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Espaço-tempo.

O apriorismo de Kant ou a
realidade quadridimensional de Einstein?

FERNANDO CÉSAR GREGORIO

Resumo: Afinal, é o espaço-tempo atributo do sujeito e não do mundo (da coisa-em-si), como
quer Kant na Crítica da Razão Pura, ou o que há é o paradoxo de Einstein, defendido e
comprovado na Teoria da Relatividade Geral, de que o espaço e tempo são realidades
ontológicas e, portanto, estrutura dos objetos? É a orientação psicológica kantiana
insoluvelmente contrária à realidade proposta pela física einsteiniana, ou poderiam designar
uma busca conceitualmente compatível?

Palavras-Chaves : espaço, tempo, Kant, estética transcendental, Einstein, relatividade.

Abstract: After all, is the space-time attributed to the subject and not to the world (the thing
itself), as Kant wants in the Critique of Pure Reason, or what there is is the paradox of
Einstein, defended and verified in the General Theory of Relativity, that space and time are
ontological realities and therefore structure of objects? Is Kant’s psychological orientation
inextricably against the reality proposed by Einstein’s physics or could lead to a conceptually
compatible research?

Key-words: space, time, Kant, esthetic transcendental, Einstein, relativity


1. O espaço e o tempo.

Nosso objetivo neste artigo é confrontar o conceito de espaço e tempo trazido pela
doutrina de Immanuel Kant, com aquele adotado pelo paradigma científico expresso na Teoria
da Relatividade de Albert Einstein. Os temas espaço e tempo foram, e são amplamente
discutidos pela filosofia e pelas ciências. Platão, Aristóteles, Descartes, Malembranche,
Newton, Leibniz, Kant, Fiche, Hegel, e Einstein, só para citar os mais conhecidos gênios da
história do ocidente que discutiram e formularam questões sobre a matéria.

Encontramos as primeiras determinações sobre o espaço em Platão, onde o espaço era


um gênero de ser, real, eterno, não destrutível, que constitui habitáculo das coisas criadas.

Para o influente pensamento de Aristóteles, conforme descreve Murilo Cardoso de


Castro (Castro, 2010), “o espaço enquanto receptáculo puro é um contínuo sem qualidades, é
um habitáculo e nada mais; não se encontra nem na terra nem no céu (inteligível)
de modo que não se pode dizer dele que existe”. Em Aristóteles, em seu livro IV da Física, o
espaço é concebido como “lugar”, podendo-se dizer que as coisas estão tanto no espaço como
no lugar. Aristóteles usa, para definição de lugar, portanto para espaço, o método dialético,
negando e afirmando ao mesmo tempo a substância ontológica de espaço.

As doutrinas modernas de espaço são demasiadamente abundantes e qualquer tentativa


de plena descrição seria insuficiente, porém as teorias Aristotélicas prevalecem em vários
autores.

Fig.1 - Espaço profundo


Fonte: meupapeldeparedegratis.ne
S. Sambursky (The Physical World of Late Antiquity [1962], pp. 2ss, apud Mora, 2001)
lembra que as principais concepções sobre o espaço depois de Aristóteles foram descritas por
Simplício (In phys. Comm.). Entre as concepções destacam-se duas. Uma é a de Teofrásto, que
propõe considerar o espaço não como uma realidade em si mesmo, mas como “algo” definido
mediante a posição e a ordem dos corpos. Essa concepção de espaço, comenta Sambursky, é
similar, se não idêntica à ideia relacional do espaço proposta por Leibniz. A outra é a de
Estratão de Lâmpsaco, que propõe considerar o espaço como realidade equivalente à
totalidade do corpo cósmico. O espaço é “algo” completamente vazio, mas sempre preenchido
com corpos (a ideia de Estratão de Lâmpsaco é a mesma que muitos platônicos). Essa
concepção de espaço é similar, se não idêntica, à ideia do espaço como um “absoluto”
proposta por Clark e, segundo a maior parte dos intérpretes, por Newton.

Para Isaac Newton (1642), o “espaço absoluto, por sua natureza, sem nenhuma relação
com algo externo, permanece sempre semelhante e imóvel.” (Newton, 1996, fl. 24)

Na Enciclopédia Larousse, temos:

Meio homogêneo e indefinido no qual estão situados os objetos sensíveis. —


Rigorosamente, distinguem-se as noções de espaço e de extensão:
o espaço tem três dimensões, a extensão tem duas; é uma superfície,
enquanto que o espaço é um volume. Leibniz e Kant consideraram o
espaço como uma "intuição" indivisível, enquanto que a extensão
corresponde a uma superfície material indefinidamente divisível. A noção de
espaço é então qualitativa, impossível de se compreender intelectualmente,
ao contrário da extensão, que é mensurável e se define exatamente pelas
relações dos objetos entre eles. (Larousse, apud Castro, 2010)

Filósofos e homens de ciência tendem cada vez mais a conceber o espaço como uma
espécie de “continente universal” dos corpos físicos. Segundo J. Ferrater Mora:

Este espaço tem várias propriedades, entre as quais se destacam as seguintes:


o fato de ser homogêneo (isto é, o fato de suas “partes” serem indiscerníveis
uma das outras do ponto de vista qualitativo); ser contínuo; ser ilimitado; ser
tridimensional; e ser homoloidal (propriedade segundo a qual uma figura
dada seja matriz de um número infinito de figuras em diferentes escalas, mas
assemelhando-se umas às outras). Essa ideia de espaço corresponde por um
lado ao modo como são concebidas as propriedades espaciais na geometria
euclidiana e por outro à concepção do espaço como infinito. (Mora, 2001, fl.
873).

Analisadas estas propostas sobre o espaço, e aqui não se tem nenhuma pretensão em
esgotar o assunto, vamos agora nos ater um pouco sobre o tempo, que continua sendo um
verdadeiro mistério para a humanidade e um tema muito debatido pelos teólogos, filósofos e
cientistas.

Mas, afinal, o que é o tempo? Esta definitivamente não é uma demanda tão simples. E
a mesma questão foi feita a Santo Agostinho, ao que ele respondeu: “se ninguém mo
perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei”.

Além das concepções dos pontos de vista metafísico, ontológico, histórico,


epistemológico, psicológico, físico e, às vezes chamados, pontos de vista “comum” ou
“intuitivo”, há ainda uma série de outras considerações investigadas.

Segundo J. Ferrater Mora (2001) os hebreus e os gregos criaram conceitos até certo
ponto diferentes. Os hebreus eram fundamentalmente temporais, destacavam o “passar”, já os
gregos cultuavam um significado mais atemporal, de “estar” (presença, agora). Os gregos
reconheceram o tempo através das revoluções dos corpos celestes, dia-noite, as diversas horas
do dia, concebendo um tempo como uma série linear e repetível em ciclos, e tal série linear
como um conjunto de presentes.

O aspecto do tempo cíclico é encontrado já na Antiguidade e esta característica é


encontrada também nas origens das ciências ocidentais. Este aspecto se deve à observação dos
inúmeros fenômenos naturais, com características cíclicas: marés, os dias sucedendo às noites,
as estações do ano, as revoluções dos astros, e assim sucessivamente. Os antigos inferiram
destas observações que a natureza evoluiria de forma cíclica, ou seja, a se repetir e, portanto,
o tempo também seria circular.
Fig.2 - Tempo
Fonte: stcsociedade.blogspot.com

Aristóteles falava que o tempo e o movimento se percebem juntos, por conseguinte, o


tempo tem de ser o movimento ou algo relacionado com o movimento, parecendo adiantar
séculos a visão espaço-tempo da Teoria da Relatividade, da qual trataremos mais adiante. Para
o estagirista, o tempo pode ser definido do seguinte modo: “O tempo é o número [a medida]
do movimento segundo o antes e o depois [o anterior e o posterior].” (Mora, 2001, p. 2835)

Em resumo, os antigos se dividiam em duas grandes correntes: os “absolutistas” que


entendiam o tempo como uma realidade em si mesma, ontológica, e os “relacionistas”, que
consideravam que o tempo não era uma realidade em si mesma, mas uma relação, embora em
ambas as correntes tendessem a considerar o tempo: contínuo, ilimitado, não isotrópico (isto
é, tem uma única direção e uma única dimensão), homogêneo e fluindo sempre do mesmo
modo sem que haja outros;” (Mora, 2001, p. 2837)

Para Newton, o tempo é absoluto e uniforme, existe independentemente da matéria e


do espaço, é uniforme, pois transcorre uniforme e de forma independente de qualquer
situação. Segundo os escritos do filho ilustre de Woolsthorpe: “o tempo absoluto, verdadeiro
e matemático flui sempre igual por si mesmo e por sua natureza, sem relação com nenhuma
coisa externa, chamando-se com outro nome ´duração`.” (Newton, 1996, p. 24)

A teoria clássica newtoniana deve seu grande sucesso por ser determinista, o que
significa afirmar que, conhecidas as condições físicas do sistema por ela descrito em um dado
instante, é possível conhecer exatamente o seu comportamento no futuro. (CEPA, 2012)
O filósofo da ciência Hans Reichenbach (1891) desenvolveu uma axiomática segundo
a qual o tempo e o espaço são particularidades de estrutura da ação causal dos fenômenos e,
entre outros autores, desenvolveu a tese de que o espaço-tempo é a matriz de toda realidade. É
o caso de Samuel Alexander, para quem não só o tempo e o espaço não são coisas indiferentes
aos processos reais, como também são o fundamento de tais processos, o que os engendra
realmente. (Mora, 2001)
2. Espaço e tempo em Kant

Immanuel Kant, nascido em Konisgberg (1724-1804), foi um filósofo prussiano,


muito envolvido com o pensamento da Física de sua época, geralmente considerado como o
último grande filósofo dos princípios da era moderna, indiscutivelmente um dos pensadores
mais influentes e pretendeu fazer o que chamou de “revolução copernicana” na filosofia,
através do deslocamento do objeto do epicentro da pesquisa para a órbita do sujeito, e que a
razão encontra na natureza aquilo que ela mesma coloca. Até então, tentava-se explicar o
conhecimento supondo que o sujeito deveria percorrer a órbita do objeto; invertendo os
papéis, Kant propõe que a partir de agora o objeto é que deveria orbitar o sujeito, em alusão à
revolução heliocentrista de Nicolau Copérnico (1473).

Segundo Silvio Dahmen(2005), Kant viveu em um século fortemente marcado pelo


progresso das ciências, em particular a mecânica de Newton. E são justamente a física de
Newton junto à matemática (mais precisamente a geometria de Euclides) que Kant
enfaticamente assevera terem já trilhado “o seguro caminho da ciência".

Fig.3 – Immanuel Kant


Fonte: analisefilosoficatextos.blogspot.com

A questão que envolvia Kant era a seguinte: se a Física e a Matemática são possíveis
enquanto ciência, porque não a metafísica?

Buscando esta formulação, Kant propôs que o nosso conhecimento se divide em dois
ramos, a saber: o conhecimento através dos sentidos e o conhecimento através do intelecto.
Em a Estética Transcendental, de sua grandiosa obra A Crítica da Razão Pura (1781), a
sensibilidade é chamada de estética (aísthesis = sensação), sendo a faculdade que temos de
receber as sensações e de intuição, como o conhecimento imediato dos objetos dado pela
sensibilidade. Assim, as “intuições puras” e a priori, ou “formas da sensibilidade” são
somente duas: o espaço e o tempo.

Da mesma forma que Aristóteles, Kant também utiliza o termo “lugar” (Ort), no
sentido de introduzir o conceito de lugar transcendental (transzendentaler Ort).

Este lugar transcendental é aquele ocupado por um conceito interior da sensibilidade


ou do entendimento puro. A determinação deste lugar compete à tópica transcendental. Diz
Kant:

“Geometria é uma ciência que determina sinteticamente e mesmo assim a


priori as propriedades do espaço. Que deve ser, pois, a representação do
espaço para que seja possível um tal conhecimento dele? O espaço tem que
ser originariamente intuição, já que de um simples conceito não se podem
extrair proposições que ultrapassem o conceito, coisa que acontece na
Geometria (Introdução, V). Mas esta intuição tem que ser encontrada em nós
a priori, isto é, antes de toda percepção de um objeto, portanto, tem que ser
intuição pura e não empírica.” (Kant, 1996, fl. 74)

Em seguida, o gênio de Konigsberg, conclui que o espaço de modo algum representa


uma propriedade de coisa em si, nem tampouco estes em suas relações recíprocas. O espaço,
acrescenta Kant, “não é senão a forma de todos os fenômenos dos sentidos externos, isto é, a
condição subjetiva da sensibilidade unicamente sob a qual nos é possível a intuição externa.”
(Kant, 1996, p.75).

Sem essa condição subjetiva humana, portanto, o espaço não significa nada.

Quanto ao tempo, Kant segue na mesma direção:

“O tempo não é senão um conceito empírico abstraído de qualquer


experiência. Com efeito, a simultaneidade ou a sucessão nem sequer se
apresentaria à percepção se a representação do tempo não estivesse a priori.
O tempo é uma representação necessária subjacente a todas as intuições.
Com respeito aos fenômenos em geral, não se pode suprimir o próprio
tempo, não obstante se possa do tempo muito bem subtrair os fenômenos. O
tempo é, portanto, dado a priori. Ele possui uma única dimensão: diversos
tempos não são simultâneos, mas sucessivos (assim como diversos espaços
não são sucessivos, mas simultâneos).” (Kant, 1996, p.77)

Em seguida, o filho ilustre de um humilde artesão prussiano conclui que o tempo não é
algo que subsista por si mesmo ou que adere às coisas como determinação objetiva. O tempo
seria nada mais que uma condição subjetiva, a forma do sentido interno, isto é, do intuir a nós
mesmos e a nosso estado interno. É condição formal a priori de todos os fenômenos em geral,
assim como o espaço é forma pura de intuição interna, estando limitado apenas a fenômenos
externos. (Kant, 1996)

Em sua obra Compreender Kant, Oliver Dekens afirma que o espaço e o tempo, como
formas puras da intuição a priori, vão permitir construir ciências puras como a matemática, e
a parte pura de ciência empírica como o a física. Não concernem em nada às coisas em si e,
por sua dimensão subjetiva, são elementos bem reais da construção do conhecimento.
(Dekens, 2008)

Em síntese, como diz José Renato Salatiel (1996), em primeiro lugar, em Kant o
conhecimento só é possível se os objetos da experiência forem dados no espaço e no tempo; e,
segundo, espaço e tempo são propriedades subjetivas, isto é, atributos do sujeito e não do
mundo (da coisa-em-si). E complementa que espaço e tempo preexistem como faculdades do
sujeito - e, portanto, são a priori e universais - quando eliminamos os objetos da experiência.
Por isso, segundo Kant, espaço e tempo são atributos do sujeito e condições de possibilidade
de qualquer experiência.
3. Espaço e tempo em Einstein

Vemo-nos agora, caro leitor, seguindo em outra direção.

É sabido que Albert Einstein teve um longo e intenso envolvimento com a filosofia e
com os filósofos da ciência de seu tempo, como Ernst Mach, Moritz Schlick, Hans
Reichenbach e Ernst Cassirer, o que marcou seu modo de fazer e suas descobertas em Física.

A Teoria da Relatividade é a denominação dada ao conjunto de duas teorias


científicas: a Relatividade Restrita (ou Especial) e a Relatividade Geral. A Relatividade veio
substituir os conceitos autônomos de espaço e tempo da Teoria de Newton pela ideia de
espaço-tempo como uma entidade geométrica unificada. O espaço-tempo na Relatividade
Especial consiste de uma variedade de quatro dimensões, três espaciais e uma temporal
(a quarta dimensão). É nessa teoria, também, que surge a ideia de velocidade da
luz invariante, independente da velocidade da fonte ou do observador e da relatividade do
tempo em função da referência do observador.

Pensando que o espaço não passa de uma “coisa”, torna-se plausível que esta coisa
seja distorcida e curvada de alguma maneira. Nesta teoria, Einstein propôs que, próximo a
corpos gravitacionais, como por exemplo, a Terra, a Lua ou uma estrela, o próprio espaço-
tempo torna-se distorcido pela força gravitacional gerada por este corpo. Ele é curvado de tal
forma que o trajeto natural seguido por todos os objetos é qualquer trajeto que observamos.
(Stannard, 2011)

Conforme nos explica o escritor e cientista George Matsas, na Teoria da Relatividade


Geral de 1915, proposta por Albert Einstein, o espaço-tempo nada mais é do que um conjunto
de pontos que obedecem a certas relações. Os pontos do espaço-tempo são
denominados eventos. Precisamos de quatro números para localizar um ponto no espaço-
tempo, o que significa uma estrutura matricial. Não é por acaso que quando marcamos um
encontro precisamos fixar, em geral, um conjunto com quatro informações: o logradouro, o
número, o andar, e o horário. Matematicamente isso é codificado dizendo-se que o espaço-
tempo possui quatro dimensões. A evolução de uma partícula pontual, por exemplo, será
representada por uma linha no espaço-tempo. Se a Relatividade Restrita de 1905 nos ensinou
que o espaço e o tempo estão interligados, a Relatividade Geral nos ensina que o espaço e o
tempo estão entrelaçados de maneira distinta em diferentes lugares (variação nas inclinações
dos cones de luz ponto a ponto) dependendo do campo gravitacional. (Matsas, 2005)

Fig.4 - Espaço-tempo Curvo


Fonte: cincoanosluz.blogspot.com

Segundo a Teoria Geral da Relatividade, os campos gravitacionais curvam a trajetória


da luz, e quanto mais intenso este campo gravitacional (ou seja, quanto maior a massa do
corpo), maior será a curvatura da luz, assim como acusado por um observador estático no
campo gravitacional. Igualmente, podemos entender a curvatura da luz como a curvatura do
espaço-tempo, entendendo o espaço-tempo como uma entidade física única.

Em síntese, completa Matsas:

“A regra básica é ‘muita energia nos arredores, curva muito o espaço-


tempo e vice versa’. Devemos pensar, a partir de agora, no espaço-tempo
como um tecido. E o entrelaçamento do espaço e tempo como a trama do
tecido. Se a trama do tecido, ou seja, o entrelaçamento do espaço-tempo
fosse idêntico em todos os eventos, não haveria gravitação. É o fato de a
trama ir variando ao longo do tecido que chamamos de gravitação."
(Matsas, 2005)

Deste modo, para a Relatividade Restrita e o Princípio de Equivalência a gravidade,


assim como o movimento, afeta intervalos de tempo e de espaço. Quanto maior a gravidade
em uma determinada região, maior será esse efeito, resultando em uma distorção do tempo e
do espaço nas proximidades de corpos massivos, como é o caso dos corpos celestes.

Conforme registra Renato Las Casas, o eclipse de 1919 ofereceria as condições ideais
para essa verificação da veracidade da curvatura do espaço-tempo submetido à gravidade,
quando o Sol eclipsado ficaria, visto da Terra, bem próximo a estrelas relativamente
brilhantes e poder-se-ia constatar a curvatura do espaço-tempo através do desvio da luz de
uma estrela ao passar próxima ao Sol, que deveria ser desviada, segundo Einstein, por 1,75
segundos de arco, desvio esse duas vezes maior que o previsto pela teoria de Newton.

Fig.5 - Curvatura da luz


Fonte: ciencia.hsw.uol.com.br

Foram organizadas duas expedições científicas, uma veio para Sobral (CE) e outra se
dirigiu para a Ilha do Príncipe, na África. Estes dois lugares foram indicados pelos
astrônomos como os melhores pontos de observação do fenômeno. Em Sobral as condições
meteorológicas foram muito melhores. Aqui foram obtidas sete boas imagens do fenômeno.
No início de novembro a Royal Astronomical Society anunciou que os resultados obtidos
confirmavam a teoria de Einstein. (Las Casas, 1999)
Seguidos experimentos e pesquisas científicas durante todo o século XX comprovaram
os termos da Teoria da Relatividade.
4. Conclusão

Estamos aqui e ao fim, diante de uma antinomia. São o espaço e o tempo, como quer
Kant, preexistentes como faculdades do sujeito - e, portanto, são a priori e universais -
quando eliminamos os objetos da experiência, ou o que ele denomina de uma forma de
intuição interna? Ou, conforme a Teoria da Relatividade Geral nos ensina, o espaço-tempo é
algo entrelaçado de maneira distinta em diferentes lugares, dependendo do campo
gravitacional e, portanto, é uma realidade quadridimensional subsistindo em si mesma? O
apriorismo de Kant ou a realidade quadridimensional de Einstein?

Na Estética Transcendental (§7. Esclarecimento), Kant antecipa as críticas à sua doutrina


já ocorridas em seu tempo. Uma das primeiras objeções dos seus opositores era a de que há
mudanças nos fenômenos externos e, portanto, o tempo é algo real. A isto Kant responde que,
em síntese, o tempo é algo real, a saber, a forma real da intuição interna, que requer a
experiência. A Física e a Matemática só são conhecimentos possíveis porque têm em suas
bases, duas formas a priori do conhecimento, o tempo e o espaço, garantindo assim não
apenas sua universalidade como sua necessidade.

Outra crítica que Kant direciona àqueles que afirmam a realidade absoluta e subsistente do
espaço e do tempo, aqui se incluindo os cientistas, é que estes “precisariam admitir dois não-
entes eternos infinitos subsistentes por si (espaço e tempo) que existem (mesmo sem serem
algo real) somente para abarcarem em si todo o real.” (Kant, 1996, p. 80)

Kant procurou superar as duas correntes filosóficas de seu tempo: de um lado o


racionalismo de Descartes e Leibniz, para quem a razão é a fonte de todo o conhecimento e o
conhecimento sensível (obtido pelos nossos sentidos através da experiência) é enganador; de
outro lado, o empirismo de Locke e Hume, para quem todo o conhecimento tem origem na
experiência.

Ao pretender transformar a metafísica em ciência, que achava ser possível aos moldes da
Física e da Matemática de sua época, Kant parece ter cometido um erro ao se apropriar dos
conceitos físicos newtonianos de espaço e tempo absolutos e transformá-los em estruturas da
sensibilidade do sujeito “conhecedor”.

No começo do séc. XX, dois filósofos e físicos, muito próximos a Einstein, já tomaram
parte desta discussão: Moritz Schlick (1882-1936) e Hans Reichenbach (1891-1953).
Teorias são livres invenções do pensamento, são livres construtos, mas devem se adaptar à
realidade à medida que nossa capacidade de experimentação for derrocando aquilo que era
tido como verdadeiro. A comprovação em 1919 da Teoria da Relatividade de Einstein e
inúmeras observações científicas comprobatórias póstumas, vêm trazer sérios problemas à
doutrina kantiana, trincando o alicerce da Estética Transcendental, primeiro mudando o
conceito de tempo para relativo e, depois, provando empiricamente que o espaço e o tempo,
ou melhor dizendo, o espaço-tempo é afetado pelo efeito gravitacional dos corpos massivos e,
portanto, entes externos ao sujeito.

O que diria Kant ao se deparar com a curvatura matricial do espaço-tempo? Poderia


continuar afirmando que são intuições a priori, agora curvadas pela energia gravitacional de
um corpo massivo externo ao sujeito? Se assim insistíssemos, estaríamos a incorrer no risco
de afirmar que a gravidade é a característica dos corpos massivos (Terra, Lua, planetas) em
poder curvar a intuição a priori do sujeito kantiano! E o que dizer da comprovação de 1962,
de que o tempo relativo corre mais lentamente quanto mais próximo ao centro da terra?

Outra questão que poderia ainda ser levantada é: o efeito gravitacional dos corpos sobre o
espaço-tempo não existiria no universo antes da existência do sujeito e sua “estrutura pura de
sensibilidade”?

Antes de 1915, o espaço e o tempo eram considerados como um palco fixo e imutável,
hoje, com a teoria geral da relatividade, espaço-tempo são quantidades dinâmicas, afetando a
forma como os corpos se movem e as forças atuam e, portanto, algo real e externo ao sujeito.
(Hawking, 1988)

Einstein é um realista e acredita na existência do mundo externo independentemente do


observador e afirmou que filosofias, como a de Kant, poderiam representar um perigo ao
avanço da ciência, ao retirar conceitos do campo empírico (como o espaço e o tempo) e
transformá-los em conceitos necessários, e registrou:

“Esta hipostatização de conceitos não é necessariamente desvantajosa


para a Ciência, mas pelo esquecimento da origem dos mesmos cria-se
facilmente a ilusão que eles devem ser vistos como necessários e, com isto,
imutáveis, o que pode vir a representar um sério perigo para o progresso da
Ciência.” (Einstein, apud Dahmem, 2006)
No domínio das ciências naturais, a investigação científica se vale da observação empírica
e experimental para compreender os fenômenos a partir do estudo de suas causas e efeitos.

Assim, 1919 parece ter abalado os alicerces da doutrina do conhecimento sensível e suas
formas a priori - a Estética Transcendental - e lançar nuvens de desconfiança sobre as demais
teorias kantianas, e talvez não fosse temerário dizer, também sobre a forma moral da
“essência do imperativo categórico” – deves porque deves - de mesmas bases proféticas.

Mas 1919 quem sabe tenha feito ainda mais pela filosofia, ao expor que os filósofos
também podem se comportar como simples devotos ao seguir e idolatrar um pregador
metafísico, e que talvez... talvez, seguimentos da filosofia aparentemente com retóricas bem
estruturadas, nada mais signifiquem que uma seita.
REFERÊNCIAS

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