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O hediondo crime cometido em Amarante, na quarta-feira passada, deixou o País de

boca aberta. Como poderá ter acontecido uma coisa daquelas e ainda por cima
numa pacata cidade do interior ?

Se calhar a interrogação não terá qualquer cabimento, uma vez que o fenómeno da
criminalidade violenta e do tipo da que se manifestou em Amarante já não é
exclusivo das grandes metrópoles urbanas, como Lisboa e Porto.

Exceptuando o caso de Leiria de há uns anos atrás em que um tresloucado


assassinou a sangue frio sete pessoas, a verdade é que ninguém esperaria que
num país de brandos costumes, como gostamos de nos classificar, acontecesse
aquilo que estamos habituados a ver na pátria do Sr. Clinton ou então em filmes.

Apesar do relatório da PSP, agora divulgado, revelar que a criminalidade diminuiu


em Portugal, entre 1995 e 1996, o certo é que a sensação com que se fica, e que é
generalizada, é que as coisas não serão bem aquilo que as estatísticas traduzem.

Se do ponto de vista quantitativo poderemos não colocar quaisquer reservas aos


números do relatório, haverá que investigar o que se passa do ponto de vista
qualitativo. Isto é, os crimes praticados apresentam novos perfis que podem motivar
preocupações bem mais sérias e de mais difícil resposta por parte das polícias de
investigação.

E por isso é que em casos ligados ao mundo da droga e da prostituição, haja crimes
de que se desconhecem os autores e outros que definitivamente são arquivados. É
que eu, sem ter certezas, quase que poderia garantir que este número tem
aumentado, em contraste com os números dos crimes consumados contra pessoas
e apresentados pela polícia.

E aqui reside a meu ver uma das razões que levam à dramatização e à insegurança
que, cada vez mais, a opinião pública manifesta.

O cidadão comum começa a ficar preocupado com a impotência da investigação


policial e pela consequente impunidade de criminosos profissionais. Como alguém
dizia, não existem crimes perfeitos, existem, isso sim, investigações mal feitas.

No caso da polícia portuguesa, que considero ser merecedora da confiança dos


portugueses, apesar de casos pontuais extremamente infelizes ocorridos com
algumas corporações, dizia eu que a nossa polícia se mais não descobre, não será
por incompetência dos seus efectivos, mas sim por falta de meios técnicos e de
efectivos disponíveis capazes de responder com eficácia à actuação cada vez mais
sofisticada do mundo do crime organizado.

A sociedade portuguesa estava pouco habituada a lidar com este novo tipo de
criminalidade, mais selectiva e violenta, associada, não raras vezes, a outros
fenómenos de marginalidade social e que ultimamente se têm desenvolvido de
forma quase exponencial : a droga e a prostituição. Por outro lado, o crime está hoje
extremamente mediatizado, o que representa uma dificuldade acrescida no plano do
combate e que pouco ou nada tem resolvido no capítulo da prevenção.

Não sei se a melhor forma de responder à violência organizada é pela via do


endurecimento da repressão. O que sei é que outras fórmulas mais "soft" de
actuação e que têm acolhimento entre criminologistas e que vão tendo consagração
legal, não têm dado quaisquer resultados. Daí que na falta de melhores respostas e
de um sistema de combate alternativo mais eficaz, eu continue a ser adepto da
solução que tradicionalmente é a mais aceite.

Não há muitos anos, assaltavam-se habitações na ausência dos residentes,


roubavam-se galinhas, aproveitavam-se os ajuntamentos para roubar carteiras ou
fios d’ ouro, matava-se por motivos passionais, por uma questão de divisão de
propriedades ou de águas e pouco mais. Ora isto hoje é história.

Os recentes casos do multi-banco, dos “skinheads”, de Sacavém, e agora de


Amarante, levam-nos a pensar que, se calhar, a procissão ainda vai no adro.

Ao comentar os números do citado relatório da PSP, o Ministro da Administração


Interna realçava um aspecto que me parece essencial. Nem se pode alinhar numa
visão catastrofista da situação, como é de recusar a visão optimista que os números
parecem traduzir.

É naturalmente uma posição prudente de um responsável governamental. Contudo


comporta um risco. Até que ponto a opinião pública entenderá, no caso concreto da
criminalidade, o meio termo ?

Dificilmente se compreenderá, por exemplo, que devido a uma greve de


funcionários judiciais, um traficante de droga apanhado pela polícia no fim-de-
semana tenha sido posto em liberdade porque não pôde ser apresentado ao juiz de
instrução criminal.
Que dizer da polícia que investiu na investigação e na captura e que de uma
penada vê o trabalho realizado pura e simplesmente destruído?

Que terão a dizer ao País os responsáveis governamentais ?

Acredito que as saídas que se apresentam sejam demasiado estreitas no que que
se refere ao combate ao crime, quando os criminosos levam avanço, em recursos
técnicos e materiais, sobre a polícia.

Poderei compreender que haja quem defenda soluções que apostem muito mais em
prevenção do que em repressão.

Como também compreendo que aqueles que só conhecem o fenómeno da


criminalidade pelas suas cosequências, e que é a generalidade dos portugueses,
possam organizar milícias populares, fazer linchamentos e pedir o restabelecimento
da pena de morte.

Por uma razão simples. É que ganha cada vez mais consistência a velha máxima
que diz que o crime compensa. E não haverá discurso político ou outro qualquer
que resista à evidência dos factos e ao clima de insegurança que, com mais ou
menos razões, se apoderou dos portugueses.

Tenho para mim que, enquanto houver um grave desfasamento entre o sentimento
popular de justiça e aquilo que está consagrado na lei e o que parece ser política e
socialmente correcto, o problema da criminalidade será uma questão irresolúvel.

O caso de Amarante é a todos os títulos extremamente grave e preocupante. Até


porque há muito sangue inocente à mistura. O crime terá a ver com o mundo
violento de um negócio com contornos muito obscuros. Mas, por favor, respeite-se a
memória de mulheres que pagaram bem caro uma vida que talvez nunca tenham
desejado. Respeitemos os órfãos e orfãs que deixaram neste mundo.

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