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CONSTELAÇÃO FAMILIAR E ESQUIZOFRENIA

ANTÔNIOS I. TEKZIS *

A psicologia do g r u p o familiar é um movimento psicológico, uma inovação


terapêutica e o esboço de teoria p r ó p r i a d a p a t o g ê n e s e familiar que inclui em
seu domínio diversos r a m o s como: psicanálise, cibernética, teoria geral dos
sistemas, sociologia, a n t r o p o l o g i a e v á r i a s teorias s o b r e formação da perso-
nalidade. Apesar da fragmentação evidente d a s diversas a p r o x i m a ç õ e s teóricas,
d u a s correntes parecem haver favorecido o desenvolvimento da psicologia do
g r u p o familiar: a primeira, a t r a v é s da evolução do p e n s a m e n t o psicanalítico;
a segunda, a t r a v é s do desenvolvimento da sociologia e da antropologia. Os
e s t u d o s psicanalíticos s o b r e a família foram precedentes aos t r a b a l h o s socio-
lógicos. E s t e s a b r i r a m novo horizonte n ã o somente à s técnicas t e r a p ê u t i c a s
mas, também, à de m a n e i r a mais a p r o f u n d a d a de compreender a s hipóteses
s o b r e o desenvolvimento mental do homem e o papel d a família em relação
à d e t e r m i n a d a s doenças mentais.

O papel da família foi percebido principalmente nos a n o s de 1940 a 1950,


devido à freqüência de t r a ç o s patológicos nos p a i s de pacientes mentais. Nesse
sentido, estudos realizados sobre pacientes mentais e seus familiares pareciam
p r o c u r a r caminhos coerentes em relação à etiologia de d e t e r m i n a d a entidade
psicopatológica. A maioria desses t r a b a l h o s p r o c u r a v a descrever o funciona-
mento intrafamiliar e os fatores específicos que, dentro do ambiente, dificultam
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o desenvolvimento mental da p e s s o a . Em geral, o funcionamento intrafamiliar
é descrito mediante dois modelos diferentes dos quais cabe d a r diretrizes gerais.
Um deles é o modelo t r a n s g e r a c i o n a l que descreve a s relações dinâmicas d a s
g e r a ç õ e s a n t e r i o r e s do paciente. P o r exemplo, sustenta-se que a esquizofrenia
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é processo que requer t r ê s ou mais g e r a ç õ e s p a r a se d e s e n v o l v e r . O material
clínico c o r r e s p o n d e n t e ao conceito t r a n s g e r a c i o n a l c h a m a a a t e n ç ã o acerca do
fracasso comum d e s s a s famílias p a r a m a n t e r os limites essenciais entre a s
g e r a ç õ e s sucessivas. O s e g u n d o modelo de funcionamento intrafamiliar é o
transacional, que descreve a s relações dinâmicas entre os m e m b r o s d a família.
E s t u d o s ilustram os princípios dinâmicos que r e g e m a s relações entre paciente
e seu ambiente familiar em especial.

O estudo s o b r e desvios maritais se orienta em g r a n d e p a r t e a dois tipos


de famílias p a t o g ê n i c a s : à família em que domina uma figura central patoló-
gica (o pai ou a m ã e ) ; à família em que o pai ou a mãe escolhem p a r a si um
filho e se aliam c o n t r a o o u t r o cônjuge E s s e s pais, modelos imperfeitos p a r a
identificação e p a r a o objeto primário de amor p a r a com a criança, constituem
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modelos e s t r a n h o s de relacionamentos i n t e r p e s s o a i s . D a mesma forma, os
conceitos p s e u d o - m u t u a l i d a d e e pseudo-hostilidade explicam como a família se
comporta, como se n a d a funcionasse mal ou e r r a d o frente a p r o b l e m a s mais
terríveis. Nesse sentido, o importante è estar s e m p r e de acordo q u a n t o ao que
se está de a c o r d o ; um desacordo s o b r e o conteúdo da m e n s a g e m indica, n e s s a s
famílias, a possibilidade de r o t u r a na relação. P o r é m , a s p a l a v r a s n ã o têm um
sentido informativo mas, sim, valor relacional que permite à pessoa continuar
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a viver no seio de s u a f a m í l i a . N e s s e tipo de comunicação, a identidade
individual é sacrificada pelo mito da identidade coletiva, sentida como um

* Professor Titular do Departamento de Pós-Graduação em Psicologia Clínica,


Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP).
bloqueio solidário e não diferenciado, em que o filho se comporta e funciona
como se ele e a família fossem uma unidade qs.
De fato, a atenção concentra-se cada vez mais na interação dos pacientes
com os membros de s u a s famílias, com especial concentração à comunicação.
A palavra dos pais passou a ser o centro dos principais t r a b a l h o s nos E s t a d o s
Unidos. A escola de Palo Alto (Califórnia) preocupa-se apenas com as comu-
nicações recebidas e emitidas pelo indivíduo. P o r t a n t o , todos os problemas
serão colocados em termos de comunicações (teoria d o s sistemas) — o nexo
patológico na esquizofrenia é explicado pela hipótese do duplo-vínculo. A teoria
do duplo-vínculo t r a t a de mensagem que possui uma contradição entre seus
dois níveis: o nível mais superficial, informativo, que implica numa proibição,
e o nível mais profundo, não-verbal, da intercomunicação, que inverte essa
proibição. Finalmente, o receptor é incapaz de fazer comentários acerca das
m e n s a g e n s que estão sendo transmitidas, porque se encontra aprisionado, numa
posição em que não pode g a n h a r e da qual não pode sair por se encontrar
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entre m e n s a g e n s o p o s t a s . O ponto essencial desse termo é o fato d a s famílias
se interatuarem de tal forma que colocam o filho em situação difícil — em que
atue ou não atue, sempre se equivocará. P o r t a n t o , o filho não pode comentar,
esclarecer ou questionar as contradições. O filho comporta-se e funciona como
se ele e a família fossem um sistema único.
R e a g r u p a n d o essas teorias — duplo-vínculo, pseudo-mutualidade, desvios
maritais, transgeracional — fragmentárias que reúnem uma série de observações
clínicas, tem-se a impressão de que o s diferentes a u t o r e s têm percebido a
mesma g a m a de fenômenos no g r u p o familiar do paciente, enquanto c a d a um
deles utiliza linguagem distinta. N o t a m o s nesses estudos que a família do
esquizofrênico não proporciona aos filhos modelos de papéis apropriados. Em
geral, impedem que o filho alcance identidade própria e liberdade de pensa-
mento. A criança é mantida em u m a rede de comunicações sem t r o c a s v e r d a -
deiras e sem possibilidade de identificação, com as imagens p a r e n t a i s mal
delineadas e indiscerníveis. Ainda, esses a c h a d o s familiares podem ser asso-
ciados ao q u a d r o clínico dos pacientes esquizofrênicos: a baixa auto-estima
no paciente parece estar relacionada com seu papel histórico como o membro
de família débil, dependente 7,8. o fenômeno de baixa auto-estima está rela-
cionado com a pobre identidade e sentido de si mesmo e que resulta da sua
própria família. As perturbações de percepção, pensamento e atenção, reco-
nhecidas como características de muitos pacientes esquizofrênicos, são, de
acordo com os relatos, de comunicação confusa e irracional do grupo familiar 16.
A intensa ambivalência notada em muitos pacientes esquizofrênicos pode ser
entendida como expressão a b e r t a de a m b a s a s partes, d a s expectativas contra-
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ditórias que têm experimentado com seus f a m i l i a r e s .

Finalmente, é importante considerar p a r a a finalidade deste t r a b a l h o não


somente a dinâmica interacional, m a s t a m b é m certas variáveis familiares obje-
tivas, que são passíveis até de quantificação, como por exemplo: a ordem de
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nascimento dos f i l h o s ; o t a m a n h o da f a m í l i a ; o sexo do irmão que o
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sucede e a diferença de idade entre e l e s ; a idade dos pais quando o filho
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nasceu; o s motivos determinantes da d e s a g r e g a ç ã o f a m i l i a r ; o nível socio-
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económico e cultural da f a m í l i a . H á o u t r a s variáveis relacionadas a o tema,
como o fato de ser o filho menino ou menina, fato esse que pode afetar
profundamente o relacionamento entre os pais. Às vezes é um menino que é
desejado por a m b o s ; o u t r a s vezes o pai deseja uma menina e a mãe um menino
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ou v i c e - v e r s a . Ainda, s ã o possíveis situações em que irmãos, do mesmo
sexo ou de sexo diferente, entram em rivalidade u n s com o s outros. A apre-
ciação de c a d a um desses casos torna-se, pois, consideravelmente difícil. Tal
é, por exemplo, a situação de uma menina entre vários irmãos ou vice-versa.

Especificamente o que interessa neste t r a b a l h o é investigar os tópicos se-


guintes: qual o nível sócio-econômico e cultural familiar numa população bra¬
sileira de esquizofrênicos; qual o t a m a n h o d a prole desses pacientes; qual o
sexo do irmão que precede o paciente na ordem de nascimento; qual o papel
de s e g u r a n ç a física e e m o c i o n a l q u e o s f a m i l i a r e s t r a n s m i t i r a m a o e s q u i z o -
frênico.

CASUÍSTICA E METODOLOGIA

Foram levantadas informações sobre 404 pacientes diagnosticados como esquizofrê-


nicos, hospitalizados em 5 hospitais psiquiátricos da área metropolitana de São Paulo:
201 homens e 203 mulheres, na maioria internados pelo sistema previdenciário. A
seleção dos pacientes que integram a amostra foi feita após estudo do exame psiquiá-
trico realizado pela equipe profissional do hospital.
Para a coleta dos dados foram seguidos três passos: (a) consulta ao prontuário
do paciente, visando à confirmação do diagnóstico definitivo da esquizofrenia; (b)
entrevista clínica dirigida, com o paciente, feita com o objetivo de s e obter dados
pessoais e familiares; (c) contato com a família do paciente, através da qual se
obtivesse confirmação daqueles dados fornecidos pelo próprio paciente, para garantir
maior fidedignidade d e s s e s dados. Como grupo d e controle, escolhemos a população
geral (IBGE) da qual os pacientes são provenientes (5).

RESULTADOS

A maioria dos pacientes internados (85,74%) provinha de uma família de baixo


nível sócio-econômico e cultural (denominamos baixo nível sócio-econômico-cultural
fatores como: falta de recursos humanos básicos; maioria dos pacientes sem escolari-
dade; condições habitacionais menos propícias; instabilidade de trabalho e rendas
familiares e individuais baixas). O número médio de filhos por mulher, entre as
mães dos pacientes, foi bastante elevado: 6,60%, sendo 6,43% para as proles às
quais pertenciam os pacientes do s e x o masculino e 6,76% para as proles às quais
pertenciam os pacientes do s e x o feminino, enquanto o valor médio d e filhos por
mulher na população geral era 4,65%, conforme o Censo Demográfico de 1980 para
o Estado de São Paulo («). Procurou-se averiguar o sexo do irmão que precede o
paciente na ordem de nascimento; essa variável parece raramente investigada; verifi-
camos que o irmão que o precede é do sexo oposto (em 50,8% dos casos masculinos
e em 63% dos femininos). A maioria das famílias de pacientes esquizofrênicos era
desorganizada (55%); quanto à idade d o s pacientes, quando s e deu a desagregação
familiar, verificou-se que a maioria tinha entre zero e três anos de idade (chamamos
desagregação familiar os motivos determinantes, como: separação consensual, morte
de um dos pais, doença mental, abandono do lar temporariamente, ocupação do pai
ou da mãe exercida em outro Estado ou país por muitos anos). A relação com seus
pais tem sido insatisfatória em 86,6% dos pacientes masculinos e 93,3% dos casos
femininos (chamamos relação insatisfatória aquela que por motivos de carências —
alimentar e afetiva, instabilidade ou traços patológicos, o grupo familiar não tinha
condições de satisfazer as necessidades psicossociais básicas).

COMENTARIOS

O s pacientes esquizofrênicos estudados emergiram de famílias m a r c a d a s por


d e s a g r e g a ç ã o e p r o v ê m de nível s ó c i o - e c o n ô m i c o - c u l t u r a l baixo. Provavelmente,
a situação de p o b r e z a em que vivem e a ignorância sobre o controle de nata-
lidade expliquem a tendência a terem grandes proles (6,60 filhos).

Supomos, pelo conjunto dos dados, que essas famílias não preencheram as
necessidades básicas (psicobiológicas) da criança, nem coerentemente transmi-
tiram os meios ou instrumentos culturais p a r a o paciente no período da infância.
Entre a extensa literatura concernente à família, d e s t a c a - s e a crescente e cons-
t a n t e evidência de que a natureza dos cuidados p r o p o r c i o n a d o s pelos pais aos
filhos, d u r a n t e sua primeira infância, é de fundamental significação no futuro
de sua s a ú d e mental S.ÍS.

De certa forma, os resultados do presente estudo encontram respaldo nas


teorias relacionadas à etiologia da esquizofrenia, que enfatizam a importância
do funcionamento intrafamiliar e a caracterología individual de cada um dos
integrantes do grupo familiar 2,3,7,8,14,16. Assim, entende-se que estudos sobre
a estrutura do grupo familiar são indispensáveis no campo terapêutico. Espe-
cialmente estudos retrospectivos que possam ilustrar como era o meio familiar
de um esquizofrênico e as manifestações psicopatológicas de seus integrantes.

RESUMO

O presente t r a b a l h o tem como propósito estudar o g r a u de associação


entre variáveis familiares e a esquizofrenia. P a r a o objetivo proposto, foram
observados 404 pacientes esquizofrênicos (201 do sexo masculino e 203 do sexo
feminino), que estavam internados em 5 hospitais psiquiátricos d a á r e a metro-
politana de São Paulo. A maioria dos pacientes provinha de u m a família de
baixo nível sócio-econômico-cultural. O número médio de filhos por mulher,
entre as m ã e s dos pacientes, foi b a s t a n t e elevado, 6,60, enquanto esse valor
médio era 4,65 na população geral. Havia d e s a g r e g a ç ã o familiar em 5 5 % dos
casos estudados. Quanto à idade dos pacientes q u a n d o se deu a d e s a g r e g a ç ã o
familiar, verificou-se que a maioria tinha entre zero e três anos.

SUMMARY

Family constelation and schizophrenia.

T h e purpose of the present study is to investigate the association between


certain family characteristics and schizophrenia. In o r d e r to examine the pro-
posal, 404 schizophrenic pacients (201 males and 203 females) from 5 psychiatric
hospitals situated in the g r e a t metropolilan area of São P a u l o were observed.
T h e majority of the pacients came from families very poor (85.74%). Over
half the patients came from families of 4 to 8 siblings, and the a v e r a g e number
of children per mother in those families w a s significantly higher (6.60) in
comparison with the average figure for the population in general (4.65).
R e g a r d i n g the family disruption in a b o u t 5 5 % of the cases this factor w a s
present. As to the a g e of the patients at the family breakup, the majority of
the subjects studied ranged from 0 to 3 y e a r s of age.

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Depto. de Pós-Graduação em Psicologia Clinica, Pontifícia Universidade Católica de


Campinas — Caixa Postal 317 - 13100 - Campinas, SP - Brasil.

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