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Introducao A Geometria Diferencial - Rui PDF
Introducao A Geometria Diferencial - Rui PDF
Rui Albuquerque
O presente trabalho pretende fazer uma apresentação breve e o mais consistente possı́vel, das
ideias, conceitos e instrumentos que hoje em dia se utilizam e fazem progredir o estudo da
geometria. Mais especı́ficamente, do ramo que é hoje conhecido por geometria diferencial.
Pensamos, naturalmente, que o estudo da geometria não se pode circunscrever a nenhuma
teoria única ou tratado global e final, e que tambem neste campo da criação humana e
conhecimento cientı́ficos as ideias fluem de forma diversa e têm de ser, e são, aprendidas de
muitas maneiras. Tanto da parte dos que ensinam como daquela dos que aprendem.
Sem dúvida, a geometria diferencial joga um papel excepcional, mesmo na matemática
toda se tal se pudesse considerar, porque afinal ela conjuga muitas e variadı́ssimas das
matérias da álgebra e da análise. Aparece nas soluções de problemas de várias variáveis reais
ou complexas, tratadas como espaços geométricos de dimensão qualquer, ou nos problemas
de variáveis discretas, tratadas como abstracções das anteriores (referimo-nos às variedades
algébricas); informa-nos sobre as propriedades intrı́nsecas da morfologia do espaço e suas
medidas. Esse é precisamente o caso do globo terrestre como o nome “geo+metria”indica.
A geometria diferencial obriga a profunda reflexão sobre os conceitos e leva-nos á formulação
de novas ideias e teorias, à descoberta de estruturas geométricas antes não imaginadas ou
sequer procuradas. E finalmente remete-nos para o puro gozo da busca da demonstração
ou para o recolhimento na procura da mais sincera construção estética ou da abstracção
intelectual.
Numa interpretação livre e pessoal da influência da matemática sobre tudo o que ao
homem diz respeito, a geometria mostra-nos de forma clarividente a força de uma teoria,
o poder das ideias consolidadas pelo pensamento e indústria humanos na descoberta e
explicação da realidade que nos rodeia ou como utensı́lio para a transformar; porque tem
de facto uma correspondência com a Natureza. Por exemplo, quando falamos da “esfera
de dimensão quatro”podemos não saber para o que servem os resultados a que chegamos,
ainda que estes nos permitam de imediato intuir novos caminhos a perseguir dentro da
matemática. Mas um fı́sico teórico poderá utilizar qualquer dos nossos teoremas para
explicar uma experiência que ocorra num “espaço-tempo com condições de curvatura nula
na fronteira”e que ele “compactifica”naquela esfera (ver [Ati79]). A realidade encarrega-se
de mostrar que ambos tinham razão, Fı́sicos e Matemáticos, mas cada um nos seus domı́nios
e com os seus critérios de verdade — assim se tem verificado através da história, de forma
iii
iv
mais preponderante desde que Newton e Leibniz descobriram o cálculo diferencial e com
que benefı́cios! Reafirmamos pois, com confiança num futuro sempre inteligı́vel e sempre
mais humano, que a geometria diferencial consolida a nossa certeza nos valores do ensino,
da ciência e da arte, como instrumentos para a elevação da cultura de cada um e melhoria
da condição e liberdade de todos.
Este livro tem por primeiro objectivo o ensino. Em particular uma apresentação da
geometria diferencial moderna aos alunos dos cursos de matemáticas aplicadas da Universi-
dade de Évora, que esperamos cativar para o prosseguimento do estudo no curso do quarto
ano “Análise em Variedades”.
Tem tambem o objectivo de dar um contributo, ou afirmar a necessidade de, elevar o
grau de conhecimento da geometria e o esforço da sua divulgação em Portugal e entre os
estudantes que não abdicam de estudar em português.
Aparte tudo o que já se disse de subjectivo, importa estar avisado que os resultados que
se apresentam são fruto de aturada e persistente busca dos seus autores, pelo que poderão
ser compreendidos sempre melhor se o estudante os acompanhar com incentivo, desejo,
abnegação e muita vontade crı́tica.
Conteúdo
Introdução 3
1 Material preparatório 5
1.1 Álgebra linear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.1.1 Espaços vectoriais e aplicações lineares . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.1.2 Construção de espaços vectoriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.2 Topologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.2.1 Espaços topológicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.2.2 Aplicações contı́nuas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
1.2.3 Topologias produto e quociente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.3 Espaços métricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
1.3.1 Noções principais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
1.3.2 Espaços métricos completos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
1.4 Mais conceitos da topologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
1.4.1 Duas questões sobre conexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
1.4.2 Várias propriedades definidas localmente . . . . . . . . . . . . . . . . 25
1.4.3 Espaços paracompactos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
1.5 Cálculo diferencial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
1.5.1 Propriedades fundamentais das funções diferenciáveis . . . . . . . . . 30
1.5.2 Funções de Rn em R . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
1.5.3 Funções de matrizes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
1.6 Teoremas da função inversa e da função implı́cita . . . . . . . . . . . . . . . 44
2 Variedades diferenciáveis 53
2.1 Definições e exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
2.1.1 Definição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
2.1.2 Exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
2.1.3 Propriedades topológicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
2.2 Espaço tangente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
2.2.1 Definição e propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
2.2.2 Funções suaves com valores reais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
1
2
3 Aplicações clássicas 93
3.1 Grupos de Lie e álgebras de Lie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
3.2 Acções de grupos de Lie em variedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
3.2.1 Variedades homogéneas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
3.2.2 Variedades quociente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
3.3 Variedades orientáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112
3.3.1 Orientação de um espaço vectorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112
3.3.2 Orientação de uma variedade diferenciável . . . . . . . . . . . . . . . 113
3.4 Introdução à geometria riemanniana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116
3.4.1 Espaços com produto interno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116
3.4.2 Variedades riemannianas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120
3.5 Breve referência ao estudo das curvas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122
3.5.1 Definições gerais em variedades riemannianas . . . . . . . . . . . . . 122
3.5.2 Estudo local das curvas em R3 ; a curvatura . . . . . . . . . . . . . . 123
3.5.3 Fórmulas de Frenet-Serret . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126
Bibliografia 127
Introdução
3
4 Introdução
para os estudantes do terceiro ano. Note-se que a matéria central deste livro é precisamente
o estudo das variedades. A nossa introdução permite fazer construções como a garrafa de
Klein que não são de descrição fácil como subvariedades do espaço euclideano.
Tambem a introdução do espaço tangente se pensa ser a mais conveniente. Vamos do
global, ao local e finalmente ao pontual. Consideramos que o que faz a diferença em geo-
metria são as questões globais, e com isto julgamos estar mais próximos tanto de uma das
perspectivas originais da teoria (aquela de matemáticos como H. Weyl na Alemanha e E.
Cartan e A. Weyl em Françanos anos 20 do século passado) como das que fizeram escola
durante grande parte do século XX e ainda vigoram (as de H. Cartan, Grothendieck, M.
Atiyah). As questões locais podem sempre ser vistas como questões da análise e necessitam
de especial atenção no estudo da geometria riemanniana. Esta geometria, já agora convem
explicar, centra-se no estudo das variedades munidas de uma métrica, i.e. medida de com-
primento de vectores e ângulos, que se admite poder ser variável de espaço tangente para
espaço tangente. Este estudo antecede cronológicamente o das variedades, tendo surgido
com C. F. Gauss e B. Riemann. Mostrou a sua grandeza nos finais do século XIX com ma-
temáticos como T. Levi-Civita, Bianchi e Ricci e provou a sua importância, entre outras,
com a teoria da Relatividade de Einstein que provou a existência de curvatura no espaço-
tempo (R4 ). Talvez o leitor reconheça a referência aos exemplos clássicos de curvatura 0, 1
e −1, respectivamente, no plano, na esfera e ponto-de-sela. Nos dois últimos trata-se de
exemplos de geometrias não euclideanas em dimensão dois.
Note-se que a ideia de variedade provem de conceitos fı́sicos bem reais. Mas se a va-
riedade por vezes tem uma existência real concreta, o mesmo não se passa com o espaço
tangente, que sendo uma abstracção ‘um passo acima’, pode ser considerada de diversas
maneiras consoante o gosto do professor ou a necessidade do investigador. Ou seja, o espaço
tangente tem de ser construı́do pelo matemático que estuda variedades; ele não surge de
forma natural. Assim considerando, o que procurámos fazer no capı́tulo 2 deste livro foi
que essa construção fosse tanto o menos penosa possı́vel e a mais fácil de intuir para o
leitor, como aquela que permitisse fazer as demonstrações dos resultados seguintes com o
indispensável rigor que se reserva para a matemática.
Capı́tulo 1
Material preparatório
λ1 v1 + . . . + λj vj = 0, (1.2)
5
6 Capı́tulo 1. Material preparatório
isto é, tais que o vector nulo seja combinação linear dos v1 , . . . , vj com algum λi 6= 0. Caso
contrário aqueles vectores dizem-se linearmente dependentes.
Uma famı́lia minimal geradora de V chama-se uma base de V . Os vectores de uma base
são portanto linearmente independentes. Se uma base existe e forem em número finito os
seus elementos, dizemos que V tem dimensão finita; senão V tem dimensão infinita.
Se V tem dimensão finita, então quaisquer duas bases têm o mesmo número de elementos
(a demonstração deste facto não é nada imediata); número esse designado por dimensão
de V ou, abreviando, dim V .
Sejam V, W dois espaços vectoriais. Podemos então definir, formalmente, a soma di-
recta
© ª
V ⊕ W = v + w : v ∈ V, w ∈ W . (1.6)
que não é mais que o produto cartesiano V × W . Convem-nos porém utilizar a notação
aditiva, pelo que se atribui o nome de soma directa àquele conjunto, munido da operação
+
(v1 + w1 ) + (v2 + w2 ) = v1 + v2 + w1 + w2 , (1.7)
onde v1 + v2 está em V e w1 + w2 está em W , e da operação produto por escalar
É fácil verificar que a soma directa de V e W é um novo espaço vectorial sobre K, cuja
dimensão é finita e igual à soma das dimensões de V e de W se estas forem finitas. V
introduz-se de forma unı́voca e linear na soma directa, e esta projecta-se de novo em V
também de modo linear. Claro que V ⊕ W ' W ⊕ V .
(v + F ) + (u + F ) = (v + u) + F, λ(u + F ) = λu + F. (1.10)
Sejam V, W dois espaços vectoriais, f : V → W uma aplicação linear. Tem-se então que
© ª
ker f = v ∈ V : f (v) = 0 (1.12)
é um subespaço vectorial de W .
Teorema 1.1.1 (do isomorfismo). Nas condições anteriores, suponhamos ainda V, W de
dimensão finita. Existe então um isomorfismo
Donde, a cada escolha de um par de bases temos uma e uma só matriz associada à aplicação
linear dada. Em suma, se fixarmos uma base teremos um isomorfismo V ' Kn ; se fixarmos
também uma base de W teremos um isomorfismo L(V, W ) ' L(Kn , Km ) ' Mn×m (K), o
espaço das matrizes n por m e coeficientes em K.
Contudo, para os fins da geometria diferencial, o estudo de Kn e das matrizes não se
pode identificar com o estudo dos espaços vectoriais e aplicações lineares.
Exercı́cios
2
Aqui temos um exemplo de uma sucessão exacta
0 −→ F −→ V −→ V /F −→ 0,
ou seja, cada flecha tem imagem igual ao núcleo da flecha seguinte (e 0 designa o espaço vectorial nulo {0}).
Este diagrama remete-nos para outro, análogo, que surge com a soma directa. Mas repare-se que não existe
forma canónica de escrever V = F ⊕ V /F ...
1.2 Topologia 9
2. Mostre que Kn não é corpo, para n ≥ 2 e com produto definido pelo produto compo-
nente a componente em K.
3. Seja f : V → W uma aplicação linear entre dois espaços vectoriais sobre K. Seja
e1 , . . . , en uma base de V . Prove que f é um monomorfismo se, e só se, os vectores
f (e1 ), . . . , f (en ) são linearmente independentes; e que f é um epimorfismo se, e só se,
os vectores f (e1 ), . . . , f (en ) geram W .
5. Seja V um espaço vectorial de dimensão n e seja p < n. Mostre que qualquer sistema
de p vectores linearmente independentes se pode extender a uma base de V .
1.2 Topologia
As noções principais da teoria dos espaços topológicos dominam a geometria diferencial. A
generalidade com que queremos abordar este campo da matemática, obriga-nos não só a
recordar as noções principais como a conhecer algumas das suas mais fortes consequências.
∅, X ∈ A,
se {Uα } é uma famı́lia qualquer de elementos de A, então ∪α Uα ∈ A, (1.16)
e se U1 , . . . , Um são m (finito) elementos de A, então ∩m
i=1 Ui ∈ A.
10 Capı́tulo 1. Material preparatório
Dadas duas topologias A1 e A2 de X dizemos que A1 é mais fina que A2 , ou que esta
é menos fina que a primeira, se A1 ⊇ A2 . Note-se que a topologia mais fina é a que tem
mais abertos. Portanto, PX é a mais fina e a topologia caótica é a menos fina de todas.
Teorema 1.2.1. Para qualquer conjunto B de partes de um conjunto X existe uma topologia
em X com a propriedade de ser a menos fina que contém B.
É fácil mostrar que a topologia gerada por B coincide com a original. Estas duas últimas
asserções provam que uma topologia em X fica bem determinada se conhecermos um sis-
tema fundamental de vizinhanças de cada um dos seus pontos, isto é, um sistema Bx
3
Denotamos uma famı́lia qualquer por { }α , não nos interessando especificar onde é que os ı́ndices estão a
variar: por isso é que dizemos famı́lia e não conjunto. Se essa famı́lia for numerável, usamos então a notação
{ }n∈N .
1.2 Topologia 11
Demonstração. É fácil verificar que as condições (i) e (ii) são necessárias. Para ver que são
suficientes basta ver que B é a base de alguma topologia. Consideramos, mesmo, aquela em
que os abertos são as uniões de conjuntos de B. Isto é uma topologia porque ∅ é a união
vazia; porque se tem (i); porque a união de uma famı́lia de uniões de elementos de B é uma
união de elementos de B; e finalmente porque, se Ui = ∪α Vi,α , i = 1, 2, Vi,α ∈ B, então
[ [
U1 ∩ U2 = V3,α,α0 , (1.18)
α,α0 x∈V1,α ∩V2,α0
onde os V3,α,α0 são dados por (ii), o que prova que qualquer intersecção finita de abertos é
um aberto. ¤
Um espaço topológico que admite uma base numerável4 (diz-se que satisfaz o segundo
axioma da enumerabilidade) conterá necessariamente um subconjunto denso. Um espaço
topológico contendo um conjunto numerável e denso chama-se separável.
Proposição 1.2.2 (Lindelöf). Suponhamos que X tem uma base enumerável. Então de
qualquer cobertura aberta de X pode-se extrair uma subcobertura enumerável.
Demonstração. Seja {Oα } uma cobertura aberta e seja {Un } uma base numerável. Seja
x ∈ X. Como este ponto está nalgum dos abertos Oα , existe então algum Un,x tal que
x ∈ Un,x ⊂ Oα . A totalidade desses Un,x é ainda numerável e cobre X. A cada n associamos
agora um dos Oα que contêm Un,x , formando assim uma subcobertura da cobertura de X
inicial. ¤
Mostra-se, com efeito, que tais restrições induzem uma estrutura de espaço topológico em
Y.
Uma topologia diz-se de Hausdorff se quaisquer dois pontos têm vizinhanças disjuntas5 .
Um subespaço de um espaço topológico de Hausdorff é um espaço topológico de Hausdorff,
como é imediato verificar.
Demonstração. Já vimos que Y também é Hausdorff. Supondo agora que {Vα } é uma
cobertura aberta de Y , tem-se que para cada α existe Uα aberto em X tal que Vα = Y ∩ Uα .
Então aqueles abertos de X juntamente com o aberto X\Y formam uma cobertura aberta
de X, donde, por hipótese, se pode extrair uma subcobertura finita. Voltando a intersectar
os elementos desta subcobertura com Y obtemos o resultado procurado. ¤
5
Também se pode dizer que a topologia é separada.
1.2 Topologia 13
Proposição 1.2.5. Uma função f : X → Y é contı́nua em X se, e só se, a imagem inversa
de qualquer aberto em Y é aberta em X.
Uma vez que o conjunto f −1 (Y \A) é composto de elementos de X que têm imagem
em Y e não em A, ou seja, é igual a f −1 (Y )\f −1 (A), qualquer que seja o subconjunto A,
também podemos enunciar a proposição anterior dizendo que f é contı́nua em X se, e só se,
a imagem inversa de um fechado em Y é fechada em X. Supondo dadas funções contı́nuas
g : Y → Z e f : X → Y , vê-se logo, pela proposição, que g ◦ f : X → Z é uma função
contı́nua. Outra propriedade notável é a que segue.
Com a conhecida topologia da recta real gerada pelos intervalos abertos, temos o im-
portante resultado seguinte generalizando outro de Weierstrass:
Y −→ X × Y
(1.20)
y 7−→ (x, y)
Ux × Y ⊂ Wαx1 ∪ . . . ∪ Wαxk .
x
Agora, a famı́lia dos Ux forma uma cobertura aberta de X, pelo que podemos extraı́r uma
subcobertura finita Ux1 , . . . , Uxl . Daqui resulta que a famı́lia finita {Wαxj }, j = 1, . . . , l, i =
i
1, . . . , kx , forma uma subcobertura de X × Y , como querı́amos. Deixamos como exercı́cio a
demonstração de que, se X, Y são conexos, então o produto cartesiano é conexo. ¤
Exercı́cios
1. Seja B a base de uma topologia A. Mostre que a topologia gerada por B coincide
com A.
4. Seja f : X → Y uma aplicação entre dois espaços topológicos. Seja B uma base de Y .
Prove que f é contı́nua se, e só se, f −1 (U ) é aberto qualquer que seja U ∈ B.
10. Seja f : X → Y uma função entre dois espaços topológicos. Seja a ∈ X. Dizemos
que b é o limite de f em a, e escrevemos limx→a f (x) = b, se qualquer que seja a
vizinhança V de b existe uma vizinhança U de a tal que f (U ) ⊂ V . Mostre que f é
contı́nua em a se, e só se, limx→a f (x) = f (a).
11. Defina o limite de sucessões num espaço topológico. Mostre que num espaço de Haus-
dorff o limite, quando existe, é único.
14. Demonstre que se X, Y são conexos então X × Y é conexo. Mostre que X, Y têm base
numerável de abertos se, e só se, X × Y tem base numerável de abertos.
15. Seja f : X → Y × Z. Verifique que f é contı́nua se, e só se, são contı́nuas as suas
componentes em Y e em Z. Mostre que a função de R2 em R = R ∪ ∞ = S 1 (!)
definida por f (s, t) = |s/t| se t 6= 0 e f (s, 0) = ∞ não é contı́nua embora o sejam cada
uma das funções s 7→ f (s, t) e t 7→ f (s, t) (quando se consideram, respectivamente, t
e s fixos).
17. Os dois ‘sólidos’ da figura 1.1 serão homeomorfos? Imagine agora que eles se moldam
como se de uma matéria plástica se tratasse. Mostre que os dois sólidos se podem
transformar um no outro.
1.3 Espaços métricos 17
19. Sabendo que os intervalos |a, b| de R são conexos (o sı́mbolo | denota ‘aberto’ ou
‘fechado’), mostre que os intervalos |a1 , b1 | × · · · × |an , bn | de Rn são conexos. O
mesmo para as intersecções de intervalos deste tipo. E ainda para os complementares
de um intervalo noutro, se n > 1.
Demonstração. Para a primeira parte basta-nos ver que as bolas formam uma base, já que
elas já foram definidas em função dos pontos de X. Vamos aplicar a proposição 1.2.1,
conferindo (i) e (ii) daquele resultado. Ora, tem-se X = ∪x∈X B(x, 1). E, se x ∈ B(a, r) ∩
B(b, s), tome-se δ = min{r − d(x, a), s − d(x, b)}. Ter-se-á então x ∈ B(x, δ) ⊂ B(a, r) ∩
B(b, s), pois, se y está na primeira bola, então
e pela mesma razão se prova que d(y, b) ≤ s, ou seja, y está na intersecção B(a, r) ∩ B(b, s),
como querı́amos.
Para provar que d é contı́nua, seja (x, y) ∈ X × X e seja ² > 0. Queremos encontrar
uma vizinhança W de (x, y), na topologia produto, tal que
Tomamos então W = B(x, ²/2) × B(y, ²/2), donde virá para qualquer par (z, w) ∈ W
bem como
d(z, w) − d(x, y) ≤ d(z, x) + d(x, y) + d(y, w) − d(x, y) < ²,
permitindo concluir |d(x, y) − d(z, w)| < ². ¤
Todo o espaço métrico é de Hausdorff. Mais ainda, todo o espaço métrico é normal,
ie. é um espaço topológico de Hausdorff tal que quaisquer dois fechados disjuntos possuem
vizinhanças disjuntas. Em geral, um qualquer espaço topológico diz-se metrisável se a
sua topologia provem de uma métrica. Se isto acontece, então ele tem de ser normal e
verificar o primeiro axioma da enumerabilidade: todo o ponto tem um sistema fundamental
de vizinhanças enumerável.
Já vimos que um espaço topológico com base numerável é separável. No capı́tulo dos
espaços métricos tem-se a recı́proca.
Proposição 1.3.2. Um espaço métrico X tem uma base numerável se, e só se, X é se-
parável.
1.3 Espaços métricos 19
Demonstração. Suponhamos que X é separável, ou seja, existe {xn }n∈N subconjunto denso
em X. Podemos então considerar a base de X definida por
© 1
ª
B(xn , m ) : n, m ∈ N
Dizemos que um espaço métrico X é pré-compacto6 se, qualquer que seja ² > 0, existe
uma cobertura finita de X por meio de bolas de raio ². Isto é equivalente à existência de um
subconjunto finito F tal que, ∀x ∈ X, a distância de x a F é menor que ². Naturalmente,
a distância entre dois subconjuntos A, B ⊂ X é definida por
Demonstração. Por definição, para cada n natural, existe An finito tal que, ∀x ∈ X, se tem
d(x, An ) < n1 . Tomando A = ∪n An vem que A é numerável e resulta que, para cada x,
existe an ∈ A tal que d(x, an ) < n1 , donde x ∈ A. Ou seja, A é numerável e denso em X. ¤
Numa sucessão convergente os seus pontos aproximam-se uns dos outros, tendo por
limite um determinado ponto. Podemos supôr, contudo, que existem sucessões cujos termos
6
Também se pode chamar totalmente limitado.
7
Consideraremos sempre que as sucessões têm infinitos pontos distintos entre si. Portanto não têm sequer
subsucessões constantes.
8
Recordamos que uma subsucessão de {xn } é uma escolha ordenada de alguns dos xn , ou seja, é uma
sucessão {xnk }k∈N com k 7→ nk crescente.
20 Capı́tulo 1. Material preparatório
se aproximam uns dos outros e das quais se desconhece à partida se têm ou não limite. São
as chamadas sucessões de Cauchy {xn }n∈N em X:
Nos espaços completos reaparecem resultados fundamentais do caso especial, bem co-
nhecido, da recta real.
Mas isto é absurdo, porque, sendo ki = max{k1 , . . . , kl }, vemos que Ski não está contido
no lado direito da igualdade (1.26). S tem de ter algum ponto de acumulação; logo de S
podemos extrair uma subsucessão convergente.
(ii)⇒(iii) É imediato que X é completo, pois uma sucessão de Cauchy, admitindo por
hipótese uma subsucessão convergente, tem de convergir e para o mesmo limite.
Provemos agora que X é pré-compacto. Seja ² um real > 0 qualquer. Escolhamos
x1 ∈ X, x2 ∈ X\B(x1 , ²), x3 ∈ X\(B(x1 , ²) ∪ B(x2 , ²)) e assim por diante. Supondo que
não se tem pré-compacidade, podemos construir uma sucessão {xn }n∈N tal que
xn+1 ∈
/ B(x1 , ²) ∪ . . . ∪ B(xn , ²). (1.27)
1.3 Espaços métricos 21
Existe, por hipótese, uma subsucessão {xnk }k∈N da sucessão construı́da, que é convergente.
Chamando x̂ ∈ X ao seu limite, existe então uma ordem k0 tal que xnk ∈ B(x̂, ²/2), ∀k > k0 .
Mas então teremos de ter xnk+1 ∈ B(xnk , ²), porque
Recorde-se que a topologia usual de R também vem de uma métrica e que, por construção
dos números reais, R é completo. Deixamos como exercı́cio a verificação de que a topologia
produto de Rn é também dada pela distância
© ª
d(x, y) = max |yi − xi | : i = 1, . . . , n (1.28)
∀x, y ∈ Rn . O exercı́cio é imediato já que B(x, ²) =]x1 − ², x1 + ²[× · · · ×]xn − ², xn + ²[.
Claramente obtemos um espaço completo pois uma sucessão é de Cauchy em Rn se, e só
se, as suas componentes são de Cauchy em R. Posto isto, temos o seguinte:
f (x1 , . . . , xn ) = x1 v1 + · · · + xn vn (1.30)
é um homeomorfismo.
pelo que o limite de f (x) quando x = (x1 , . . . , xn ) → 0 é nulo, ou seja igual a f (0). Usando
o critério dado no exercı́cio 1, concluı́mos que f é contı́nua.
Vejamos a continuidade de f −1 em 0 invocando o critério anterior. Seja {v k } uma
sucessão em V tal que v k → 0 e f −1 (v k ) = xk ∈ Rn . Podemos já supôr que todos os v k
são não nulos, ou que excluı́mos os vectores nulos daquela sucessão. Seja tk = max{|xki | :
i = 1, . . . , n}. Vamos denotar ainda pelo mesmo tk uma subsucessão dos tk , supondo que
existe, que não tem 0 como ponto de acumulação10 . Então
³ xk ´ ¯ xk ¯
¯ ¯
d , 0 = max¯ i ¯ = 1.
tk i tk
kv kj k 0
lim tkj = lim = =0
j j v kj kuk
k tk k
j
o que é absurdo. Concluimos que todas as subsucessões têm 0 como ponto de acumulação.
Pelo exercı́cio 2 resulta que a sucessão tk → 0; o que implica que xk tende para 0, como
querı́amos demonstrar. ¤
10
Ou seja, existe um ² > 0, tal que todos os tk verificam |tk | ≥ ².
24 Capı́tulo 1. Material preparatório
Exercı́cios
1. Diz-se que uma sucessão S = {xn } num espaço topológico Y converge para x ∈ Y
se, ∀ vizinhança V de x, ∃p : n ≥ p ⇒ xn ∈ V . Usa-se então a notação xn → x
ou lim xn = x. Suponha agora que Y é um espaço métrico. a) Mostre que as
duas noções de convergência em Y já apresentadas coincidem. b) Mostre que uma
sucessão S = {xn } em Y tem alguma subsucessão convergente se, e só se, S admite
algum ponto de acumulação. c) Prove que entre espaços métricos X, Y a continuidade
de uma função f : X → Y num ponto a ∈ X é equivalente à seguinte condição:
∀{xn }, xn → a ⇒ f (xn ) → f (a).
2. Prove que se S = {xn } é uma sucessão num espaço métrico e todas as subsucessões
de S têm um mesmo ponto x ∈ S como ponto de acumulação, então xn → x.
4. Seja V um espaço vectorial. Mostre que toda a norma definida em V induz uma
distância em V (sugestão: reflectir sobre (1.28)). Com essa topologia prove que
(u, v) 7→ u + v e (λ, v) 7→ λv são contı́nuas. Mostre que k(x1 , . . . , xn )k = maxi |xi |
define uma norma em Rn e que a topologia dada por esta norma é a usual (é chamada
a norma do máximo).
define uma norma no subespaço vectorial L(V, W ) = {A ∈ L(V, W ) : kAk < +∞}.
Mostre que kA(u)k ≤ kAkkuk, ∀u ∈ V , e que, se B ∈ L(U, V ), então kA ◦ Bk ≤
kAkkBk. Em tendo tempo, mostre ainda que
que é de equivalência (ver exercı́cio 2, secção 1.2 para provar a transitividade). A classe de
equivalência C(x) de cada ponto x ∈ X é chamada a componente conexa de x. É óbvio
que C(x) coincide com o maior subconjunto conexo de X ao qual x pertence. Como o fecho
de um conexo é conexo, cada componente conexa é um fechado.
Um espaço topológico diz-se conexo por arcos se quaisquer que sejam x, y ∈ X existe
uma aplicação contı́nua (uma curva) fx,y : [0, 1] → X tal que fx,y (0) = x, fx,y (1) = y. X
será em particular conexo porque as imagens fx,y ([0, 1]) são conexas e logo, ∀x, y ∈ X, y ∈
C(x). Donde C(x) = X, ∀x.
vizinhanças conexas (respectivamente, conexas por arcos). Note-se que um espaço pode ser
conexo por arcos e não ser sequer localmente conexo.
Proposição 1.4.1. 1. Um espaço topológico é localmente conexo se, e só se, as componentes
conexas de qualquer aberto são abertas.
2. Um espaço topológico conexo e localmente conexo por arcos é conexo por arcos.
X0 é não vazio porque x ∈ X0 . A sua fronteira é vazia: se esta tivesse algum ponto z,
então ligávamo-lo ao interior de X0 usando uma vizinhança V de z conexa por arcos e logo,
por ‘colagem’ de curvas, qualquer ponto de V seria a fortiori ligado a x. Isto prova que z
estaria no interior de X0 . Como X é conexo e X0 é aberto e fechado, X = X0 . ¤
Demonstração. Sendo trivial mostrar que a condição é suficiente, verifiquemos que ela é
necessária. Seja Kx a vizinhança compacta de x ∈ X. Seja U um aberto qualquer contendo
x. Uma vez que X é de Hausdorff, {x} é fechado. A segunda condição de X ser normal
assegura que os fechados X\U e {x} possuem vizinhanças abertas, respectivamente, A e
U1 que não se intersectam. Então V = X\A é fechado, é vizinhança de x por conter
U1 , e V ∩ Kx é vizinhança compacta de x contida em U . Encontrámos assim o sistema
fundamental de vizinhanças compactas. ¤
Teorema 1.4.3 (Urysohn). Seja X um espaço topológico com base numerável. Tem-se que
X é normal se, e só se, X é metrisável.
Demonstração. Deduz-se este resultado aplicando o teorema anterior à função definida sobre
A ∪ B que vale 1 em A e 0 em B, e que é por isso contı́nua. ¤
O lema de Urysohn também vale num espaço normal com base enumerável. A im-
portância de tomar a classe, com intersecção mais restrita, dos espaços paracompactos
mostra-se a seguir. Vejamos mais um teorema devido a Dieudonné.
Teorema 1.4.5 (do encolhimento). Seja X um espaço normal. Seja I uma famı́lia de
ı́ndices e {Ui }i∈I uma cobertura aberta e localmente finita de X. Então existe uma cobertura
aberta {Vi }i∈I de X tal que V i ⊂ Ui , ∀i ∈ I.
28 Capı́tulo 1. Material preparatório
Este conjunto é portanto igual ao mais pequeno fechado fora do qual φ é nula.
Seja U = {Ui }i∈I uma cobertura aberta de um espaço topológico X. Uma famı́lia
{φi }i∈I de funções reais definidas em X e contı́nuas
φi : X −→ R (1.37)
Teorema 1.4.6. É condição necessária e suficiente para um espaço topológico ser para-
compacto, que ele seja de Hausdorff e que toda a cobertura aberta tenha uma partição da
unidade associada.
Exercı́cios
1. Verifique as condições de partição da unidade das funções φi encontradas na demons-
tração do último corolário.
3. Sabendo que os conexos de R são os intervalos, mostre que toda a função contı́nua
f : X → R num espaço conexo X, que tome os valores c e d, tem de tomar também
todos os valores entre c e d (resultado conhecido como teorema de Bolzano).
11. Mostre que o produto cartesiano de espaços localmente compactos, com base nu-
merável, é paracompacto.
da secção 1.3). É importante ter presente que as bolas fechadas e as esferas Srn−1 = {v ∈
Rn : kvk = r} são espaços compactos, com a topologia induzida de Rn e que, portanto,
quaisquer funções contı́nuas aı́ definidas são limitadas. Uma bola é um exemplo de um
conjunto convexo. Um subconjunto X do espaço euclidiano diz-se convexo se
(neste limite é claro que se exclui v = 0). Multiplicando (1.41) por kvk, segue de imediato
que também se tem limv→0 o(v) = 0 = o(0). A aplicação linear ξ é chamada aplicação
linear derivada, ou diferencial, de f em x e denota-se tanto por df (x) como por dfx .
A equação (1.40) toma assim o aspecto
entre outros, por todas as aplicações lineares entre espaços de dimensão finita serem con-
tı́nuas. ¤
ei = (0, . . . , 0, 1, 0 . . . , 0) (1.43)
Note-se que os vectores v/kvk estão sobre a esfera S n−1 de raio 1, sobre a qual df (x) tem
imagem limitada, e que usámos novamente a continuidade, como aplicações lineares, dos
diferenciais de f e g. Cf. com exercı́cio 12 da secção 1.2. ¤
Em diversas situações convem apresentar o diferencial de uma função de uma forma mais
explı́cita, em termos de coordenadas. Suponhamos que U é um aberto de Rn e f : U → R
é uma função diferenciável em x = (x1 , . . . , xn ) ∈ U . Visto que se pode escrever qualquer
vector v = (v1 , . . . , vn ) de Rn como v = v1 e1 + · · · + vn en , vem então por linearidade que
df (x)(v) = df (x)(v1 e1 + · · · + vn en )
∂f ∂f (1.48)
= v1 df (x)(e1 ) + · · · + vn df (x)(en ) = v1 (x) + · · · + vn (x).
∂x1 ∂xn
Suponhamos agora que f : U ⊂ Rn → Rm , f (x1 , . . . , xn ) = (y1 , . . . , ym ), é uma função
diferenciável em x. Então f é dada por um sistema de m funções reais
y = f1 (x1 , . . . , xn )
1
..
. (1.49)
ym = fm (x1 , . . . , xn ).
1.5 Cálculo diferencial 33
Assim, a matriz da aplicação linear df (x) : Rn → Rm , nas bases canónicas, é dada pela
matriz das derivadas parciais
∂f1 ∂f1
∂x1 ··· ∂xn
J(f ) = ··· (1.51)
∂fm ∂fm
∂x1 ··· ∂xn
f (x1 , . . . , xn ) = (y1 , . . . , ym ),
(1.52)
g(y1 , . . . , ym ) = (z1 , . . . , zp )
∂z ∂z ∂y1 ∂z ∂ym
= + ··· + (1.54)
∂x ∂y1 ∂x ∂ym ∂x
se n = p = 1.
Repare-se que a aplicação linear df (x) fica de facto determinada pelas derivadas parciais
∂fi
∂xj (x), mas a mera existência destas não implica que f seja diferenciável em x — esta
condição é mais forte. Veja-se a este propósito o exercı́cio 1. Temos todavia o resultado
seguinte, muito útil na prática.
Teorema 1.5.3 (de Schwarz ou da igualdade das derivadas mistas). Se f é duas vezes
diferenciável em x, então
d2 f (x)(u, v) = d2 f (x)(v, u) (1.56)
∀u, v ∈ Rn .
Teorema 1.5.4. f é de classe C k em U se, e só se, as suas componentes fj admitem todas
∂ k fj
as derivadas parciais ∂xi1 ···∂xik até à ordem k e estas são contı́nuas em U .
14
Eis um abuso de linguagem: já estamos a ver di f como função em U e com valores num certo espaço
vectorial normado de aplicações multilineares. (cf. exercı́cio 4.)
36 Capı́tulo 1. Material preparatório
Denota-se por C k (U ; Rm ) ou por CUk (Rm ) o espaço vectorial sobre R das aplicações de
classe C k de U em Rm (cf. com exercı́cio 3). Abreviando a notação de forma óbvia, resulta
do ponto 3 da proposição 1.5.3 que C k ⊂ C k−1 . Note-se que se podem sempre dar exemplos
provando que esta inclusão é estrita. Denotamos C ∞ (U ; Rm ) = ∩∞ k m
k C (U ; R ) e dizemos
que os seus elementos são as funções de classe C ∞ ou funções suaves em U .
¡ ¢−1
pelo que, sendo y = f (x), concluimos que dfy−1 = dfx . Daqui resulta, em particular,
que det dfx 6= 0 e que U e V têm de ser abertos do mesmo espaço euclidiano Rn , ie. da
mesma dimensão. Voltaremos a este assunto na secção 6.
O próximo resultado deve ser assinalado devido à sua importância. Assim é de facto,
apesar de não ter sido utilizado em toda a sua generalidade até agora. A sua demonstração,
trivial, é deixada como exercı́cio.
1.5.2 Funções de Rn em R
Como já é hábito, seja U um aberto de Rn . Uma função f = (f1 , . . . , fm ) : U → Rm
é diferenciável se, e só se, cada uma das componentes fi : U → R é diferenciável. Isto
é consequência imediata da definição, obtendo-se logo de seguida que as componentes do
diferencial de f são os diferenciais das componentes de f . Interessa-nos por isso estudar o
caso m = 1.
Em R faz-se uso da sua ordem total <, que já invocámos implı́citamente nos conceitos
de máximo e mı́nimo num resultado de Weierstrass (corolário 1.2.1).
Proposição 1.5.6. Se f : U → R é diferenciável em U e tem um máximo ou um mı́nimo
no ponto a ∈ U , então df (a) = 0.
Demonstração. Suponhamos que f tem um máximo em a e seja v ∈ Rn . Então, dos limites
à esquerda e à direita
f (a + tv) − f (a) f (a + tv) − f (a)
lim , lim
t→0− t t→0+ t
tem-se que o primeiro é ≥ 0 e o segundo é ≤ 0. Como ambos são iguais a df (a)(v),
cf. (1.44), este valor tem de ser 0. O caso do mı́nimo prova-se recorrendo ao anterior e à
função −f . ¤
Note-se que a proposição é válida para extremos locais, já que a questão da diferencia-
bilidade é local.
Teorema 1.5.5 (de Rolle). Seja U um aberto de Rn tal que U é compacto. Seja f : U → R
uma função diferenciável em U e contı́nua em U . Se f é constante na fronteira de U , então
existe x0 ∈ U tal que df (x0 ) = 0.
Demonstração. Por f ser contı́nua num compacto, f admite máximo e mı́nimo: existem
pontos x1 , x2 para os quais f (x1 ) ≤ f (x) ≤ f (x2 ), ∀x ∈ U . Se x1 , x2 estão ambos na
fronteira, então f é constante em U , e logo df = 0. Se um deles está em U , o interior de
U , então o resultado segue pela proposição anterior. ¤
Teorema 1.5.6 (de Lagrange ou do valor médio). Seja [a, b] um intervalo fechado e limitado
de R e seja f : [a, b] → R uma função contı́nua no intervalo e diferenciável no seu interior.
Então existe c ∈]a, b[ tal que
Demonstração. Consideremos a função φ(t) = (b − a)f (t) − (f (b) − f (a))t. Vem então
φ(a) = bf (a) − f (b)a = φ(b), pelo que o teorema de Rolle garante a existência de c no
interior ]a, b[ tal que
φ0 (c) = (b − a)f 0 (c) − f (b) + f (a) = 0,
como querı́amos demonstrar. ¤
38 Capı́tulo 1. Material preparatório
a c b
Também podemos enunciar o teorema de Lagrange dizendo que, sob aquelas hipóteses,
qualquer que seja o h, existe θ ∈]0, 1[ tal que
Esta expressão resulta simplesmente de tomar b = a + h. Daqui se deduz logo que qualquer
c ∈]a, b[ é igual a a + θh, com θ entre 0 e 1. Ao teorema de Lagrange pode-se dar uma
interpretação geométrica muito intuitiva, se tivermos em conta que a cada derivada f 0 (t)
corresponde uma recta tangente à curva (t, f (t)). Apresenta-se a recta tangente na figura
1.2.
Como corolário deste célebre teorema, temos que f é crescente se f 0 (t) ≥ 0, ∀t ∈]a, b[,
e decrescente ao longo do mesmo intervalo se f 0 (t) ≤ 0. Resulta, mais ainda, que f é
constante se f 0 = 0. As provas destes factos são triviais, tendo em conta a fórmula (1.62).
Demonstração. Da proposição 1.4.1 ficamos a saber que U é conexo por arcos. Fixemos
x0 ∈ U e provemos que f (x) = f (x0 ), ∀x. Para cada x fixado, tomamos um caminho
γ de x para x0 . Basta agora aplicar as observações anteriores, tendo por base a função
φ(t) = f ◦ γ(t). Claro que se tem φ0 = dfγ (γ 0 ) = 0. ¤
Demonstração do teorema 1.5.3. Vamos admitir, desde já, que m = 1 pois o resultado é
válido se, e só se, é válido componente a componente. Visto também que d2 fx (u, v) é
linear em u e em v, basta-nos mostrar o resultado para dois vectores quaisquer ei , ej da
base canónica. Com efeito, se para esses vectores se tem dfx (ei , ej ) = dfx (ej , ei ) e se
P P
escrevermos u = ni=1 ui ei , v = nj=1 vj ej , então teremos também
³X
n n
X ´ n
X
dfx (u, v) = dfx ui ei , vj ej = ui vj dfx (ei , ej )
i=1 j=1 i,j=1
n
X
= ui vj dfx (ej , ei ) = dfx (v, u).
i,j=1
∂2f ∂2f
=
∂xi ∂xj ∂xj ∂xi
das duas formas distintas que se apresenta. Agora, como as funções φ, ψ são claramente
diferenciáveis, o teorema de Lagrange garante-nos a existência de θ1 , θ2 ∈]0, 1[ tais que
Ou seja,
∆2 f
= φ0 (x + θ1 h) = ψ 0 (y + θ2 h). (1.65)
h
40 Capı́tulo 1. Material preparatório
∆2 f ∂f ∂f
= (x + θ1 h, y + h) − (x + θ1 h, y)
h ∂x ∂x
∂f ∂f h ∂f ∂f i
= (x + θ1 h, y + h) − (x, y) − (x + θ1 h, y) − (x, y)
∂x ∂x ∂x ∂x
³ ∂f ´ ³ ∂f ´
= d (θ1 h, h) − d (θ1 h, 0) + o(h)
∂x (x,y) ∂x (x,y)
∂2f ∂2f ∂2f
= θ1 h 2 (x, y) + h (x, y) − θ1 h 2 (x, y) + o(h)
∂x ∂y∂x ∂x
∂2f
= h (x, y) + o(h)
∂y∂x
onde Sn é o grupo das permutações de {1, . . . , n}. Vemos então que det é uma função
polinomial e logo de classe C ∞ . Uma vez que é uma função contı́nua, a imagem inversa
det−1 (R\{0}) = GLn (R) é um aberto, chamado grupo linear geral, também denotado
GL(Rn ) ou simplesmente GLn (em particular é isomorfo e homeomorfo a qualquer grupo
1.5 Cálculo diferencial 41
linear GL(V )). Recordemos, de passagem, que se tem det(XY ) = det(X) det(Y ), para
quaisquer X, Y ∈ Mn .
Lema 1.5.1. Seja V ∈ Mn tal que kV k < 1, então 1 + V ∈ GLn (R). Mais ainda,
k(1 + V )−1 − 1k = k(1 + V )−1 (1 − (1 + V ))k ≤ k(1 + V )−1 kkV k < 2kV k
Outra função importante é a função ψ : GLn → GLn de passagem ao inverso, ie. definida
por ψ(g) = g −1 .
∀g ∈ GLn , X ∈ Mn .
vem que
Og (V ) = (g + V )−1 − g −1 + g −1 V g −1
¡ ¢
= (1 + g −1 V )−1 − 1 + g −1 V g −1
¡ ¢
= 1 + (−1 + g −1 V )(1 + g −1 V ) (1 + g −1 V )−1 g −1
¡ ¢
= 1 + (g −1 V )2 − 1 (1 + g −1 V )−1 g −1 = (g −1 V )2 (1 + g −1 V )−1 g −1
42 Capı́tulo 1. Material preparatório
Logo
kOg (V )k
lim ≤ lim kg −1 k3 kV kk(1 + g −1 V )−1 k = 0
V →0 kV k V →0
devido ao lema 1.5.1. Está demonstrado que ψ é diferenciável em GLn . Vejamos a segunda
derivada: fixado V , a função g 7→ dψg (V ) = −g −1 V g −1 toma o valor −ψ(g)V ψ(g) em g.
Logo esta função também é diferenciável em GLn e como a sua derivada se volta a escrever
à custa de ψ(g) com produtos e somas, deduz-se por uma simples indução que ψ é de classe
C i , ∀i ∈ N, como querı́amos. ¤
Outra função importante é a função traço: recordemos que se dá o nome de traço de
P
X = (xij ) ao valor tr(X) = ni=1 xii . É trivial verificar que tr : Mn → R é uma função
linear e por isso C ∞ . Uma propriedade importante diz que tr(XY ) = tr(Y X), ∀X, Y . (Por
exemplo, permite mostrar que o traço de um qualquer endomorfismo linear não depende
das bases).
Exercı́cios
1. Estude a diferenciabilidade de 1a e 2a ordem da função f : R2 → R definida por
2 y2
f (x, y) = xx2 +y 2 se (x, y) 6= (0, 0) e f (0, 0) = 0.
3. Demonstre as proposições 1.5.3 e 1.5.5, bem como o teorema 1.5.7. Mostre que
C k (U, R) é um espaço vectorial sobre R, fechado para o produto de funções.
8. Mostre que tr(XY ) = tr(Y X) para qualquer par de matrizes quadradas. Agora, seja
V um espaço vectorial de dim n. Mostre que podemos definir o traço de uma aplicação
linear f ∈ L(V, V ) como o traço da matriz de f numa base qualquer de V . Idem para
o determinante.
p
9. Considere as coordenadas polares no plano R2 φ = (ρ, θ) = ( x2 + y 2 , arctg xy ). Esco-
lha uma determinação do arctg e mostre que φ é um difeomorfismo de R+ × R sobre a
44 Capı́tulo 1. Material preparatório
sua imagem. Mostre que uma rotação de θ radianos do plano em torno de 0 é descrita
pela matriz " #
cos θ −sen θ
Rθ = (1.72)
sen θ cos θ
11. Estude a função det : Mn×n (C) → C, que se define exactamente da mesma forma
que o determinante real. Justifique a sua suavidade e encontre a derivada. Mostre
que det g = det g. Repita o exercı́cio da alı́nea anterior pensando em matrizes com
coeficientes em C. (Note: em termos da sua topologia e estrutura real, C = R2 .)
Demonstração. Basta mostrar a primeira parte já que a segunda segue por composição,
g = g ◦ f ◦ f −1 , e por a composta de funções de classe C k ser uma função de classe C k .
Também a primeira asserção decorre da segunda de modo trivial.
Façamos então a demonstração de (i). Note-se que df (x) também é sobrejectiva por ser
uma injecção de Rn em Rn . Fixemos agora um ponto a e mostremos que f −1 é diferenciável
em f (a). Para isso, vamos compor f com o isomorfismo linear A = (dfa )−1 de modo a
obter uma expressão da qual conhecemos a derivada em a. Seja então h = A ◦ f . Tem-se
1.6 Teoremas da função inversa e da função implı́cita 45
dhx = dAf (x) ◦ dfx = A ◦ dfx , pela proposição 1.5.5. Logo dha = Id e, por continuidade do
diferencial, podemos garantir que existe um δ > 0 tal que, escrevendo
Eventualmente modificando as funções ²ij por os pontos c∗i variarem de linha para linha,
mantendo-se ainda a propriedade de convergirem para 0 quando x → a, e sendo h(x1 , . . .
, xn ) = (y1 , . . . , yn ), h(a) = b, podemos escrever a equação matricial acima como
n
X
(yi − bi ) = (Id + [²ij ])(h−1 −1
j (y) − hj (b)).
j=1
Agora, como (Id + [²ij ])−1 = Id + [²̃ij ] com os ²̃ij → 0 se ²ij → 0 (ver lema 1.5.1 e o exercı́cio
1), resulta então que
h−1 (y) − h−1 (b) = (Id + [²̃ij ])(y − b),
bem como a condição
[²̃ij ](y − b)
lim = 0.
y→b ky − bk
Isto prova que h−1 é diferenciável em b com aplicação linear derivada a identidade. Como
qualquer isomorfismo linear é em particular uma aplicação diferenciável, vem que f −1 =
h−1 ◦ A é diferenciável em f (a) e tem derivada neste ponto igual a A = (dfa )−1 .
Designando por J(x) a matriz jacobiana de f , ou seja, a matriz de dfx na base canónica
de Rn , cujas entradas, por hipótese, são funções de classe C k−1 , resulta do que se viu que
dff−1 −1
(x) = (J(x)) . Ora, sabemos da álgebra linear (cf.[DA83]) que a inversa de uma matriz
invertı́vel J é igual à matriz com entradas
−1 Jij
Jji = , onde Jij = (−1)i+j |J(i;j) |
|J|
por ser representada pela composição (J ◦ f −1 )−1 . Isto significa que f −1 é de classe C k . ¤
Estamos agora em condições de provar o teorema da função inversa, cujo alcance parece
ofuscar o do lema anterior: é que localmente, se a derivada for invertı́vel, teremos a garantia
da invertibilidade de f — então, pelo lema, com inversa de classe C k .
Teorema 1.6.1 (da função inversa). Seja U aberto de Rn e seja f : U → Rn uma função de
classe C k em U tal que, num certo ponto a ∈ U , det df (a) 6= 0. Então existe um aberto V ,
contendo a, e um aberto W , contendo f (a), tal que a restrição de f a V é um difeomorfismo
C k sobre W .
Demonstração. Fazendo o mesmo truque que na anterior demonstração, podemos já supôr
que df (a) = Id. Com efeito, os isomorfismos lineares A são difeomorfismos, portanto se
provarmos o teorema para A ◦ f também provamos para f .
Por continuidade da função determinante, podemos logo garantir que det df (x) 6= 0
para todo o x numa vizinhança de a. Já vimos mesmo que, numa bola de centro em a
suficientemente pequena, se tem J(f )(x) = Id + [²ij ] e invertı́vel, pelo que, se f (x1 ) = f (x2 )
em dois pontos x1 , x2 nessa bola, então pelo teorema dos acréscimos finitos vem
Daqui resulta que x1 = x2 , por causa da invertibilidade de Id + [²ij ]. Fica provado que,
nalguma vizinhança de a, a aplicação f é injectiva. Não é assim tão fácil a demonstração
da sobrejectividade de f sobre uma vizinhança de f (a).
Para cada y ∈ B(f (a), δ) = W , com δ > 0 a determinar, consideremos a função
τ (x) = x + y − f (x).
Repare-se que encontraremos uma solução x da equação y = f (x) se, e só se, encontrarmos
um ponto fixo de τ , isto é, uma solução de τ (x) = x. Esta função é claramente de classe C k
e dτ (a) = Id − df (a) = Id − Id = 0. Por continuidade do diferencial e independentemente
de y, existe então um ε > 0 tal que
¯ ∂τ ¯ 1
¯ i ¯
¯ (x)¯ < , ∀x ∈ B(a, ε) = V.
∂xj 2n
Então, novamente invocando os acréscimos finitos dentro da bola, temos que
Xn X³ ∂τi ´2
kτ (x0 ) − τ (x00 )k2 = (τi (x0 ) − τi (x00 ))2 = (x∗(i) )(x0j − x00j )
∂xj
i=1 i,j
X 1 1 0
≤ 2
(x0j − x00j )2 = kx − x00 k2
(2n) 4n
i,j
1.6 Teoremas da função inversa e da função implı́cita 47
Repare-se que o teorema admite uma generalização ao caso suave; a função inversa
resultando suave também. O teorema da função inversa deve ser confrontado com o seguinte
exemplo: φ : R → R definida por φ(x) = x3 é suave e invertı́vel, e não é uma imersão! Com
efeito, dφ(x)(u) = 3x2 u é idênticamente nula em x = 0.
Outro teorema que nos será útil mais tarde por permitir encontrar novas funções, é o
seguinte. Designamos adiante os pontos de Rn × Rm por (x, y).
Rm D
F(x,y) =c
b g (x)
U
a xER
n
inversa garante então a existência de abertos D̃, contendo (a, b), e D̃0 , contendo (a, c), tais
que a restrição de E ao primeiro desses abertos é um difeomorfismo C k sobre o segundo.
Sendo a projecção para o primeiro factor, π1 : Rn+m → Rn , uma aplicação aberta, escre-
vendo U = π1 (D̃0 ) tem-se que U é um aberto contendo a e que, para cada x ∈ U , existe um
único g(x) ∈ Rm tal que
Uma vez que E −1 é de classe C k , assim o é também a função definida por π2 ◦ E −1 (x, c) =
g(x) onde π2 é a projecção para o segundo factor. ¤
Relembramos que os teoremas anteriores são válidos para o caso suave (C ∞ ). A partir
de agora vamos tratar apenas este caso, pois é suficiente para as aplicações da geometria
que temos em vista.
n p
R f R
V
U f (a)
a f (U )
g
x
(x,o) R
n
n
a R
h : U × Rp −→ Rm
(x, y) 7−→ f (x) + ỹ.
Temos então que dh(a,0) é injectiva pois que, se (u, v) está no seu núcleo, isto é, se
então de dfa (u) = −ṽ devemos concluir que ṽ está na imagem de dfa . Donde v = 0, por
construção, o que traz também u = 0 pela hipótese.
Contando as dimensões vemos que dh(a,0) é um isomorfismo. Podemos então aplicar o
teorema da função inversa para deduzir a existência de uma vizinhança de (a, 0) e de uma
vizinhança V de h(a, 0) = f (a) tal que a restrição de h à primeira é um difeomorfismo sobre
a segunda. Sendo h−1 = (g, g1 ), as componentes em Rn × Rp , temos que g é a aplicação
procurada, verificando
g(h(x, 0)) = g(f (x)) = x
como querı́amos. ¤
Um resultado dual do anterior prescreve também uma fórmula local para as aplicações
de derivada sobrejectiva.
m
n f R
R
U f (a)
a
g y
V
(z,y)
h: U −→ Rp × Rm
x 7−→ (x̃, f (x)).
Tem-se que
∂xi1 ∂xi1
··· ei1
∂x1 ∂xn .
··· ..
J(h) =
∂xip ∂xip
=
.
∂x1 ··· ∂xn eip
J(f ) J(f )
Para efeitos de avaliação do determinante no ponto a, as colunas ij de J(f ), 1 ≤ j ≤ p,
podem ser consideradas nulas, pelo que a caracterı́stica (número máximo de linhas, ou
colunas, linearmente independentes) de J(h)a tem de ser igual a n, ou seja, o determinante
é não nulo. O resultado agora segue pelo teorema da função inversa; h é um difeomorfismo
numa vizinhança de a. A sua inversa, g, verifica
f ◦ g(z, y) = y
em algum aberto V . ¤
Novamente, o resultado anterior tem um âmbito estritamente local. Nada diz sobre
a função f em todo o seu domı́nio. Os últimos teoremas são úteis para a geometria: a
menos de difeomorfismo local, certas funções parecem-se muito ora com inclusões ora com
projecções canónicas; as outras estão algures entre esses dois casos extremos.
Exercı́cios
1.6 Teoremas da função inversa e da função implı́cita 51
1. Mostre que a inversa da matriz Id + [²ij ] é uma matriz do mesmo tipo Id + [²̃ij ], em
que os números ²̃ij → 0 se ²ij → 0 (cf. secção 1.5.3).
4. Mostre que uma aplicação que tem uma inversa à esquerda é injectiva. Mostre que, se
uma aplicação tem uma inversa à direita, então ela é sobrejectiva. Mostre ainda que
estas condições são equivalências se se tratar de uma aplicação linear entre espaços
vectoriais de dimensão finita.
5. Mostre que, nas condições, ora do teorema da derivada injectiva, ora do teorema da
derivada sobrejectiva, a função f do enunciado é injectiva ou sobrejectiva, respectiva-
mente, numa vizinhança de a. Deduza de novo o teorema da função inversa a partir
daqueles dois teoremas.
6. Mostre que, nas condições do enunciado do teorema da função implı́cita e sendo [alk ]
£ k¤ ∂gi P
a matriz inversa de ∂F
∂yj , se tem ∂xj (x) = −
∂Fk
k aik ∂xj (x, g(x)).
52 Capı́tulo 1. Material preparatório
Capı́tulo 2
Variedades diferenciáveis
53
54 Capı́tulo 2. Variedades diferenciáveis
é descrito com quatro variáveis reais e uma métrica especial, mudando-se de posição por
meio das chamadas transformadas de Lorentz — pelo que também devemos estar aptos a
trabalhar com as funções suaves definidas entre duas variedades. Por fim, lembramos que a
Mecânica Quântica ou a teoria do Electromagnetismo (equações de Maxwell) se estudam,
hoje em dia, no contexto das variedades.
Voltando aos problemas da Matemática, não sobra só o estudo, pois há muitas questões
em aberto. Ainda não se classificaram todos os “nós”, ie. as subvariedades de dimensão
1 contidas em R3 ou noutra variedade qualquer (que tantas implicações trazem para a
Mecânica Quântica). O mesmo se passa precisamente com as variedades de dimensão 2,
as denominadas “superfı́cies de Riemann”: razoavelmente conhecidas enquanto tal, não se
conhecem todos os seus mergulhos nas outras variedades. Já as variedades de dimensão 3 e
4, amplamente investigadas hoje em dia, apresentam dificuldades insondáveis em si mesmas.
Finalmente, o propósito deste segundo capı́tulo é tão somente lançar as bases da tal
geometria diferencial, que faz uso pleno do cálculo diferencial como estrutura intrı́nseca
de determinados espaços abstractos. Ideias intuitivas associadas às de variedade e suas
relações, como as de dimensão, de vector tangente ou aplicação suave, serão objecto de
formalização.
Desejamos que os fundamentos desta vasta teoria sejam compreendidos de forma tão
rápida quanto fecunda e rigorosa. Isso obrigar-nos-á a escolher alguns caminhos em detri-
mento de outros.
2.1.1 Definição
φβ ◦ φ−1
α : φα (Uα ∩ Uβ ) −→ φβ (Uα ∩ Uβ ) (2.2)
são suaves18 , quaisquer que sejam α, β. Ao espaço topológico M munido de um atlas A dá-
se o nome de variedade diferenciável de classe C ∞19 ou variedade suave. Chamamos
simplesmente variedade a uma qualquer variedade suave. O número natural n, comum a
todas as cartas, chama-se a dimensão de M .
À função inversa de uma carta dá-se o nome de parametrização.
2.1.2 Exemplos
1. Os abertos de Rn são variedades de dimensão n; qualquer espaço vectorial é uma va-
riedade. Mais geralmente, um aberto de uma variedade é uma variedade, e da mesma
dimensão.
2. A esfera de raio r, já referida na secção 1.5, definida por
© ª
Srn = (x0 , . . . , xn ) ∈ Rn+1 : x20 + · · · + x2n = r2 (2.3)
(com a topologia induzida de Rn+1 ) é uma variedade de dimensão n. Para ver isto tomamos
o atlas formado pelos abertos
U+,i = {(x0 , . . . , xn ) ∈ Srn : xi > 0}, U−,i = {(x0 , . . . , xn ) ∈ Srn : xi < 0}, (2.4)
18
Se exigı́ssemos a regularidade apenas de classe C k , dirı́amos então que M é uma variedade de classe
C . Uma variedade de classe C 0 também se diz uma variedade topológica. O leitor poderá ainda cruzar-se
k
noutro lugar com o conceito de variedade analı́tica real ou complexa, que se relaciona com aquele de função
analı́tica...
19
Uma nota importante no campo da Topologia Diferencial: dois atlas A1 , A2 sobre o mesmo espaço M
podem dar origem a duas estruturas de variedade distintas. Ao invés, diz-se que A1 e A2 induzem a mesma
estrutura diferenciável em M , ou que os dois atlas são compatı́veis, se A1 ∪ A2 é um atlas de M (ou
seja, as mudanças de cartas de um atlas para o outro são de classe C ∞ ). Tal relação é de equivalência sobre
a famı́lia de todos os atlas. Assim, com maior rigor, dizemos que uma variedade é um espaço topológico,
com base numerável e de Hausdorff, juntamente com a escolha de uma estrutura diferenciável. Note-se que
a dimensão é sempre a mesma, porque esta é um invariante topológico (a demonstração deste facto não é
nada trivial e deixamo-la para um curso não elementar de topologia).
Nos anos 60 do século passado, o matemático J. Milnor descobriu na esfera S 7 , sempre com a mesma
topologia, várias estruturas diferenciáveis diferentes da habitual. São as chamadas “esferas exóticas”. Em
4
1984 S. Donaldson encontrou toda uma famı́lia de estruturas diferenciáveis em R não compatı́veis entre si,
de que dificilmente se suspeitava existirem.
56 Capı́tulo 2. Variedades diferenciáveis
fij−1 = fji
fij (Uji ∩ Ujk ) = Uij ∩ Uik (2.10)
fij ◦ fjk = fik
(estes difeomorfismos correspondendo às mudanças de cartas). A figura 2.7 sugere a ideia
das três propriedades. Agora, admitindo entre os elementos x, y de todos aqueles abertos a
relação
x ∼ y se x ∈ Uij , y ∈ Uji , y = fji (x), (2.11)
assim uma variedade compacta chamada toro. Ela é compacta porque é homeomorfa (e de
facto difeomorfa) a S 1 × S 1 . Todas estas variedades têm dimensão 2.
O toro de dimensão n é definido como
Tn = S 1 × · · · × S 1 (n factores). (2.13)
6. Olhando novamente para o quadrado ou, para simplificar os cálculos, olhando para
o rectângulo ]0, 4[×] − 1, 1[ e identificando duas arestas opostas por meio da aplicação
f :]0, 1[×] − 1, 1[−→]3, 4[×] − 1, 1[, f (x, y) = (x + 3, −y), obtemos a chamada banda de
Möbius. Fazendo o mesmo no cilindro, ou seja, identificando as arestas de uma forma que
‘inverte o sentido’ numa delas obtemos a garrafa de Klein (figura 2.9).
7. É útil considerar as variedades suaves M de dimensão 0. As condições topológicas iniciais
obrigam então M a ser um conjunto numerável, munido da topologia discreta.
mudança de cartas. Usamos então a base numerável de M para encontrar uma subcobertura
numerável de qualquer atlas de M , daı́ se obtendo um atlas numerável.
2. Seja x ∈ M . Então x pertence ao domı́nio aberto U de alguma carta φ. Como as cartas
são homeomorfismos e o ponto φ(x) tem um sistema fundamental de vizinhanças compactas
e conexas (as bolas fechadas) contidas em φ(U ) ⊂ Rn , a imagem inversa desse sistema de
vizinhanças é um sistema de vizinhanças de x, que são compactas e conexas como vimos no
exercı́cio 2 da secção 1.4.
3. Este resultado é devido ao anterior e à proposição 1.4.1.
4. Deve-se à mesma proposição 1.4.1 e ao facto dos abertos de variedades serem variedades.
¤
O último corolário está de acordo com um certo e preciso resultado da geometria rieman-
niana, que nos leva à construção explı́cita de uma aplicação distância sobre uma qualquer
variedade (cf. teorema 3.5.1).
Exercı́cios
1. Justifique as afirmações do exemplo 1 acima.
2. Como já mencionámos, dois atlas A1 , A2 sobre o mesmo espaço topológico M dizem-se
compatı́veis se A1 ∪ A2 é um atlas de M . Mostre que tal relação é de equivalência.
3. Em X = R2 \{0} cole os vectores v com −v. Mostre que obtém uma variedade X/ ∼
homeomorfa a X. Tente explicar por que é que não se pode fazer o mesmo com o
plano todo.
4. Faça a colagem de um disco B(0, 1) ⊂ R2 a uma banda de Möbius pelas suas arestas
únicas. Como interpreta? Justifique que o espaço assim obtido é compacto.
(cos v cos u, cos v sen u, sen v) ∈ R3 tal que u ∈]0, 2π[, v ∈] − π2 , π2 [ (2.15)
Mostre que ψ(cos v cos u, cos v sen u, sen v) = (u, sen v) define uma carta de M . Mostre
que a mudança de cartas desta carta para aquela dos exemplos (exemplo 2) é suave.
Sendo a, k constantes, verifique que a curva γ ≡ {ψ −1 (t, a + kt) : −1 < a + kt < 1}
corta as projecções dos meridianos no cilindro sempre pelo mesmo ângulo e que, pro-
jectada no plano da linha do equador , a curva γ é fechada. Nota: este exercı́cio serve
para chamar a atenção da diferença entre aquela curva e a célebre curva loxodrómica 21
que, essa sim, corta sempre os meridianos pelo mesmo ‘ângulo’ (este mede-se nas tan-
gentes às curvas no ponto em questão, sobre S 2 ) e nunca chega aos pólos! Devemos
então concluir que a carta ψ não preserva os ângulos — mas isto não é matéria para
a geometria diferencial sózinha...
20
Quer dizer que o presente atlas dá a mesma estrutura diferenciável à esfera, no sentido já explicado em
nota de roda-pé anterior.
21
O português Pedro Nunes Salaciensis (Alcácer do Sal 1502, Coimbra 1578) foi o primeiro matemático
da História a considerar e a estudar as loxodrómicas ou curvas de rumo.
2.2 Espaço tangente 61
Repare-se que podemos construir um espaço topológico por colagem de abertos usando
homeomorfismos, tal como se construiu uma variedade por colagem de abertos de Rn por
meio de difeomorfismos22 .
Seja M uma variedade de dimensão n e A = {(Uα , φα )} um atlas composto por todas as
cartas definidas em abertos de M . Ou seja, tomamos a famı́lia de todos os homeomorfismos
de abertos de M para abertos de Rn tais que as aplicações de mudança de cartas são suaves.
O espaço tangente T M é o espaço definido por colagem da famı́lia de abertos Uα × Rn
pelos seus subconjuntos
Wαβ = Wβα = (Uα ∩ Uβ ) × Rn (2.17)
22
A construção pode-se fazer mesmo quando tomamos uma famı́lia infinita de abertos, como mostra a
teoria dos limites indutivos. O problema está na existência ou não de um conjunto suporte. Na construção
de T M poderı́amos usar um atlas com um número de cartas não mais que numerável, mas convém-nos fazer
o ‘caminho’ com as cartas todas ao mesmo tempo — o leitor, estamos certos, convencer-se-á por si das
vantagens do infinito!
62 Capı́tulo 2. Variedades diferenciáveis
Tendo em conta que fαα = Id, basta-nos justificar a terceira equação. Usamos a regra da
derivada da função composta:
¡ ¢
fαβ ◦ fβγ (x, u) = fαβ x, d(φβ ◦ φ−1
γ )φγ (x) (u)
¡ ¢
= x, d(φα ◦ φ−1 −1
β )φβ (x) ◦ d(φβ ◦ φγ )φγ (x) (u)
¡ ¢
= x, d(φα ◦ φ−1 −1
β ◦ φβ ◦ φγ )φγ (x) (u)
¡ ¢
= x, d(φα ◦ φ−1
γ )φγ (x) (u) = fαγ (x, u).
A primeira equação resulta então, de modo trivial, de fαβ fβα = fαα = Id. Tendo em conta
o que se disse antes, temos uma relação de equivalência
¡ ¢
(α, x, u) ∼ (β, y, v) se x = y e v = d φβ ◦ φ−1 α φα (x) (u)
¡F n
¢
e logo um espaço topológico T M = α Uα × R / ∼ bem definido (união disjunta, módulo
∼). Cada Uα × Rn é homeomorfo a um aberto de T M (veja-se o exercı́cio 16 da secção
1.2). Por isso, se {(Ui , φi )}i∈N é um atlas numerável de M , então {Ui × Rn } dá lugar a
uma cobertura numerável de T M . Resulta desta cobertura que T M é de Hausdorff; e se
fizermos ainda o produto cartesiano de uma base numerável de abertos de M por uma
base numerável de abertos de Rn , esta projectar-se-á numa base de abertos de T M que é
numerável. Estão verificadas as duas condições topológicas exigidas para o espaço tangente
poder ser uma variedade. Finalmente, para ver que assim é, definimos as cartas de T M
como
φα : Uα × Rn ⊂ T M −→ Rn × Rn
(2.19)
[α, x, v] 7−→ (φα (x), v)
onde [α, x, v] representa a classe de (x, v) ∈ Uα × Rn em T M . A aplicação de mudança
da carta φα para a carta φβ está então definida do aberto φα (Uα ) × Rn para o aberto
φβ (Uβ ) × Rn e verifica
¡ ¢
φβ ◦ φ−1
α
(y, u) = φ β
[α, φ −1
α (y), u]
¡ ¢
= φβ [β, φ−1 −1
α (y), d(φβ ◦ φα )y (u)]
¡ ¢
= φβ ◦ φ−1 −1
α (y), d(φβ ◦ φα )y (u) ,
2.2 Espaço tangente 63
Como já dissemos, cada aberto Uα × Rn , onde Uα é o domı́nio de uma carta, é ho-
meomorfo a um aberto de T M . Então a projecção de cada {x} × Rn em T M dá lugar a
um espaço Tx M — que não depende da escolha da carta; tendo em vista a linearidade das
funções fαβ nas suas segundas componentes, está bem definida uma soma e um produto por
escalares reais em Tx M que transformam este conjunto num espaço vectorial sobre R. Este
espaço vectorial recebe o nome de espaço tangente a M no ponto x. Os seus elementos
são os vectores tangentes. Tendo em conta a cobertura de T M pelos Uα × Rn , vem que
[
TM = Tx M. (2.20)
x∈M
Tx M ⊂ T U ⊂ T M. (2.21)
é suave. Note-se desde já que a noção de suavidade é uma noção local .
Recordemos que pela demonstração do teorema 2.2.1 ficámos a conhecer como associar
vectores tangentes [x, v] ∈ Tx M a cartas φ quaisquer (omitimos o ‘ı́ndice α’ para não
sobrecarregar a notação). Se f é uma função suave, define-se então a aplicação linear
derivada ou diferencial de f
dfx : Tx M −→ R (2.23)
por
dfx ([x, v]) = d(f ◦ φ−1 )φ(x) (v) (2.24)
que é de facto uma aplicação R-linear: lembrar que [x, v1 ] + c[x, v2 ] = [x, v1 + cv2 ] ∀v1 , v2 ∈
Rn , ∀c ∈ R. Para que a aplicação linear dfx esteja bem definida em cada Tx M ela não pode
depender da escolha das cartas (note-se que depende das cartas, mas no sentido em que já
Tx M dependia). Com efeito, se ψ : V → Rn é outra carta de M tal que x ∈ U ∩ V , então a
condição da aplicação f ◦ ψ −1 ser suave em U ∩ V é equivalente a f ◦ ψ −1 ◦ ψ ◦ φ−1 = f ◦ φ−1
ser suave (recorde que ψ ◦ φ−1 : φ(U ∩ V ) → ψ(U ∩ V ) é um difeomorfismo), o que concorda
com a definição dada.
Agora, sendo aquele vector tangente [x, v] igual a [x, u] na carta ψ, portanto verificando
u = d(ψ ◦ φ−1 )φ(x) (v), resulta
¡ ¢
d(f ◦ ψ −1 )ψ(x) (u) = d(f ◦ ψ −1 )ψ(x) d(ψ ◦ φ−1 )φ(x) (v) = d(f ◦ φ−1 )φ(x) (v) (2.25)
pelo que
dfx ([x, v]) = dfx ([x, u]) (2.26)
denota por
∂ ∂
(x), . . . , (x). (2.27)
∂φ1 ∂φn
Se f : U → R é uma função suave, então denotamos
∂f ³ ∂ ´
(x) = df (x) = df ([x, ei ]) = d(f ◦ φ−1 )φ(x) (ei ) (2.28)
∂φi ∂φi
Claramente todas estas construções generalizam o espaço euclidiano Rn , onde por hábito
φ = Id.
π : T M −→ M (2.29)
X ·f = df (X) (2.30)
ou, mais explı́citamente, (X·f )(x) = df (Xx ). Dizemos que o campo vectorial X é suave num
aberto V se se verifica a condição X ·f ∈ CV∞ , para qualquer função f ∈ CV∞ . Denotamos
por XV o conjunto dos campos vectoriais suaves sobre V :
© ª
XV = X : V −→ T V ⊂ T M : X é um campo vectorial suave .
Continuemos a designar por M uma variedade qualquer e por n a sua dimensão. Vejamos
como se define outra operação binária entre campos vectoriais, o parêntesis de Lie, que tem
propriedades muito especiais. Seja φ : U → Rn uma carta, definida num aberto U de M .
Vamos denotar as componentes de φ por (x1 , . . . , xn ) (note bem: cada xi é uma função
U → R). Já vimos que está definido sobre U um referencial suave ∂x∂ 1 , . . . , ∂x∂n . Logo,
sendo Z, W ∈ XU dois campos vectoriais suaves, podemos escrever
n
X n
X
∂ ∂
Z= ai , W = bi (2.31)
∂xi ∂xi
i=1 i=1
carta, então o resultado é igual. Seja ψ : V → Rn outra carta qualquer com componentes
(y1 , . . . , yn ). Então em U ∩ V vem
∂ X ∂yj ∂ ∂ X ∂xi ∂
= , =
∂xi ∂xi ∂yj ∂yj ∂yj ∂xi
j i
P ∂yj P ∂yj
Então, escrevendo ãj = i ai ∂xi , b̃j = i bi ∂xi , temos por definição
X³ ∂ b̃i ∂ãi ´ ∂
[Z, W ] = ãj − b̃j
∂yj ∂yj ∂yi
i,j
X ³ ∂yj ∂ b̃i ∂xl ∂yj ∂ãi ∂xi ´ ∂xm ∂
= ak − bk (2.33)
∂xk ∂xl ∂yj ∂xk ∂xl ∂yj ∂yi ∂xm
i,j,k,l,m
X ³ ∂ b̃i ∂xl ∂ãi ∂xl ´ ∂xm ∂
= ak − bk .
∂xl ∂xk ∂xl ∂xk ∂yi ∂xm
i,k,l,m
Note que nesta última passagem se respeitaram muito bem os factores em evidência. O
mesmo se faz a seguir, tomando a soma no ı́ndice l. Uma vez que, pelo exercı́cio 5, se tem
∂xl
∂xk = δlk , resulta que (2.33) é igual a
que é exactamente a expressão que nos dá o parêntesis de Lie [Z, W ] na carta φ, como
querı́amos demonstrar. ¤
68 Capı́tulo 2. Variedades diferenciáveis
Dados dois campos vectoriais suaves definidos sobre a variedade M , definimos o seu
parêntesis de Lie como o campo vectorial sobre M que em cada carta da variedade tem a
expressão dada por (2.32). Decorre directamente da proposição acima o resultado seguinte:
que nos ajuda a ver rapidamente que o parêntesis de Lie é anti-simétrico, ou seja,
Com efeito, um campo vectorial fica determinado pela forma como actua nas funções. Dei-
xamos a demonstração destes factos como exercı́cio.
Exercı́cios
M denota sempre uma variedade de classe C ∞ e dimensão n. Denotamos por U um
aberto de M .
2. Mostre que CU∞ é um espaço vectorial sobre R e que sendo f, g ∈ CU∞ então f g ∈ CU∞ .
Mostre que d(f + g) = df + dg, d(λf ) = λdf, λ ∈ R.
5. Considere uma carta de M e veja as suas componentes como funções num aberto.
∂φi
Mostre que essas funções são diferenciáveis e que, na notação de (2.28), temos ∂φ j
= δij
(δ designa o sı́mbolo de Kronecker : vale 1 se i = j, vale 0 se i 6= j).
2.2 Espaço tangente 69
© ª
6. Considere o referencial local ∂
∂φj j=1,...,n
induzido por uma carta φ : U → Rn .
∂ ∂f
Verifique que ∂φ j
· f = ∂φ j
e que o referencial é suave. Mostre também que um
campo vectorial X está em XU se, e só se, X se escreve como combinação linear
X = a1 ∂φ∂ 1 + · · · + an ∂φ∂ n , com as funções ai ∈ CU∞ .
∀f ∈ CM∞ , independentemente da escolha das cartas. Verifique ainda que (2.38) coin-
9. Generalize o teorema de Schwarz às cartas de uma variedade, ie., mostre que
∂2f ∂2f
(x) = (x) (2.39)
∂φi ∂φj ∂φj ∂φi
∂
na notação habitual. Calcule [ ∂φ , ∂ ].
i ∂φj
[aX + bY, Z] = a[X, Z] + b[Y, Z], [X, aY + bZ] = a[X, Y ] + b[X, Z] (2.40)
Proposição 2.3.1. Para cada t ∈ I, existe um e um só vector tangente vt ∈ Tγ(t) M tal que
df ◦ γ
dfγ(t) (vt ) = (t), (2.41)
dt
qualquer que seja f ∈ C ∞ .
Demonstração. Seja φ = (φ1 , . . . , φn ) uma carta definida num aberto contendo γ(t). Seja
n
X dφi ◦ γ ∂
vt = (t) (γ(t)). (2.42)
dt ∂φi
i=1
É claro que este vector está em Tγ(t) M e que para cada φj satisfaz
n
X dφi ◦ γ ³ ∂ ´ dφ ◦ γ
j
dφj (vt ) = dφj = ,
dt ∂φi dt
i=1
df ◦ γ ³ dγ ´
(t) = dfγ(t) (t) . (2.43)
dt dt
2.3 Aplicações suaves entre variedades 71
Dizemos que uma curva (ou arco) é seccionalmente suave se assim o for no seu
domı́nio subtraı́do de um número finito de pontos.
Proposição 2.3.2. Qualquer variedade conexa M é conexa por arcos seccionalmente sua-
ves.
Demonstração. Em virtude do teorema 2.1.1, M é conexa por arcos. Sejam x, y dois quais-
quer pontos de M e fx,y : [0, 1] → M um caminho C 0 ligando x e y. Como o caminho
em si é um compacto (imagem directa de um intervalo compacto) e este está coberto pelas
cartas de M , existe um conjunto finito I de cartas que o cobrem. Podemos supôr que
cada uma dessas cartas tem imagem na bola de centro 0 e raio 1 de Rn , pelo que é muito
fácil construir um arco, ou caminho, suave que ligue dois pontos nessa mesma carta. Basta
tomar a imagem inversa do segmento de recta que liga as imagens desses pontos.
Agora, partindo de x, chamamos U1 a um elemento de I que contenha x. Se y ∈ U1 ,
está provado. Se não, existe um aberto U2 ∈ I que intersecta U1 (porque o caminho inicial
é conexo). Seja x1 ∈ U1 ∩ U2 . Se y ∈ U2 , o caminho seccionalmente suave de x para
y é feito passando em x1 , por justaposição de dois caminhos construı́dos como se indicou
anteriormente. Se não, existe um terceiro aberto U3 ∈ I\{U1 , U2 } com intersecção não vazia
com U1 ∪ U2 e voltamos a repetir o processo anterior, dando mais um passo no caminho
para y. Como o processo é finito, o resultado está provado. ¤
domı́nio de uma carta ψ : V → Rm , tal que Φ(U ) ⊂ V , a função ψ ◦ Φ ◦ φ−1 : φ(U ) → ψ(V )
é suave.
(iii) existe um atlas de N com cartas (Uα , φα ) e um atlas de M com cartas (Vβ , ψβ ) tal que,
para cada α, β com Φ(Uα ) ∩ Vβ 6= ∅, a função ψβ ◦ Φ ◦ φ−1α : φα (Uα ) → ψβ (Vβ ) é suave.
Demonstração. (i)⇒(ii) Supondo dadas cartas (U, φ) e (V, ψ) quaisquer, vejamos que a
composição ψ ◦ Φ ◦ φ−1 é suave. Ora, para cada componente ψi temos por hipótese que
ψi ◦Φ é suave, ou seja, usando a carta dada, a função ψi ◦Φ◦φ−1 : φ(U ) → R é suave (note-se
que para funções reais já provámos a independência da escolha das cartas). Lembrando que
uma função com valores em Rm é suave se e só se o forem as suas componentes, temos o
resultado. A figura 2.13 representa a situação criada.
(ii)⇒(iii) Os atlas existem sempre, de modo que a implicação é trivial.
(iii)⇒(i) Seja V um aberto de M , f ∈ C ∞ (V, R) e seja U aberto de N tal que Φ(U ) ⊂ V .
Queremos ver que f ◦Φ ∈ C ∞ (U, R). Ora, como se vê na definição, a suavidade é uma noção
local (cf. exercı́cio 1), pelo que podemos tomar uma cobertura {Uα ∩ U } de U e analisar
a suavidade em cada um desses abertos. Nesta situação, sendo β tal que Φ(Uα ) ∩ Vβ 6= ∅,
deduz-se então das hipóteses que
−1
f ◦ Φ ◦ φ−1 −1
α = f ◦ ψβ ◦ ψβ ◦ Φ ◦ φα
é suave. ¤
É claro que existe somente uma aplicação nestas condições. Vejamos que está bem definida.
Lema 2.3.1. A aplicação linear derivada dΦx é independente da escolha das cartas em M
ou em N .
Demonstração. Vamos só demonstrar o caso em que se toma outra carta (V 0 , ψ 0 ) de M e
deixamos o caso das cartas em N como exercı́cio, que se resolve da mesma forma25 . Então
∂ Pm ∂ψk0 ∂
em V ∩ V 0 , temos ∂ψ j
= k=1 ∂ψj ∂ψ 0 . Logo k
m
X m
X
∂ψj ◦ Φ ∂ ∂ψj ◦ Φ ∂ψ 0 ∂
(x) (Φ(x)) = (x) k (Φ(x)) 0 (Φ(x))
∂φi ∂ψj ∂φi ∂ψj ∂ψk
j=1 j,k=1
Xm
∂ψk0 ◦ Φ ∂
= (x) 0 (Φ(x))
∂φi ∂ψk
k=1
25
Há ainda outra via: resolvendo primeiro o exercı́cio 4 e em particular a fórmula (2.48).
74 Capı́tulo 2. Variedades diferenciáveis
Alguma literatura denota dΦx por dΦ(x). Ainda neste contexto, também se define o
diferencial total (cf. exercı́cio 10).
ϕ ◦ Ψ ◦ Φ ◦ φ−1 = ϕ ◦ Ψ ◦ ψ −1 ◦ ψ ◦ Φ ◦ φ−1
por ser suave a aplicação composta de duas funções entre abertos do espaço euclidiano. Isto
mostra que Ψ ◦ Φ é suave. A segunda parte da proposição segue do seguinte cálculo:
³ ∂ ´ p
X ∂ϕj ◦ Ψ ◦ Φ ∂
d(Ψ ◦ Φ) =
∂φi ∂φi ∂ϕj
j=1
Xp
∂ϕj ◦ Ψ ◦ ψ −1 ◦ ψ ◦ Φ ∂
=
∂φi ∂ϕj
j=1
Xp Xm
∂ϕj ◦ Ψ ∂ψk ◦ Φ ∂
=
∂ψk ∂φi ∂ϕj
j=1 k=1
³ ∂ ´
= dΨ ◦ dΦ ,
∂φi
onde 1 ≤ i ≤ n, n é a dimensão de N , m = dim M e p = dim P . Recorde-se que duas
aplicações lineares são iguais se coincidem nas imagens dos vectores de uma base. ¤
Exercı́cios
1. Mostre que a noção de aplicação suave é local , ie. sendo Φ : N → M uma aplicação
entre variedades suaves N e M , tem-se que: (i) se Φ é suave, então a sua restrição
a qualquer aberto U de N é suave (conclua que os diferenciais, neste contexto, são
os mesmos) e (ii) se {Uα } é uma cobertura aberta de N e cada uma das restrições
Φ|Uα : Uα → M é suave, então Φ é suave. (Sugestão: começe pelo caso M = R).
76 Capı́tulo 2. Variedades diferenciáveis
4. Seja Φ : N → M uma aplicação suave entre variedades suaves. Sejam (U, φ) uma carta
de N , (V, ψ) uma carta de M e suponha já U tão pequeno que Φ(U ) ⊂ V . Considere
as cartas (U × Rn , φ) de T N e (V × Rm , ψ) de T M definidas como em (2.19). Mostre
que dΦx : Tx N → TΦ(x) M corresponde à aplicação
5. Mostre que o diferencial de uma aplicação suave não depende da escolha das cartas
finalizando a prova do lema 2.3.1 e conclua que a velocidade de uma curva, tal como
foi descrita na fórmula (2.42), é independente das cartas.
8. Considere uma função suave f : M → R definida sobre uma variedade suave. Encare
f como uma aplicação entre duas variedades e esclareça a diferença (quase de mera
notação) entre o diferencial df : Tx M → R, definido em (2.23), e o diferencial df :
Tx M → Tf (x) R dado por (2.44). (Sugestão: como variedade, R tem um referencial
d
global induzido pela carta Id e que se denota por dt ).
d
9. Sendo dt o referencial global de qualquer intervalo aberto I ⊂ R, mostre que qualquer
¡d¢
curva suave γ : I → M verifica vt = dγ dt .
2.4 Subvariedades
Na teoria das variedades existem dois conceitos que concorrem na designação de subvarie-
dade. Existe a classe geral das subvariedades imersas, que contem a classe das subvariedades
mergulhadas. Neste livro distinguimo-las sobretudo pela qualidade de não serem ou serem
do tipo mergulhadas26 .
Na proposição anterior, se Z é uma variedade suave e f é uma aplicação suave, será que
existe alguma relação entre as variedades f (N ) e Z? Por exemplo, poderı́amos pedir que
as cartas de Z restringidas a f (N ) dessem origem a cartas nesse subconjunto. Na secção
2.4.2 veremos que assim é, quando se impõem três condições sobre a aplicação f .
Proposição 2.4.2. Seja f : N → M uma imersão suave. Então existe uma cobertura
aberta {Uα } de N tal que, para cada α, existem um aberto Wα de M e um difeomorfismo
suave ϕα : Wα → ϕα (Wα ) ⊂ Rm (portanto uma carta de M ) tais que
© ª
f (Uα ) = y ∈ Wα : ϕα,n+1 (y) = · · · = ϕα,m (y) = 0 . (2.51)
Nas condições anteriores, notamos pela demonstração acima que f é injectiva nos abertos
Uα . Porém, se pensarmos no cruzamento de duas rectas em R2 dado por
f : R × {1, 2} −→ R2
(x, 1) −→ (x, 0) (2.52)
(y, 2) −→ (0, y)
vemos que a imagem de f não é uma variedade, embora f seja uma imersão. Aqui, o
problema está no facto de a aplicação não ser injectiva: f (0, 1) = f (0, 2). Por tudo o que
está em causa torna-se conveniente fazer a seguinte definição.
Será que, como o nome parece indicar, as subvariedades são variedades? Neste ponto,
as coisas dependem da topologia que tomarmos em f (N ). Se for a da proposição 2.4.1,
então a resposta é sim. Mas não podemos garantir a priori mais relações com as cartas de
M . Se, por outro lado, tomamos a topologia induzida em f (N ) da topologia de M , então o
subespaço f (N ) é, localmente, o lugar geométrico das raı́zes de m − n funções suaves em M ,
tal como mostra a proposição anterior. Mas o conjunto f (N ) pode não ser uma variedade!
A figura 2.14 mostra uma curva suave e injectiva imersa no plano (a curva passa no ponto
x0 e retorna a x0 somente em tempo infinito, ou seja, volta a x0 no sentido dos limites). A
curva é injectiva e supõe-se que a sua velocidade nunca se anula. No entanto ela não pode
ser uma variedade, quando a vemos munida da topologia induzida da topologia usual do
plano.
Todas as questões anteriores ficam esclarecidas e respondidas pela afirmativa se se tiver
a coincidência das topologias quociente e induzida. Para este caso necessitamos de uma
nova definição.
π| : T (f (N )) → M é suave.
3. Se P for outra variedade e g : P → M uma aplicação tal que g(P ) ⊂ f (N ), então g é
suave se, e só se, a aplicação induzida g : P → f (N ) é suave.
Por f ser uma aplicação aberta sobre a sua imagem, f (Uα ) é um aberto de f (N ) — eis
a diferença essencial. Logo θα (y) = (ϕα,1 (y), . . . , ϕα,n (y)) determina um homeomorfismo
sobre um aberto de Rn , porque as últimas m − n coordenadas de ϕα (y) são nulas (cf.
exercı́cio 3). Temos assim um atlas de f (N ) constituı́do por {(f (Uα ), θα )}. Vejamos que
são suaves as aplicações de mudança de cartas. Ora
³ ∂ ´ m
X ∂ϕα,k ◦ i ∂
m
X ∂ϕα,k ◦ i ◦ θα−1 ∂
di (y) = (y) = (y)
∂θα,j ∂θα,j ∂ϕα,k ∂zj ∂ϕα,k
k=1 k=1
Xn n
X
∂zk ∂ ∂ ∂
= (y) = δkj (y) = (y)
∂zj ∂ϕα,k ∂ϕα,k ∂ϕα,j
k=1 k=1
θα ◦ fˆ ◦ φ−1 = ϕα ◦ f ◦ φ−1
2.4 Subvariedades 81
é injectiva, também se tem de ter dfˆx injectiva. Contando as dimensões vemos que dfˆx
é um isomorfismo. Logo pelo teorema da função inversa entre variedades, fˆ : N → f (N )
é um difeomorfismo. Daqui resulta que dfx (Tx N ) = Ty (f (N )) com a identificação feita
anteriormente.
2. Usando as cartas acima vemos que a aplicação di : T (f (N )) → T M , que a cada vector
v ∈ Ty (f (N )) associa diy (v) ∈ Ty M , se descreve localmente como (ver (2.19))
f (Uα ) × Rn −→ Wα × Rm
[α, y, v] 7−→ [α, y, (v, 0)]
ϕα ◦ di ◦ θ−1 −1
α (z1 , . . . , zn , v1 , . . . , vn ) = (ϕα ◦ θα (z1 , . . . , zn ), v1 , . . . , vn , 0, . . . , 0)
= (z1 , . . . , zn , 0, . . . , 0, v1 , . . . , vn , 0, . . . , 0).
Não é preciso muito mais para concluir que di é um homeomorfismo sobre a sua imagem e
uma imersão suave. Logo T (f (N )) ⊂ T M é uma subvariedade mergulhada de T M . É claro
que π| = π ◦ di : T (f (N )) → M é suave.
3. Se a aplicação induzida ĝ : P → f (N ) é suave, então i ◦ ĝ = g também é suave. O
recı́proco deduz-se pelo mesmo método que mostrou ser suave a aplicação fˆ. ¤
Outra implicação que se extrai do teorema é que a projecção canónica do espaço tangente
de f (N ) para a variedade f (N ) se identifica com a restrição da projecção canónica do espaço
tangente π : T M → M . Contudo devemos ter sempre em conta o diagrama comutativo
di
T (f (N )) −→ T M
π↓ ↓π (2.55)
i
f (N ) −→ M
R
γ̃ : −→ M, γ̃(x + lZ) = γ(x), (2.57)
lZ
que facilmente se vê ser contı́nua quando se considera a topologia quociente no espaço
quociente. Como este coincide com S 1 , resulta que γ(R) = γ̃(S 1 ) é compacta (com a
topologia induzida de M). Logo γ̃ é um homeomorfismo sobre a sua imagem. Deixamos
como exercı́cio a prova de que γ̃ é uma imersão suave e injectiva da variedade ‘colagem’ S 1
para M .
© ª
6. Se f : N → R é uma função suave, então o seu gráfico Γf = (x, f (x)) : x ∈ N é uma
© ª
subvariedade mergulhada de N × R. Temos também que Tx Γf = (u, dfx (u)) : u ∈ Tx N .
com n independente de α.
θα = π1 ◦ ϕα |Vα : Vα −→ Rn (2.59)
Note-se que o enunciado do teorema 2.4.2 poderia mesmo servir como definição de
subvariedade mergulhada27 .
Podemos estudar objectos definidos em N de uma forma muito natural. Neste caso
particular, uma vez que T Rm = Rm × Rm , temos que a cada x ∈ N está associado um
subespaço vectorial Tx N ⊂ Rm de dimensão n (ter em conta a nota de roda-pé28 ).
Suponhamos agora que U é um aberto de N e f : U → R é uma dada função. Por
um prolongamento de f a um aberto W de Rm , W contendo U , entendemos uma função
f : W → R tal que f (x) = f (x) se x ∈ U . Por exemplo, se {(Wα , ϕα )} é uma das cartas
dadas pelo teorema 2.4.2 e U = B ∩ N 6= ∅, com B uma bola contida em Wα , então
f : B → R definida como
f (x) = f (ϕ−1
α (ϕα,1 (x), . . . , ϕα,n (x), 0, . . . , 0)) (2.61)
é um prolongamento de f . Claro que nesta situação f é suave se, e só se, f é suave. Mas
para estudar f podemos supôr um prolongamento qualquer!
Proposição 2.4.4. Nas condições acima, f : U → R é uma função suave se, e só se, existe
uma cobertura aberta {Vβ } de U e existem prolongamentos f β : Wβ → R de f|Vβ , com os
Wβ abertos em Rm e as funções f β suaves. Neste caso,
dfx = df β | : Tx N −→ R (2.62)
∀x ∈ Vβ ⊂ U .
Demonstração. Em virtude do teorema 2.4.2 a condição é necessária. Falta ver que também
é suficiente. Seja iβ : Vβ → Wβ a inclusão, ou seja, a restrição a Vβ da inclusão de N em
Rm . Sendo uma propriedade local, a suavidade de iβ está assegurada. Agora f β ◦ iβ = f|Vβ
logo f também é suave e df (u) = df|Vβ (u) = df β (diβ (u)), ∀u ∈ Tx N . ¤
Exercı́cios
2. Justifique que a imagem da imersão (2.52) não é uma variedade. O mesmo para a
figura 2.14. Dê um exemplo de uma imersão de um conexo para R2 , cuja imagem não
é uma variedade (sugestão: mostre que a figura do sı́mbolo ∞ é parametrizada por
(cos t, sen 2t)).
5. Mostre N ⊂ M é uma subvariedade mergulhada de M se, e só se, existe uma famı́lia
{Uα } de abertos de M tal que N ⊂ ∪α Uα e N ∩ Uα é uma subvariedade mergulhada
de M .
7. Tome conta dos pormenores dos exemplos 5 e 6. Generalize este último a uma
aplicação suave f : N → M . Mostre que N é difeomorfo a Γf . E que esta é di-
feomorfa a f (N ) se f (N ) é uma subvariedade mergulhada de M .
86 Capı́tulo 2. Variedades diferenciáveis
9. Considere o toro T2 descrito como o ‘quadrado colado pelas arestas’ do modo indicado
na figura 2.8. Considere a curva γ representada na figura 2.15. Demonstre que são
equivalentes as seguintes três asserções: (i) imγ é um subconjunto fechado do toro;
(ii) γ pode ser parametrizada por uma função periódica; (iii) o ângulo α verifica
tg α ∈ Q (sugestão: tomando em conta a sucessão de pontos xi ∈ R/Z, verifique que
xk = kx1 modZ, ∀k e descubra quando é que voltamos a ter xk = x1 ). Conclua que
verificada uma dessas condições, e logo qualquer uma delas, imγ é uma subvariedade
mergulhada. Mostre que no caso contrário a curva é densa em T2 e está apenas imersa
no toro.
10. Mostre que, no contexto das variedades imersas, também podemos falar do espaço
tangente a uma subvariedade.
12. Explique por que é que a função f (x, y, z) = (zx − x)/(z − 1) definida sobre S 2 \{PN }
é suave. Mostre que f se prolonga a S 2 . Tendo em conta a parametrização h(x, y) =
p
(x, y, 1 − x2 − y 2 ) de um hemisfério da esfera, encontre o espaço tangente Th(x,y) S 2
e calcule df nesse ponto.
15. Seja N ⊂ Rm uma subvariedade e seja c ∈ R uma constante não nula. Mostre que
existe um difeomorfismo de Rm para si mesmo, levando N para cN = {cx : x ∈ N }
(esta imagem chama-se uma homotetia de N ).
Teorema 2.5.1 (de construção de variedades como imagem recı́proca). Nas condições
anteriores, seja f : L → M uma submersão. Seja N ⊂ M uma subvariedade mergulhada
de dimensão n. Então
P = f −1 (N ) (2.64)
Por outro lado, Wc ∩ P consiste exactamente nos pontos x ∈ W c tais que ϕn+1 (f (x)) = · · · =
b−1
ϕm (f (x)) = 0. Fazendo x = φ (z1 , . . . , zl ) e combinando com a fórmula (2.66), resulta que
x ∈ P se, e só se,
com ji tal que l − m + ji = i. Como, pelas mesmas razões que anteriormente, também se
∂
tem ∂ϕ j
tangente a N se j ≤ n, vemos que ji ≤ n se, e só se, i ≤ l − m + n = p. Pondo de
parte a referência às bases, fica provada a condição (2.65). ¤
Então dfx (u1 , . . . , un+1 ) = 2a21 x1 u1 + · · · + 2a2n+1 xn+1 un+1 e por isso f é regular em todos
os x 6= 0. A subvariedade E = f −1 (1) é chamada de elipsóide de dimensão n. No caso em
que todos os ai são iguais a 1 voltamos a encontrar a esfera e resulta então que
© ª
Tx S n = u ∈ Rn+1 : x1 u1 + . . . + xn+1 un+1 = 0 (2.68)
Teorema 2.5.2 (mais geral de construção de variedades como imagem recı́proca). Sejam
L e M variedades suaves de dimensões l e m, respectivamente, e seja N ⊂ M uma sub-
variedade mergulhada de dimensão n. Seja f : L → M uma aplicação suave verificando a
seguinte condição de transversalidade29 :
Vejamos que a derivada dfbx : Tx L → Rm−n é sobrejectiva em todos os pontos x ∈ fb−1 (0).
Denotamos y = f (x). Dado u ∈ Rm−n , existe w ∈ Ty M tal que dhy (w) = u, logo, pela
condição de transversalidade (2.69), podemos escrever
w = dfx (v) + w1
dfbx (v) = dhy (dfx (v)) = dhy (w − w1 ) = dhy (w) − dhy (w1 ) = u
como se pretendia. Portanto 0 é um valor regular de fb. Finalmente, pelo corolário 2.5.1,
concluimos que P ∩ U é uma subvariedade mergulhada de L de dimensão l − m + n e
Tx P = ker d(h ◦ f| )x . Pelas considerações prévias, esta condição é equivalente àquela dada
em (2.70). ¤
Corolário 2.5.2. Seja L uma variedade suave de dimensão l e sejam M, N duas subvarie-
dades mergulhadas em L de dimensões m, n respectivamente. Suponhamos que é verificada
a condição de transversalidade:
Tx M + Tx N = Tx L, ∀x ∈ M ∩ N. (2.71)
Exercı́cios
2.5 Teoremas de construção de variedades 91
2. Para diferentes f ’s, descreva as partes dos conjuntos f −1 (0) que são subvariedades
de R3 , nomeadamente as componentes conexas, a dimensão e o espaço tangente: a)
f (x, y, z) = x2 − y 2 ; b) f (x, y, z) = z − x2 − y 2 — o parabolóide de dimensão 2; c)
f (x, y, z) = (y 3 − y 2 x2 + 2y 2 + x2 y − x4 + 2x2 , z) (sugestão: decomponha o polinómio
em factores).
3. Mostre que uma submersão é uma aplicação aberta (tome em consideração o exercı́cio
6 da secção 2.3).
Aplicações clássicas
As quatro secções deste capı́tulo afloram temas antigos, muito ilustrativos e fundamentais,
que hoje podem ser vistos à luz da teoria das variedades diferenciáveis. Trata-se, todavia,
de um conjunto de aplicações que nos permitirão mais tarde aprofundar o conhecimento de
todas as variedades. Com isto esperamos justificar a disparidade dos temas abordados.
Nas duas primeiras secções introduzem-se os espaços homogéneos, com particular ênfase
nos grupos de Lie, que são indispensáveis para o prosseguimento da geometria seja ela de
que ramo for (afim, algébrica, riemanniana, complexa, simpléctica, hiperbólica, etc). Nas
secções seguintes damos inı́cio ao estudo da geometria riemanniana com as definições gerais
principais e dois casos particulares: os das subvariedades de R3 de dimensões 1 e 2.
Seja K um corpo qualquer e g um espaço vectorial sobre K. Diz-se que g é uma álgebra
30
Usamos a notação multiplicativa pela razão de que muitos grupos de Lie são subgrupos de GL(Rn ).
93
94 Capı́tulo 3. Aplicações clássicas
de Lie sobre K se está definida em g uma operação bilinear (ie. K-linear em cada variável)
[ , ] : g × g −→ g (3.1)
Por exemplo, dada uma variedade suave M , o espaço dos campos vectoriais suaves XM
constitui uma álgebra de Lie sobre R com o parêntesis de Lie introduzido em 2.2.3. E
se tivermos uma subvariedade N ⊂ M , os campos vectoriais que se restringem a campos
vectoriais de N vão ter parêntesis de Lie tangente à subvariedade N (proposição 2.4.5), logo
esse subconjunto31 forma uma subálgebra de Lie de XM .
Eis um exemplo fundamental em dimensão finita. Seja gln (K) = Mn×n (K) o espaço
vectorial das matrizes quadradas de ordem n e coeficientes no corpo K. Para quaisquer
X, Y ∈ gln considere-se a operação
[X, Y ] = XY − Y X (3.3)
onde XY designa o produto usual de matrizes. Então o parêntesis [ , ] define uma operação
bilinear gln × gln → gln .
Proposição 3.1.1. gln é uma álgebra de Lie com o parêntesis de Lie dado em (3.3).
Demonstração. A propriedade de anti-simetria é imediata. Para confirmar a bilinearidade
da operação basta então averiguá-la de um lado. Sejam a, b ∈ R, X, Y, Z ∈ gln . Temos que
como querı́amos. ¤
para todo o h ∈ G. Agora, pelo que foi visto no exercı́cio 11 de 2.3, resulta então que
Recordemos que um homomorfismo Φ : G → H entre dois grupos é uma aplicação tal que
Φ(gg 0 ) = Φ(g)Φ(g 0 ), ∀g, g 0 ∈ G. Se os grupos G, H forem grupos de Lie e o homomorfismo
for uma aplicação suave entre variedades, então Φ diz-se um homomorfismo de grupos de
Lie. Sendo g, h as álgebras de Lie de G e de H, respectivamente, temos que Φ induz uma
aplicação
dΦ : g −→ h. (3.5)
donde se conclui que dLh (dΦ(X1 )) = d(Lh ◦ Φ)(X1 ) = dΦ(dLg (X1 )) = dΦ(Xg ). ¤
Muito mais há para dizer sobre álgebras e grupos de Lie do que aquilo que podemos
apresentar aqui. Para se perceber um pouco como as duas estruturas estão relacionadas
atente-se no seguinte:
Proposição 3.1.4. Se G é um grupo de Lie abeliano então a sua álgebra de Lie é abeliana,
isto é, [X, Y ] = 0, ∀X, Y ∈ g.
3.1 Grupos de Lie e álgebras de Lie 97
Demonstração. É trivial mostrar que G × G é sempre um grupo de Lie e que a sua álgebra
de Lie é g × g com o produto directo da estrutura de g (cf. exercı́cios 16 e 17). Mais ainda,
[(X, 0), (0, Y )] = 0, ∀X, Y ∈ g.
Agora, seja p : G × G → G a aplicação produto. Pela hipótese, p é um homomorfismo
de grupos, porque
Passemos de imediato a um resultado prático que nos permite apresentar e estudar vários
exemplos de grupos de Lie. Considere-se o espaço vectorial Mn = Mn×n (R) das matrizes
quadradas de ordem n. Lembremos que a topologia que se usa em Mn permite identificar
2
Mn = L(Rn , Rn ) = Rn , primeiro como espaços topológicos e depois como variedades suaves.
Logo, podemos escrever
T Mn = Mn × Mn . (3.6)
Repare-se ainda que, como espaço vectorial, Mn coincide com gln (R). Recordemos que o
grupo linear GL(Rn ) (definido na secção 1.1) é um grupo com a operação de composição
de aplicações. Trata-se de um aberto isomorfo e difeomorfo ao grupo GLn (R) das matrizes
invertı́veis, que é um aberto de Mn , com o produto usual de matrizes.
Proposição 3.1.5. GLn (R) é um grupo de Lie e a sua álgebra de Lie é gln (R).
Teorema 3.1.1 (receita para diversos casos práticos). Seja V um espaço vectorial real e
N ⊂ V uma subvariedade mergulhada. Seja f : Mn → V uma aplicação suave. Suponhamos
que G = f −1 (N ) é um subgrupo de GLn (R) e que os pontos de G são pontos regulares de
f . Então:
98 Capı́tulo 3. Aplicações clássicas
[X, Y ] = XY − Y X (3.7)
Tomemos agora dois campos vectoriais invariantes à esquerda X, Y . Pelo que já se viu,
Xg = gX1 , ∀g ∈ G, e o mesmo se passa com Y . Para calcularmos [X, Y ], que já sabemos
ser de novo um campo vectorial suave invariante à esquerda, basta ver como actua numa
∞ . Basta então avaliar o resultado no ponto 1. Tem-se
função w ∈ CG
¡ ¢
(X ·(Y ·w))1 = d g 7→ dwg (gY1 ) (X1 ) = d2 w1 (Y1 , X1 ) + dw1 (X1 Y1 ).
Note-se que os resultados do teorema anterior são válidos para todo o subgrupo de GLn
que seja subgrupo de Lie.
Yg T (Y g) T Y Y
dfg (X) = g +g = gg T + gg T = Y. (3.8)
2 2 2 2
Pelo teorema 3.1.1 concluı́mos que On = f −1 (1) é um grupo de Lie e que a sua álgebra
de Lie é son = {X ∈ gln (R) : X = −X T }, ou seja, o espaço vectorial das matrizes anti-
simétricas. Logo a dimensão de On é n(n − 1)/2.
4. Note-se que, sendo gg T = 1, então det(g) = ±1. Logo SOn = On ∩ SLn = On ∩ GLn,+
é um grupo de Lie, chamado grupo ortogonal especial. A sua álgebra de Lie é son
também.
5. Outro grupo de Lie clássico é o grupo simpléctico Sp2n (R) cuja apresentação relegamos
para o exercı́cio 10. A sua álgebra de Lie denota-se por sp2n (R).
2
6. Pensando em Mn×n (C) como R2n e lembrando que o determinante complexo goza das
mesmas propriedades que o determinante real, podemos definir os grupos de Lie GLn (C),
SLn (C), On (C) e Sp2n (C) tal como acima. Tendo em conta o isomorfismo canónico entre C
e R2 , bem como o exercı́cio 5, as álgebras de Lie dos três primeiros grupos são as subálgebras
de Lie de gl2n (R), respectivamente, gln (C), sln (C) e son (C). Para o grupo simpléctico te-
mos sp2n (C) ⊂ gl4n (R). Estes grupos de Lie, que são variedades suaves, recebem o epı́teto
de complexos 32 .
7. Continuando a pensar na estrutura meramente real de Mn×n (C), temos ainda o grupo
unitário Un = {g ∈ GLn (C) : gg ∗ = 1}. (Recorde que g ∗ é a matriz transconjugada
32
E são de facto variedades analı́ticas complexas, cujo estudo este livro não abarca. Repare-se que o
determinante complexo é uma função holomorfa...
100 Capı́tulo 3. Aplicações clássicas
Exercı́cios
1. Sejam M, N, P três variedades suaves e f : M × N → P uma aplicação suave. Seja
X ∈ XM e considere y ∈ N e u ∈ Ty N fixados. Prove que a aplicação de M em T P
é suave.
6. Mostre que o conjunto das transformações afins Aff (Rn ) = {f ∈ Diff (Rn ) :
f (x) = Ax + b, A ∈ GLn , b ∈ Rn } é um grupo de Lie e que GLn é um seu subgrupo
de Lie. Se conhece bem a teoria dos grupos, descreva Aff (Rn ) como um produto
semi-directo.
7. Seja e1 , e2 ∈ R2 uma base. Mostre que a operação bilinear gerada por [e1 , e2 ] = e1
fornece uma estrutura de álgebra de Lie a R2 . Será a álgebra de Lie de algum grupo
de Lie33 ? Encontre-o.
33
A resposta afirmativa a este problema, mas para todas as álgebras de Lie, é um dos grandes teoremas
de Sophus Lie (matemático norueguês, 1842-1899).
3.1 Grupos de Lie e álgebras de Lie 101
11. Tendo em conta o exercı́cio 5, mostre que GLn (C) ∩ Sp2n (R) = GLn (C) ∩ SO2n = Un .
12. Determine as equações do grupo SOn (C) em termos das entradas das matrizes que o
compõem, para n = 1 e n = 2. Serão compactos tal como os grupos ortogonais reais
SOn ?
17. Prove que o produto directo G1 × G2 de dois grupos de Lie é um grupo de Lie. Mostre
que a álgebra de Lie associada àquele produto é o produto das respectivas álgebras
de Lie de G1 e G2 descrito no exercı́cio anterior.
34
Outro grande teorema de S. Lie: se duas álgebras de Lie são isomorfas, os seus respectivos grupos de Lie
são localmente isomorfos (isomorfos numa vizinhança de 1). Assim, as álgebras de Lie determinam unı́voca
e infinitésimalmente os grupos de Lie.
102 Capı́tulo 3. Aplicações clássicas
α : G × M −→ M (3.12)
tal que
∀x, y ∈ M, ∃g ∈ G : y = gx (3.14)
ou seja, a órbita de cada ponto x ∈ M é igual a M . Tem-se neste caso que o subgrupo de
isotropia de y, digamos tal que y = gx, verifica Gy = gGx g −1 , isto é, é igual ao conjugado
por g do subgrupo de isotropia de x.
π : G −→ G/H
(3.16)
g 7−→ gH
pelo que G/H está munido da topologia quociente (vinda de G por π). Define-se em seguida
uma nova acção, agora de G em G/H, escrevendo
α : G × G/H −→ G/H
(3.17)
(g, g1 H) 7−→ gg1 H
(se g1 H = g2 H, então gg1 H = gg1 (g1−1 g2 )H = gg2 H; logo α está bem definida). Repare-se
que o subgrupo de isotropia de g1 H coincide com g1 Hg1−1 .
α ◦ (Id × π) = π ◦ p
H ser fechado, p−1 (H) também é fechado. Por hipótese, (g1 , g2−1 ) não pertence a p−1 (H).
Existe então uma vizinhança W × U2 daquele par ordenado que não intersecta p−1 (H).
Agora, tomando uma vizinhança U0 de 1 tal que U0 = U0−1 — lembrar que a passagem ao
inverso é um homeomorfismo e que aplica 1 em 1, pelo que existe tal U0 —, podemos já
supôr que W = U0 g1−1 . Temos então, de forma equivalente, a condição U0 g1−1 U2 ∩ H = ∅.
Note-se que também U1 = g1 U0 é uma vizinhança de g1 . Finalmente, suponhamos que
U1 H ∩ U2 H 6= ∅. Então existem h1 , h2 ∈ H, u0 ∈ U0 , u2 ∈ U2 tais que g1 u0 h1 = u2 h2 . E
daqui resulta u−1 −1 −1
0 g1 u2 = h1 h2 ∈ H, o que é absurdo. ¤
Teorema 3.2.2. Seja H um subgrupo fechado de um grupo de Lie G. Então o espaço G/H
tem uma estrutura de variedade suave de tal modo que α é suave e π é uma submersão.
Mais ainda, podemos identificar
f : G/K −→ M
(3.19)
gK 7−→ gx0
canónica para a tal base de RN cujos primeiros n vectores formam uma base de W , é um
isomorfismo linear. Portanto, para todo o W existe g ∈ GLN tal que g(Re1 +· · ·+Ren ) = W ;
logo a acção é transitiva.
Vejamos agora o subgrupo de isotropia e o espaço tangente. Para cada ponto W fixado,
um isomorfismo g ∈ GLN fixa W se, e só se, a composição
g| p RN
W −→ RN −→ (3.24)
W
¡ N¢
é nula. Sendo X 7→ X = p ◦ X| um epimorfismo de MN sobre L W, RW , vemos que o
subgrupo de isotropia da acção é H = {g ∈ GLN : g = 0}. Recorrendo a uma base de RN
que contenha uma base de W apercebemo-nos de imediato que H é isomorfo a GLn,N −n (R),
como querı́amos provar. Finalmente
µ ¶
glN (R) RN
TW (Gr(n, N )) = ' L W, (3.25)
{X : X = 0} W
ou seja, cada ponto identifica a recta por si gerada. Tais coordenadas são indicadas para
quando se quer estudar, por exemplo, as funções homogéneas...
Outro tipo de coordenadas é dado pelo seguinte atlas com m + 1 cartas. Estas estão
definidas nos abertos
© ª
Ui = [x0 , . . . , xi , . . . , xm ] ∈ Pm (R) : xi 6= 0 (3.27)
onde i = 0, . . . , m. As aplicações
³x xi−1 xi+1 xm ´
0
[x0 , . . . , xm ] 7−→ ,..., , ,..., (3.28)
xi xi xi xi
representam homeomorfismos de Ui , com a topologia quociente, para Rm . Verifica-se que
qualquer aplicação de mudança de cartas, entre as cartas daquele tipo, é suave37 . Os ‘mapas’
(3.28) tomam o nome de coordenadas afins de Pm (R).
Proposição 3.2.3. Para todo o n ∈ N, os grupos ortogonais especiais SOn são conexos;
os grupos ortogonais On têm duas componentes conexas.
Recordemos da teoria dos grupos que uma acção de um grupo G num espaço M se diz
livre se não tem pontos fixos, ie., ∀x ∈ M, g ∈ G, se gx = x, então g = 1. O mesmo é
108 Capı́tulo 3. Aplicações clássicas
Consideremos um grupo de Lie Γ que tenha a topologia discreta (eg. o grupo dos inteiros
Z). Suponhamos que Γ actua suavemente numa variedade suave M . Tal é simplesmente
equivalente à suavidade de cada um dos difeomorfismos g : M → M , g ∈ Γ. De novo,
denotamos por M/Γ o conjunto das órbitas, que herda a topologia quociente por meio de
π : M → M/Γ. Na proposição 3.2.1 vimos que π é aberta .
Para cada subconjunto U ⊂ M vamos denotar
© ª
ΓU = g ∈ Γ : g(U ) ∩ U 6= ∅ . (3.29)
Lema 3.2.2. Seja Γ × M → M uma acção propriamente descontı́nua e livre. Então, para
todo o x ∈ M existe uma vizinhança U0 de x em M tal que ΓU0 = {1}.
Demonstração. Por hipótese existe uma vizinhança U de x onde ΓU é finito. Agora, para
cada g ∈ ΓU \{1} existe uma vizinhança Vg de x tal que g(Vg ) ∩ Vg = ∅. Se tal não fosse
verdade e toda a vizinhança V de x tivesse intersecção não vazia com g(V ), então existiriam
sucessões {yl }l∈N e {yl0 }l∈N convergindo para x e tais que g(yl ) = yl0 . Tomando o limite em
l encontrarı́amos x como um ponto fixo de g, o que é impossı́vel por a acção ser livre. Como
ΓU é finito, pomos V1 = U e tomamos
\
U0 = Vg
g∈ΓU
Demonstração. Sejam x, y ∈ M tais que Γx∩Γy = ∅, ou seja, π(x) 6= π(y). Tomamos então
as vizinhança U0 de x e V0 de y dadas pelo lema 3.2.2, as quais, por M ser de Hausdorff,
podemos supôr tão pequenas de tal modo que U0 ∩ V0 = ∅. Em seguida, admitindo já que
V0 é uma vizinhança compacta38 , provamos que existe um número finito de g ∈ Γ tais que
V0 ∩gU0 6= ∅. Com efeito, se existisse uma sucessão infinita de pontos vi ∈ V0 ∩gi U0 , com os
gi distintos, então existiria uma subsucessão convergente vij em V0 , por este ser compacto.
Mas, então, a partir de certa ordem j0 ter-se-ı́a gij U0 ∩ gij0 U0 6= ∅ e logo gij = gij0 , ∀j ≥ j0 ,
o que é absurdo.
38
As variedades são localmente homeomorfas ao espaço euclidiano, logo podemos invocar o teorema 1.3.1.
3.2 Acções de grupos de Lie em variedades 109
ΓU0 ∩ ΓV0 = ∅
Teorema 3.2.3. O espaço das órbitas M/Γ admite uma e uma só estrutura de variedade
suave tal que
π : M → M/Γ (3.30)
é um difeomorfismo local. Mais precisamente, π| : U → π(U ) é um difeomorfismo em cada
aberto U tal que ΓU = {1}. Em particular, dim M/Γ = dim M .
Demonstração. Já vimos que são satisfeitas as condições topológicas exigidas em geral para
um espaço topológico poder ser uma variedade.
Vejamos a questão magna da cartografia. Seja n a dimensão de M ; tomamos em cada
ponto π(x), para x ∈ M , a carta
τ = φ ◦ π|U −1 : π(U ) −→ Rn
onde (U, φ) é uma carta de M com um domı́nio aberto suficientemente pequeno de tal
modo que ΓU = {1}. Tal carta existe, como o lema 3.2.2 permite mostrar. Note-se que π|U
é um homeomorfismo porque é bijectiva, contı́nua e, já se viu, aberta. Agora, analisemos as
aplicações de mudança de cartas τ 0 ◦ τ −1 induzidas por cartas (U, φ), (V, ψ) de M tais que
π(U ) ∩ π(V ) 6= ∅. Para x ∈ U tal que π(x) aparece nesta última intersecção — suponhamos
já π(U ) = π(V ) ou restrinja-se o domı́nio — existe um único g ∈ Γ tal que gU = V . Sendo
Lg : U → V esta multiplicação, verifica-se então que
−1
τ 0 ◦ τ −1 = ψ ◦ π|V ◦ π|U ◦ φ−1 = ψ ◦ Lg ◦ φ−1 (3.31)
é de facto uma aplicação suave. Note-se que pode acontecer g = 1 e então o resultado segue
por M ser uma variedade suave. Como x é qualquer, está provado que τ 0 ◦ τ −1 é suave no
seu domı́nio.
Resulta por construção que π|U é um difeomorfismo sobre π(U ), em cada aberto U onde
π for bijectiva. ¤
Repare-se que M/Γ pode ser vista como uma “colagem”de M consigo própria. De facto
a acção de Γ dá lugar a difeomorfismos g : M → M e podemos afirmar que as equações
(2.10) são trivialmente satisfeitas. Ou seja, dados x, y ∈ M pomos x ∼ y se y = gx para
algum g...
110 Capı́tulo 3. Aplicações clássicas
Sn
Pn (R) = (3.32)
{±Id}
A construção das variedades quociente obtidas da forma que se explicou acima são parte
de outro tema da geometria e topologia, a saber, os espaços de cobertura.
Exercı́cios
1. Mostre que o conjunto das matrizes invertı́veis do tipo (3.23) define um subgrupo de
Lie GLn,N −n (R) ⊂ GLN (R).
2. Mostre que Gr(n, N ) também é igual a ON /(On × ON −n ). (Sugestão: recorra aos co-
nhecimentos sobre ortogonalidade já invocados.) Sabendo que On é compacto deduza
que Gr(n, N ) é compacto. Mostre que as grassmanianas têm apenas uma componente
conexa, ie. são conexas (sugestão: lembrar que On tem duas componentes e que a
projecção para Gr(n, N ) é contı́nua e logo aplica conexos em conexos).
6. Seja Aff (Rn ) o grupo das transformações afins de Rn . Mostre que Aff (Rn )/GLn =
Rn (cf. exercı́cio 6 de 3.1) e conclua que Rn também é uma variedade homogénea.
Descreva a álgebra de Lie g do subgrupo
© ª
E(2) = f ∈ Aff (Rn ) : f (x) = g(x) + b, g ∈ On , (3.33)
7. Seja R+ = {λ1 ∈ GLn : λ > 0}. Mostre que GLn,+ /R+ é um grupo de Lie isomorfo
a SLn .
g(Fi ) ⊂ Fi (3.34)
9. Verifique que as coordenadas afins (3.28) do espaço projectivo estão bem definidas e
que são suaves as mudanças de carta.
10. Mostre que uma função homogénea f : Rm+1 → Rl+1 de grau α ≥ 0, ie. tal que
e não nula define uma e uma só função f˜ : Pm (R) → Pl (R) tal que π ◦ f = f˜ ◦ π, onde
π representa qualquer uma das projecções de Rk+1 para Pk . Mostre que se f é suave,
então f˜ é suave.
12. Mostre que um subgrupo Γ de um grupo de Lie G que actua sobre uma variedade M ,
actua própria descontı́nuamente sobre M se, e só se, Γ tem a topologia discreta.
13. Justifique que P2 (R) contem uma banda de Möbius. Mostre que P2 (R) é a variedade
que se procurava no exercı́cio 4 da secção 2.1. Prove de novo, usando (3.32), que todos
os espaços projectivos são compactos e conexos.
14. Mostre que {±1} actua livre e própria descontı́nuamente em SL2n . A variedade
quociente que se obtém denota-se por P SL2n .
15. Prove que o conjunto de todas as rectas de R2 está em bijecção com R2 \{0} ∪ S 1 .
Existe então uma relação de equivalência entre as bases de um espaço vectorial orientado,
com duas classes de equivalência: dadas duas bases ordenadas elas estão orientadas no
mesmo sentido ou não; não há terceira hipótese (cf. exercı́cio 1). Damos, finalmente, o
nome de orientação de V à escolha de uma destas classes — em princı́pio, a classe que
contém uma base directa. Chama-se orientação inversa à outra classe.
Por exemplo, a orientação canónica de Rn é a que toma a base canónica (1.43), que é
um referencial suave e global, como base directa.
Dada uma variedade orientável M , para cada carta φ = (φ1 , . . . , φn ) definida num aberto
conexo U de M , podemos dizer que é uma carta que preserva a orientação ou inverte
a orientação, conforme o referencial
∂ ∂
1
,..., n (3.36)
∂φ ∂φ
é directo (ie. directo em cada ponto), ou retrógrado. Repare-se que se a carta φ preserva a
orientação, então a carta (−φ1 , φ2 , . . . , φn ) inverte a orientação.
Lema 3.3.1. Uma variedade M é orientável se, e só se, cada Tx M tem uma orientação e
é verificada a seguinte condição de continuidade: cada x ∈ M tem uma vizinhança U na
qual está definido um referencial X U suave e directo.
Demonstração. Usando cartas em torno de cada ponto x, já vimos que a condição descrita
no lema é necessária. Vejamos que é suficiente. Seja, por hipótese, W um aberto conexo de
M onde está definido um referencial suave X qualquer. Seja x0 ∈ W e suponhamos, sem
perda de generalidade, que esse referencial é directo em x0 . Seja
© ª
W 0 = x ∈ W : o referencial X é directo em x .
Um ponto x1 ∈ W está em W 0 se, e só se, a componente conexa contendo x1 da vizinhança
U ∩ W , onde U é dado pelo enunciado, está contida em W 0 . Com efeito, o determinante é
uma função contı́nua, logo a matriz de mudança do referencial X para o referencial X U tem
determinante positivo num ponto x1 se, e só se, tem determinante positivo na componente
conexa que contém esse ponto. Ou seja, tanto W 0 como o seu complementar em W são
abertos em W . Como x0 ∈ W 0 e W é conexo, concluı́mos que W 0 = W . Ou seja, concluı́mos
que o referencial X é directo em todo o seu domı́nio. ¤
Não existem dúvidas sobre o número de orientações de uma variedade suave e conexa:
ou há duas orientações, uma inversa da outra, ou não há nenhuma! Tal é consequência do
próximo lema.
114 Capı́tulo 3. Aplicações clássicas
Lema 3.3.2. Seja M uma variedade conexa e orientável. Então existe apenas uma outra
orientação em M .
Proposição 3.3.1. Uma variedade M é orientável se, e só se, M admite um atlas A =
{(Uα , φα )} tal que as mudanças de carta
φβ ◦ φ−1
α : φα (Uα ∩ Uβ ) −→ φβ (Uα ∩ Uβ ) (3.37)
Demonstração. Basta considerar, ou assumir, que as cartas de um tal atlas são as que
preservam a orientação. ¤
Como a esfera S n admite um atlas com duas cartas apenas — as projecções estere-
ográficas (2.14) — e, para n > 1, a intersecção dos domı́nios destas duas cartas é conexo, é
claro pela proposição que S n é uma variedade orientável. A orientabilidade de S 1 também
é válida e deixa-se como exercı́cio a sua verificação.
Demonstração. Aplicamos a proposição 3.3.1. Olhando para o teorema 3.2.3 e sua demons-
tração, vemos que as cartas positivamente orientadas de M induzem cartas positivamente
orientadas de M/Γ e, pela fórmula (3.31), concluı́mos que esta definição é coerente se todos
os g : M → M preservam a orientação.
Recı́procamente, suponhamos que M é conexa e M/Γ é orientável. Então o difeomor-
fismo local π : M → M/Γ preserva ou inverte a orientação, localmente. Por M ser conexa,
3.3 Variedades orientáveis 115
podemos admitir já que dπ transforma cada referencial suave e directo num aberto de M em
um outro sobre um aberto de M/Γ. Mas como π(gx) = π(x) e portanto dπgx ◦ dgx = dπx
para todo o x ∈ M , devemos concluir que dgx : Tx M → Tgx M preserva a orientação. ¤
Exercı́cios
6. Mostre que a banda de Möbius não é orientável. Usando este resultado verifique de
novo que P2 (R) não é orientável.
39
Chamado o antı́poda de x.
116 Capı́tulo 3. Aplicações clássicas
h , i : V × V −→ R (3.38)
com as propriedades: (i) hu, vi = hv, ui, ∀u, v ∈ V , (chamada de simetria) e (ii) hu, ui ≥
0, ∀u ∈ V , com igualdade se, e só se, u = 0 (chamada propriedade de definida positiva).
que é o produto interno canónico do espaço euclidiano. Por esta razão também se dá o nome
de euclidiano a qualquer espaço vectorial munido de um produto interno (cf. corolário
1.3.2).
Associada a um produto interno está sempre uma norma. Com efeito, verifica-se ime-
p
diatamente que kuk = hu, ui tem as propriedades requeridas para ser uma norma. Em
particular, a norma associada ao produto interno euclidiano é a norma euclidiana.
V = F ⊕ F ⊥. (3.40)
u1 = v1 /kv1 k
j−1
X (3.42)
e, para j = 2, . . . , n, uj = ûj /kûj k onde ûj = vj − hvj , ui iui ,
i=1
dá lugar a uma base ortonormada {u1 , . . . , un } de V . Para a demonstração de que ûj 6= 0
deve-se usar o ponto 3 da proposição 3.4.1.
h , i : V1 × V2 × V1 × V2 −→ R (3.43)
Uma aplicação linear f : V1 → V2 entre dois espaços com produto interno diz-se
isométrica se kf (u)k = kuk, ∀u ∈ V1 . A aplicação f diz-se uma isometria se for bi-
jectiva e isométrica.
118 Capı́tulo 3. Aplicações clássicas
Teorema 3.4.1. Se V é um espaço vectorial de dimensão finita com produto interno, então
existe um isomorfismo natural entre V e o seu dual V ∗ . Explicitamente, v 7→ hv, i é um
isomorfismo que não depende das bases.
A demonstração do teorema é trivial. Note-se que hv, i denota a aplicação u 7→ hv, ui.
Lembremos ainda que os elementos de V ∗ se chamam formas lineares.
Podemos agora transportar o produto interno de V para V ∗ , fazendo deste último um
espaço vectorial com produto interno. O isomorfismo do teorema torna-se uma isometria e,
em particular, kvk = khv, ik.
Então X X
hu, vi = xi yj hui , uj i = xi gij yj = X t GY. (3.47)
i,j i,j
P
Agora, se f : V → V é uma aplicação linear e f (ui ) = j aij uj , então, escrevendo
ad ad
A = [aij ] e sendo A a matriz de f , a equação (3.44) escreve-se
em conjunto com o exercı́cio 3. Numa base ortonormada vê-se logo que a matriz de f −1 é
a transposta da matriz de f . Sendo o grupo das isometrias de V um subconjunto fechado
da superfı́cie esférica do espaço normado L(V, V ), concluı́mos que é compacto. ¤
Repare-se que o espaço C dos produtos internos num mesmo espaço vectorial V é um
cone convexo (cf. exercı́cio 4). Mais ainda, dados dois produtos internos x0 , x1 ∈ C fixe-
mos uma base ortonormada para o primeiro; como existe uma base ortonormada para o
segundo e existe uma aplicação linear de mudança de base, vemos que GLn actua transitiva
e suavemente40 em C e que o subgrupo de isotropia é On . Em conclusão, temos
como mais um exemplo de uma variedade homogénea. A segunda igualdade resulta sim-
plesmente de se fixar uma orientação em V e de pensar que, se existem bases ortonormadas,
também existem bases ortonormadas directas.
Corolário 3.4.1. O grupo de Lie GLn dos isomorfismos lineares tem duas componentes
conexas: GLn,+ = det−1 (]0, +∞[) e det−1 (] − ∞, 0[).
Demonstração. A demonstração repete a ideia usada na proposição 3.2.3, provando que não
pode haver mais que uma componente conexa que se projecte no conexo C. Referimo-nos à
projecção
π : GLn,+ −→ C
40
C está contido no espaço das aplicações bilineares simétricas, que é um espaço vectorial e por isso tem
uma topologia canónica dada por alguma norma.
120 Capı́tulo 3. Aplicações clássicas
h , ix : Tx M × Tx M −→ R
As noções descritas nos espaços vectoriais com p.i. generalizam-se às variedades rie-
mannianas. Podemos falar de campos vectoriais perpendiculares ou ortogonais X e
Y como aqueles para os quais hX, Y i = 0. Podemos também falar de um campo vectorial
unitário ou de um referencial ortonormado, com definições óbvias.
No seguimento do que se disse anteriormente, se A : T M → T M é um endomorfismo
do espaço tangente, isto é, A aplica de forma linear cada Tx M em cada Tx M , então sendo
M uma variedade riemanniana podemos falar do adjunto de A extrapolando da definição
(3.44). Mais ainda, todas as proposições encontradas na secção 3.4 têm um equivalente no
contexto actual.
Para falarmos de isometrias temos de ser mais cuidadosos. Dizemos que uma aplicação
suave f : M → N entre duas variedades riemannianas é uma aplicação isométrica se
3.4 Introdução à geometria riemanniana 121
Exercı́cios
1. Demonstre a fórmula de soma directa (3.40). Mostre que o processo de ortonorma-
lização de Gram-Schmidt (3.42) é legı́timo e conduz ao resultado esperado.
3. Mostre que f : V1 → V2 é uma aplicação linear isométrica se, e só se, f é uma aplicação
que verifica hf (u1 ), f (u2 )i = hu1 , u2 i, ∀u1 , u2 ∈ V1 .
5. Mostre que SOn é o subgrupo das isometrias que preservam uma orientação fixada
em Rn . Descreva a acção referida antes do corolário 3.4.1. (Sugestão: sendo G0 a
matriz de uma métrica, mostre que outra métrica qualquer é igual a g t G0 g para algum
g ∈ GLn .) Conclua que C também é igual a GLn,+ /SOn .
6. Recorrendo a fórmulas deduzidas no texto, mostre que det f ad = det f . Conclua que
a adjunta de um isomorfismo é um isomorfismo. O mesmo para o traço.
8. Defina a função coseno do ângulo descrito por dois campos vectoriais numa variedade
riemanniana.
apenas o excerto de γ entre r(a0 ) e r(b0 ), com a ≤ a0 < b0 ≤ b, então admitimos que a
curva é percorrida por r1 no mesmo sentido que r e que, sendo ξ a mudança de carta, temos
r = r1 ◦ ξ, ξ(a0 ) = c, ξ(b0 ) = d. Daqui resulta que r0 = r10 ◦ ξ ξ 0 e que ξ é crescente. Logo
teremos as respectivas funções de comprimento de arco s, s1 a verificar s1 ◦ ξ = s se, e só
se, as suas derivadas forem iguais. Mas isto é evidente:
Demonstração. Pela proposição 2.3.2, M é conexa por arcos seccionalmente suaves, pelo que
a função distância d está definida em M × M . d é simétrica, porque qualquer caminho pode
ser percorrido no sentido inverso, com isso não alterando o seu comprimento (cf. exercı́cio
1). A condição d(x, y) = 0 ⇔ x = y também é de demonstração imediata. Vejamos a
desigualdade triangular. Sejam x, y, z ∈ M . Uma vez que para cada par de curvas γx,y , γy,z
temos uma curva γ̃x,z construı́da por justaposição daquelas duas, é claro que se vai ter
Os pontos de uma curva onde a sua velocidade se anula dizem-se pontos singulares.
Uma curva diz-se regular se não tem pontos singulares (cf. ponto crı́tico e ponto regular na
seccção 2.5) e, de facto, esta definição não depende da parametrização escolhida (exercı́cio
2).
É importante ter presente que uma curva pode ser representada de diversas maneiras.
As mais comuns são a paramétrica — aquela a que estamos habituados — e a implı́cita,
se tivermos uma função suave f : U ⊂ R3 → R2 que tome um valor regular (y1 , y2 ). Tal é
consequência imediata do corolário 2.5.1.
P1
P0
Derivando a igualdade hl0 , l0 i = 1, resulta hl00 , l0 i + hl0 , l00 i = 0 e logo hl0 , l00 i = 0. Assim se vê
que ~k = l00 .
Em norma, a curvatura mede quão curva é a curva: curvatura nula significa que temos
uma recta. Basta ver que, sendo l00 (τ ) = 0, ∀τ , só podemos ter uma recta l(τ ) = l0 +
v0 τ, l0 , v0 constantes. Por outro lado, no plano, curvatura não nula constante em norma
significa que estamos em presença de uma circunferência. Vejamos primeiro o seguinte
resultado.
Proposição 3.5.1. No plano R2 seja dada a curva regular p(x) = (x, y(x)), com x a
variar em certo intervalo aberto, e suponhamos fixado um ponto p0 = p(x0 ). Seja α(x) =
R x1 0
arctg y 0 (x) e seja Lpd
0 p1 = L(p|[x ,x ] ) = x0 kp (t)kdt. Então
0 1
|α(x1 ) − α(x0 )|
k~kp0 k = lim (3.55)
x1 →x0 Lpd 0 p1
Para facilitar a escrita vamos denotar κ = k~kk, função escalar que também toma o nome
de curvatura e que é igualmente um invariante geométrico.
É fácil de advinhar que uma hélice circular r(t) = (R cos t, Rsen t, ct) tem k~kk constante,
portanto a conclusão de que, sendo a curvatura constante, a curva é uma circunferência,
não é lı́cita no espaço R3 ; apenas no plano.
Em R3 existe ainda um único vector ~b tal que {~t, ~n, ~b} forma uma base ortonormada com
a orientação directa. ~b é a binormal. É trivial verificar que aquele referencial é suave ao
longo da curva γ (definido apenas na condição de κ 6= 0). Tem-se h~b, ~ti = 0, donde se obtém
0 = h~b0 , ~ti + h~b, ~t0 i = h~b0 , ~ti + h~b, ~ni = h~b0 , ~ti.
Então só podemos concluir que ~b0 = −τ~n para alguma função escalar. A esta função τ
definida sobre a curva dá-se o nome de torsão; com efeito, τ é um invariante da parametriza-
ção e mesmo do sentido em que a curva é percorrida (exercı́cio 6).
Exercı́cios
1. Justifique cabalmente que qualquer curva suave r : [a, b] → M tem uma orientação
induzida pela orientação de R, ie. tem um sentido, e que pode ser parametrizada no
sentido inverso, mantendo o comprimento.
2. Mostre que a noção de curva regular não depende da escolha da sua carta (ie. da
parametrização).
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4. Seja A : R3 → R3 uma aplicação linear. Mostre que ~k(A(γ)) = A(~k(γ)) para qualquer
curva γ se, e só se, A é uma isometria.
[Ati79] M. Atiyah. Geometry of Yang-Mills fields. Scuola Normale Superiore, Pisa, 1979.
[BG88] M. Berger and B. Gostiaux. Differential geometry: manifolds, curves and surfaces.
Springer, Berlin, 1988.
[DA83] F. R. Dias Agudo. Introdução à álgebra linear e geometria analı́tica I e II. Escolar
Editora, Lisboa, 1983.
[DA89] F. R. Dias Agudo. Análise real, volume I. Escolar Editora, Lisboa, 1989.
[Die44] J. Dieudonné. Une généralisation des espaces compacts. J. Math. Pures Appl.,
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[Hel78] S. Helgason. Differential geometry, Lie groups, and symmetric spaces. Academic
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[KF82] A. N. Kolmogorov and S.V. Fomin. Elementos da teoria das funções e de análise
funcional. Mir, Moscovo, 1982.
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Índice
130
131
fronteiro, 16 Lagrange, 37
interior, 16 Lindelöf, 11
regular, 89 Pitágoras, 117
singular, 124 Rolle, 37
pré-compacto, 19 Schwarz, 34
preserva a orientação, 112, 114 Tietze-Urysohn, 27
produto interno, 116 Urysohn, 27
euclidiano, 116 Weierstrass, 14
produto riemanniano, 120 Whitney, 53
projecção canónica, 65 topologia, 9
projecção estereográfica, 59 base, 10
prolongamento, 84, 86 caótica, 10
de espaço métrico, 18
referencial, 66 discreta, 10
ortonormado, 120 gerada por, 10
suave, 66 induzida, 11
refinamento, 26 produto, 14
relacionados; campos vectoriais, 76
quociente, 15
rotação, 44
toro, 58
torsão, 126
sentido negativo ou retrógrado, 112
traço, 42
sentido positivo ou directo, 112
separável, 11 transformação
soma directa, 7 afim, 100
suave, 36, 64, 70, 71 transformação linear, 6
subálgebra de Lie, 94
valor regular, 89, 124
subespaço
variedade
topológico, 11
colagem, 57
vectorial, 7
de classe C k , 55
subgrupo de isotropia, 102
subgrupo de Lie, 93 diferenciável de classe C ∞ , 55
submersão, 87 homogénea, 104
subvariedade, 77–79 orientável, 113
imersa, 78 produto cartesiano, 56
mergulhada, 79 quociente, 109
riemanniana, 121 riemanniana, 120
sucessão suave, 55
de Cauchy, 20 topológica, 55
subsucessão, 19 variedade de bandeira, 111
suporte, 28 vector, 5
normado, 117
tangente, 126 tangente, 63, 126
teorema unitário, 117
Bolzano, 29 vectores
Bolzano-Weierstrass, 22 perpendi. ou ortogonais, 116
Dieudonné, 27 velocidade, 70, 122
do ponto fixo, 51 vizinhanças, 10
134