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Resumo
Antero de Quental, escritor, cidadão, filósofo, pensador oitocentista vive na
encruzilhada do seu tempo. A tragédia do fim do século português
encontra-se com a tragédia que marca a sua vida e se torna essencial para
compreender a sua obra e acção. A vida (e obra) de Antero é uma sucessão
contínua de chegadas e partidas, um recomeço constante, caracterizado,
como notou Oliveira Martins, por uma profunda e ambivalente
conflitualidade dialéctica entre o sentir trágico que experimenta e racionaliza
perante a impotência de não encontrar o que busca e o anseio renovado de
retomar o caminho.
Abstract
Antero of Quental, writer, citizen, philosopher, thinker from the nineteen
century lives in the crossroads of his time. The tragedy of the end of the
Portuguese century crosses with the tragedy which marks his life and it
becomes essential to understand his work and action. The life (and the work)
of Antero is a continuous succession of arrivals and departures, a constant
recommencement, characterized, as it inderlined Oliveira Martins, for a deep
and ambivalent dialectic conflict between the tragedy of not finding for what
it looks and the renewed wish of retaking the search of the justice.
2 A obra de Antero tal como uma árvore tem as suas folhas, tronco e raízes e são estas
que tornam a copa frondosa para que à sua sombra possam meditar os viajantes que
na sua viagem por ela passam, tantas vezes ocultos como as raízes por onde corre a
seiva da vida.
3 “A herança do passado” – escreve Antero – “é um legado que o homem não pode
Antero: o poeta-herói
Pensemos em Dédalo ou em Ícaro, no sonho de libertação do
labirinto e no aéreo voo de desafio a uma condição a que o
fechamento impõe limites. Em Antero, o voo libertador é plural.
4 “Se há pai, que estenda sobre nós o manto / Do amor piedoso que eu não sinto
frase, a maior revelação que jamais ouvirá o mundo – dentro do homem está Deus”
(Quental 1982: 201).
Maria João Seco / Alcino Pedrosa. “O sentido do trágico em Antero de Quental”.
Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 193-215 208
relacionando este “cá” com a sede de um “lá” que lhe complete a
alma, um “lá” que possa responder ao desespero da finitude, possa
responder à angústia da morte e dar sentido à vida no seu todo. A
procura será “vestida” com a roupagem de uma estética com que vai
ordenando o caos, mediante o acto criador: pensamento para o qual
convergem consciência, sentimento (sentimentos), intuições, e a que o
autor “empresta” uma linguagem que lhe/nos é mais próxima, a da
religiosidade, mobilizando-se em torno de conceitos e dúvidas,
angústias e perguntas que são universais, intemporais. Eis, também, o
tempo que se escoa – o tempo de que, como qualquer outro homem,
dispõe, o tempo em que tem plena consciência da morte, dos seus
limites terrenos, um tempo que é “via crucis” pelo absurdo de ser
para nada, o tempo em que “o mal é ter nascido”, o tempo acordado,
fora “do nada e do que ainda não existe” (Quental 1886: 18). Um
tempo inútil? Será, pelo menos, o tempo de “ser triste” (Quental 1886:
18), do desassossego, do calvário e da demanda de um Graal
idealizado, buscado por desejo até ao limite da força e da energia de
um humaníssimo e sentido pensar, em privação do Outro, atingível
por crença, mas reexaminado e tornado invisível pelo que sabe, ainda
assim urgência de espiritualidade, tempo saudoso do antes de ser,
não dividido. Pessoa não dirá menos do cansaço desta caminhada e
da tentação de desistência, de sono e paz:
Se eu um dia pudesse adquirir um rasgo tão grande de
expressão, que concentrasse toda a arte em mim, escreveria uma
apoteose do sono. Não sei de prazer maior, em toda a minha vida,
que poder dormir. O apagamento integral da vida e da alma, o
afastamento completo de tudo quanto é seres e gente, e noite sem
6“Sujeito pensante, aprendiz de talento, espécie de rosa dos ventos relativamente às
preocupações do meu tempo, eis o que sou" (Quental 1864: 3). Assim se define
Antero.
Maria João Seco / Alcino Pedrosa. “O sentido do trágico em Antero de Quental”.
Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 193-215 209
memória nem ilusão, o não ser passado nem futuro (Pessoa 1982:
338).
Bibliografia
Andresen, S. de Mello Breyner (1994). Musa. Lisboa: Caminho.
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