ESCOLA DA MAGISTRATURA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
-EMERJ-
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PARA A
CARREIRA DA MAGISTRATURA
PROGRAMA DO CURSO
CPV C 2 2019 – TÉCNICA DE SENTENÇA
As aulas do módulo serão ministradas nas seguintes datas: 22/8, 23/9 e
21/10.
SESSÃO IV: Dia 23/9/2019 - 20h 10min às 22h
Prof.ª Dra. Katylene Collyer Pires de Figueiredo
TEMA: Direito Civil. Direito de Família. União estável homoafetiva pós-
morte.
CASO CONCRETO:
Carla ajuizou ação de reconhecimento de união estável homoafetiva
pós-morte contra o espólio de Priscila, representado por seus pais, Rodrigo João e Cristina, alegando que conviveu com a de cujus em união estável afetiva pública, contínua e duradoura, desde setembro de 1998 até o falecimento de Priscila, ocorrido em janeiro de 2017. Carla narra que o relacionamento era notório, do conhecimento de todos, inclusive de Rodrigo João e de Cristina, uma vez que moraram juntas durante todo esse tempo. Portanto, naturalmente, criaram juntas um patrimônio em comum. Narra a autora que, apesar de toda a história de respeito e carinho que teve com Priscila, os pais da de cujus jamais aceitaram a relação entre as duas e que, após terem agido de forma preconceituosa em muitas situações, decidiram romper definitivamente os laços afetivos com a autora e com a filha, deixando-a de lado mesmo quando esta adoeceu. Apesar disso, a autora sustenta que, após a morte de Priscila, Rodrigo João e Cristina foram à residência da autora, no intuito de pegar os bens móveis que guarnecem a casa, mas não conseguiram entrar. Na ocasião, os pais de Priscila gritavam, para todos os vizinhos ouvirem, que a autora estava furtando os bens de sua filha. Imediatamente após esses fatos, a autora teve de registrar uma ocorrência policial. Pelos motivos expostos, Carla pede a procedência do pedido de reconhecimento de união estável com Priscila, pelo período de setembro de 1998 até janeiro de 2017, e a declaração de seu direito a cinquenta por cento sobre os bens adquiridos onerosamente durante a convivência do casal. Carla pede, ainda, a condenação em custas e honorários advocatícios. Em contestação, o réu nega que Carla e Priscila mantinham uma relação homoafetiva, principalmente pelo fato de Priscila já ter se relacionado com outros homens. Além disso, narra que a Priscila tinha condição financeira bem superior à da autora, o que faz crer que os móveis não foram por esta adquiridos. Aduz o réu que não é possível o reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo, na medida em que tal entendimento iria de encontro à Constituição Federal, a qual estabelece, no art. 226, §3º, que "é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento". Entende o réu que o mencionado dispositivo deve receber interpretação literal, pois, caso contrário, a vontade de todo o povo brasileiro, representada pela Constituinte, seria desrespeitada; ademais, é importante considerar que não há decisão em sentido contrário de tribunal superior que possa vincular juízes de primeira instância. Dessa forma, o espólio de Priscila pede a total improcedência do pedido, além de condenação da autora em custas e honorários. Em audiência, as testemunhas confirmaram que Carla e Priscila moravam juntas, que construíram benfeitorias na casa alugada em que moravam, que elas andavam nas ruas de mãos dadas, que aparentemente tinham um relacionamento homoafetivo e que não sabem de existência de companheiros ou namorados das duas. Nas alegações finais, a parte autora alega que é flagrante a relação entre esta e a falecida, tanto assim que ela foi admitida pelo Município do Rio de Janeiro como dependentebeneficiária da falecida, além de ter recebido pensão por morte. A autora cita os depoimentos das testemunhas, que diz corroborar a existência da relação entre ambas, e reitera a procedência do pedido como medida de justiça. O réu apresentou alegações finais, reforçando a negativa de vida em comum como companheiras e a impossibilidade de haver família formada por pessoas do mesmo sexo, uma vez que duas mulheres ou dois homens não podem gerar filhos, de forma que até a adoção desse naipe é questionada por profissionais. O réu afirma, ainda, que, além de atentar contra os bons costumes, esse tipo de relacionamento serve de péssimo exemplo aos filhos das famílias tradicionais brasileiras, logo não deve receber guarida em sede judicial. Autos em conclusão. Elabore a sentença. Não há necessidade de relatório.