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Ignoro os motivos mais recônditos desse ódio às árvores do atual presidente militar e
seu desprezo pelos órgãos e pessoas que tentam protegê-las, mas creio que seus
assessores deveriam aconselhá-lo a conter o ódio e maneirar no desprezo, ao menos
em respeito ao pau-brasil, origem de nossa identidade definitiva e nosso primeiro
produto de exportação.
Millôr dizia, com razão, que “a ociosidade é a mãe de todos os vices”. O atual general
Mourão (o anterior, prenome Olímpio, vulgo “Vaca Fardada”, morreu no auge do
regime militar) não gosta de ficar desocupado, conversando com os botões de seu
pijama. Quando não tem o que fazer, nem sequer esquentar a cadeira presidencial e
sofrer bullying de Moe, Curly e Larry Bolsonaro, ele arruma um jeito de mostrar que
tem mais preparo que o seu superior hierárquico.
Mourão 2.0 estava em seu Estado natal, Rio Grande do Sul, quando, em agosto do ano
passado, semanas antes de ser solenemente mimoseado com um simbólico relho pelo
prefeito de Bagé, Divaldo Lara, posteriormente afastado do cargo por corrupção,
apresentou seu intelecto à nação, divagando sobre o nosso “cadinho cultural”. Não
causou boa impressão.
O general repetiu as mesmas bolorentas ideias a respeito da “indolência” dos índios e
a “malandragem” dos negros, recicladas das teses preconceituosas, algumas até
racistas, de Nina Rodrigues, Oliveira Vianna, Azevedo Amaral e outros intérpretes do
caráter nacional brasileiro, já devidamente repertoriadas e depreciadas por Dante
Moreira Leite, Carlos Guilherme Motta e outros estudiosos do assunto.
Por que não esperou mais 13 anos para celebrar, como é de praxe, uma data redonda,
os 500 anos das capitanias? Talvez porque o governo se sinta assaz necessitado de
pintar como tradicionais certas iniquidades do presente.
Gente rica e de confiança da Corte lusa presenteada com um latifúndio, para dele
tomar conta, consolidando o domínio lusitano em terras brasileiras, e desenvolvê-lo
economicamente, comercializando pau-brasil e açúcar –era esse o esquema das
capitanias. Seus donatários recebiam também amplos poderes de jurisdição, cobrança
de impostos e outros privilégios administrativos e fiscais. O sistema, mais arcaico que
moderno, já funcionava desde meados do século 14 nas ilhas atlânticas.
Na visão do general Mourão, com a criação das capitanias, “o País nascia pelo
empreendedorismo, que o faria um dos maiores do mundo”. Que eu saiba, o que
concretamente nasceu com as capitanias, estabelecidas e mantidas com violência e
práticas escravocratas e etnocidas, foram as nossas oligarquias rurais.
“Não deixa de ser coerente que esse governo ache isso bom, né?”, ironizou o professor
Krause. O mais irônico comentário sobre a aula de história do general saiu na coluna
de segunda-feira de Gregório Duvivier, na Folha de S.Paulo: “Platão escreveu sobre
militares que, escondidos num grotão, só têm acesso ao mundo através de uma fresta
de luz –o mito da caserna.”
Duvido que o presidente entenda a boutade sem uma explicação do vice – que, aliás,
também deveria estar lá para isso.
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