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Digam-me só o que preciso saber!

Qualquer um que tenha trabalhado com treinadores


desportivos sabe que eles têm exigências competitivas.
Não precisam apenas elaborar uma estratégia geral para
a equipa executar, como também precisam de entrar em
contato com os administradores (ex.: o presidente e o
conselho), patrocinadores e meios sociais, gerir escalas,
assistentes técnicos e atletas individuais (e as suas
personalidades únicas), e desempenham um papel
fundamental no planeamento diário de sessões técnicas,
táticas (e por vezes) de força e condicionamento. Não há
dúvida que é importante que os treinadores entendam os
princípios de gestão de carga, mas falta-lhes tempo! Com
todos os recursos de monitorização e gestão de carga de
trabalho dos atletas disponíveis, não é surpreendente
quando os treinadores exclamam“Digam-me só o que
preciso saber!” Este artigo fornece um guia convivial para
os profissionais, ao descrever o objetivo geral da gestão
de carga aos treinadores.

1) Construção de Cargas Crónicas

A lesão ocorre quando a carga excede a capacidade do


tecido de se adaptar (ou seja, quando a carga é maior do
que a capacidade de carga). Consequentemente,
acreditou-se, durante muitos anos, que as lesões
ocorreriam como resultado de elevadas cargas de treino.
No entanto, um grande número de estudos mostrou
recentemente que cargas crónicas elevadas estão
associadas a um menor risco de lesão (1). Estes
resultados foram confirmados por vários grupos
desportivos e de investigação. Igualmente interessante é
a influência da elevada carga crónica no desempenho. Em
meados dos anos 90, Foster et al. (2) estudou o
desempenho de corredores, ciclistas e patinadores de
velocidade e demonstrou que o desempenho estava
claramente ligado à carga de treino; atletas com cargas
de treino mais elevadas tiveram desempenhos mais
rápidos em provas contra-relógio. O desempenho
desportivo em equipa também pode ser explicado, pelo
menos em parte, pela carga de treino (3, 4). Parece que
cargas de treino crónicas apropriadamente elevadas
reduzem, de várias formas, o risco de lesões, melhorando
o desempenho do atleta. Em primeiro lugar, a exposição
à carga ajuda os atletas a resistir à carga
subsequente. Em segundo lugar, o treino devidamente
prescrito desenvolve qualidades físicas que não protegem
apenas contra lesões, mas também permitem que os
atletas realizem tarefas de competição de elevada
intensidade.

2) Prepare-se para o “pior cenário”

O “pior cenário” refere-se à parte mais exigente do jogo.


Essas partes ocorrem em momentos críticos da
competição (ex. chutos à baliza, golos marcados ou
sofridos), e são frequentemente chamados de “sprints
repetidos” (ex. futebol, hóquei de campo) ou “esforço
repetitivo de elevada intensidade” (ex. basquete, rúgbi,
hóquei no gelo). A capacidade (ou incapacidade) de
realizar esses esforços repetidos de elevada intensidade é
geralmente crítica para o resultado da competição. De
fato, provámos recentemente que uma grande
percentagem das tentativas pontuadas em rúgbi ocorreu
devido a um esforço repetido de elevada intensidade
(5). Estas partes exigentes do jogo devem, portanto, ser
vistas como uma “oportunidade” para ganhar vantagem
sobre um adversário. Expôr os atletas às partes mais
exigentes do jogo em treinos regulares (com descanso
adequado), melhora a sua capacidade de tolerar essas
exigências durante a competição. Afinal, se os programas
de treino se concentram nas demandas médias da
competição e negligenciam as partes mais exigentes,
então, na melhor das hipóteses, os atletas só podem
estar preparados para 50% da competição (Figura 1).
Figura 1. Um exemplo da parte mais exigente do jogo (ou “pior cenário
possível”) para um atleta de desporto em equipa. A Figura 1 mostra o
continuum de atividades de reabilitação, atividades de competências,
demandas médias de jogos e as partes mais intensas do jogo.
Reproduzido de (6).

3) Chegar lá com a maior segurança possível

“Mílon de Crotona” foi um lutador do século 6 a.C. que


venceu muitas provas nos antigos festivais atléticos
gregos. Segundo a lenda, Mílon carregou um touro adulto
montanha acima até ao matadouro. Acredita-se que
tenha conseguido estes feitos de força ao levantar
primeiro um bezerro nos seus anos de formação, e todos
os dias depois disso, carregando o bezerro até se tornar
um animal adulto (Figura 2). Em termos modernos, Mílon
de Crotona demonstrou o princípio de treino
chamado sobrecarga progressiva. A sobrecarga durante
os treinos é necessária para que os tecidos do corpo (ex.
osso, músculo, tendão) se adaptem e tolerem possíveis
tensões. No entanto, se o incremento na carga for muito
rápido, a capacidade do tecido para tolerar essa tensão é
excedida (ver ponto #1 acima), resultando em danos ou,
em casos graves, rutura do tecido. Embora existam vários
métodos de progressão das cargas de treino (ex.
aumento de 10% na carga a cada semana),
recentemente, descrevemos a taxa de carga de trabalho
crónica aguda (ACWR) como um método seguro e
sistemático de aumentar as cargas de treino (7 ). Os
resultados desta investigação (que foi replicada por mais
de 35 estudos diferentes e 11 desportos diferentes) (1)
demonstram que grandes “picos” (ou seja, aumentos
rápidos) na carga de treino aumentam o risco de lesões.
No entanto, aumentos menores na carga resultam num
risco de lesão consideravelmente menor.

Figura 2. Mílon de Crotona.

O que espera do seu atleta?

Construção de cargas de trabalho crónicas elevadas,


preparação para a parte mais exigente do jogo e para
cargas de trabalho que aumentam de forma sistemática e
segura são princípios simples, porém sólidos, de treino.
Quando os treinadores afirmam“Digam-me apenas o que
preciso saber!”, talvez a melhor resposta seja perguntar o
que esperam do seu atleta. O que pretendem que o atleta
alcance durante a competição? As respostas podem ser
amplas e variadas, mas geralmente incluem: “Quero que
estejam em forma!”,“Quero que lidem com o que quer
que seja que o jogo lhes apresente!”, e “Quero que
estejam disponíveis!”. Que treinador não quer que os
seus melhores jogadores estejam em forma, preparados e
prontos para a “batalha”? Seguir os 3 passos simples
descritos neste artigo fornece aos treinadores uma
grande oportunidade de alcançar este objetivo.

Pelo Professor Tim Gabbett e a equipa Gabbett


Performance Solutions
Tim Gabbett, consultor de alto rendimento. 20 anos de
experiência em ciências aplicadas ao desporto,
trabalhando com atletas e treinadores de diferentes tipos
de desporto.

Referências
1. Gabbett TJ. Debunking the myths about training load,
injury and performance: Empirical evidence, hot topics
and recommendations for practitioners. Br J Sports
Med 2018; na imprensa.
2. Foster C, Daines E, Hector L, et al. Athletic performance
in relation to training load. Wisc Med J 1996;95;370-374.
3. Aughey RJ, Elias GP, Esmaeili A, et al. Does the recent
internal load and strain on players affect match outcome
in elite Australian football? J Sci Med Sport 2016;19:182-
186.
4. Lazarus BH, Stewart AM, Hopkins WG, et al. Proposal of
a global training load measure predicting match
performance in elite sport. Front Physiol 2017; Nov
21;8:930. doi: 10.3389/fphys.2017.00930. eCollection.
5. Gabbett TJ, Gahan CW. Repeated high-intensity effort
activity in relation to tries scored and conceded during
rugby league match-play. Int J Sports Physiol
Perform 2016; na imprensa.
6. Gabbett TJ, Kennelly S, Sheehan J, et al. If overuse
injury is a “training load error” should undertraining be
viewed the same way? Br J Sports Med 2016;50:1017-
1018.
7. Gabbett TJ. The training—injury prevention paradox:
should athletes be training smarter and harder? Br J
Sports Med 2016;50:273-280.

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