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ISSN 2177-9139

XX EREMAT-Encontro Regional de Estudantes de Matemática da Região Sul Fundação Universidade


Federal do Pampa (UNIPAMPA), Bagé/RS, Brasil. 13-16 nov.2014.

FUNCIONAIS LINEARES: ESPAÇO DUAL E ANULADORES

Eduardo de Souza Böer - eduardoboer04@gmail.com


Universidade Federal de Santa Maria, Campus Camobi, 97105-900-Santa Maria, RS, Brasil
Saradia Sturza Della Flora - saradia.flora@ufsm.br
Universidade Federal de Santa Maria Campus Camobi, 97105-900-Santa Maria, RS, Brasil

Resumo: Neste trabalho, estudamos uma classe especial de transformações lineares, que
são os funcionais lineares. Após defini-los e exemplificá-los, tratamos a respeito da noção
de espaço dual e provamos alguns resultados. Por fim, trabalhamos com a noção de anu-
ladores e algumas aplicações deste conceito na solução de sistemas lineares homogêneos.

Palavras-chave: Funcionais Lineares; Espaço Dual; Anuladores.

1 INTRODUÇÃO

Os conceitos estudados e as ferramentas desenvolvidas na Álgebra Linear ocupam


papéis de destaque nas diferentes áreas da matemática, dentre as quais podemos ci-
tar a Análise Real e as Equações Diferenciais, além de serem importantes em inúmeras
aplicações em modelagem, desde o estudo da genética humana até a Teoria do Caos.
O interesse no estudo dos funcionais lineares deve-se ao fato de, por exemplo, represen-
tarem uma importante ferramenta no estudo de espaços vetoriais de dimensão finita. Além
disso, este conceito desempenha um papel importante nas discussões sobre subespaços ve-
toriais e sistemas de equações lineares homogêneos.
Neste trabalho são apresentados alguns resultados estudados a partir de uma pesquisa
cientı́fica desenvolvida pelos autores, baseada em Hoffman & Kunze (1971) e Ulhoa &
Lourenço (2013). Inicialmente, definiremos e exemplificaremos funcionais lineares, pois
estes são a base de todo o trabalho. Em seguida, será apresentada a noção de espaço dual
e alguns resultados a cerca deste. Na parte final, faremos uso da noção de anuladores
para a resolução de sistemas lineares homogêneos.

2 OBJETIVOS

O presente trabalho tem por objetivo central apresentar os resultados iniciais estu-
dados pelos autores durante o projeto de pesquisa que desenvolvem. Serão apresentados
resultados a respeito de espaço dual e anuladores. Em contra ponto, alguns teoremas
relativos a transformações lineares, que serão utilizados em algumas demonstrações, serão
apenas mencionados e podem ser encontrados nos anexos.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

No que segue, F denotará um corpo e V um espaço vetorial sobre F .


Iniciaremos definindo funcionais lineares que serão nosso principal objeto de estudo.

Definição 1: Seja V um espaço vetorial sobre um corpo F . Uma aplicação


f : V → F , é chamada de funcional linear em V se
f (cv1 + v2 ) = cf (v1 ) + f (v2 ),

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para todo v1 , v2 ∈ V e c ∈ F .

Note que um funcional linear é uma transformação linear de V sobre F , ambos vistos
como F -espaços vetoriais.
Vejamos alguns exemplos.
Exemplos:
1) Sejam F um corpo e a1 , a2 , ..., an ∈ F . Consideremos a função f : F n → F dada por
f (x1 , x2 , ..., xn ) = a1 x1 + a2 x2 + ... + an xn .
Note que f é um funcional linear em F n . Mais ainda, todo funcional linear em
F n é dessa forma. De fato, considere {e1 , e2 , ..., en } a base canônica de F n . Definindo
aj = f (ej ), para j = 1, ..., n temos:
!
Pn Pn Pn
f (x1 , x2 , ..., xn ) = f xj ej = xj f (ej ) = aj x j .
j=1 j=1 j=1

2) Seja [a, b] um intervalo real fechado e C([a, b]) o espaço de todas as funções reais
contı́nuas em [a, b]. Considere L : C([a, b]) → R dada por
Rb
L(g) = g(t)dt,
a
para toda g ∈ C([a, b]).
Utilizando as propriedades da integral definida, temos que L define um funcional linear
em C([a, b]).

Agora, seja V um F -espaço vetorial e considere L(V, F ) o conjunto de todos os funci-


onais lineares em V . Observe que L(V, F ) é um F -espaço vetorial cuja estrutura é dada
por:
(f + g)(v) = f (v) + g(v)
(cf )(v) = cf (v)
para todo f, g ∈ L(V, F ), v ∈ V e c ∈ F .
O F -espaço vetorial L(V, F ) é chamado de espaço dual de V e é denotado por V ∗ .
É importante observar que, se V for um espaço vetorial de dimensão finita, então
dimV = dimV ∗ . De fato, utilizando o Teorema II (anexo), obtemos
dimV ∗ = dimV · dimF = dimV · 1 = dimV .
O nosso próximo objetivo é encontrar uma base para o espaço V ∗ . Consideremos
β = {v1 , v2 , ..., vn } uma base de V . De acordo com o Teorema I (anexo), para cada
i = 1, ..., n temos que existe um único funcional linear fi em V , tal que fi (vj ) = δij .
Dessa forma, a partir de β obtemos um conjunto de n funcionais lineares, em V ,
distintos {f1 , ..., fn }. Mostremos que este conjunto é linearmente independente (L.I.). De
fato, considere
f = c1 f1 + ... + cn fn
Aplicando em vj , obtemos
f (vj ) = c1 f1 (vj ) + ... + cn fn (vj ) = c1 δ1 + ... + ci δi + ... + cn δn = cj
Desta forma, se f for o funcional nulo, então f (vj ) = 0 para todo j = 1, ..., n, donde segue
que cj = 0 para todo j = 1, ..., n. Como dimV ∗ = n segue, pelo Teorema III (anexo), que
β ∗ = {f1 , ..., fn } é uma base de V ∗ . Esta é chamada base dual de β.

Teorema 1: Sejam V um F -espaço vetorial de dimensão finita e β = {v1 , ..., vn } uma


base de V . Então, existe uma única base dual β ∗ = {f1 , ..., fn } de V ∗ tal que fi (vj ) = δij .
Além disso, para cada vetor v ∈ V , temos

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n
X
v= fi (v)vi (1)
i=1

e, para cada funcional linear f ∈ V ∗ , temos que


n
X
f= f (vj )fi (2)
i=1

Demonstração: Vimos que existe uma única base dual β ∗ = {f1 , f2 , ..., fn } de β. Resta
mostrarmos as igualdades Eq.(1) e Eq.(2). Seja f ∈ V ∗ . Pelos cálculos anteriores temos
que f (vj ) = cj . Assim, tomando v ∈ V , temos
Pn
v= ai v i .
i=1
Aplicando fj , obtemos
n
P n
P
fj (v) = ai fj (vi ) = ai δij = aj .
i=1 i=1
Logo, segue a Eq.(1) . Agora tomando f ∈ V ∗ , podemos escrevê-lo
n
P
f= ci f i
i=1
Aplicando em vj , temos
n
P n
P
f (vj ) = ci fi (vj ) = ci δij = cj ,
i=1 i=1
donde segue a Eq.(2). E, com isto, está demonstrado o teorema. 
Note que que fi atribui a cada v ∈ V sua i-ésima coordenada na base β. Por isso, fi
é chamada de função coordenada.
Vejamos um exemplo de como obtermos a base do espaço a partir da base dual.

Exemplo: Seja V o espaço vetorial das funções polinomiais de R em R com grau


menor ou igual a 2. Consideremos a1 , a2 e a3 números reais distintos e, definimos Li (p) =
p(ai ), i = 1, 2, 3. Então, L1 , L2 e L3 ∈ V ∗ . Mostremos que {L1 , L2 , L3 } é L.I. De fato,
considere L = c1 L1 + c2 L2 + c3 L3 . Se L(p) = 0 para todo p ∈ V , então, em particular,
aplicando L nas funções polinomiais 1, x, x2 , obtemos
 c1 + c2 + c3 = 0
a1 c 1 + a2 c 2 + a3 c 3 = 0
 2
a1 c1 + a22 c2 + a23 c3 = 0
Como o determinante da matriz dos coeficiente é não-nulo, pois a1 , a2 , a3 são distintos,
segue que c1 = c2 = c3 = 0.
Portanto, β ∗ = {L1 , L2 , L3 } é L.I. e, dessa forma, β ∗ é base de V ∗ . Agora, encontremos
a base β da respectiva dual β ∗ . Tal base β = {p1 , p2 , p3 } deve satisfazer Li (pj ) = pi (tj ) =
δij . Portanto, basta tomarmos:
(x − a2 )(x − a3 ) (x − a1 )(x − a3 ) (x − a1 )(x − a2 )
p1 (x) = ; p2 (x) = ; p3 (x) = .
(a1 − a2 )(a1 − a3 ) (a2 − a1 )(a2 − a3 ) (a3 − a1 )(a3 − a2 )
Esta base é interessante, pois de acordo com Eq.(1) temos que para cada p ∈ V ,
p = p(a1 )p1 + p(a2 )p2 + p(a3 )p3 . Assim, se os escalares b1 , b2 , b3 ∈ R, existe uma única
função polinomial, sobre R, com grau máximo 2 e que satisfaz p(ai ) = bi , i = 1, 2, 3.
Tal função polinomial é p = b1 p1 + b2 p2 + b3 p3 . Note que esta é uma função polinomial
bem conhecida, pois se estendermos de tal modo que i = 1, 2, ..., n temos a fórmula de
interpolação de Lagrange.

Definição 2: Seja V um F -espaço vetorial e S um subconjunto de V . O anulador


de S, S 0 ,é definido como sendo
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S 0 = {f ∈ V ∗ ; f (v) = 0, para todo v ∈ V }.


Note que S é um subespaço de V ∗ , enquanto que S pode ser apenas um conjunto de V .
0

Teorema 2: Sejam V um F -espaço vetorial de dimensão finita e W um subespaço de


V . Então,
dimW + dimW 0 = dimV
Demonstração: Sejam n = dimW e α = {v1 , ..., vn } uma base de W . Seja m = dimV
e tome vn+1 , ..., vm ,vetores em V , tais que β = {v1 , ..., vn , ..., vm } é base de V . Considere,
ainda, β ∗ = {f1 , ..., fm } a base de V ∗ que é a dual de β. Mostremos que γ = {fn+1 , ..., fm }
é a base do anulador W 0 . Observe que, fi ∈ W 0 , pois
fi (vj ) = δij = 0 ,
se i ≥ n + 1 e j ≤ n, ou seja, fi (v) = 0, para todo v ∈ W . Os funcionais {fn+1 , ..., fm }
são L.I., então resta mostrar que geram W 0 .
Seja f ∈ V ∗ . Daı́, pelo Teorema 1,
Pm
f= f (vi )fi .
i=1
Então, se f ∈ W 0 temos que f (vi ) = 0 para todo i ≤ n, e
m
P
f= f (vi )fi .
n+1
Assim, mostramos que se dimW = n e dimV = m, então dimW 0 = m − n. 

Observe que, pelo Teorema do Núcleo e da Imagem, dimNf = dimV − 1, onde Nf é


o núcleo de um funcional linear f em V ∗ . Assim, se dimV = n, então dimNf = n − 1.

Definição 3: Em um espaço de dimensão finita, um subespaço de dimensão n − 1 é


chamado de hiperespaço, hiperplano ou subespaço de co-dimensão 1, deste espaço.

Corolário 1: Se W é um subespaço de dimensão n de um espaço vetorial V , de


dimensão m, então W é a intersecção dos (m − n) hiperespaços em V .

Demonstração: A demonstração deste corolário segue do Teorema 2. Pela demons-


tração acima, note que W é o conjunto de vetores v ∈ V , tais que fi (v) = 0, i = n+1, ..., m,
m
T
ou seja, W = Nfi . Como cada núcleo é um hiperespaço, segue o corolário.
i=n+1 
Vejamos, agora, um exemplo de aplicação da noção de anuladores na resolução de
sistemas lineares homogêneos.

Exemplo: Considere o seguinte sistema linear:



 x1 + 2x2 + 2x3 + x4 = 0
2x2 + x4 = 0
−2x1 − 4x3 + 3x4 = 0

Definindo os seguintes funcionais lineares em R4 :



 f1 (x1 , x2 , x3 , x4 ) = x1 + 2x2 + 2x3 + x4
f2 (x1 , x2 , x3 , x4 ) = 2x2 + x4
f3 (x1 , x2 , x3 , x4 ) = −2x1 − 4x3 + 3x4

temos que o espaço solução do sistema dado acima é o subespaço anulado por este espaço
de funcionais lineares. Podemos encontrá-lo, explicitamente, escalonando a seguinte ma-
triz:
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 
1 2 2 1
 0 2 0 1 ,
−2 0 −4 3
donde, temos  
1 0 2 0
 0 1 0 0 .
0 0 0 1
Portanto, os funcionais lineares

 g1 (x1 , x2 , x3 , x4 ) = x1 + 2x3
g2 (x1 , x2 , x3 , x4 ) = x2
g3 (x1 , x2 , x3 , x4 ) = x4

geram o mesmo subespaço em (R4 )∗ e anulam o mesmo subespaço de R4 que f1 , f2 , f3 . O


subespaço anulado por g1 , g2 , g3 consiste dos vetores v, onde

 x1 + 2x3 = 0 
x1 = −2x3
x2 = 0 ⇒
x2 = x4 = 0
x4 = 0

Logo, v = (−2x3 , 0, x3 , 0).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao término deste trabalho, foi possı́vel constatar a relevância dos resultados apre-
sentados. Por exemplo, as discussões a cerca de espaços vetoriais de dimensão finita
tornam-se mais claras utilizando a noção de espaço dual. Além disso, no que diz respeito
a solução de sistemas lineares homogêneos é interessante estuda-los sob o ponto de vista
dos anuladores.

ANEXOS

Teorema I: Sejam V um F -espaço vetorial de dimensão finita e {v1 , ..., vn } uma


base ordenada de V . Sejam W um F -espaço vetorial e u1 , ..., un vetores em W . Então,
existe exatamente uma transformação linear T de V em W tal que T (vj ) = uj , para todo
j = 1, 2, ...n.

Teorema II: Sejam V um F -espaço vetorial de dimensão n e W um F -espaço vetorial


de dimensão m. Então, o espaço L(V, W ) tem dimensão finita e sua dimensão é igual a
dimV · dimW = n · m.

Teorema III: Seja V um F -espaço vetorial de dimensão n. Então, qualquer conjunto


com n vetores linearmente independentes gera V .

REFERENCIAS

HOFFMAN, K.; KUNZE, R. Linear Algebra. New Jersey: Prentice-Hall Inc., 1971.

ULHOA,F.; LOURENÇO, M. L.Um Curso de Álgebra Linear. São Paulo: Editora


da Universidade de São Paulo, 2013.

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