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Os Bwiti

Os Bwiti e o uso da Iboga

Tata Rumbe
Estudos de Tata Rumbe sobre os Bwiti

O ritual de iniciação no culto da tribo bantu Bwiti

O Culto Bwiti organizava-se na forma de sociedades secretas

masculinas, de carácter hermético e iniciático, com regras restritas de

sigilo , o que impede grandemente o acesso de elementos exteriores

ao conhecimento, ao seu simbolismo e ritualidade


O Ritual do Bwiti tem duas fases:

uma secreta, na floresta, e outra pública, na aldeia.

O ritual de iniciação tem lugar na floresta, longe da aldeia, sob uma árvore sagrada - Olumi.
Este local tem o nome de ndjimba e é aqui que tem também lugar as deliberações e as ciências
secretas. A entrada é sugerida por duas colunas.

Os iniciados começariam por ingerir Iboga (Tabernanthe iboga), planta sagrada, com
propriedades alucinógenas. Através desta droga, e durante cerca de cinco dias, os iniciados
fariam uma viagem misteriosa mística com o Bwiti (herói fundador), que lhes revelaria os
segredos.

Depois do ritual de Iniciação com o Iboga, um colirio, lbama, é aplicado, gota a gota, nos olhos
do bandji (iniciado). Este processo funciona como demonstração simbólica perante o resto do
grupo, da mudança de estatuto do iniciado, que passa de ignorante, a conhecedor. Com este
colírio, que "arde como pimenta", o iniciado é obrigado a olhar directamente para o sol. Este
procedimento simboliza o acesso à luz iniciática. Os iniciados podem a partir de então "olhar
para a luz profana sem temer a cegueira " Depois de passarem pelas várias etapas, dá-se o
ritual público do Bwiti.

E executada uma marcha noturna, onde todos os participantes procedem em fila, cantando e
segurando no ombro uma grande corda ou liana, figurando uma enorme serpente (remetendo
provavelmente à figura do Bwiti), à qual são agarradas tochas de resina.
A tradução do cântico é: A enorme serpente desce o rio, como o grande cabo que nós
desenrolamos" Segundo o Padre Alexandre, como consta nas suas notas, a construção de um
templo Bwiti, exigiria um sacrifício humano (de um parente ou de um membro da sociedade
que é depois consumido pelos participantes), porém não vimos confirmada esta asserção junto
das fontes.

O Bwiti através do ritual de iniciação, é uma religião de "revelação" (as limitações do homem
são ultrapassadas através do contato com o divino, e lhe é revelado a verdade transcendente)
Nesta perspectiva, o Bwiti, constitui uma escola onde os seus adeptos aprendem a conhecer a
natureza do Homem, o seu lugar no seio do cosmos, os mistérios da vida e do universo.
Através do ritual de iniciação, o Bwiti revela-se a cada um dos iniciados como experiência
espiritual. Os iniciados são denominados Poka Abandji, que significa "drogado pelo lboga".
Com a ingestão do lboga, há a tentativa não só de alcançar um estado transitório entre os
planos físico e cósmico, mas em última análise, mais do que comunicação, a participação e
integração na vida cósmica, objetivo principal e derradeiro do ritual Bwiti.

O lema dos iniciados, como consta no artigo citado: nós queremos ver !!!
Depois de fazer uma descrição formal do lboga, o Padre François-Xavier Breynaer, no seu
artigo "Hantise de L'au-dela 24, relata que no ritual de iniciação do Bwiti, esta substância é
ingerida aos poucos e em pequenas quantidades e o vômito provocado pelo amargume desta
raíz, é o símbolo da morte e do renascimento: "para ver o que está do outro lado, é necessário
depurarmo-nos de todas as impurezas e de todo o mal. Segundo os relatos do Padre
Breynaert, que manteve relações próximas com um responsável de uma casa Bwiti, no final
das suas conversas sobre religião, este homem diria sempre: Vocês cristãos rezam, mas você
não vê nada . Esta afirmação pode ter interpretações diversas: "ver" no sentido metafórico de
entender ou compreender, ou "ver" no sentido literal de ter acesso e experimentar a realidade
transcendente. Pode ainda significar que ver e compreender são a mesma coisa, sendo que
para os iniciados, esta ultima hipótese é a mais coerente e verdadeira

lboga e a experiência iniciática


"Na Igreja (Católica) falam de Deus, com lboga vive-se Deus"

A utilização de substâncias alucinógenas na religião é provavelmente mais antiga do que a sua


utilização para fins medicinais ou mágicos. A indução de estados alterados de consciência no
individuo é um instrumento ritual em muitos sistemas religiosos, ou funciona ainda como
alavanca no desenvolvimento de religiões já estabelecidas, ao longo da história da
humanidade.

lboga, família dos alcalóides, é um arbusto, de pequenas flores amarelas e frutos cor de laranja
ou até mesmo amarelo de forma oval. As suas raízes são usadas como alucinógeno. As raízes
são raspadas, secas e moídas até ficarem em pó. O seu sabor é muito amargo e quando
ingerida, a boca fica anestesiada. A planta lboga fica madura após 4 anos. O componente
activo mais relevante da raiz é o "indole alkaloid ibogaina".
Segundo as fontes estudadas, as suas propriedades teriam sido descobertas pelos pigmeus ao
terem observado que os javalis africanos, depois de comerem as suas raízes ficariam num
estado alterado, de violenta excitação.

O Iboga, considerado pelos pigmeus uma entidade sagrada, tem como principal personagem
mítica,uma mulher pigmeia, a quem os mortos dão a conhecer as propriedades desta planta
para que ela possa comunicar com eles em segredo, até que, por descuido, é revelada a
possibilidade de comunicação com os mortos a toda a comunidade. Como castigo pela quebra
do sigilo, os mortos teriam pedido Bandioku em sacrificio. Em sua memória teria sido
construída a primeira mbandja (templo onde está recolhido o Bwiti) com a lboga plantada em
seu redor. A construção de uma mbandja em memória de Bandioku, exigiria sempre o
sacrificio ritual de uma mulher.

Do ponto de vista iniciático, a importância do lboga reside no facto de ser o principal


instrumento, como meio de aproximação ao misticismo do Bwiti. É através do lboga que se
prepara o iniciado à mística interior proporcionando o seu percurso até ao estado de
desprendimento de si, para aceder ao conhecimento. O simbolismo do lboga é duplo: por um
lado, permite a morte da vida profana e um renascimento na vida iniciática e consequentes
mudanças no plano social, por outro, é o primeiro meio de aproximação e o laço com o plano
cósmico Mecanismo da percepção psico sensorial através da absorção do lboga:
o lboga funciona como catalizador, entre o plano terrestre e cósmico em que o iniciado em
estado de transe participa no mistério adquirindo a clarividencia num plano onde a realidade é
única .

O Padre Breynaert, num dos seus estudos acerca do ritual Bwiti interrogou um iniciado
recente, sobre a sua experiência, conseguiu apenas que este lhe relatasse, ter experimentado
uma grande felicidade, acrescentando: De qualquer forma, ele acrescentou, deve se viver. Isso
não pode ser dito. Ainda sobre o ritual Bwiti o padre fala, a abordagem é um pouco menos
imparcial. Começa por fazer uma descrição sobre o arbusto do lboga, sobre as suas
propriedades, e sobre a sua principal utilização, terminando o seu relato com: Perante isto não
vos escondo o medo que se sente em tocar essa planta..

Abade Mintsa continua a sua descrição até ao momento em que a influência da lboga deixa de
se fazer sentir e os Bandji (novos iniciados) regressam ao seu estado normal. Cada candidato é
então submetido a uma espécie de inquérito de admissão executado pelos anciãos: Você viu o
Bwiti? Como ele se mostrou para você? O que ele te contou?

Durante a fase de entorpecimento que segue à absorção do lboga, o Bwiti revela-se ao iniciado
sob as suas formas mais atemorizantes. Na sua viagem iniciática, o Bandji, têm uma visão
fantasmagórica, em que é conduzido, através de caminhos, até uma grande casa com uma
única entrada ou porta. Esse guia-fantasma abre a porta e introduz o iniciado numa vasta sala,
onde este vê desfilar uma longa fila de mortos estropiados e de odor infecto. O anfitrião desta
"casa dos mortos" assume uma figura assustadora apresentando-se a si próprio como o Bwiti.
As fontes documentais, apesar de revelarem interpretações diversas e por vezes pouco
precisas, sobre o culto e o objecto Bwiti, permitem assumir que o culto Bwiti é o fruto de duas
tradições espirituais, Tshogo e Pigmeia, que tem como base o culto aos antepassados, não
sofrendo ao longo do tempo transformações significativas quer de prática ou significado. O
objecto, relicário Bwiti, também ele obedece a um padrão formal inalterado, não sendo só
uma representação, mas a própria entidade de culto.

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