era do imperialismo.
Logo vemos que esse capital financeiro passa a se aliar com os interesses
expansionistas na Alemanha. É um interesse de Estado contar com uma indústria nacional forte
suficiente para se consolidar internacionalmente e apropriar-se de recursos externos; aos
interesses do capital financeiro cabe um Estado poderoso, capaz de preservar seus interesses nas
esferas internacionais e assegurar a expansão burguesa. Sob tais circunstâncias a concorrência
econômica passou a estar intimamente entrelaçada com as ações políticas, ou mesmo militares,
do Estado.
A tendência à proteção tarifária permanente. Nada mais é do que a consequencia
mais próxima dessa conjugação de interesses. Do ponto de vista do capital, o apoio político
157
Chandler, Alfred D. Jr. “Scale and Scope The Dynamics of Industrial Capitalism”. Massachusetts: Harvard University Press,
1990. pp. 404.
93

passaria a ser essencial para manter a concorrência estrangeira a distância ou subordiná-la em


regiões do mundo onde as empresas de economias industriais nacionais competiam umas com as
outras.
Do ponto de vista dos Estados, a economia passou a ser desde então tanto a base
mesma do poder internacional como seu critério, fator nítido mesmo para os contemporâneos
após o rápido desfecho da guerra franco-prussiana em 1870-71, onde os franceses foram
surpreendidos por armamentos muito superiores e táticas avançadas de guerra, como o
gerenciamento das ferrovias para o transporte de soldados. Agora, era impossível conceber uma
"grande nação" que não fosse ao mesmo tempo uma "grande economia" – uma grande indústria.
O protecionismo estendia-se, durante a Depressão e após ela com o imperialismo, até
mesmo à agricultura. A incorporação de novas regiões produtoras de alimentos ao mercado
mundial levava à queda dos preços e ao acirramento potencial da concorrência com os grandes
setores agrícolas da Alemanha e dos Estados Unidos, que geraram novas ondas de protecionismo
americano e alemão.158 Na indústria, o protecionismo tornava-se ainda mais forte. Vimos ao
longo dos tópicos anteriores como foi fundamental para a fundação das novas indústrias nos
países atrasados, e no tópico anterior colocamos como a Depressão engendra o mecanismo de
subsídios à exportação e a interesses renovados pelo aumento das proteções tarifárias.
Dentro da geopolítica do equilíbrio de poder e da instável ordem orquestrada pela
Grã-Bretanha, havia alguma possibilidade de reestabelecer o interesse pelo livre comércio?
Dificilmente. Vimos no tópico 2.1 como o embate por esse interesse específico fora de lenta
resolução e inteiramente permeado pela necessidade primária de não prejudicar a centralidade da
Grã-Bretanha na economia e na política mundial. Ora, apenas ali, onde o sistema mercantilista já
havia gestado um império formal e informal, aliado e moldado por um importante setor de
serviços financeiros e comerciais, era possível defender ao mesmo tempo o “interesse nacional”
das elites pela estabilidade social e regularidade dos lucros através de uma política abertamente
liberal. No continente europeu e nos Estados Unidos, apenas os comerciantes locais – que de
forma alguma desempenhavam um papel tão importante ali quanto o faziam na marinha britânica
– e o setor agrícola exportador poderiam se interessar pela redução tarifária. O setor financeiro
desses países teve um desenvolvimento importante atrelado ao financiamento da indústria
nacional, não o comércio internacional e governos no ultramar, como os financistas da City.

158
Hobsbawm, Eric J. “A Era dos Impérios 1875-914”. 13ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011. pp. 67.
94

Igualmente, suas indústrias nasceram não apoiadas nas redes internacionais de comércio como a
indústria britânica, mas na verdade em oposição à influência dessas redes, buscando mercados
nacionais e estimulando iniciativas públicas que expandiram o território econômico interno.
Ainda que o protecionismo inicialmente concebido durante a ordem liberal tivesse de fato um
caráter “educativo” ou “temporário”, e o próprio List previa o reestabelecimento do liberalismo
após a consolidação de um sistema industrial competitivo.
E sem dúvida alguma as indústrias alemãs e americanas eram capazes de competir
com a indústria britânica. Contudo, se a Grã-Bretanha fora o modelo da riqueza industrial, esses
países transformaram suas vias de desenvolvimento nos novos modelos do capitalismo maduro,
aquele onde o grau de centralização e concentração do capital havia atingido as maiores
proporções. Assim, na Alemanha de 1979, quando as medidas protecionistas do regime
conservador foram adotadas, seu significado real fora a adoção do novo princípio do
protecionismo, o protecionismo dos cartéis alemães, ou o protecionismo do capital financeiro.159
Nesse sentido, há concordância entre Alonso e Hilferding quanto ao papel da centralização de
capitais e o desenvolvimento industrial nos países atrasados – ainda que distinções fundamentais
devam ser ponderadas caso queiramos avançar na análise do primeiro.160

159
Hilferding, Rudolf. “O Capital Financeiro”. São Paulo: Nova Cultural, 1985. pp. 286.
160
As concordâncias param por aí: no final de seu livro, Alonso coloca explicitamente sua visão de que os processos de
industrialização atrasadas – por serem gestados em meio ao capitalismo concorrencial britânico – tendiam “a homogeneizar as
estruturas do capitalismo nos diversos países que se industrializam (...) na etapa concorrencial, a difusão do regime capitalista
ocorria de forma orgânica reproduzindo as estruturas da Inglaterra nos países de industrialização atrasada.” Se, contudo, ao
longo deste trabalho fomos minimamente bem sucedidos em observar mais de perto as relações entre as bases econômicas desses
países da segunda onda de industrializações e a relação dessas bases com as políticas adotadas, enxergamos a todo momento
relações de classe e de geopolítica que foram fundamentais no decorrer do desenvolvimento industrial e na adoção de
determinadas estratégias de alguma forma relacionadas a um “nacionalismo econômico”, mas bastante singulares – a britânica,
em torno das finanças e do sistema mercantilista fundado na marinha em detrimento da elite agrária, para depois englobar
temporariamente a indústria; a americana, em torno da expansão da agricultura camponesa mercantilizada para o oeste e da
proteção à produção manufatureira interna; a alemã, em torno da modernização conservadora da elite junker latifundiária e das
dificuldades de integrar um território já ocupado e politicamente dividido em uma nova união economica e aduaneira que
viabilize a forma industrial. Consequentemente, as estruturas econômicas ali geradas não tendiam à homogeneização, e
certamente não reproduziram as estruturas da Inglaterra baseadas na indústria de bens de consumo, no comércio e nas finanças
cosmopolitas – mesmo as reformas no aparato do Estado alemão pode-se muito bem argumentar que foram muito mais
influenciadas pela Revolução Francesa, a derrota diante de Napoleão e o transcurso das outras revoluções da primeira metade do
século XIX do que pela tendência do capitalismo concorrencial britânico de difundir suas estruturas. Ao tornar o “capitalismo
monopolista” uma mera consequencia lógica da centralização de capitais, o impacto dos monopólios na rivalidade entre os
Estados perde a sua especificidade histórica. Logo, seus significados reais para a economia mundial, consequencia da forma com
que a industrialização e o Estado se articularam ao longo do século XIX – a gênese do imperialismo –, podem ser exemplificados
pelo autor, mas não explicados. Diz Alonso: “Enquanto a difusão do capitalismo em sua fase monopolista no século XX não mais
poderia reproduzir em termos qualitativos as estruturas econômicas e sociais dos países dominantes nas nações de industrialização
tardia, na etapa concorrencial a difusão do regime capitalista ocorria de forma orgânica...”. Em termos crus, o que se observa é
uma naturalização do imperialismo – a curta ordem britânica é definida não pelos seus mecanismos efetivos de influência política
e de interesse de classes, mas pelas capacidades técnicas de sua indústria, sendo portanto naturalizada; por conseguinte, a
conclusão sobre o “capitalismo concorrencial” é que este é definido pelo que ele não foi, isto é, por não ser como o “capitalismo
em sua fase monopolista no século XX” que bloqueou a difusão da indústria (para uma análise de processos inteiramente
baseados no século XIX, sua conclusão é surpreendentemente alheia à história). É fundamental escaparmos dessa cilada, e a
95

Temos na análise de Hilferding uma descrição pormenorizada da relação entre os


monopólios e as medidas protecionistas, que vai na direção e sentido necessários à melhor
compreensão histórica a que nos propomos:

“Na época dos monopólios capitalistas a situação é diferente. Agora, quem defende um
alto protecionismo são exatamente as indústrias mais poderosas, capazes de exportar, de
cuja capacidade de concorrer no mercado internacional não cabe a menor dúvida;
portanto, aquelas para as quais o protecionismo, segundo a antiga teoria, já não deveria ser
de interesse. (...) A supressão da concorrência permite que o protecionismo prossiga tendo
efeito aumentador de preços mesmo naquele estágio em que a produção superou há muito
as necessidades internas. Assim, torna-se um interesse eminente da indústria cartelizada
fazer do protecionismo uma instituição duradoura que, primeiro, lhe assegure a existência
como cartel e, segundo, lhe permita vender seu produto no mercado interno com lucro
extra. O nível desse lucro é dado pela alta do preço interno sobre o preço internacional.
Essa diferença, contudo, depende do nível da tarifa. A ambição pelo lucro é tão ilimitada
quanto a ambição pelo aumento da tarifa. A indústria cartelizada está dessa forma
diretamente e sobremaneira interessada na dimensão quantitativa do protecionismo. (...)
De amiga agradável, de partidária da diminuição gradual do protecionismo, a tarifa
tornou-se a mais afoita propulsora do alto protecionismo.”161

Com o aumento do nível de produto aliado à monopolização crescente de parcelas


significativas dessa produção, torna-se cada vez mais difícil para um comerciante exercer lucros
através de diferenciais de preço; via de regra, quando a própria grande indústria não se
encarregava de incorporar as redes de distribuição de matérias primas ou produtos finais, tinha de
toda forma poder de barganha suficiente para estabelecer contratos de longo prazo com os
responsáveis pelo capital mercantil de forma a frear a especulação. O crédito comercial decaía
igualmente em importância ante à acumulação de capitais da própria indústria e da centralização
bancária a ela associada. Não apenas isso, mas a partir do início do século XX as frotas de navios
americanos e, mais importante ainda, alemães, passam a crescer rapidamente – junto com elas,
relações bilateriais ou multilaterais de comércio, principalmente com as colônias, geravam
alternativas renovadas à hegemonia da libra e uma preocupação recorrente para a Grã-Bretanha,
cujo princípio mais básico – de ter uma marinha maior do que o das duas maiores potências

incorporação da luta de classes, das rivalidades políticas e da história propriamente dita na análise das transformações em curso
são as melhores armas que dispomos. Cf. Oliveira, Carlos Alonso Barbosa de. “Processo de industrialização: do capitalismo
originário ao atrasado.” pp. 256-258. Cf. Hilferding, Rudolf. “O Capital Financeiro”. São Paulo: Nova Cultural, 1985. pp. 287-
291.
161
Hilferding, Rudolf. “O Capital Financeiro”. São Paulo: Nova Cultural, 1985. pp. 289.
96

somadas – tornava-se impraticável. O que se observa por todos os lados é a eliminação do


comércio livre em favor do protecionismo perene.162
Com as barreiras do comércio fechadas pelas proteções tarifárias, a acumulação
capitalista encontrava no mercado mundial mais freios que impulsos ao crescimento econômico.
Contudo, como lhe é característico, o capitalismo transforma freios em barreiras, e a superação
dessa nova barreira colocada foi a exportação de capitais.
A reformulação da importância das exportações de capitais ocorre sobre a base
estrutural de combinações capitalistas agressivas dotadas da mais alta técnica produtiva e
armamento militar, fechadas entre si pela conjugação de interesses com o Estado na forma do
protecionismo perene. Foi este aspecto dos novos padrões da política mundial que desestabilizou
as estruturas da política tradicional. O equilíbrio e a estabilidade permaneciam apenas nas nações
europeias em suas relações recíprocas, enquanto em outros lugares nem as mais pacíficas
hesitavam em recorrer à guerra contra os fracos.163
Com a formação de cartéis e trustes, o capital financeiro alcança seu mais alto grau de
poder, enquanto o capital comercial sofre sua mais profunda degradação. A subordinação das vias
comerciais ao capital financeiro tornava-se necessária na medida em que a concorrência
estrangeira era muito mais dependente da mediação comercial do que a produção nacional.164
Com a organização dos setores industriais responsáveis pelas compras de matérias primas e, na
Alemanha, uma cartelização também nos setores que ofertavam esses produtos, as pressões
divergentes para a baixa ou alta dos preços acirravam-se durantes as crises e expansões mais
agudas – colocava-se o interesse pelo controle das mineradoras, e daí para a busca de novas
minas fornecedoras no exterior é um salto pequeno para a necessidade de garantia de lucros do
capitalismo cooperativo alemão.165
Com os aumentos em escala produtiva e na organização da produção, o tamanho do
território econômico passível de ser explorado pelas agremiações capitalistas pode ser ampliado
pela reprodução das altas técnicas e da hierarquia gerencial criada; de forma análoga, o território
econômico efetivo da nação torna-se um fator determinante para sua estratégia de crecimento e o
tamanho das plantas que serão implantadas.
162
Hilferding, Rudolf. “O Capital Financeiro”. São Paulo: Nova Cultural, 1985. pp. 208. Hilferding discute minuciosamente a
relação entre os cartéis industriais, os comerciantes menores e o comércio que também exerce poder de monopólio. Cf. pp. 205-
209; 214.
163
Ibid, pp. 210.
164
Ibid, pp. 219; 212.
165
Ibid, pp. 223.
97

Enquanto no desenvolvimento econômico britânico essa ampliação do território


econômico, pela ausência de uma concorrência ecônomica atrelada a rivalidades políticas
significativas, foi feita pela exportação de capitais da elite financeira e comercial londrina
gerando um grande império informal e mantendo diversos países atrelados à economia britânica,
para a Alemanha e os Estados Unidos, devido à própria presença adiantada da Grã-Bretanha no
ultramar, exportar capitais e assegurar zonas produtoras de matérias primas e/ou consumidoras de
seus bens passa pela capacidade de concorrer com a Grã-Bretanha nesses regiões e nas águas
internacionais; assim, enquanto o império informal britânico pôde ser feito pelo comércio livre,
as demais nações industrializadas eram empurradas à anexação formal de territórios como
maneira mais segura de manter o controle sobre a economia dessas regiões, e ademais ajustar
seus regimes tarifários: protecionismo ante as potências rivais, comércio livre com a metrópole.
O que se coloca na aparência como um arriscado movimento de partilha do mundo e de conflito
aberto por esferas de influência pode também ser visto como uma forma de substituir os efeitos
desestabilizadores da livre concorrência sobre o mercado mundial, como a concorrência
destrutiva de preços, por um regime mais seguro e organizado de fronteiras político-econômicas
bem estabelecidas.
A medida era tanto mais importante quanto maior fosse a exportação de capital
necessária, e maior fosse a consequente imobilização de capital fixo nos países receptores,
investimentos que seriam impensáveis sem o conhecimento e a garantia prévia de que haveria, no
país exportador de capital, demanda para aquela produção; a construção de grandes minas
extrativas e ferrovias em áreas inóspitas apenas aumentavam os prejuízos de uma perda territorial
e exigiam atenção e o gasto recorrente do Estado na manutenção, ou ampliação, deste.166
Com a partilha da África e a colonização na Ásia, as potências Europeias e os Estados
Unidos definiam assim as áreas a serem exploradas pelos seus grandes grupos, empurrando os
limites que a acumulação de capital encontrava em seus países para fronteiras mais amplas; como
a história mostrou, a medida provar-se-ia nada menos que uma bomba de efeito retardado sobre
as rivalidades políticas gestadas pela nova concorrência.
O nacionalismo de massas nasce de uma conjugação dupla de interesses: de um lado,
a afirmação do Estado Nacional e da nação como forma última de arbítrio legítimo sobre a
sociedade civil, ante as influências espúrias de outros Estados e de movimentos internacionais de

166
Hilferding, Rudolf. “O Capital Financeiro”. São Paulo: Nova Cultural, 1985. pp. 303-304.
98

sublevação popular; de outro, a realidade da centralização de capitais sobre a concorrência


econômica, empurrando os problemas da acumulação de capital para um problema entre nações,
fortalecendo o apoio das massas à burguesia nacional ante os grupos rivais de modo a preservar
seus níveis de emprego e renda.
Em outras palavras, o poder relegado à produção em condições monopolistas
traduzia-se em uma redefinição da composição de classes internas aos corpos nacionais. O
movimento internacional das massas, derrotado em 1848 na Primavera dos Povos, terminou com
o desmembramento da luta conjunta pela subversão do sistema. A precariedade das condições de
trabalho e dos elevados níveis de desemprego vinha crescendo internamente conforme se
intensificava a urbanização nos centros industriais; agravam-se, ainda mais, quando as empresas
passam a tomar a forma de grandes conglomerados capazes mesmo de arbitrar no Estado e na lei,
como se verificou na legalização dos cartéis na Alemanha ou no banimento dos mesmos nos
Estados Unidos. Face essas dificuldades, o movimento socialista surge da articulação desse novo
proletariado, numa mistura de ação política e industrial. O crescimento do trabalhismo começa a
preocupar seriamente vários setores da burguesia a partir de 1860, conforme esse personagem
consolida-se como figura permanente no jogo político. A resposta dá-se não através da repressão
direta ao trabalhismo, mas sim da sua faceta internacional-cosmopolita, com o Estado
incorporando progressivamente o trabalhismo ao seu aparato burocrático nacional.
A luta das massas pela subversão do sistema – que continuava a oprimi-las – é assim
transformada em uma negociação nos termos da nação e do direito civil nacional. O pauperismo
torna-se, então, culpa não da burguesia como um todo, mas sim do “outro”, isto é, da burguesia
estrangeira que aniquila a indústria nacional, ou do imigrante que por vezes toma as vagas de
trabalho existentes.
Nestes moldes, a acirrada competição internacional acaba por engendrar as ideologias
do imperialismo: o nacionalismo, o racismo e a xenofobia. Estas ideologias, ao dissimularem o
conflito entre capitalistas, apresentando-o como um conflito entre nações e raças, favorece o
militarismo e, portanto, tende a alimentar ainda mais o clima de rivalidade internacional, gerando
uma tendência à guerra, e não à paz. A expansão torna-se, nestas condições, inevitável: o estado
que não entrar na luta perderá oportunidades de lucro e expansão e, portanto, enfraquecerá
perante os demais, podendo, no limite, converter-se em um mero satélite dos países mais
poderosos. Assim, para Hilferding, a formação de monopólios, a elevação da competição
99

internacional entre blocos capitalistas nacionais e a absorção de novas regiões são fenômenos que
decorrem das leis de desenvolvimento da economia capitalista, assim como o militarismo e a
ameaça constante de uma guerra entre as burguesias rivais.167 O diagnóstico do autor não poderia
ser mais claro e pessimista:

“O rápido crescimento da produção cria também um aumento de demanda de força de


trabalho, que favorece os sindicatos operários; as tendências à depauperação iminente no
capitalismo parecem estar vencidas nos países de desenvolvimento capitalista mais antigo.
A rápida ascensão da produção impede a tomada de consciência dos danos da sociedade
capitalista e cria um juízo otimista sobre sua força vital.” Hilferding, Rudolf. “O Capital
Financeiro”, pp. 299.

Do ponto de vista das relações capital-trabalho, lidar com essas mudanças implicava
também certa flexibilidade. Conforme aponta Hobsbawm, “se um único fator dominava a vida
dos trabalhadores do século XIX, este fator era a insegurança”.168 Para o mundo do liberalismo,
insegurança era o preço a pagar por progresso e liberdade, sem mencionar riqueza, e tornava-se
tolerável pela contínua expansão econômica. A relação de salário, crescentemente transformada
em uma relação de mercado, teria como um axioma dos empregadores de meados do século XIX
que os salários precisavam ser mantidos o mais baixo possível. Apenas a partir de 1870
começaram esboços de mudança nessa política, quando o movimento trabalhista organizado
começou a parecer um ator permanente na cena industrial, ao invés de ser visto apenas como um
extra.169
Nikolai Bukharin segue um caminho um pouco diferente, mas que também deságua
na rivalidade política. Seguindo Marx, ele destaca a tendência intrínseca ao capitalismo de
promover a internacionalização do capital, isto é, a subordinar progressivamente novas regiões à
sua lógica. No entanto, este movimento é acompanhado por outro: a internacionalização engendra
também o processo de nacionalização do capital, ou melhor, da luta social pela preservação de
sua identidade nacional. Este fenômeno está diretamente ligado à concentração e à centralização
de capitais. Conforme as empresas crescem em escala produtiva, distributiva, gerencial e em
capacidade financeira através da combinação, a concorrência torna-se aquela dos grandes grupos

167
“Somente então cairá sobre os outsiders a redução necssária, durante uma crise, e os preços precisam apenas serem rebaixados
até o custo de produção do cartel.” Hilferding, Rudolf. “O Capital Financeiro”. São Paulo: Nova Cultural, 1985. pp. 199. Grifos
meus. Na concorrência internacional de grandes grupos, os outsiders podem ser entendidos como os estrangeiros, que
progressivamente adquiriam uma conotação sinônima à de rival.
168
Hobsbawm, Eric J. “A Era do Capital 1848-1875”. 15ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011. pp. 227.
169
Ibid, pp. 225-227.
100

de capitalistas que atuam no cenário global. Preservar a dominância dessa indústria, que deixava
a competição entre unidades econômicas menores para o segundo plano, tanto dentro quanto fora
das fronteiras nacionais leva à ligação destas com o aparelho do Estado. Via tarifas, subsídios e
forças armadas, a lógica capitalista da expansão ilimitada fundia-se com aquela do jogo de poder
dos Estados nacionais.
Hilferding aponta como, no contexto europeu, a união da Alemanha através da
política de exercícios militares controlados de Bismarck fortaleceu de maneira extraordinária a
posição do poder estatal na consciência do povo, enquanto na França a derrota militar fez com
que, de imediato, todas as forças se concentrassem na reconstrução do poder estatal. Desse modo,
as necessidades do capital financeiro fundiam-se com elementos ideológicos que podiam
aproveitar facilmente a oportunidade de fazer deles uma nova ideologia ajustada a seus
interesses.170
Bukharin capta precisamente esse ponto em sua análise. Para ele, o capitalismo tem
como tendência inerente um duplo movimento: a internacionalização do capital (força centrífuga)
e a preservação de sua identidade nacional (força centrípeta). A combinação desses dois
movimentos leva necessariamente ao desdobramento imperialista: ao preservar sua identidade
nacional, os países e grandes oligopólios nacionais buscam expandir sua zona de influência sobre
os mais fracos, porém não com o intuito de preservar seu status de capitalistas enquanto tais, mas
sim para reforçar sua posição no sistema internacional ante seus concorrentes, os outros grandes
países do centro capitalista.
Assim, do ponto de vista das relações capital-capital, estamos falando de uma
mudança drástica no que se entendia como concorrência, termo que aqui nos referimos não no
sentido de um mecanismo natural de garantir uma distribuição eficiente de bens e serviços, mas
como sinônimo de rivalidade econômica.
Os Estados Nacionais, tanto os antigos quanto os recém-formados, responderam a
este conjunto de pressões dando vazão ao nacionalismo, um movimento de inspiração romântica,
que foi difundido pelas massas com auxílio das novas funções do aparelho burocrático do estado:
i) o sistema educacional universal; ii) o sistema meritocrático de recrutamento de funcionários

170
Hilferding, Rudolf. “O Capital Financeiro”. São Paulo: Nova Cultural, 1985. pp. 314.
101

públicos (concursos que cobram a história, geografia e a língua nacional); iii) as forças
armadas.171
O sistema educacional universal cumpria o papel de criar uma grande massa de
pessoas que escreviam e liam igualmente, contrariando grande parte da pluralidade de “dialetos”
locais entrecruzados que constituíam a base dos Estados europeus até então. A língua oficial
tornava-se um artefato do Estado-Nação, cuja burocracia passava a buscar os cidadãos dentro de
sua vida cotidiana, através de professores, carteiros e outros empregados. Conjuntamente, a
educação permitia “civilizar” grande parte da população, isto é, formar o maior número de bons
súditos e cidadãos ante a dissidência. Ademais, acresce-se ainda a economia de uma era
tecnológica, com a complexidade de suas tarefas efetivas e administrativas, que exigiam certo
nível de educação ou minimamente uma população alfabetizada. Assim, a linguagem,
fundamento primário do patriotismo nacional, foi um artefato dos Estados no processo de
legitimar a reprodução de sua própria existência tanto no nível interno quanto na competição
dentro do sistema interestatal.
A criação de um sistema meritocrático de recrutamento de funcionários públicos
reflete a necessidade de o conjunto educacional constituir-se não apenas como mera
uniformização da língua falada, mas como um veículo oficial para a ascensão social, mediante
uma burocracia instruída conforme os conteúdos determinados pelo Estado. Durante os anos de
dificuldade da Grande Depressão, em especial para a classe média de pequenos comerciantes e
artesãos, o estrangeiro veio a significar aquele que desintegrava os antigos costumes. O reforço
de um mecanismo nacional de ascensão ligava-se aos interesses mais conservadores dos estratos
médios da população, criando e intensificando os movimentos de direita política que se
instalavam na crise do liberalismo, principalmente a partir de 1880.
Acresce-se o papel das forças armadas, que também conectava o nascente sentimento
nacionalista com a ascensão social. Para os estratos inferiores, a carreira militar abria a
oportunidade de tornarem-se “fiéis defensores” da nação, compensando o pauperismo e abrindo a
possibilidade de ganhar status.
O nacionalismo não se constituía em um elemento único para angariar o apoio da
população. Era, contudo, um forte ingrediente para apelar ao apoio das massas quando em

171
Cf. Hobsbawm, Eric J. “A Era do Capital 1848-1875”. 15ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011. pp. 137-160. Ver também:
Hosbawm, Eric J. “Nações e Nacionalismos desde 1780: programa, mito, realidade”. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. pp. 125-
158.
102

conjunto com outros objetivos materiais. No cenário político, aqueles que, a partir de 1870,
passavam a levantar a bandeira da nação ganhavam vantagem complementar face aos demais.
A simbiose entre a indústria e o estado formando um expansionismo político
“ilimitado” é apenas reforçada ao introduzirmos o elemento do nacionalismo, sem o qual
dificilmente o ódio e o patriotismo da Grande Guerra poderia ser explicado.
É exatamente esta contradição entre forças centrífugas e centrípetas que bloqueia a
possibilidade da constituição de uma harmonia universal no capitalismo e que, portanto, alimenta
a rivalidade internacional e o imperialismo. Conforme aponta Bukharin, o imperialismo significa
a substituição da luta competitiva pelo mercado no plano interno das economias nacionais pela
luta internacional entre grupos de capitalistas associados aos seus respectivos Estados:

“[...] quando a concorrência alcança o seu paroxismo – a concorrência entre trustes


capitalistas nacionais – a utilização do poder do estado e das possibilidades que dele
decorrem passa a desempenhar papel preponderante. (...) A formação dos trustes
capitalistas nacionais faz passar a concorrência, quase inteiramente, ao domínio da
concorrência externa. É evidente que, a partir desse momento, os órgãos dessa luta
“externa”, e em primeiro lugar o poder governamental, devem reforçar-se ao extremo. (...)
Quanto mais tensa a situação na arena mundial – e nossa época caracteriza-se
precisamente por uma tensão extrema da concorrência entre grupos capitalistas
financeiros nacionais – tanto mais se recorre ao punho de ferro do estado. Os últimos
vestígios da antiga ideologia do laissez-faire, laissez passer, desapareceram. Estamos na
época do “novo mercantilismo”: o imperialismo.” Bukharin, 1984, pp. 117.

Portanto, com a formação dos monopólios em escala nacional, a melhor saída para o
capital foi a projeção para o exterior, fato que converteu a economia mundial no epicentro da
competição entre “corpos econômicos gigantescos”, associados aos aparelhos de estado pautados
por políticas imperialistas agressivas. O ritmo com que estas novas regiões tornavam-se área de
expansão econômica das potências imperialistas relegava o antigo mercantilismo à uma
experiência juvenil. Se os britânicos haviam adentrado nas grandes civilizações da Índia e da
China e mantido suas posições por tanto tempo nesses países com canhoneiras, barcos de madeira
à vela, bíblias e associações de comércio e prodção industriais organizadas de forma “pessoal”, a
incorporação dos novos explosivos, da marinha à aço e vapor e das novas ferrovias, e a
impessoalidade e o pragmatismo das organizações do novo grande capital como substrato
material adicional à missão civilizatória dos escritos bíblicos não poderiam ter efeitos mais
nefastos nas populações que não foram agraciadas pela origem europeia.
103

Enquanto a expansão imperial formal e informal britânica buscava aproveitar-se de


seu monopólio comercial para influenciar nas economias que lhe fossem mais importantes, e
apenas eventualmente faziam uma colonização como a do norte dos Estados Unidos, onde o
sentido da exploração econômica era o povoamento, as novas capacidades adquiridas pelas
empresas e grandes grupos colocavam em segundo plano a necessidade prévia de um
desenvolvimento econômico significativo nas áreas de seu interesse. Com a abundância de capital
nas mãos de grandes grupos financeiros e sua proximidade de interesses com o lucro da grande
indústria dotada de capacidades técnicas e gerenciais impessoais, a exploração de novas regiões
pelo capital podia surgir rapidamente pela exportação de capital em massa da metrópole, ou a
importação do mesmo pelos seus satélites econômicos. Os limites dessa exploração tornavam-se
os limites com que a força de trabalho do país receptor podia ser expropriada de suas relações
anteriores, tornando-a “livre” e passível de controle para as novas indústrias extrativas. Como
vimos ao longo das industrializações da Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos, o meio de
“libertação” dificilmente não recorria à violência. Nas regiões distantes, onde os expropriados
eram ademais vistos como diretamente inferiores, a “via legal” de expropriação adquiria
resultados ainda mais violentos, pela incorporação forçada de leis que eram completamente
alheias à realidade dos países invadidos.172 Conforme coloca Hilferding:

“Como sempre, quando o capital enfrenta pela primeira vez condições que contrariam sua
necessidade de exploração e cuja superação econômica se daria somente de forma muito
lenta e gradual, o capital apela à violência estatal, empregando-a a serviço da expropriação
violenta, que arranja o proletariado livre necessário – trata-se, como nos seus primórdios,
de camponeses europeus, dos índios mexicanos e peruanos ou, como na atualidade, de
negros africanos! (...) se os novos mercados colonizados já não são meras áreas de venda,
mas sim esferas de investimento de capital, isso implica também na mudança de
comportamento político dos países exportadores de capital.” Rudolf Hilferding, “O
Capital Financeiro”, pp. 299-300. Grifos meus.

E, mais a frente:

172
Hilferding, Rudolf. “O Capital Financeiro”. São Paulo: Nova Cultural, 1985. pp. 299. O autor compara também essa nova
realidade com a ordem comercial britânica: “O mero comércio – enquanto não era vinculado ao comércio colonial por meio de
roubo e saque, mas consistia em comércio com uma população branca ou amarela, apta a resistir e relativamente desenvolvida –
deixou durante muito tempo intatas, na sua base, as relações políticas e sociais desses países e limitou-se somente às relações
econômicas. Enquanto existir um poder estatal que possa manter a ordem, o domínio direito é menos importante. Isso se altera
com o aumento da exportação de capital; trata-se, então, de interesses muito maiores. O risco é muito maior quando são
construídas estradas de ferro, instalações portuárias, se compram terras, abrem-se e exploram-se minas, do que quando são
simplesmente compradas e vendidas mercadorias”. Ibid, pp. 302.
104

“O atraso da legislação torna-se assim uma barreira cuja superação o capital financeiro
exige de forma cada vez mais agressiva e mesmo por meios violentos. Isso leva a conflitos
cada vez mais agudos entre os países capitalistas desenvolvidos e o poder estatal das
regiões atrasadas, a tentativas cada vez mais premementes no sentido de impingir a essas
regiões uma legislação correspondente ao capitalismo, seja conservando ou destruindo os
poderes até então existentes. Simultaneamente, a concorrência pelas áreas de investimento
recém-criadas implica em novos antagonismos e conflitos entre os próprios países
desenvolvidos.” Rudolf Hilferding, “O Capital Financeiro”, pp. 302.

A possibilidade de movimentos de libertação nacional nos países colonizados implica


que os países europeus só poderão manter seu domínio mediante permanente multiplicação de
meios coercitivos. No imperialismo do comércio livre, o poder estatal deveria ser forte suficiente
para englobar através da sua autoridade interesses capitalistas em regiões extramamente distantes
– a possibilidade de uma guerra extremamente assimétrica em favor da potência imperial deveria
ser visível para que o comércio pudesse transcorrer livremente. Quando o interesse por essas
regiões nasce não tendo em vista o comércio, mas a possibilidade de exportar capitais, o domínio
completo da nova região torna-se uma necessidade, de forma a excluir a possibilidade de outras
potências também exportarem capital;173 as regiões distantes não incorporavam apenas capital,
pois o pacote incluía também um novo posicionamento na concorrência econômica internacional
e na rivalidade entre grandes potências. A violência dessa incorporação tornava premente excluí-
la, através da incorporação final das novas relações de propriedade na legislação do Estado, e a
anexação colonial. A simbiose entre o Estado e o grande capital é o pressuposto da política
imperialista.
Há contudo grandes diferenças entre a realidade europeia e americana quanto a esses
movimentos. Hilferding, escrevendo em 1910, aponta-as com um grau profético assustador:

173
Hilferding aponta o impacto dessas relações para a questão da dependência e do subdesenvolvimento das novas regiões
capitalistas e das regiões menores, na Europa mas também no exterior, ponto interessante para pensar o desenvolvimento
econômico nos países de industrialização tardia como o Brasil: “O empenho pela aquisição colonial conduz a um sempre
crescente antagonismo entre os grandes territórios econômicos e na Europa repercute decisivamente na relação de cada um dos
países. As diversas condições naturais que, no interior de um único território econômico, como o dos Estados Unidos, tornam-se
uma fonte de rápido desenvolvimento econômico, dificultam, ao inverso, na Europa, onde essas condições estão distribuídas da
mais variada forma, de modo casual e irracional do ponto de vista econômico, entre uma grande quantidade de pequenos
territórios econômicos e enfatizam sua diferença em favor dos maiores e prejuízo dos menores, mais ainda quando nenhum livre-
comércio associa esses territórios em uma unidade econômica superior. Mas essa desigualdade econômica significa para os países
o mesmo que acontece entre as várias classes sociais: a dependência do que é economicamente mais forte com relação ao mais
fraco. O expediente econômico é também aqui a exportação de capital. O país rico em capital exporta-o como capital de
empréstimo e torna-se credor do país devedor. Enquanto a exportação de capital se destinava essencialmente, primeiro, para criar
o sistema de transporte no país atrasado e, segundo, para desenvolver as indústrias de bens de consumo, fomentava, ao mesmo
tempo, o desenvolvimento capitalista desse país.” Cf. Ibid, pp. 309-310
105

“Os Estados Unidos também são em si um grande território econômico, suficiente também
para a era do imperialismo, cuja expansão é, de resto, orientada geograficamente. O
movimento pan-americano que encontrou sua primeira expressão na doutrina Monroe está
apenas no começo e ainda tem grandes perspectivas em consequência da enorme
supremacia dos Estados Unidos. A situação é diferente na Europa, onde a fragmentação
estatal criou interesses econômicos antagônicos, que contrapõem obstáculos muito difíceis
para sua superação econômica por meio de uma união tributária centro-europeia. Aqui não
se trata de partes complementares, como no Império Britânico, mas de partes mais ou
menos similares e, por isso, em concorrência hostil e com posição antagônica.” Rudolf
Hilferding, O Capital Financeiro, pp. 308.

Com a crescente importância da política imperialista, tornava-se necessário para a


Grã-Bretanha a defesa de seu próprio império colonial, que por sua vez dependia da supremacia
naval e o controle sobre as rotas para sua colônia mais importante, a Índia. Conforme a Alemanha
revindicava participações maiores na política colonial, acirra-se a rivalidade mais forte no
contexto diplomático Europeu, a polarização entre a Alemanha e a França, que se via na
necessidade de assegurar suas posses no ultramar, e aproximando-a de uma possível aliança com
a Grã-Bretanha, que até então evitava formar quaisquer alianças permanentes com as nações do
continente de forma a não desestabilizar o equilíbrio de poder na Europa. A neutralidade do país
fora finalmente rompida no início do século XX quando, para a surpresa dos contemporâneos, a
Grã-Bretanha firmaria uma aliança permanente com a França, em oposição ao bloco de alianças
germânico.
Contudo, Hobsbawm argumenta que, do ponto de vista das políticas alemãs, não
havia uma verdadeira intenção de tomar o lugar hegemônico da Inglaterra. Entretanto, parecia
apenas natural aos alemães que a crescente importância de sua economia passasse a se traduzir de
alguma forma em influência política, que até então se restringia à Inglaterra e em menores
proporções aos Estados Unidos ou até mesmo à França. Buscava-se uma redistribuição dos
papéis internacionais.
Na partilha da África as pretensões da Alemanha só seriam possíveis mediante uma
marinha forte suficiente para garantir os novos territórios, e quando o país iniciou gastos maciços
na construção naval, o ritmo da produção não dava margem para controvérsias: em um prazo não
muito longo a Inglaterra teria dificuldades crescentes em manter, sequer, seu objetivo mais
modesto: o de ser mais forte que as duas outras maiores marinhas, combinadas (o "padrão duas
potências"). Ao contrário de todas as outras, as bases da esquadra alemã estavam inteiramente no
Mar do Norte, de frente para a Inglaterra. O expansionismo alemão ocasionou de certo modo uma
106

corrida armamentista no final da década de 1880, mas que se acelerou nos últimos anos antes da
guerra. Os gastos militares britânicos permaneceram estáveis nos anos 1870 e 1880, tanto em
termos de porcentagem do orçamento total como per capita em relação à população. Mas passou
de 32 milhões em 1887 a 44,1 milhões de libras esterlinas em 1898-1899, e a mais de 77 milhões
em 1913-1914. E o crescimento mais espetacular foi o da marinha, pois se tratava da ala de alta
tecnologia de guerra. No mesmo período, os gastos navais alemães aumentavam de modo ainda
mais acentuado de 90 milhões de marcos por ano em meados da década de 1890 a quase 400
milhões. 174
Como vimos, no setor de metalurgia a situação do protecionismo era ainda pior –
ademais uma vez que era o insumo básico para a construção de navios e outros aparatos bélicos.
Em 1875 os ingleses ainda detinham a liderança na produção mundial de aço, mas apenas por
uma pequena margem. Em 1895 os alemães já haviam ultrapassado a produção inglesa em 712
mil toneladas cúbicas e, às vésperas da Primeira Guerra, responderiam por quase o dobro da
produção total da Inglaterra.
O avanço a passos largos da economia alemã tornava-se sinônimo de contestação à
hegemonia inglesa.

174
Hobsbawm, Eric J. “A Era dos Impérios 1875-1914”. 13ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011. Capítulo 13: Da Paz à Guerra.
107

Conclusão: Rumo à Grande Guerra

“Se os Estados pudessem definir seus objetivos diplomáticos com precisão – uma
determinada mudança nas fronteiras, um casamento dinástico, uma "compensação"
definível pelos avanços de outros Estados – tanto o cálculo como o acordo seriam
possíveis. Mas nenhuma das duas excluía – como o próprio Bismarck comprovara entre
1862 e 1871 – o conflito militar controlado. Mas o traço característico da acumulação
capitalista era justamente não ter limite.” – Eric J. Hobsbawm, “A Era dos Impérios
1875-1914”, pp. 278.

“O Estado moderno teve sua origem no esforço das nações pela realização de sua
unidade. A aspiração nacional, que encontrou seu limite natural na constituição da nação
como fundamento do Estado – já que reconhecia o direito de todas as nações à sua forma
própria de Estado e, com isso, via as fronteiras do Estado nas fronteiras naturais da
nação – transformou-se agora na aspiração de a própria nação dominar as demais. O
ideal agora é assegurar para a própria nação o domínio do mundo, uma ambição tão
ilimitada quanto a ambição do capital por conseguir lucro...” – Rudolf Hilferding, “O
Capital Financeiro”, pp. 314.

“Nenhuma das grandes nações teria dado o golpe de misericórdia na paz, nem mesmo em
1914, se não estivesse convencida de que seus ferimentos já eram mortais.” – Eric J.
Hobsbawm, “A Era dos Impérios 1875-1914”, pp. 273.

O que podemos concluir das novas transformações na economia e na política de


meados do século XIX e início do século XX? Em primeiro lugar, elas eram indissociáveis do
imperialismo moderno; em segundo lugar, implicavam em uma ordem internacional cada vez
mais instável, dependente de manobras recorrentes de diplomacia para acomodar os interesses
expansionistas de diversas nações e, por último, ao mesmo tempo em que avançavam sobre a
Hegemonia Britânica, estavam longe de excluí-la do conflito.
As novas rivalidades políticas atreladas à uma expansão capitalista virtualmente
ilimitada transferiam para o jogo das nações relações análogas aos conflitos do capital
centralizado na grande indústria: os prejuízos que uma concorrência aberta e desenfreada
poderiam gerar – a concorrência destrutiva de preços, entre capitalistas, e a guerra, para as nações
– reforçavam interesses para a cooperação – acordos comerciais, como na forma do cartel, e
formação de blocos permanentes de alianças políticas, para as nações.175 Pois, como nos cartéis,
onde não há convergência pessoal de interesses – e o nacionalismo reforçado pelo Estado

175
A hipótese de Kautsky, de uma aliança geral de nações imperialistas, contudo, teria de ser deixada para outro momento.
108

impedia justamente esse movimento – sempre há incentivos para que seus participantes
imaginem-se em uma situação econômica ainda melhor e mais segura, seja através do
rompimento dos acordos, seja pela associação com parceiros poderosos que permitam uma
reformulação do seu posicionamento.
A formação do bloco de alianças da Alemanha e da Áustria, e do bloco da França
contra a Rússia era um resultado mais ou menos inevitável da guerra Franco-Prussiana de 1871 e
do conflito entre Áustria e Rússia pela região dos balcãs. Certamente não eram fruto de interesses
pacifistas, porém a administração de suas posições pela diplomacia não era impraticável e
certamente tanto seus governos quanto suas populações não entrariam em uma guerra dessas
proporções apenas por divergências históricas ou econômicas. A forma das rivalidades, contudo,
não era essencialmente bipolar: a possibilidade de entrada da potência hegemonica em qualquer
um dos lados seria capaz de alterar drasticamente a balança do conflito.
As áreas de influência foram progressivamente reduzindo as possibilidades de
coexistência pacífica entre as grandes potências. Os EUA se posicionaram nas Américas, após
expandirem suas fronteiras até o Pacífico e, simultaneamente, elevarem a sua participação no
Caribe (Guerra Hispano-Americana) e ocuparem posições próximas à Eurásia (a aquisição do
Alasca e a ocupação do Havaí e das Ilhas Guam). A formação da Alemanha (1871) complicou o
cenário na Europa, pois envolveu a polarização com a França e a Rússia (que ressentia a presença
crescente dos EUA no Pacífico Asiático e o expansionismo japonês), bem como inflou as
ambições da recém-formada Itália. Em suma: a política de equilíbrio de poder orquestrada pela
Inglaterra tornava-se cada vez mais complexa e precária. Toda esta tensão política dava-se em
meio à agitação social empreendida pelo “mundo do trabalho”, sob influência do nascente
movimento comunista internacional e de uma articulação crescente entre os anarquistas.
Neste conjunto de forças, o movimento econômico-material apontava para os grandes
oligopólios, à hegemonia do capital financeiro, dos grandes bancos e do capital estatal, com os
grandes blocos crescentemente fundando sua sobrevivência na competição em escala
internacional, isto é, no antagonismo de seus interesses particulares; concomitantemente, as
ideologias cosmopolita e a socialista-internacional perdiam terreno em face da constituição do
nacionalismo e da xenofobia na vida cotidiana de grande parte das classes sociais e, ademais, o
discurso político passava a reforçar os sentimentos da nação-potência e da nova religião cívica,
medidas governamentais de inclusão do proletariado nacional via sindicatos e outros benefícios,
109

fomento da agressividade na competição econômica internacional através de incentivos e


proteções estatais...
Com a máquina da acumulação e da produção bélica girando no interior de blocos
permanentes de aliança, a potência hegemonica, que até então se ausentava de posicionamentos
militares mais longos nos blocos de alianças políticas do continente, não podia mais manter o
acordo tácito da não interferência, sob a pena de ter de abrir mão da sua capacidade de ação no
longo prazo diante do enorme potencial que a economia alemã apresentava.176 Com a entrada da
Grã-Bretanha, o conflito assumia a forma bipolar, onde a possibilidade de acordo é muito mais
fina e crescentemente complexa. Nos anos que antecediam a guerra, fazia sentido para qualquer
um dos lados o início do conflito: o lado do hegemon, para evitar que o crescimento exacerbado
do outro o impeça da capacidade de ação; o lado da potência em ascensão, para aproveitar
justamente a conjuntura favorável de diminuição das assimetrias de poder e aliá-la às vantagens
do golpe inicial... ou seja, por todos os lados a ordem liberal segmentava-se da outrora
comercialmente integrada economia mundial, abrindo caminho para a deflagração da Primeira
Guerra Mundial.

176
Hobsbawm, Eric J. “A Era dos Impérios 1875-914”. 13ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011. pp. 273-274
110

Bibliografia

ARRIGHI, Giovanni. O Longo Século XX: Dinheiro, Poder e as Origens Do Nosso Tempo. Rio
de Janeiro e São Paulo: Contraponto; UNESP, 1996.

BUKHARIN, Nikolai. A Economia Internacional e O Imperialismo. São Paulo: Abril Cultural,


1984.

CAIN, P. J. e HOPKINS, A. G. Gentlemanly Capitalism and British Expansion Overseas I: The


Old Colonial System, 1688-1850. Em: The Economic History Review, New Series, Vol. 39. No. 4
(1986). Blackwell Publishing. Disponível em: www.jstor.org/stable/2596481. Acessado em
09/07/2012.
———. Gentlemanly Capitalism and British Expansion Overseas II: New Imperialism, 1850-
1945. Em: The Economic History Review, New Series, Vol. 40. No. 1 (1987). Blackwell
Publishing. Disponível em: www.jstor.org/stable/2596293. Acessado em 03/07/2012.

CHANDLER, Alfred D. Jr. Scale and Scope: the dynamics of industrial capitalism. Cambridge:
Harvard University Press, 1990.

ENGERMAN, Stanley L. O’BRIEN, Patrick K. The Cambridge Economic History of Modern


Britain, Volume I: Industrialization 1700-1860. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.

ENGERMAN, Stanley L. SOKOLOFF, Kenneth L. Technology and Industrialization 1790-1914.


Em: The Cambridge Economic History of the United States, vol. 2: The Long Nineteenth
Century. Editado por ENGERMAN, Stanley L. GALLMAN, Robert E. Nova York: Cambridge
University Press, 2000.

HILFERDING, Rudolf. O Capital Financeiro. São Paulo: Nova Cultural, 1985.

HOBSBAWN, Eric. A Era das Revoluções 1789 – 1848. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011a.
———. A Era do Capital 1848 – 1975. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011b.
———. A Era dos Impérios 1875 – 1914. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011c.
———. Nações e Nacionalismos desde 1780. 5ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008.

HORLINGS, Edwin. Pre-industrial economic growth and the transition to an industrial


economy. Em: Early modern capitalism: economic and social change in Europe, 1400–1800,
editado e organizado por Maarten Prak. Londres: Routledge, 2001.

KENWOOD, A. G.; LOUGHEED, A. L. The Growth of International Economy, 1820–2000: an


introductory text. 4a ed.; Londres: Routledge, 2001.

MARIUTTI, Eduardo Barros. Colonialismo, Imperialismo e o Desenvolvimento Econômico


Europeu. São Paulo: Hucitec, 2009.
111

MARX, Karl. O Capital - Crítica da economia política, Volume I. São Paulo: Centauro Editora,
2005.

MAZZUCCHELLI, Frederico. A Contradição Em Processo: o Capitalismo e suas crises. São


Paulo: Brasiliense, 1985.

O´BRIEN, Patrick Karl & CLESSE, A; (orgs). Two Hegemonies: Britain 1846-1914 and the
United States 1941-2001. Aldershot: Asghate, 2002.

O’BRIEN, Patrick Karl (org). The Political Economy of British Historical Experience, 1688 –
1914. Oxford: Oxford University Press, 2002.

OLIVEIRA, Carlos Alonso Barbosa de. Processo de Industrialização: do Capitalismo Originário


Ao Atrasado. São Paulo & Campinas: Editora Unesp; Unicamp, 2003.

PIERENKEMPER, Toni; TILLY, Richard. The German Economy during the Nineteenth
Century. Nova York: Berghahn Books, 2004.

POLANYI, Karl. A Grande Transformação: as Origens da Nossa Época. Rio de Janeiro:


Campus, 2000.

PRADO, Nelson. O Capitalismo Financeiro. Crítica Marxista, São Paulo: Xamã, v. 5, 1997, pp.
9-26.

PRADOS DE LA ESCOSURA, Leandro. (org) Exceptionalism and Industrialization: Britain and


its European Rivals, 1688–1815. New York: Cambridge University Press, 2004.

SYLLA, Richard. Experimental Federalism: The Economics of American Government, 1789-


1914. Em: The Cambridge Economic History of the United States, vol. 2: The Long Nineteenth
Century. Editado por ENGERMAN, Stanley L. GALLMAN, Robert E. Nova York: Cambridge
University Press, 2000.

SWEEZY, Paul M. Teoria Do Desenvolvimento Capitalista: Princípios de Economia Política


Marxista. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

TILLY, R. H. Capital formation in Germany in the Nineteenth Century. Em: “The Cambridge
Economic History of Europe, vol. VII, The Industrial Economies: Labour, Capital and
Enterprise, part I: Britain, France, Germany and Scandinavia. Londres: Cambridge University
Press, 1978.

TILLY, Charles. Coerção, Capital e Estados Europeus. São Paulo: Edusp, 1996.

WALLERSTEIN, Immanuel. The Modern World-System: Capitalist Agriculture and the Origins
of the European World-Economy in Sixteenth Century. 4 vols. Vol. 1. Nova York: Academic
Press, 1974.
———. The Modern World-System: Centrist Liberalism Triumphant, 1789-1914. 4 vols. Vol. 4.
California: Academic Press, 2011.

Você também pode gostar