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URBANI

DADE
GOSPEL

MEGATEMPLOS E POLÍTICAS DE
EXPERIÊNCIA URBANA EVANGÉLICA
RIO E CURITIBA

Rita de Cássia Gonçalo Alves


IPPUR/UFRJ
URBANIDADE GOSPEL:
Megatemplos e Políticas de experiência urbana evangélica
Rio e Curitiba

RITA DE CÁSSIA GONÇALO ALVES

Material de Qualificação de Tese apresentado ao


Curso de Doutorado do Programa de Pós-
Graduação em Planejamento Urbano e Regional
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do
grau de Doutora em Planejamento Urbano e
Regional.

Orientadora: Profª. Dra. Tamara Tânia Cohen Egler

Rio de Janeiro
2019
RITA DE CÁSSIA GONÇALO ALVES

URBANIDADE GOSPEL:
Megatemplos e Políticas de experiência urbana evangélica
Rio e Curitiba

Material de Qualificação de Tese apresentado ao


Curso de Doutorado do Programa de Pós-
Graduação em Planejamento Urbano e Regional
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do
grau de Doutora em Planejamento Urbano e
Regional.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________
Profª. Dra. Tamara Tânia Cohen Egler (IPPUR-UFRJ)

_________________________________________________
Prof. Dr. Pedro de Novais Lima Junior (IPPUR-UFRJ)

_________________________________________________
Prof. Dr. Luis Régis Coli (IPPUR-UFRJ)

_________________________________________________
Profª. Dra. Lalita Kraus (IPPUR-UFRJ)

Rio de Janeiro - RJ
2019
Agradecimentos aos Colaboradores

À Rosane Gonçalo, minha mãe, e Flávia Almeida, minha amiga. Estas duas grandes
mulheres são protagonistas comigo nesta pesquisa, por todo apoio que me foi dado
em termos emocionais, financeiros e de cuidado ao meu filho José em tempo
integral, os quais possibilitaram a mim plena liberdade para o exercício criativo e
intelectual na construção desta pesquisa.

Ao CPNq, pela bolsa de estudos concedida durante este doutorado.

À Fernanda Bonfante, arquiteta, que atuou como assistente e exímia colaboradora


no levantamento dos dados arquitetônicos e de planejamento urbano deste trabalho.
Ao Victor Ricardini, pelo apoio na produção e pesquisa dos mapas.

Ao professor Robert Pechman, pela erudição e ousadia intelectual que me


inspiraram à compreensão do fazer político evangélico na cidade – sempre com o
humor provocativo que lhe é peculiar.

À professora Tamara Egler, pela orientação da tese e pelo compartilhamento de seu


domínio sociológico ao artesanato intelectual para a construção do objeto de
pesquisa.

À Pelusia Zimmerman e Pastor Guy Key, pelo apoio e colaboração à minha inserção
nas redes evangélicas do Rio de Janeiro e Curitiba, que possibilitaram uma
compreensão aprofundada do perspectivismo dos atores evangélicos na cidade.

Aos pastores da PIB Curitiba Paschoal Piragine, Edson Múrcia, Nilson Vital, Felipe
Sabadin e Érika Checan, pela abertura, acolhimento e participação ativa no
fornecimento de dados para a construção da tese.

Ao pastor e vereador Inaldo Silva e à diaconisa Vera Almeida, principais


interlocutores e colaboradores nas atividades de campo no megatemplo de Del
Castilho e durante minha inserção nas redes políticas da IURD no Rio de Janeiro.
À Secretaria Municipal de Urbanismo de Curitiba; Arquivo Público Municipal de
Curitiba; Fundação Biblioteca Nacional; Procuradoria Geral do Município do Rio de
Janeiro; Gerência de Licenciamento e Fiscalização (GLF 4/Ramos) da Secretaria
Municipal de Urbanismo do Rio de Janeiro, pelo fornecimento de dados urbanísticos
e de comunicação social.

Aos arquitetos Luiz Forte Netto e Norma Maron Taulois, autores dos projetos dos
megatemplos pesquisados, por concederem informações inéditas que compõem
este material de tese.
Resumo

A presente pesquisa tem por objeto os megatemplos e as políticas evangélicas no


urbano, que atuam por expansão em escalas para mudar o modelo de situação
urbana que temos vivido. Para tanto, os evangélicos propõem o que chamo de
urbanidade gospel, que se traduz em uma cosmovisão cristã de bem comum e
vivência política dos cidadãos. Essa experiência urbana percorre um caminho de
atravessamento entre o plano material (dos megatemplos) e o plano simbólico (das
políticas) que, por consequência, redefinem a atividade religiosa no urbano. A
religião evangélica passa a capilarizar-se não só no campo espacial do bairro e da
cidade, como também no campo das mentalidades e ações sociais.
Os subsídios para a aproximação entre a realidade urbana e o ideal de urbanidade
gospel são pautados nas seguintes estratégias:I) implantação de megaigrejas (os
chamados “megatemplos”) em bairros centrais junto aos principais eixos viários da
cidade; II) aproximação por necessidades específicas por faixa etária, alcançando
crianças, jovens, adultos – mulheres, homens, casados, solteiros, universitários,
trabalhadores, profissionais liberais, empreendedores –, terceira idade, portadores
de necessidades especiais de todos os gêneros; III) aproximação por necessidades
sociais específicas – serviços sociais em educação, esportes, música, cultura e
artes, organizações não governamentais (ONGs), fundações de apoio e assistência
social, movimentos específicos; IV) aproximação pelos espaços da legislação,
prevendo a participação direta e indireta por meio do diálogo com projetos, políticas
públicas, projetos de Lei, ou mesmo através da eleição de personalidades
evangélicas a cargos de poder legislativo municipal e estadual.
A presença da igreja, a partir desse enfoque, tem a finalidade de inserir-se
estrategicamente na construção de um referencial para a população urbana, sempre
conectado aos preceitos do padrão cristão evangélico de um modo de ser e estar na
cidade, um tipo específico de urbanidade.
A metodologia de análise deste trabalho constitui-se na etnografia urbana, que inclui
como ferramentas a observação participante, a coleta de dados primários e o
levantamento de dados em fontes de pesquisa. Nosso levantamento bibliográfico e
revisão de literatura incluíram matrizes interdisciplinares em áreas como Geografia,
Comunicação, Antropologia, Economia e Planejamento Urbano. Como dados
primários serão elencados aqui parte das anotações do caderno de campo e do
acervo fotográfico – ambos produzidos a partir de 2018. Como fontes secundárias
foram examinadas as informações de instituições públicas como secretarias
municipais de urbanismo, arquivos públicos municipais e bases georreferenciadas.
Na introdução ao material de tese serão apresentados os referenciais empíricos e
teóricos que pautaram a construção do objeto de pesquisa e algumas reflexões
sobre o cristianismo evangélico em sua possibilidade de habitar o espaço urbano.
Na primeira parte, trago uma abordagem teórica sobre o conceito de megatemplo
evangélico e o reacomodamento dessa estrutura religiosa em termos de suas
escalas e racionalidades - estética, econômica e sociopolítica. Na segunda parte
apresento o histórico de construção dos megatemplos Primeira Igreja Batista de
Curitiba e Templo da Glória do Novo Israel em Del Castilho/Rio de Janeiro, enquanto
cases ilustrativos do fenômeno observado. E, na terceira parte, descrevo as políticas
sociais executadas pela gestão dos megatemplos pesquisados e apresento alguns
exemplos de hibridismos que produzem a convergência em diferentes linguagens
político-simbólicas.

Palavras-chave: Evangélicos; Urbanidade; Megatemplos; Políticas.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Modelo mental do megatemplo evangélico 44


Figura 2 – Alguns exemplos das escalas de atuação e consumo do megatemplo 51
evangélico
Figura 3 – Reportagem “O Maracanã da fé”, sobre a construção do megatemplo IURD 61
em Del Castilho – jornal O Dia, 06/09/1998
Figura 4 – Vista aérea do Templo da Glória do Novo Israel 65
Figura 5 e Figura 6 – Jardins do Templo da Glória do Novo Israel 68
Figura 7 – Maquete de Jerusalém no Centro Cultural Jerusalém 70
Figura 8 – Interior do Centro Cultural Jerusalém: luzes que assemelham a 71
luminosidade diurna, espaço de exposição e sala de apresentações
Figura 9 e Figura 10 – Objetos à venda na loja de souvenires do Centro Cultural 72
Jerusalém (talit, kipá e candelabros)
Figura 11 – Paisagismo em uma das fachadas do megatemplo IURD 74
Figura 12 – Pedidos nas frestas e orações de fiéis em torno da réplica do Muro das 76
Lamentações
Figura 13 – Megatemplo PIB Curitiba: santuário principal e blocos anexos 84
Figura 14 – Megatemplo PIB Curitiba – vista em 45° do santuário e blocos anexos 85
Figura 15 – Interior do megatemplo PIB Curitiba: plateia 88
Figura 16 – Palco do megatemplo PIB Curitiba 89
Figura 18 – Antessala de espera no gabinete pastoral 89
Figura 19 – Vitrais na fachada do megatemplo 89
Figura 20 – Banner do projeto IntelliMen no megatemplo de Del Castilho 102
Figura 21 – Canal de reprodução em streaming dos programas veiculados pela Rede 105
Super

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 – Principais megatemplos evangélicos (por região) 42


Mapa 2 – Bairros limítrofes a Del Castilho 56
Mapa 3 – Rendimento médio domiciliar por bairro (Del Castilho) – Censo Demográfico 57
2010
Mapa 4 – Delimitação dos transportes públicos em Del Castilho e no entorno do templo 58
Mapa 5 – Mapa de equipamentos municipais – zoom na área de Del Castilho indicando 58
padrão 0 em equipamentos culturais
Mapa 6 – Adensamento do bairro de Del Castilho (principais edificações e entidades) 67
Mapa 7 – Estrutura espacial da metrópole de Curitiba 81
Mapa 8 – Localização do bairro Batel 91
Mapa 9 -* Circuito de transporte público no entorno do templo PIB Curitiba 92

LISTA DE TABELA

Tabela 1 – Média de rendimento – bairro Batel 92

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Programação das reuniões do megatemplo de Del Castilho 97


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10
Imaginários sobre a cidade 17
A urbanidade 25
Cartografias do objeto 29
Metodologia e propostas de trabalho 32

Cena 1 – O MEGATEMPLO EVANGÉLICO E SUAS CONEXÕES NA URBE 35


1.1. Megatemplo: conceito e historicidade 37
1.2. O modelo mental do megatemplo 43
1.3. Escalas espaciais do megatemplo evangélico 46
1.3.1. Racionalidade estética 48
1.3.2. Racionalidade Econômica 49
1.3.3. Racionalidade Sociopolítica 50

Cena 2 – AS GRAMÁTICAS URBANO-EVANGÉLICAS 53


2.1. O megatemplo da Igreja Universal do Reino de Deus em Del Castilho 53
2.1.1. A Construção 59
2.1.2. Hibridismo e consumo no Templo da Glória do Novo Israel 63
2.1.3. A autenticidade da experiência 73
2.2. O megatemplo da Primeira Igreja Batista de Curitiba 78
2.2.1. PIB Curitiba: Identidade e legitimidade evangélica na cidade 82
2.2.2. Bairro do Batel e o megatemplo enquanto ícone do turismo religioso 91

Cena 3 – POLÍTICAS SOCIAIS E REDES EVANGÉLICAS NA CIDADE 94


3.1. Ministérios sociais – IURD Del Castilho. Demandas e proposições 96
3.2. Ministérios sociais e alianças com o poder público na PIB Curitiba 103
3.3. Paisagens e alquimias do poder urbano evangélico 108

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 118


5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 121
Apêndice 1 127
Apêndice 2 131
10

INTRODUÇÃO

Primavera, setembro de 2016. Numa tarde de terça-feira em uma grande


capital, ao flanar pela metrópole – porém sem muitas opções de entretenimento
naquele dia – decidi visitar um grande templo Batista, famoso no meio evangélico
por conta de um ministério de adoração e louvor.Cheguei cedo. Era por volta de
17h30 e a igreja já estava aberta para receber os fieis. Na barraca de lanches nos
arredores do templo uma senhora me diz: - Hoje é o culto do André. Vai encher!
Soube que nessa noite seria ministrado o Culto Fé, sob a direção do pastor e
cantor André Valadão. ―Que interessante‖ – penso eu – ―Poderei assistir ao André
Valadão sem pagar para ir a um show‖. Nada mal diante daquele momento, onde
me encontrava em certo grau de austeridade financeira.
Permito-me passear um pouco pelo quarteirão onde fica o templo, e percebo
que todas as instalações daquele perímetro são de propriedade da igreja: a escola
teológica, as lojas de roupas e de artigos evangélicos, o estacionamento, o centro
terapêutico, estabelecimentos de fastfoodsofisticados, um colégio infantil. Ali onde
se encontra instalada – no bairro à margem de uma avenida expressa, entre um
shopping, empresas, um conjunto habitacional e uma favela – essa igreja se ergue
imponente, marcando presença tanto no âmbito religioso quanto no territorial.
Ao entrar no templo sentei-me num dos bancos da primeira fila, desejando
assistir ao culto bem de perto e observar todas as movimentações. Dou-me conta
de como a arquitetura da igreja está mudada, pois antes ela aparecia na mídia com
uma estética bastante tradicional: as paredes eram da cor bege, e os corrimões
das galerias eram todos pendurados por bandeiras de diferentes nacionalidades.
Hoje esse templo se modernizou: o interior está pintado de preto, com carpetes
grafite e estofados verde-musgo nos bancos; as bandeiras foram todas retiradas e
substituídas por televisores que transmitem simultaneamente o culto. O principal
elemento que chama a atenção agora é o palco (antigo púlpito). Este palco tem ao
fundo letreiros luminosos de LED, cujas cores e letras das canções são
comandadas e sincronizadas pelo computador. De onde estou vejo as pessoas
chegarem e começarem a lotar o auditório que possui cerca de 8.000 lugares. Aos
vinte minutos antes das 19h o templo já está completo de espectadores. As luzes
do palco combinam com as cores da roupa do pastor; a acústica do templo é
11

excelente; a sonoridade das músicas cria um clima agradável e de bem-estar. Tudo


indica que a noite será interessante.
O culto começa pontualmente e André Valadão surge no palco. Ele é
bastante interativo, dinâmico, alegre, e bem apessoado. Sua estética foge
radicalmente daquela a qual estamos acostumados a ver em um pastor: usa
roupas coloridas, calças justas, sapatos estilosos; verdadeiramente é uma figura
elegante e um exímio orador. Causou-me surpresa vê-lo se apresentar desta forma
em um culto. Mais tarde descobri que em todas as reuniões do Culto Fé a
informalidade estética e o jeito casual de ser do pastor predominam.
Com uma banda jovem e canções em arranjos modernos, André Valadão
conduz toda a primeira parte do culto com muita graça. Antes que me desse conta,
sinto-me envolvida por aquele ambiente. Julguei ser um dado ao menos curioso
que, em plena terça-feira, num calor primaveril, aquela igreja estivesse repleta de
fiéis. Eles poderiam curtir um barzinho, estarem circulando pelo shopping, pelas
ruas do Centro ou pelo Mercado Municipal; poderiam mesmo estar em qualquer
outro lugar agradável daquela capital, porém estão ali na igreja em busca de algo...
E não saem antes do fim. Ficam até o a última palavra do pastor.
Foi nesse momento que ocorreu-me o primeiro insight para um fenômeno
cada vez mais provocador, que é a crescente e contínua lotação de fieis em
catedrais evangélicas nos principais pontos de referência urbana.
Por que razão isso acontece? – indaguei internamente. Pareceu-me que
essa igreja transparece como um lugar de extremo conforto, um ―oásis‖ em meio
aos turbilhões socioemocionais que vivemos na grande cidade. A despeito de todas
as conotações negativas que se fazem aos evangélicos, de fato aquele culto
estava repleto de mensagens miméticas positivas: as canções, a palavra
ministrada, passando pela beleza do templo, e, até mesmo, a estética do pastor.
Tudo é positividade! A energia é otimista em meio a esse contexto de
desesperança que emerge no Brasil.
O momento da entrega de ofertas é igualmente interessante. Mostrando-se
conectada às dinâmicas do ―capitalismo flexível‖ 1, as ofertas podem ser enviadas

1
Cf. SENNET, Richard. A Corrosão do Caráter (2001). O capitalismo flexível seria, em linhas gerais,
uma forma contrária aos mecanismos rígidos da burocracia. Agindo nos limites da legalidade, o
capitalismo flexível torna as empresas mais ágeis, substituindo os padrões clássicos de hierarquia
por outros desenhos mais relacionados com estruturas horizontais. O resultado prático dessa ação
se configura em um sistema mais informal e adaptável.
12

das mais diferentes formas: entregue em cédulas dentro de envelopes, transferidas


por meio de DOC ou TED nos diferentes bancos onde a igreja possui conta-
corrente (Itaú, Caixa, Bradesco, Banco do Brasil, Santander, Mercantil do Brasil),
ou mesmo ―depositada‖ nas máquinas portáteis de crédito/débito que circulam pelo
templo nas mãos dos diáconos2. A pregação de André Valadão, alinhada à
Teologia da Prosperidade, estimula os indivíduos para uma postura ativa diante da
vida. Ensina que o princípio basilar para se ter prosperidade na vida é a obediência
a Deus. Por toda a mensagem cita referências bíblicas e relatos pessoais,
estabelecendo um nítido ponto de contato com o ouvinte para mostrar que Deus
abençoa e honra aqueles que creem e agem: basta os crentes possuírem uma
postura mais proativa de fé. É preciso declarar, apelar à palavra de ordem para
alcançar as benesses do céu. É assim que demonstra a canção que André Valadão
iniciou o culto: uma lírica motivação ao ânimo e à ação.

É pra lá que eu vou3

Aqui nesse mundo


Tudo vai passar
Confio e descanso nas mãos do Salvador
Vou sorrir
Vou declarar a promessa
Pois quem me prometeu não fui eu, foi Deus
É coisa de outro mundo
Vem do alto, lá do alto meu socorro
Vem de cima
Vou celebrar e dançar muito
A cada dia que passa
Mais perto estou, mais perto estou pra onde eu vou
A cada dia que passa
Prepare o céu que é pra lá que eu vou

2
Diáconos e diaconisas são pessoas que atuam no apoio aos serviços administrativos e
eclesiásticos de uma igreja evangélica. Na Bíblia, os diáconos tratavam de assuntos administrativos
e prestavam ajuda aos fiéis, enquanto os pastores se dedicavam à pregação e ao ensino. Nas
igrejas atuais, os diáconos são responsáveis por gerir certas tarefas, como o recolhimento e triagem
de dízimos e ofertas, o apoio em causas sociais e assistência aos necessitados, os cuidados com a
manutenção do edifício e com os bens patrimoniais da igreja. Em algumas denominações o diácono
também ajuda com funções espirituais, como administração da Santa Ceia e aconselhamento dos
crentes – este último com grande protagonismo de mulheres, as diaconisas.
3
André Valadão (2016), álbum ―Crer para Ver”, gravadora Som Livre.
13

Foi assim - nascida a partir da experiência na qual minha posição de


antropóloga se funde com a de uma flaneur tocada pelas composições religiosas
evangélicas na urbe - que suscitou-se depois o interesse4 pela categoria do
megatemplo, na qual considero que megatemplo é não só o espaço de culto
religioso em edificações suntuosas e com ampla capacidade de agregação de fiéis,
mas sobretudo aquela igreja que concatena serviços e políticas sociais de
diferentes naturezas, oferecendo em seu complexo religioso diversas modalidades
de amparo que, de alguma forma, vão de encontro à perspectiva do fiel que é,
também, cidadão metropolitano, acompanhando respostas singulares aos desafios
na família, na saúde, no trabalho, nos negócios, nas formas de representação da
vida, servindo-os como bússola de orientação moral e cultural (ALMEIDA, 2009).
Essa linha de raciocínio sobre a presença de megatemplos evangélicos nas
metrópoles considera o fato de que apenas algumas correntes denominacionais
aplicam seu capital financeiro e litúrgico para levantar esses imponentes projetos.
Isso me fez perceber que essas igrejas têm investido na produção mimética de
aparatos urbano-religiosos modernos, procurando levar adiante uma estratégia de
inversão dos sinais convencionalmente instituídos no modo de apresentação do
sagrado na metrópole.
A estimativa por meio de dados estatísticos oficiais, como do IBGE (2017
apudALVES, CAVANAGHI, BARROS & CARVALHO, 2017) mostra que, até 2040,
a previsão é de os evangélicos alcancem 43% do total da população. Esses
números corroboram o que nossos olhos presenciam no cotidiano: em cada canto
da cidade é possível encontrar uma espécie de ―oásis cristão‖, discreto ou bem
visível, que no meio da agitação característica da vida urbana oferece uma pausa
propicia ao recolhimento, à oração silenciosa, ao encontro com alguém disposto a
ouvir, a dar um conselho, a fazer uma imposição de mãos.
O número de evangélicos se expande, mas a proporção espacial não evolui
no mesmo ritmo. Sendo assim, a competição interurbana no espaço fez com que
muitas comunidades evangélicas rivalizassem entre si, o que implicou ―estratégias
competitivas e um sentido ampliado de consciência daquilo que torna um lugar

4
Registro meu agradecimento ao amigo e parceiro intelectual Nicolas Quirion, que foi um grande
colaborador das etapas e percursos iniciais da tese sobre os megatemplos e a urbanidade
evangélica. Por ocasião do processo de ingresso ao doutorado no IPPUR, com Nicolas tive o
privilégio de, a partir de múltiplas trocas, conceber e gestar esta pesquisa. Neste sentido, a gratidão
é especialmente legítima.
14

especial e lhe dá vantagem competitiva‖ (HARVEY, 1996, p. 247). Devido a estas


variáveis, é possível propor que a emergência de megatemplos na cidade seja vista
sob uma perspectiva espacial e colocada dentro de um sistema de referência
sociológico, qual seja: dialogar com as noções contemporâneas de pertencimento à
vida urbana e a um novo estilo de apresentação do religioso no espaço público.
Pertenço à religião evangélica desde a infância, e considero importante aqui
posicionar o meu lugar de fala para mostrar que, mesmo sendo integrante do
universo de cristãos evangélicos, compreendi que este não é, nem de longe,
homogêneo, e que a minha posição enquanto membro de uma pequena
comunidade batista na zona sul carioca não me permite universalizar as posturas,
compreensões e vivências sobre a fé evangélica em todas as cidades e estratos
sociais. Neste sentido, iniciei a investigação sobre megatemplos urbanos a partir de
um modesto esforço de trazer à produção de conhecimento uma matriz de
(contra)narrativas em direção à desconstrução da perspectiva unidimensional sobre
os evangélicos na cidade, tão comum no campo acadêmico das ciências humanas.
O referido episódio do Culto Fé foi onde visitei um megatemplo evangélico
pela primeira vez. Meses depois passei a frequentar cultos e eventos de diferentes
vertentes em megatemplos no Rio de Janeiro e noutras capitais brasileiras, para
verificar se estes aspectos se repetiam com similaridades e homologias. Assim,
ampliei meu capital social e construí relações com muitas pessoas do meio gospel,
inclusive personalidades famosas, como cantores e parlamentares. Esse modo de
observação participante ainda que informal, mediado pelo meu interesse em
conhecer as práticas de vivência religiosa num circuito diferente do meu, foi uma
tentativa para partilhar de uma compreensão íntima do que seja um megatemplo
evangélico urbano – sua gestão, seus interesses ideológicos, seu alcance
multiescalar -, de modo aexperienciar o que eles experienciam e a trabalhar dentro
do sistema de referência dos pastores, líderes e demais membros.
Clifford Geertz, antropólogo norte-americano, explica que ―a sensação de
falta de ordem que ameaça o homem nos limites de seu poder de suportar o
sofrimento‖, de sua capacidade analítica e do sentimento de ruptura ética, ―impele-
o para uma dimensão onde essas contradições se resolvem, numa ordem superior‖
(1978, p. 104). Outro personagem que buscou interpretar essa mesma ótica em
outras arenas foi João Moreira Salles, cineasta, autor do documentário ―Santa
Cruz‖, de 1999, símbolo de uma percepção mais acurada e desestigmatizada da
15

conversão evangélica nas grandes metrópoles. A hipótese do cineasta para


documentar a experiência da formação de uma comunidade evangélica no bairro
de Santa Cruz, zona oeste do Rio de Janeiro, foi: quem está atendendo as
urgências subjetivas e espirituais do brasileiro da década de 1990? Ao buscar um
território marginalizado – Santa Cruz enquanto periferia urbana do Rio, palco de
intensos conflitos fundiários entre empresas e trabalhadores, e epicentro de outros
casos de exclusão social – Salles percebeu que à medida em nos aproximamos do
descaso, da carência em diversas ordens e naturezas, é possível encontrar os
evangélicos operando na fronteira para a (re)civilidade das pessoas. Ele diz:
As pessoas não se convertem porque se tornaram presas de uma
operação de ―rapinagem‖. As pessoas se convertem porque há um
desejo de se converter, e porque há alguma coisa importante que
você ganha em troca – e não é uma coisa menor. O ato de conversão
num país onde as pessoas podem ter tão pouco a respeito de sua
história e de seu próprio destino é um ato de volição... É você decidir
romper com uma ordem e se tornar outra coisa, além de ganhar
alguma coisa em troca. Esse ‗ganhar algo em troca‘ pra mim é
fundamental: além do beneficio espiritual – que é pouco
compreendido – as pessoas têm fome de transcendência. Mas além
disso você ganha comunidade, ganha afeto, amparo, lugar,
autoestima...você ganha um monte de coisas que o Brasil não é
capaz de dar pra boa parte da sua população. As igrejas então teriam
um papel estruturante. A gente quis flagrar e registrar esse processo
de reestruturação. (João Salles, palestra na Escola de Cinema Darcy
Ribeiro (ECDR), junho de 2018).

Pesquisas do campo da sociologia da religião (como as de MARIZ e


MACHADO, 1994; ALMEIDA, 2004, 2009; PIERUCCI, 2006; GOMES, 2008, entre
outros) mostram que os evangélicos não só atuam sobre a individualidade,
buscando a regeneração da pessoa, mas também se empenham em fornecer uma
rede de proteção social. Trata-se de apoio na organização de sua vida econômica,
dos pontos de vista prático (racionalização dos ganhos e dos gastos), moral
(estímulo para o trabalho e para a disciplina do consumo) e espiritual (proteção
contra forças contrárias). A solidariedade ocorre por meio de benefícios materiais
em circulação. Trata-se do efeito de uma rede de proteção social que também pode
ser traduzida pelo fiel no plano da espiritualidade.
16

Uma das hipóteses que SabaMahmood (2005) coloca a respeito dos


movimentos religiosos é a necessidade de compreender que o trânsito religioso é
resultante de uma agência em termos de responsabilidade individual, por meio de
um engajamento reflexivo face aos discursos normativos. Este modo de
engajamento tem como um dos efeitos a criação de sensibilidades e capacidades
corporificadas de razão, afeto, decisão e escolha, que, por sua vez, são as
condições para a redefinição de preceitos do que seja a vida religiosa. Em linhas
gerais, Mahmood propõe que existe uma perspectiva de autonomia dentro da
norma, e que toda religião pode ser vivenciada de maneira específica.
Dito isto, uma vez que os elementos socioculturais estão atuando como
reguladores do trânsito religioso - vinculando o sucesso numérico das agências
religiosas à sua capacidade de mobilizar as demandas locais -, observa-se que a
―escolha racional‖ pode ser definida como uma abundância de opções possíveis
numa dada situação, onde pessoas ―escolhem ‗racionalmente‘ aquelas opções que
lhes permitam alcançar suas metas, maximizando os benefícios e reduzindo os
custos máximos de sua ação‖ (GRACINO JUNIOR, 2016, p. 69). Desse cenário, se
estabelece como premissa básica que os indivíduos, em matéria de religião, fazem
escolhas da mesma maneira que ponderam suas outras ações: pesando custos e
benefícios.
Entre essa miríade de possibilidades estão as estratégias que norteiam as
grandes ―firmas espirituais‖ para arregimentar pessoas para Cristo e, com isso,
ocupar um lugar de força e legitimidade que o Estado fez desaparecer com sua
ausência entre as camadas urbanas. Neste sentido, coube aos megatemplos
modernos atualizarem seu ambiente construído para melhor cumprir uma função
social. Novos espaços e relações espaciais são produzidos para dar vazão a outros
imperativos. O megatemplo evangélico contemporâneo não apenas cumpre a
função aglutinadora de fieis: ele, além disso, inova e dinamiza sua oferta de
serviços para atender a um público cada vez mais frequente, plural e global.
17

IMAGINÁRIOS SOBRE A CIDADE

Os versos da canção de André Valadão remetem a uma localidade diferente


da que vivemos e conhecemos: ―Pois quem me prometeu não fui eu, foi Deus. É
coisa de outro mundo‖. Analogamente, o cântico me conduz a relembrar o texto
de Ítalo Calvino, As cidades invisíveis (1992), uma espécie de súmula sobre as
cidades e seu imaginário, no qual o personagem Marco Polo discorre sobre as
possibilidades da cidade perfeita, que poderá estar aflorando dispersa,
fragmentada em algum lugar. O que importa, diz ele, é procurar essa terra
prometida visitada pela imaginação, mas ainda não conhecida ou fundada. Não é
possível, contudo, traçar a rota nos mapas para chegar até ela.
A procura de uma operação poética para ler as cidades pode, assim, ser
revestida não só de preocupação política, mas sobretudo de uma postura ética. Foi
no principio da urbanização a partir da Idade Média, quando da derrubada das
muralhas dos burgos medievais até a transformação das vilas em grandes cidades
no século XVIII, que, pela primeira vez, a cidade se torna foco de observação,
análise e discurso (PECHMAN, 1999). Basicamente, porque a cidade passa a
representar a própria civilização na medida em que a vida urbana é vista como
destino inexorável. Dito de outra maneira, a cidade é o laboratório onde a
civilização moderna está sendo gestada.
A articulação cidade/civilização tornar-se-á inevitável para a transformação
da cidade em objeto de discurso. Não se trata apenas do lugar físico onde a
civilização estava sendo construída. Esta articulação diz respeito muito mais à
cidade como lugar do entrecruzamento dos discursos e imagens sobre a
civilização. A nova ―condição discursiva‖ não se resume, no entanto, a um puro e
simples entrecruzamento de coisas e de palavras; mas a práticas que formam
sistematicamente os objetos de que falam.
A linguagem guarda resquícios dessa operação discursiva
estabelecendo parênteses entre cidade e civilização. Assim o termo
―civita‖ (cidade) se abre para ―civis‖ (cidadão), ―civilis‖ (civil), ―civilitas‖
(civilidade), ―civilisé‖(civilizado) e finalmente para ―civilization‖.
Cidadão, civil, civilidade e civilização amarram-se, pois, fortemente à
cidade, indicando, pela via latina, que é pela cidade que se civiliza.
Pela via grega o termo pólis, para nominar cidade, derrama-se em
política, que é arte da negociação, do convívio; em polícia, que diz
18

dos costumes, hábitos e comportamentos, para os quais se clama


vigilância, e politesse que é o espírito da sociabilidade, da
urbanidade, do decoro e da polidez. Pólis, política, polícia, politesse,
etapas incontornáveis na constituição do processo civilizatório.
(PECHMAN, 1999, s.pág.).

O entendimento sobre a cidade como a arena em que o homem adquire sua


emancipação material e moral é delineado desde autores como Santo Agostinho,
Henri Pirenne, Max Weber e Richard Morse. Weber, em Economia e Sociedade
(1921) argumenta que é na cidade que se produz a liberdade individual, onde a
ordem social passa a ser associada à emergência dos direitos humanos,
intrinsecamente associados à condição humana. Direitos à liberdade, à segurança,
direito de resistência à opressão. Outros esquemas urbanos ideais são elaborados
por Pirenne (1962), no livroAs cidades da Idade Média, o qual postula que a
organização comunitária municipal criou uma ordem legal que assegurou a
liberdade comercial e contratual, transplantando, assim, o espírito urbano comunal
e uma sociedade urbana orgânica, mantendo alternativas abertas ao avanço social.
Richard Morse, historiador norte-americano, durante os anos 1980-90
desenvolveu estudos teóricos nos quais comparou processos de urbanização,
colonização, fronteiras, linguagem, política e ideias entre as duas Américas. Em
Cidades como pessoas (1992) ele retoma a temática urbana tendo como
parâmetros de comparação cidades que se destacaram como arenas culturais
privilegiadas. A hipótese defendida por Morse é a de que, quando as cidades são
identificadas como atores sociais, estes podem ser tratados como representantes
de uma ordem social, ou como exemplares de mudança urbana.
Para Morse, na América Latina o padrão de desenvolvimento foi mais
―embrionário e preguiçoso‖ (1992, p.14). As redes urbanas permaneceram fracas, e
a mobilidade social era incerta. As cidades passaram a ser vistas como arenas de
corrupção e poluição. A imagem mestra da América Latina era a de ―cidades como
câncer‖, e ―o câncer envenenava as condições para uma vida urbana com
equilíbrio social‖ (MORSE, op.cit., p. 17). Segundo Morse, os latino-americanos
sentiram-se confrontados por profundas e perenes questões morais. Como
oferecer soluções fáceis ―se a necessidade era de regeneração moral?‖ (op.cit., p.
18).
19

Tentativas de recuperar precedentes anteriores deram lugar a receitas


ativistas. Os reformadores políticos assumiram a liderança com seus remédios
instrumentais para a crise urbana. Após 1920, intelectuais latino-americanos
conceberam formas mais particulares e imaginativas de ver o fenômeno urbano,
como por exemplo Gilberto Freyre que, em Sobrados e mucambos (1936)
examinou a reconstituição da vida rural e patriarcal dentro do domínio urbano do
século XIX. Ele demonstrou especial sensibilidade nas correspondências
estabelecidas entre a forma física e a cidade brasileira (sua arquitetura particular e
espaços públicos) e sua organização social em mudança. Freyre lidou com o que
Morse chama de ―cidadeficação‖ – a construção da cidade a partir dos
componentes sociais, culturais e de atitude. Para ele, a cidade era um veículo para
a mudança, enquanto os seres humanos eram os atores. A transformação no modo
de vida urbano só ocorreria a partir da alteração no quadro das relações sociais. Ao
estabelecer uma posição relativista, rendeu explicações mais ricas para a lógica
das instituições urbanas brasileiras.
Sendo assim, o que Richard Morse defendia é que a cidade urbana moderna
carece de estrutura e força espiritual de união, para que os indivíduos possam viver
juntos em vitalidade e resistência. Para ele, a cidade como um todo deveria
depender, cada vez mais, ―da iniciativa popular para reformular as instituições,
proporcionar segurança e fazer justiça‖ (1992, p.19). Para reconceber a vitalidade,
a cidade precisa desenvolver serviços alternativos nas áreas de transporte, saúde,
educação e lazer. Ele vê, ainda, que a religião pode ter uma contribuição
importante nessas expressões alternativas para conceber um novo modo de vida
na cidade moderna, na medida em que contemplam o uso da fé para conceber a
unidade política.
Uma das tendências mais marcantes das teorias que analisaram a cidade
enquanto categoria social foi a de encará-la como uma variável explicativa. Na
tradição do pensamento sobre a cidade pode-se identificar, basicamente, três tipos-
ideais: 1) a noção grega de polis, uma comunidade agrourbana baseada em uma
entidade política de grupos funcionalmente integrados; 2) a noção romana de
municipalidade (civitas) como instrumento para ―civilizar‖ os povos rurais; 3) a
noção agostiniana de uma cidade de Deus5 cujos ideais cristãos e esforços

5
Agostinho de Hipona (354-430 d. C.) polemizou com outras doutrinas ou manifestações religiosas
de seu tempo: o Maniqueísmo, o Donatismo, o Pelagianismo e, também, enfrentou com muito rigoro
20

pietistas se opunham aos males da vida terrena. A ―Cidade de Deus‖ idealizada em


Santo Agostinho aproxima-se bastante das reflexões que se seguirão neste
trabalho, sendo essa alegoria um dos primeiros referenciais metodológicos a tentar
explicar que, em quaisquer prospectos de cidade, só existe a unidade social e
política nas sociedades que aderem a ―verdadeira‖ religião,isto é, o ideário cristão.
O valor de uma cidade, segundo Agostinho, se mede ―pelo valor dos objetos
que amam, isto é, pela qualidade do amor que nela impera‖ (Cidade de Deus, Livro
XIX, p. 24). Os membros da ―cidade diabólica amam a glória humana‖, e os
membros da cidade de Deus, ao contrário, ―amam as coisas celestiais‖ (op. cit.,
Livro XIV, p. 28). Em uma perspectiva binária, esses discursos significam que entre
os cidadãos da cidade terrena predomina o amor às coisas temporais, e entre os
cidadãos da cidade celestial existe o amor a Deus na caridade (GILSON, 1965).
Neste sentido, quando as cidades não compartilham de um ethos cristão elas
perdem a sua base moral, donde vem, portanto, a decadência, que se expande
para outros campos da vida social, política e econômica.
Quando Santo Agostinho fala das duas cidades ou sociedades, ele quer
―expressar a existência de duas comunidades motivadas por atitudes mentais e
morais divergentes‖ (COELHO, 2012, p. 124). A sociedade humana é interpretada
por Agostinho através desse simbolismo moral, de tensões entre dois cenários
históricos - o mundano e o extraterreno, a cidade dos homens e a cidade de Deus.
Agostinho apresenta a cidade de Deus de forma positiva - cidade celeste,
sociedade dos santos, gloriosa cidade, Jerusalém celeste, Jerusalém suprema -,
em oposição à sua alteridade, a cidade terrena, representada como a Babel na
qual existia desordem, confusão e divisão de línguas. Para o autor, somente no
grupo da cidade celestial existiria unidade, caridade, honestidade, coerência e
justiça, indicando que o bispo concebia que somente existe verdadeira justiça

Paganismo, existente entre a aristocracia do Império Romano de sua época. A produção da obra
Cidade de Deus veio a continuar a campanha contra os pagãos que havia feito o bispo Agostinho
durante o tempo de calamidades e ameaças, desde o fim do ano 410 até 412. Com a produção de
sermões, conversas e carta aos governantes e cidadãos, Agostinho reproduziu seu ponto de vista
sobre a cidade de Deus e a cidade terrena O conflito entre Agostinho e os pagãos contribuiu para
que ele representasse o mundo dividido em duas classes de indivíduos e duas cidades. Agostinho
observa que a cidade não era constituída unicamente de estruturas materiais, mas em primeiro
lugar de indivíduos, de homens, de cidadãos. Nessa época, o homem não se imagina apenas como
cidadão no Estado, mas também como um ―cidadão do céu‖, membro de uma sociedade espiritual.
No seio de sua obra encontra a solução para um problema fundamental, a saber: as relações do
homem com Deus e o plano espiritual. Agostinho representa classicamente estes dois polos
opostos como cidade: a cidade terrena e a cidade de Deus.
21

ondese houver assentado o culto cristão. Consequentemente, nas sociedades em


que não foi instaurada a verdadeira religião – o Cristianismo – estas seriam
marcadas pela anomia religiosa, social e política.
Em linhas gerais, sua tese racionalista deriva que o bem-estar e o sucesso
de um povo são contingentes, principalmente, a fatores tais como ética,
moralidade, o progresso material e a eficiência produtiva e econômica. Ele entendia
a cidade como detentora da função civilizatória, ao introduzir leis e um modo de
vida em comunidade com defesa e ajuda mútuas, estabelecendo relações
voluntárias de engajamento, e conectando-as a estruturas maiores de ordem
jurídica e administrativa. Em suas palavras, a cidade seria eminentemente
civilizatória, assentada em uma missão benigna: a de fornecer os arranjos
contratuais que contemplem o desenvolvimento de uma identidade de comunidade;
a pólis como personificação da justiça social. Sendo assim, ao visionar a cidade de
Deus, Santo Agostinho admitia que o Novo Mundo, a cidade ideal, era onde os
princípios morais são reforçados. Para Agostinho, a cidade cresce a partir das
lealdades políticas.
A questão do mal na cidade e do combate às degradações morais é,
portanto, muito antiga, e não essencialmente evangélica, posto que diferentes
pensadores atribuíram à cidade o poder de criar uma cultura urbana marcada
fundamentalmente pela desorganização social e cultural (OLIVEN, 2011).
Aristóteles na Política (2006, p. 235) falava que ―a cidade se equilibra entre o vicio
e a virtude‖. Na modernidade europeia e na experiência urbana brasileira do início
do século XX, esses princípios também estiveram presentes. No caso europeu as
cidades da Revolução Industrial despontam com uma virulência muito grande,
porque todas as interdições estão sendo destruídas, principalmente no campo
moral. Na França da primeira metade do século XIX, têm-se uma preocupação
muito grande com a contaminação, seja moral ou física. Definiam o conhecimento,
circunscreviam o problema e apontavam soluções para questões como
prostituição, sífilis, doenças sexuais, aborto, lascívia. A idéia presente era intervir
para transformar, remodelar, recuperar. Um debate forte que atravessava
diferentes países.
Aqui no Brasil, nos anos 1860 Joaquim Manuel de Macedo, romancista
urbano, escreve na imprensa uma série de artigos sobre os males da cidade. Toda
a obra dele é no sentido de ensinar uma moral urbana. No livro A luneta mágica, o
22

protagonista Simplício, que é míope, descobre um bruxo que fabrica uma luneta
mágica, onde se pode escolher o espectro de visão desejado: enxergar ou só o
bem ou só o mal. O protagonista experimenta a luneta com os dois imperativos
morais, e com isso vê o mundo somente pelo ângulo do bem – e aí se torna uma
crente esperançoso - ou apenas pelo ângulo do mal – e então se torna um
incrédulo de tudo e qualquer coisa que existe na Terra. Esse romance mostra o
quanto as pessoas fundam um juízo de valor ao olhar a sociedade para discernir
entre o bem e o mal.
O teatrólogo Artur de Azevedo escreve, em 1900, o livro chamado A capital
federal, que mostra como um casal de mineiros do interior se perde – física e
moralmente – na cidade. A cidade, aqui, é esse lugar de perdição. Mas também é o
lugar da razão, da invenção, do conforto, da urbanidade, da superação da
mesmice, o lugar da novidade, da modernidade. Mais adiante, nas décadas de
1910-20 surge, no Brasil, o movimento ruralista, uma ideologia da volta para o
campo, porque a cidade está infestada de comunistas, de movimentos operários,
de uma língua que não é o português; hábitos que não são os nossos,
estrangeirismos (SEVCENKO, 1992). Nos jornais, na literatura, vemos a mesma
questão colocada diante dos novos perigos da cidade em vários aspectos da
política, da vida pública, do comportamento e dos costumes.
Vemos também, a partir da década de 20, uma forte intervenção da Igreja
Católica nas questões da cidade. Os pensadores leigos e religiosos da Igreja
começam a dar-se conta de que a partir desse período – com a criação do Partido
Comunista, a Semana da Arte de 1922, o tenentismo – os grandes movimentos
político-ideológicos de discussão da sociedade trazem à tona a sensação de que
os católicos estão perdendo a disputa. A esquerda sobe aos morros,
conscientizando as pessoas, propondo políticas de habitação. Quando os
problemas urbanos no Brasil vêm à tona, no primeiro quartel do século XX, a Igreja
constata que precisa intervir diretamente nessas questões. A intelectualidade
católica passa a produzir toda uma reflexão sobre o país e sobre a necessidade de
―cristianizar‖ o Brasil. O cerne da questão brasileira da época é a modernização
das cidades e suas consequências – especialmente a inserção dos novos
costumes no corpo social.
Encontra-se aí toda uma tradição de que na cidade a família vai se perder, a
religião vai ser deixada de lado, a promiscuidade estará às soltas, a mulher será
23

atraída pelo erotismo, entre outras preocupações. A sociedade brasileira da época,


extremamente retrógrada e conservadora, vai se bater enormemente por esses
ideais de pureza e não contaminação frente a ideias exógenas e não religiosas.
Isso aparece nitidamente no teatro, no romance literário, na imprensa, na fala da
igreja, e, posteriormente, nas discursividades do poder público governamental.

**

Essas tensões entre a cidade como o lugar da virtude e do vicio (ou de


equilíbrio entre o vicio e a virtude) vão ecoar adiante com os evangélicos. A
chegada dos cristãos evangélicos ao campo político foi precedida tanto pela
criação de novas representações ideológicas, como por um descontentamento com
as maneiras tradicionais de se fazer política no Brasil (SILVA, 2010, p. 103). Os
evangélicos conseguiram penetrar um campo de interlocução com a sociedade
abrangente onde vinham desde fins do século XIX (mas especialmente após a
segunda metade dos anos de 1950) laboriosamente construindo credibilidade e
legitimidade sociais, resultando, em seguida, na fala ―autorizada‖ de lideranças
pentecostais via organizações representativas de setores evangélicos nos anos
1980. A forte investida dos pentecostais sobre a política eleitoral pós-1988 e a
posse de poderosos recursos de mídia contribuíram para eclipsar outras vozes não
evangélicas.
Burity (2010) nos informa que, nas organizações cristãs evangélicas, a
capilaridade e a distribuição pelo território permitia ―a formação de uma rede que
começaria nos ministérios, secretarias de estado ou municipais e suas áreas de
assistência social, de educação e cultura, para chegar até a ponta, aos cidadãos‖
(BURITY, 2010, p. 119). O cálculo estratégico aqui seria, portanto, conferir
credibilidade a essas instituições religiosas, para que elas se tornassem uma rede
que ligaria o Estado ao cidadão. Daí provém um acentuado protagonismo político
que se justificou, explicitamente, pelo novo peso que os evangélicos vêm
possuindo desde meados dos anos 1980. Peso social, decorrente de seu crescente
número, e peso eleitoral, dada a sua capacidade de construir uma efetiva
representação parlamentar em todos os níveis.
Assim, os grupos evangélicos tanto buscam inserir-se nesses espaços como
são procurados como possuidores de saberes e de reconhecimento social
24

politicamente instrumentais, ocupantes de lugares social e politicamente relevantes


ou disputados. Eles estão construindo paisagens, um contexto de projeto, ―uma
realidade mental‖ (BESSE, 2016, p. 12) definida como um modo de pensar e de
perceber o ethos cristão no urbano. Para citar alguns exemplos, há representações
evangélicas no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, no
Conselho Nacional da Juventude; no Conselho de Transparência Pública e
Combate à Corrupção, em conselhos estaduais e municipais em todos os estados
da federação, além da participação em frentes de instância legislativa, como a
Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional e as bancadas cristãs nas
Assembleias Legislativas estaduais e Câmara de Vereadores (BURITY, 2010).
Outras ferramentas catalisadoras da expansão do cristianismo evangélico
foram os canais de mídia (rádio e TV), pois, com a repressão que havia nas
cidades durante e pós-ditadura militar, era bastante difícil realizar cultos e propalar
mensagens evangelizadoras em lugares públicos. A estratégia deles foi, então,
usar a mídia como canal de evangelização e de esperança para um futuro melhor,
por isso houve a emergência de tantas igrejas e tantas conversões de indivíduos
durante os anos 60-80, em todas as camadas da população (destaque para o
crescimento evangélico entre as camadas médias vide bispo Robert McAlister 6).
Nessa passagem verifica-se também que os católicos começam a perder sua força
hegemônica, abrindo espaço para a expansão evangélica.
Pode-se supor que a ―motivação inicial do engajamento político-partidário
evangélico pós-88 tenha sido a moralização da política‖ (SMIDERLE, 2013, p. 141),
mas também um retorno à valorização dos preceitos cristãos - se possível em
todos os âmbitos da vida social. Essa questão está embutida na ação de militar em
prol da cidade. Aquilo que eles querem que a cidade seja determina os eixos onde
eles vão atuar.

6
Bispo canadense fundador da Igreja de Nova Vida, uma das precursoras do movimento
pentecostal no Brasil. Acostumado a realizar cruzadas evangelísticas pelo mundo inteiro, Robert
McAlister foi convidado por Lester Summeral, evangélico e ativista humanitário norte-americano,
para participar de uma campanha evangelística no Maracanãzinho, Rio de Janeiro, em 1958. No
ano seguinte, em 1959, McAlister veio morar no Brasil acompanhado da esposa e de seus filhos.
Primeiro foi para São Paulo, mas na capital paulistana não logrou muitas oportunidades. Migrando
para o Rio de Janeiro foi morar em Santa Teresa, onde começou a atuação da Igreja de Nova Vida,
que tinha (e tem) como uma de suas características marcantes a evangelização para as camadas
médias da sociedade carioca.
25

A URBANIDADE

Todas essas reflexões, imaginários e tipos-ideais sobre a cidade postulam


que nossa experiência do mundo e do outro é profundamente mediada pela urbe,
como emaranhados da ação e interação ancorados sob a forma de lugares e
espacialidades. Essa estruturação da experiência do mundo e do outro que toma a
forma de cidade é, na verdade, um primeiro esboço da definição de "urbanidade" –
ou melhor, dos conceitosde urbanidade, as camadas pelas quais se compõem a
vida social na cidade. A exploração do tema nesses termos vai nos levar a
diferentes instâncias da realidade social e material e, por conseguinte, a diferentes
ideias e tipos ideais de urbanidade, o que resulta num caminho relativamente
heterogêneo em termos teóricos. Dada a dificuldade dessa descrição, meu esforço
procede em estabelecer aproximações, uma busca por traços da urbanidade
capturados por esses discursos, para enfim compreender como os grupos
evangélicos estabelecem conexões para produzir vínculos, identidades e coesões
sociais.
Nas últimas décadas, a segregação dos trabalhadores reformulou os
sentidos e representações atribuídos à cidade e à urbanidade. Segundo Henri
Lefèbvre (2001) as cidades modernas substituíram a ideia de habitar, que estaria
relacionada à vivência plena do espaço urbano, por uma noção de habitat, a
moradia reduzida à função de abrigar, submetida à cotidianidade alienada. Sob
esta perspectiva, a racionalidade urbana fragmentadora, que intensifica as
segregações de classe, para além de espoliar direitos sociais e civis estaria
espoliando de grande parcela social o próprio ―direito à cidade‖ (LEFÈBVRE, 2001,
p. 139). Por tal razão, o direito à cidade foi definido pelo autor como um direito de
não exclusão da sociedade urbana, de suas qualidades e dos benefícios que dela
provém. A exigência do direito à cidade em Lefèbvre propõe a recuperação coletiva
do espaço urbano por grupos marginalizados que vivem nas periferias da cidade.
Em contrapartida, Harvey aprofunda a centralidade da ideia de que o direito
à cidade é um direito de transformação geral da vida urbana, ―um direito coletivo
em vez de individual‖, pois entende que ―a transformação depende inevitavelmente
do exercício de um poder coletivo para redefinir o processo de urbanização‖
(HARVEY, 2008, p. 23).
26

Sob esse prisma, podemos resumir que a cidade postula que cada uma das
diferentes necessidades deve ser satisfeita em seus vários domínios de uso e
fruição: habitação, trabalho, consumo, circulação, diversão, dignidade, entre outros
princípios. Para Luiz César Ribeiro (2004), o sentido moderno do direito à cidade
expressa, três focos: o democrático, o liberal e o social.
O primeiro é o polis, o segundo o civitas e o terceiro societas. Este
último foco tem a ver com a descoberta de que o civitas e
o polis somente poderiam existir com o mínimo de justiça social.
Podemos, então, imaginar uma sequência: cidadania cívica,
cidadania política e cidadania social. (RIBEIRO, 2004, p. 43)
Entretanto, se compararmos essas tipologias sobre a cidade com o processo
de construção urbana na América Latina e, sobretudo, no Brasil, veremos que há
uma ruptura deste processo histórico com impactos específicos. Aumenta o polis,
mas a cidadania permanece hipertrofiada pela inexistência da urbanidade.
As características das nossas cidades e o padrão de desigualdades
prevalecentes formaram-se sobre a vigência dos clássicos mecanismos da
acumulação urbana, ―cujos fundamentos são as próprias desigualdades
cristalizadas na ocupação do solo‖ (RIBEIRO, 2004, p. 43). As grandes massas,
formadas pelos trabalhadores, são espoliadas por não terem reconhecidas
socialmente suas necessidades de moradia e serviços coletivos, inerentes ao modo
urbano de vida. A construção da grande maioria das cidades brasileiras ligou-se a
uma superexploração da força de trabalho, a uma intensificação do ritmo de
crescimento industrial sob a cobertura de ideologias nacional-desenvolvimentista,
resultando em que muitos trabalhadores fossem excluídos das benesses desse
desenvolvimento capitalista. Uma dessas exclusões se materializou na crescente
desigualdade de classe e do predomínio dos interesses privados sobre os assuntos
coletivos. O resultado desse fenômeno é a urbanização sem o direito às cidades,
uma transição desarticulada de projetos e estratégias de emancipação.
Essa redução não contribuiu para a conquista coletiva do nível de
urbanidade – que, nas palavras de Ana Clara Ribeiro (1995, p. 80) significa ―a
qualidade da vida urbana e de suas condições materiais e sociais‖. Ao contrario, a
incongruência histórica do desenvolvimento brasileiro expôs os cidadãos a um
hibridismo entre formas e práticas reprodutoras de padrões internacionais de
consumo e exclusões radicalizadas.
27

Nesse olhar dirigido às perspectivas excludentes da cidade surge um campo


de possibilidades a serem desvendadas e projetadas por meio das igrejas
evangélicas, que a partir dos anos 19607se deslocam para uma atuação em
múltiplas escalas e ordens particularmente indispensáveis à vida urbana brasileira.
Neste ínterim, certas denominações evangélicas passam a investir mais
ostensivamente em ações de reversão às tensões de desintegração social e no
estímulo às propriedades materiais8 que assegurariam um papel potencialmente
integrador à urbe.
Neste sentido, creio que a investigação sobre o caráter sociológico dos
megatemplos e das políticas evangélicas na metrópole derivam de um ponto de
partida complementar, qual seja: compreender o conceito de urbanidade no
contemporâneo. Segundo o dicionário Aurélio9, urbanidade é o caráter do urbano e
da cidade. Sendo o termo caráter entendido como o conjunto de qualidades boas

7
A inserção do cristianismo evangélico no campo social teve como movimento propulsor a Teologia
da Libertação, corrente teológica cristã nascida na América Latina na década de 1960. Considerada
um movimento supradenominacional, apartidário e inclusivista de teologia política, engloba várias
correntes de pensamento que interpretam os ensinamentos cristãos em termos de uma libertação
de injustas condições econômicas, políticas ou sociais. Por sua vez, a Teologia da Missão Integral –
TMI é a expressão conceitual de um movimento de renovação missiológica das igrejas evangélicas
na América Latina, cujas origens remontam ao I CLADE – Congresso Latinoamericano de
Evangelização, em Bogotá, e à fundação da Fraternidade Teológica Latinoamericana, ambos em
1969. A Conferência do Nordeste também se enquadra nesse esforço conceitual de renovação das
ações de responsabilidade social das igrejas evangélicas brasileiras. Realizada em 1962 na cidade
de Recife, ao evento foi o resultado do aprofundamento do pensamento e da ação de um grupo de
cristãos que descobriram a necessidade de a igreja participar das lutas sociais do povo. No
documento da conferência pode se ver as seguintes considerações: ―Um dos aspectos positivos que
podemos citar como verdadeiro dividendo da Conferência do Nordeste foi a tomada de consciência
pelas igrejas representadas na reunião, da realidade presente do Brasil. Há uma realidade que nos
desafia no momento presente, perguntando-nos, em angústia, qual é a resposta da Igreja para a
vida da comunidade, à crise em que se debate a nossa Pátria nos dias que correm‖. [grifos meus].

8 Cito como exemplos desse fomento a criação de conselhos de responsabilidade social em


denominações batistas, metodistas, presbiterianas; a criação do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras
Cristãos (CPPC) em 1976, que passou a formar profissionais para atender gratuitamente pessoas
nas cidades – com atendimento clinico e também para moradores de rua e pessoas em drogadição;
a expansão das principais instituições de ensino evangélicas; a ampliação dos canais de
comunicação (radio, tv, jornais) como veículos de formação para uma mentalidade cristã evangélica
conectada às dinâmicas do mundo urbano. A Teologia da Missão Integral é também uma expressão
desse fenômeno que pensa a materialidade do evangelho. O adjetivo ―integral‖ em sua descrição de
missão integra a evangelização e a ação social, a fé e a consciência crítica, a espiritualidade e o
compromisso político (PADILLA, 2014, p.19).

9
Dicionário Aurélio, versão 8, formato eletrônico; edição revista, aumentada e atualizada. Disponível
em http://aurelioservidor.educacional.com.br/download. Acesso em: 30 abr. 2018.
28

ou más que distinguem algo ou pessoa, a urbanidade, por esse encadeamento


conceitual, seria o conjunto de qualidades que distinguem uma cidade. Em
paralelo, o termo possui uma definição simbólica que é aplicável à conduta das
pessoas, referindo-se a atributos tais como cortesia, polidez, civilidade. Falar de
urbanidade significa, também, compreender os termos de uma cidade que acolhe,
que permite às pessoas terem um sentimento de comunidade, pertencimento e
cidadania. Ou seja, a urbanidade é, em seus próprios termos, sinônimo de Política
– esta com ―P‖ maiúsculo, que visa ao bem comum.
Seguindo essa linha, pensar a urbanidade nos ajuda a buscar o ingrediente
que falta em tantas situações urbanas atuais, mesmo havendo a intervenção por
parte de governos, ONGs, centros técnicos especializados, grupos sociais e
religiosos10. No presente século, vemos nas grandes metrópoles que a falta da
urbanidade tem dado lugar a lacunas onde o corpo da cidade sofre com situações
de pobreza, violência, segregação, morte, intolerância, entre tantas outras mazelas
e conflitos.
Para David Harvey (2008), o mundo atual é permeado por relações rápidas e
descartáveis, onde a transformação das pessoas em mercadorias provoca
processos de desarticulação social e de criação de um ―mundo de inseguranças
crônicas, perda de proteções sociais e trabalho debilitante, em meio ao desmonte
das instituições coletivas que um dia proporcionavam um mínimo de dignidade e
apoio‖ (HARVEY, 2008, p. 183). Diante da ausência das articulações sociais
baseadas nas instituições democráticas, os indivíduos se voltam inevitavelmente
para outras formas institucionais por meio das quais possa construir solidariedades
sociais e exprimir a vontade coletiva. E, neste cenário, a religião evangélica tem se
mostrado como sendo uma esfera potente de reconstrução da solidariedade e da
urbanidade entre cristãos e para além destes, uma vez que os evangélicos atuam
para um público cada vez mais amplo nas cidades brasileiras.
Essas formas sociais alternativas surgiram para preencher o vazio deixado
pelos poderes do Estado, por partidos políticos e outras formas institucionais, que
ou se desmantelaram ativamente ou simplesmente se deixaram esgotar como
centros de empreendimento coletivo e de relacionamento social. Podemos supor
10
Significa dizer que, por vivermos em sociedade, Estado, governos municipais, instituições e
movimentos sociais deveriam ser construtores e propagadores de circunstâncias que favoreçam ou
reforcem a urbanidade – o que não aconteceu de modo tão eficaz no processo de urbanização
brasileiro.
29

então que certos grupos evangélicos de grande magnitude e alcance no urbano,


com sua estrutura de atuação em diferentes escalas – desde a religiosa até a de
ação social, pedagógica e política – surgem como uma nova forma de o
cristianismo evangélico expressar a relação do homem com o mundo e com a
cidade.

CARTOGRAFIAS DO OBJETO

Quais seriam, então, os eixos estratégicos pelos quais grupos evangélicos


específicos buscam trazer de volta a urbanidade e a civilidade carente às
metrópoles brasileiras? Como os megatemplos evangélicos produzem identidades
e vínculos sociais que tem um sentido de urbanidade?
Nossa hipótese encontra respostas naquilo que Milton Santos postula como
espaço social. Para Santos (1996) não há um espaço social, mas vários espaços
sociais, uma multiplicidade de espaços que se compenetram e/ou se superpõem. É
sob este prisma que observo o objeto de estudo desta tese: os megatemplos e as
políticas evangélicas no urbano, que atuam por expansão em escalas para mudar o
modelo de situação urbana que temos vivido. Para tanto, os evangélicos propõem
o que chamo de urbanidade gospel, que se traduz em uma cosmovisão cristã de
bem comum e vivência política dos cidadãos.
Os subsídios para a aproximação entre a realidade urbana e o ideal de
urbanidade gospel são pautados nas seguintes estratégias:I) implantação de
megaigrejas (os chamados ―megatemplos‖) em bairros centrais junto aos principais
eixos viários da cidade; II) aproximação por necessidades específicas por faixa
etária, alcançando crianças, jovens, adultos – mulheres, homens, casados,
solteiros, universitários, trabalhadores, profissionais liberais, empreendedores –,
terceira idade, portadores de necessidades especiais de todos os gêneros; III)
aproximação por necessidades sociais específicas – serviços sociais em educação,
esportes, música, cultura e artes, organizações não governamentais (ONGs),
fundações de apoio e assistência social, movimentos específicos; IV) aproximação
pelos espaços da legislação, prevendo a participação direta e indireta por meio do
diálogo com projetos, políticas públicas, projetos de Lei, ou mesmo através da
30

eleição de personalidades evangélicas a cargos de poder legislativo municipal e


estadual.
A presença da igreja, a partir desse enfoque, tem a finalidade de inserir-se
estrategicamente na construção de um referencial de dignidade para a população
urbana, sempre conectado aos preceitos do padrão cristão evangélico de um modo
de ser e estar no urbano, um tipo específico de urbanidade.
É sobre essa urbanidade produzida pelo cristianismo evangélico que
pretendo abordar. Hillier (1983) entende que a condição de urbanidade está
assentada em instaurar possibilidades para formação de condições de rede, de
acolhimento. Tschumi (1994) delineia a urbanidade como a ferramenta de inclusão
entre espaços e pessoas, para que estas sejam protagonistas de sua ação. Já
Holanda (2003) define urbanidade enquanto minimização dos espaços segregados,
guetizados. Castelo (2007, p. 72) vê a urbanidade como ―uma qualidade típica e
única do ambiente construído, uma qualificação vinculada à dinâmica das
experiências existenciais, através da capacidade de intercambio e de
comunicação‖. Está inserido, nessa perspectiva, o entendimento da cidade como
rede. A condição de urbanidade estará, portanto, no modo como a cidade acolhe e
recebe as pessoas, o corpo. A experiência da urbanidade é, sobretudo, uma
experiência do mundo social: representa nossa imersão em suas condições de
continuidade e integração.
Fazendo uso dessas ideias, proporei um modo de elucidar a experiência
urbana evangélica que se difere de outras urbanidades através de um critério
basilar: o princípio ético. Por essa razão recorri ao termo urbanidade gospel11 para
expressar tais diferenças de ordem ideológica do cristianismo que têm um aspecto
central para o entendimento da urbanidade evangélica – pautada pelos ideais de
amor ao próximo, retidão cidadã, moralidade familiar, organização da vida
cotidiana, respeito aos governantes, dentre outras idiossincrasias particulares ao
universo cristão.
Dotadas de grande reconhecimento nas regiões que se inserem, com visões
teológicas de amplo alcance, essas igrejas se conformam como legítimos exemplos

11
Palavra inglesa que significa evangelho. Também é usada como referência ao estilo musical
religioso das comunidades evangélicas. Igualmente, o termo gospel alude aos evangelhos bíblicos
que relatam a vida de Jesus Cristo, tido como a maior referência de conduta humana, moral e cívica
na Terra, pelo qual os cristãos se pautam para construir uma ética e um sentido de mundo para a
vida contemporânea.
31

da produção dos sentidos de urbanidade à relação social que elas produzem,


coordenando serviços sociais de diferentes naturezas, o que resultou em uma
redefinição dessas correntes religiosas nas arenas públicas, a fim de serem vistas
como opção às demandas materiais e espirituais da vida cotidiana nas metrópoles.
Observa-se que os megatemplos evangélicos são resultado de ações combinadas
para fins estratégicos, onde essas estruturas diferenciadas se caracterizam como
elementos potencializadores de integração do cristianismo evangélico à cidade, ou
mesmo se apresentando como elemento de resposta aos anseios da vida na
metrópole
As modalidades de amparo que caracterizam o fazer evangélico no
megatemplo contribuem para transformar a percepção dos crentes sobre o que é a
vida do sujeito em suas sociabilidades e por dentro de sua subjetividade, na escala
micro. Uma vez que os megatemplos estão conectados a diferentes políticas
inerentes à vida urbana, interessa-me saber em que medida o cristianismo
evangélico quer reformular esse indivíduo na sua subjetividade e cidadania para,
com isso, multiplicar a rede de agentes que se colocam como contraponto ao
espaço urbano carente de urbanidade. Enquanto a cidade é exclusão,
desenraizamento, desterritorialização, a igreja produz inclusão, acolhimento,
permanência. O intuito é apresentar esses ideais de urbanidade fabricados a partir
do megatemplo e que tenham alcance na escala interna (da vida dos membros), na
escala do bairro e em proporções da vida na cidade. Exemplos desses eixos são a
ação social, a produção midiática (televisão, internet, mídia impressa), os serviços
de cultura e lazer disponíveis, ações em saúde, inclusão social a PNEs (portadores
de necessidades especiais), reuniões religiosas estratégicas (para a família,
jovens, casais, empresários, mulheres, homens, idosos) e a própria estética do
megatemplo em si, pelo qual as observações de campo apontam um projeto
arquitetônico pensado para proporcionar uma experiência agradável aos sentidos
fisiológicos e espirituais.
32

METODOLOGIA E PROPOSTAS DE TRABALHO

A pesquisa se propõe a analisar dois megatemplos específicos e sua


produção de políticas a fins de promover a experiência de uma urbanidade distinta
- a urbanidade gospel – entre fieis e usuários dos templos, operando assim em
diferentes âmbitos da vida urbana e social. Estes megatemplos constituem-se no
Templo da Glória do Novo Israel, da Igreja Universal do Reino de Deus no bairro de
Del Castilho, Rio de Janeiro, e o megatemplo da Primeira Igreja Batista de Curitiba
no bairro do Batel, região metropolitana da capital paranaense.
Busco elaborar, a partir do lugar do megatemplo, como os interlocutores
evangélicos da IURD/Del Castilho e da PIB Curitiba circunscrevem sua atuação e
engajamento – a nível de bairro ou da cidade - para operar na estrutura urbana e
nas relações sociais. Com base em perspectivas teóricas sobre o conceito de
urbanidade, construção do espaço e materialidade da vida religiosa, a pesquisa
examina como os megatemplos da Primeira Igreja Batista de Curitiba, no bairro do
BateI, e o Templo da Glória do Novo Israel, da IURD em Del Castilho/RJ, ocupam
seu lugar em oposição ao ambiente secular; como eles, enquanto evocações do
sublime, ajudam os crentes a ultrapassar os limites da subjetividade moderna, e,
ainda, como estes funcionam enquanto centros comunitários na vida cotidiana
urbana. . Deste modo, procuro considerar essas práticas políticas em seus
aspectos mais expressivos, de modo a apreendê-las em sua racionalidade e no
contexto da dinâmica urbana examinada12.
Tendo em vista a amplitude do fenômeno no cenário brasileiro, optei pelo
estudo analítico de apenas duas igrejas considerando a validade das homologias
estruturais do campo evangélico, nos termos de Bourdieu (1997). Ou seja, os
atributos inerentes a este campo podem ser reproduzíveis em outros megatemplos,
guardadas as suas proporções.
A escolha por estas denominações também foi baseada em alguns critérios
seletivos. O Templo da Glória do Novo Israel, no Rio de Janeiro, e a Primeira Igreja
Batista de Curitiba estão entre os primeiros megatemplos evangélicos projetados e

12
A dinâmica urbana examinada considerará os bairros de DEL CASTILHO (RJ), BATEL
(CURITIBA) e zonas adjacentes nos quais essas igrejas pesquisadas tenham atuação relevante.
Importante dizer que serão evidenciados relatos amostrais das experiências evangélicas nessas
metrópoles, uma vez que seria impossível, numa pesquisa individual, relatar tudo que tais igrejas
produzem em nível de cidade.
33

edificados em metrópoles brasileiras na década de 1990, período que deu início à


onda de edificação de catedrais evangélicas e megatemplos para fins estratégicos
nas grandes cidades. Selecionei esses templos por possuírem características
eletivas que enriquecem a perspectiva analítica do tema: a) são megatemplos que
atuam em metrópoles diferentes e com contrastes específicos b) são mega igrejas
provenientes de correntes evangélicas distintas – uma é pentecostal e outra de
evangelismo histórico; c) possuem atuação em classes sociais diversas
(abrangendo as camadas populares, a ―nova classe média‖ e as camadas médias-
altas e; d) adotam linguagens estéticas e discursivas únicas, porém apresentando
afinidades que respondem às minhas inquietações. Ambas as igrejas mostram que,
ao indivíduo urbano, a razão não é suficiente para satisfazer as necessidades: é
preciso recorrer à gramática da fé.
A metodologia principal de análise constitui-se na abordagem etnológica de
pesquisa, que inclui como ferramentas a observação participante e a descrição
densa, aliada à coleta de dados e ao levantamento de informações em materiais de
pesquisa de diferentes matrizes (tais como coletâneas, jornais impressos, mídias
sociais). Como fontes primárias foram privilegiados aqui não só as anotações do
caderno de campo e acervo fotográfico, mas também a produção de dados a partir
de entrevistas semiestruturadas aplicadas com atores sociais incluídos no
fenômeno – pastores, lideranças e arquitetos planejadores dos dois megatemplos.
Como fontes secundárias foram examinadas as informações disponibilizadas por
instituições públicas como secretarias municipais de urbanismo e arquivos públicos
municipais, bases georreferenciadas, além dados fornecidos por órgãos públicos
de referência em estudos urbanos (como Instituto Pereira Passos-RJ e Instituto de
Planejamento Urbano de Curitiba-IPPUC).
Por sua vez, os referenciais teóricos apontam enquanto eixos centrais as
contribuições de matrizes interdisciplinares em áreas como Geografia,
Comunicação, Antropologia, Economia e Planejamento Urbano, para o
entendimento do caráter da cidade e da produção de sentidos a uma experiência
de urbanidade nas metrópoles. O campo epistemológico sobre a religião
evangélica também foi considerando, destacando os trabalhos de autores como Ari
Pedro Oro, Patrícia Birman, Ronaldo Almeida, Clara Mafra, Emerson Giumbelli
entre outros, que estudam densamente a atuação evangélica no Brasil. Para um
estudo sobre as subjetividades urbanas, a vida política nas metrópoles e a
34

interrelação com a urbanidade, autores como Jean-Marc Besse e David Harvey são
algumas dentre muitas contribuições teóricas que compõem a teia conceitual para
explicar o megatemplo e suas dinâmicas, convergindo à experiência de urbanidade
evangélica nas metrópoles pesquisadas.
35

Cena 1

O MEGATEMPLO EVANGÉLICO E SUAS CONEXÕES NA URBE

Desde finais do século XX observamos uma tendência relevante nas


configurações urbanas, caracterizada pela projeção de megatemplos religiosos –
especialmente evangélicos - nas grandes metrópoles brasileiras. Nos anos 1990,
este modelo arquitetônico foi introduzido ao contexto evangélico brasileiro quando
da criação de projetos para implantação de megatemplos em metrópoles como Rio
de Janeiro, Curitiba e São Paulo. De lá pra cá, diferentes correntes evangélicas –
desde as tradicionais até as neopentecostais e alternativas - aderiram à construção
de catedrais enquanto modelo de expressão da força e hegemonia de suas
denominações. Sendo este um fenômeno cada vez mais recorrente na morfologia
urbana, devemos pensar: o que caracteriza a produção dos megatemplos que
combina com certas maneiras de ser e estar na cidade?
As transformações estruturais da sociedade brasileira - urbanização,
industrialização, monetização, secularização da vida, entre outros fatores –
indubitavelmente tiveram uma influência na transição religiosa do país e expansão
das denominações do cristianismo evangélico. Com o aumento do poder
econômico de alguns estratos da população brasileira, o qual possibilitou certa
mobilidade social de indivíduos da classe D para as chamadas classes C e B nos
anos 2003 em diante, verificou-se que os efeitos dessa transformação econômica
também se fizeram presentes nas igrejas evangélicas. Entre os grandes estados
brasileiros, o Rio de Janeiro é de acordo com Alves et.al. (2017), a Unidade da
Federação mais avançada no processo de transição religiosa (com um crescimento
de 61,5%no número de evangélicos de 2000 para 2010), sendo que ―a difusão das
filiações pentecostais têmum padrão muito peculiar -partindo da periferia da
região metropolitana para o restante do estado, seguindo a rota das grandes
rodovias e eixos viários metropolitanos‖ (ALVES et. al., 2017, p. 222).
Em meio ao crescimento da população evangélica como um todo ocorre
uma considerável flexibilização nos costumes estéticos, sociais e morais; passa-se
a valorizar a arquitetura imponente, que exprima os avanços em termos de poderio
econômico da classe de fiéis; e inicia-se, em contrapartida, um diálogo mais
frequente entre o cristianismo evangélico e os conjuntos urbanos. Tal proposta
36

passa a ser culturalmente orientada no atendimento às especificidades locais, de


modo que as megaestruturas sagradas estejam vinculadas à vida das pessoas,
reunindo estratégias bem concatenadas para o rearranjo das relações coletivas, no
resgate da autoestima da comunidade para o encontro a um novo movimento
existencial, de autoconhecimento e de qualidade de vida – social e espiritual.
Deste modo, a produção de um espaço hegemônico e plural construído por
igrejas evangélicas fortemente organizadas tem como um de seus principais
referentes o megatemplo: um lugar de culto evangélico que condensa um conjunto
de atividades de consumo, de produção de cultura e políticas sociais direcionadas
a seus usuários. Os megatemplos caracterizam-se por projetos suntuosos, cuja
arquitetura transita pelas releituras entre os estilos neoclássico ou modernista.
Podemos mensurá-lo não apenas por suas dimensões físicas – com santuários que
comportam até 10 mil pessoas ou mais -, porém especialmente por sua extensão
relacionada a outros serviços. Neste sentido, o megatemplo evangélico caracteriza-
se como um espaço construído que condensa formas de fazer, pensar e agir do
universo evangélico, qual seja: traduzir uma religião que produz sentidos de
prosperidade e bem-estar social na cidade.
Reuniões que ocorrem nos sete dias da semana, em todos os turnos, é a
característica mais fundamental de um megatemplo. E para garantir novos
conteúdos, estes espaços são criadores de serviços como visitas guiadas,
exposições, atividades sociais, desportivas e culturais, serviços de saúde e várias
outras programações até então atípicas a um templo religioso. Sendo assim, o
megatemplo evangélico trabalha com o capital cultural e de consumo, abrindo
espaço a novos territórios híbridos, com equipamentos que vêm aumentar suas
potencialidades comerciais. Ele tem: 1. Lugares para ver; 2. Lugares para
socializar; 3. Lugares para experimentar. Esse microcosmo que é, na realidade, a
própria atração.
Neste capítulo destacarei três aspectos importantes: a tendência histórica de
monumentalização do espaço religioso evangélico; os modelos de racionalidade
proposto pelos megatemplos evangélicos às crescentes demandas oriundas nas
metrópoles; seus equipamentos de entretenimento e consumo. O case ilustrativo
desse fenômeno serão os megatemplos da Primeira Igreja Batista de Curitiba, no
bairro do Batel, e Templo da Glória do Novo Israel da IURD, no bairro de Del
Castilho/RJ. A hipótese defendida é a de que este novo modelo de
37

espacializaçãodos templos faz parte de uma estratégia de ampliação dos


interesses da religião, uma vez que o cristianismo evangélico utiliza o megatemplo
para produzir distintos arranjos que vão além do âmbito religioso. São diferentes
serviços inerentes às demandas urbanas. Neste sentido, tais correntes evangélicas
vão absorvendo os dispositivos que estariam dispersos na cidade, trazendo-os
para dentro da religião.

1.1MEGATEMPLO: CONCEITO E HISTORICIDADE

Estudar a história de um conceito implica pensar em quais thinktanks13eles


foram construídos ou reformulados. Com o objetivo de problematizar este objeto
contemporâneo, busco entender como se dá a produção do megatemplo enquanto
categoria analítica e metonímia de um discurso de potência da religião, que muitas
vezes toma uma dimensão política, de uma estética da existência no cristianismo
evangélico.
Em nosso caso, uma breve revisão analítica indica que o megatemplo só
passou a se tornar uma categoria discutível quando esse tipo de arquitetura escalar
passou a ser difundida na América Latina. Uma das primeiras literaturas a trabalhar
este conceito foi o livro Beyond Megachurch Myths: what we can learn from
America’s largest churches, (―Além do mito dos megatemplos: o que podemos
aprender com as grandes igrejas da América‖), dos autores Scott Thumma e Dave
Travis (2007). No Brasil, o campo analítico sobre o megatemplo ainda se apresenta
modesto, sendo a principal referência no tema das grandes catedrais religiosas o
antropólogo Ari Pedro Oro. Ele iniciou suas reflexões sobre secularização na
religião nos anos 2000 e, mais recentemente, estudou a presença das grandes
catedrais nas cidades.
A hipótese de Ari P. Oro (2012) é a de que as edificações grandiosas
evangélicas, vistosas e opulentas, estão contribuindo para uma ressignificação do
religioso no espaço público, e isso constitui uma espécie de turning point na história
do campo evangélico, brasileiro em particular. Para o autor, esse fenômeno

13
Os thinktanks são interpretações teóricas através das quais se busca pautar o debate político de
uma dada categoria por meio da publicação de estudos, artigos de opinião e da participação em
ambientes da mídia. Pensar a realidade de um conceito de forma inovadora é a tarefa dos teóricos
dos thinktanks, no entanto, deve-se ressaltar a probabilidade em que esse debate assuma, muitas
vezes, as tarefas de representação de diversos grupos de interesses.
38

vislumbra ―uma mutação em andamento no campo da disputa pela legitimidade


pública do protestantismo no Brasil‖ (ORO, 2012, p. 89), considerando a cidade
como um lugar privilegiado para observar as reconfigurações existentes no campo
religioso, em particular nas relações entre religião e sociedade.
Enquanto tendência arquitetônica, os megatemplos tiveram seu início nos
Estados Unidos na década de 1970, quando da expansão do protestantismo às
camadas médias e altas em decorrência da dispersão do discurso da Teologia da
Prosperidade, por meio do Movimento Palavra de Fé – tido como fundamento do
repertório carismático e das narrativas contemporâneas sobre o gozo de uma vida
próspera na Terra. Kenneth Hagin, norte-americano, ministro da Assembleia de
Deus em Oklahoma e fundador do Rhema Bible Training Center (espécie de escola
de formação de negócios e ministérios protestantes) foi o precursor desse novo
modelo de magnitude da estrutura e linguagem estética evangélica. A doutrina do
Movimento Palavra de Fé era baseada em quatro pilares (Hagin, 2004):
A) Fé e autoridade: o crente através da sua posição em Cristo tem
autoridade sobre os elementos deste mundo;
B) Salvação: o "novo nascimento‖ se faz necessário para a transformação
do homem, e tal aspecto é realizado pelo poder do Espírito Santo;
C) Cura física: acreditam que sempre é a vontade de Deus que um crente
seja curado fisicamente de qualquer doença ou enfermidade e, por essa razão,
defendem que a cura estava disponível para todos;
D) Prosperidade financeira: acreditam que é sempre a vontade de Deus
que cada crente seja financeiramente abençoado por meio da fé. Embora Hagin
tenha enfatizado que a prosperidade material está inclusa na bênção redentora, em
seus ensinamentos está presente a ênfase no trabalho árduo e nas sábias práticas
empresariais. Em seu livro O toque de Midas (2004), Kenneth Hagin escreve de
forma acentuada e corretiva sobre o evangelho da prosperidade, enfatizando o
trabalho e o empreendimento.
Essa ideologia do próspero fez com que as igrejas evangélicas norte-
americanas criassem grandes templos que comportassem não apenas uma massa
de fiéis, mas que também fossem um reflexo palpável dessa nova linguagem
religiosa. Com o passar dos anos, esses templos descaracterizaram-se de um
espaço estritamente religioso para adotar uma arquitetura e estética que conjugam
espetáculo, fé e bem-estar. Em geral, as megaigrejas norte-americanas oferecem
39

diferentes serviços, utilizando o espaço dos templos para dispor de escolas,


programas educativos e culturais, e outros diferentes serviços sociais.
Outra localidade de emergência paralela de megatemplos foi a Coréia do
Sul, que na década de 1990 era o modelo de referência da expansão evangélica no
mundo (THUMMA & TRAVIS, 2007). Nos anos 90 lideranças evangélicas sul
coreanas promoveram diferentes eventos e encontros anuais de igrejas, e muitos
pastores e líderes brasileiros e latinoamericanos iam pra lá a fim de entender as
causas do crescimento evangélico naquele país. Thumma e Travis (2007) explicam
que, com o fim do regime militar na Coreia do Norte e a abertura das fronteiras, a
Coreia do Sul foi permeada por imigrantes de distintas nacionalidades, e a igreja
evangélica14 teve papel preponderante no acolhimento e inserção social dessas
pessoas. A religião evangélica passou a competir com o budismo e a atrair
milhares de pessoas, tanto nas regiões metropolitanas quanto nas cidades
menores e vilarejos.
Sabemos que o capitalismo e a crescente onda de neoliberalização
propiciaram uma intensa ―mercadificação de tudo‖ (HARVEY, 2008): relações
rápidas e descartáveis, onde a transformação das pessoas em mercadorias
provoca processos de desarticulação social e de criação de um ―mundo de
inseguranças crônicas, perda de proteções sociais e trabalho debilitante, em meio
ao desmonte das instituições coletivas que um dia proporcionavam um mínimo de
dignidade e apoio‖ (HARVEY, 2008, p. 183). Diante da ausência das articulações
sociais baseadas nas instituições democráticas, os indivíduos se voltam
inevitavelmente para outras formas institucionais por meio das quais possam
construir solidariedades sociais e exprimir a vontade coletiva.
Não é sem razão, então, que no presente século as igrejas evangélicas
históricas e pentecostais brasileiras ganharam um novo padrão. A
monumentalização das igrejas, em referência a uma arqueologia da história do
cristianismo evangélico no Brasil, seria o ápice desse movimento de uma religião
que começa nos estratos mais baixos da população,organiza-se depois

14
A maior denominação cristã evangélica da Coreia do Sul é a Igreja Yoido do Evangelho Pleno, de
vertente pentecostal, fundada pelo pastor Yonggi Cho, apontado como um dos responsáveis pelo
grande crescimento dos evangélicos no país. O megatemplo da igreja Yoido do Evangelho Pleno
possui em torno de 1 milhão de membros.
Fonte: https://www.evangelhopleno.org/historia-da-yfgc-iii?lightbox=dataItem-ijfykb96. Acesso em:
22 jun. 2019.
40

numaassociação religiosa muito forte, rica, com penetração grande em território


nacional e internacional, e, no entanto, não perde totalmente a raiz que agrega
suas comunidades de base. Seguindo essa disposição, os megatemplos integram-
se a outras estruturas importantes do universo urbano possuindo como artérias
extensivas da igreja centros psicossociais; serviços médicos e comunitários;
centros educacionais e creches; comercio de vestuário e acessórios; livrarias;
escritórios de mídia; museus;aconselhamento para relacionamentos, cursos sobre
desenvolvimento de vida e liderança; programas de fortalecimento dos grupos
familiares; entre outros serviços, assinalando a existência de demandas
econômicas, estéticas e políticas por diferentes vias.
Estudiosos da religião evangélica (MARIZ, 1995; ORO, 1997; MAFRA, 2012,
entre outros) afirmam que essas formas sociais alternativas surgiram para
preencher o vazio deixado pelos poderes do Estado, por partidos políticos e outras
formas institucionais, que ou se desmantelaram ativamente ou simplesmente se
deixaram esgotar como centros de empreendimento coletivo e de relacionamento
social. Podemos supor então que o megatemplo, com sua estrutura grandiosa de
atuação em diferentes escalas – desde a religiosa até a de ação social, pedagógica
e política – surge como ―uma nova forma de a religião evangélica expressar a
relação do homem com o mundo, considerando a máxima de que a forma como
uma determinada religião se fixa no espaço explicita a autoimagem por ela
construída‖ (ORO, 1997, p. 99).
Nesta pesquisa, chamo de megatemploo santuário de culto evangélico com
capacidade entre 5 a 10 mil pessoas ou mais que, concomitantemente, condensa
em seus anexos um conjunto de atividades econômicas, de consumo, de produção
de cultura e políticas sociais direcionadas a seus usuários.
Os megatemplos geralmente se localizam em áreas especificas da cidade,
ligadas às principais estruturas de mobilidade urbana e com afluência aos
principais fluxos viários – rodovias, ferrovias, linhas de metrô e vias expressas,
pelas quais é possível trazer pessoas de todas as partes. Quanto ao zoneamento
do entorno dos megatemplos, tem tido ampla presença em bairros de camadas
médias, com tendência a ocupar áreas nobres das grandes capitais. Tais
localizações pretendem atingir a um grupo especifico: aqueles que recorrem mais
ao cristianismo evangélico (as camadas populares), mas também os
frequentadores oriundos das classes médias urbanas simpáticos à ―teologia da
41

prosperidade‖. Percebe-se que os megatemplos querem se aproximar desse


público e de suas demandas. As escolhas dos lugares e sua escala espacial têm,
portanto, finalidades estratégicas.
Levantamento preliminar em base de dados (IBGE e SIRGAS) apontou,
segundo nossos critérios, a existência de 29 (vinte e nove) megatemplos
evangélicos nas regiões brasileiras15 (MAPA 1). É possível afirmar que essa nova
configuração do sagrado na cidade observa novas necessidades espirituais e
materiais. No jogo de símbolos urbanos, o megatemplo aparece como mimesis
potente da religião evangélica, impondo-se como referencial em disputa frente aos
demais credos – especialmente o catolicismo.

15
O endereço de cada megatemplo foi georreferenciado e definidas as coordenadas geográficas
para eles. A partir disso foi possível inserir as coordenadas em um programa digital de
geoprocessamento (QGIS versão 3.4) para criação do mapa vetorial. Tendo as coordenadas
geográficas de cada megatemplo, sobrepusemos com a base cartográfica contínua do IBGE de
unidades da federação, criando assim um mapa dos principais megatemplos evangélicos brasileiros
em sistema de referência geográfica SIRGAS. Vale destacar que para cada megatemplo foi definido
um código para localização no mapa, exposto em tabela ao lado.
42

MAPA 1 – Principais megatemplos evangélicos (por região).

Elaboração: Rita Gonçalo/Victor Ricardini (2018). Fontes: IBGE, 2010; SIRGAS, 2018.
43

Com o intuito em mudar o padrão de vida na cidade e a maneira como as


pessoas se relacionam no urbano, os evangélicos perceberam que deveriam
empreendendo ações nas quais, de alguma maneira, aproximassem as pessoas de
Deus e dos valores cristãos. A formação de megatemplos e sua oferta de múltiplos
serviços seria, assim, uma forma de trazer as pessoas pra mais perto de Deus e
promover o bem comum em torno de uma urbanidade cristã, pois assim que podem
fazer o bem em prol da cidade.
A intervenção na estrutura social é pauta fundamental na agenda de
pastores e líderes gestores dos megatemplos. Basicamente, sua estrutura
organizacional e financeira é o que possibilita ao megatemplo a atuação em
diferentes repertórios no urbano. O megatemplo em sua essência é projetado para
criar soluções e adaptações para gerações presentes e futuras alinhadas a uma
perspectiva cristã de mundo. Por isso ele possui um modelo mental perfeitamente
delimitado. Vejamos.

1.2. O MODELO MENTAL DO MEGATEMPLO

Megatemplos evangélicos pretendem ter uma postura ativa e reconhecida


não só na região em que se insere, mas também nas periferias das metrópoles.
Para tanto aplicam uma espécie de reprodução de suas ações por meio dos
núcleos multi-sites, que se constitui numa filial (ou igreja irmã) com o mesmo perfil
litúrgico, teológico, estético, porém só que instalado em outro bairro da cidade, com
potencial de alcance maior das camadas periféricas. O multi-site é uma forma de a
grande igreja estar presente na periferia, estimulando os indivíduos a um padrão de
crescimento, prosperidade, empreendedorismo pessoal.
Constata-se que há uma geração que adere à proposta do megatemplo, que
está em sintonia com os tempos nos quais a gente vive. O modelo mental do
megatemplo se constitui, portanto, em uma igreja que representa a realidade
externa de demandas e interesses de uma grande metrópole (THUMMA E TRAVIS,
2007). Trata-se de uma das formas mais utilizadas por grandes lideranças
evangélicas para interpretar os acontecimentos em volta e representar o alcance
transformador que a religião evangélica pode ter no espaço. Quando igrejas e
pastores interessados pelas questões da cidade adotam o modelo mental do
44

megatemplo, eles frequentemente tomam medidas práticas que aumentem a


probabilidade para que o megatemplo eles cresçam de fato. Algumas dessas
etapas práticas incluem seleção geográfica estratégica e compra de terrenos de
grandes proporções, construção de edifícios com múltiplos prédios conexos,
adaptáveis, com plano explícito para futuras expansões projetadas em estágios de
melhorias nas instalações, extensa grade de programações e atividades, entre
itens que possam subsidiar sua visão do futuro. Essas questões são
detalhadamente estudadas e levadas em consideração no atual sistema de
planejamento formal dos megatemplos.
O modelo mental do megatemplo é baseado nos seguintes estágios
(FIGURA 1; adaptado de THUMMA & TRAVIS, 2007):

FIGURA 1 – Modelo mental do megatemplo evangélico.

a) seleção estratégica do lugar (que inclui variáveis como


perfil da população, uso do solo, transporte público e tráfego
de automóveis, meio ambiente etc.;

b) investimento em arquitetura e design;

c) formação de uma equipe de líderes com educação


universitária e de perfis plurais, que dialogue com diferentes
públicos, a fim de pôr em prática a busca por membros
potenciais e estratégias de evangelização

d) planejamento de serviços a serem ofertados e criação de


uma grade de programações diárias;

e) investimento na criação de website, serviços de


marketing e canais interativos de comunicação (Instagram,
Facebook, Flickr, podcasts em plataformas de streaming),
para que assim a igreja seja conhecida na comunidade.

Fonte: Elaborado pela autora com base em THUMMA & TRAVIS (2007).

Para que esse modelo mental seja posto em prática de maneira mais eficaz,
os evangélicos contam com consultorias especializadas em liderança estratégica e
crescimento de igrejas para implantação de megatemplos e aumento da audiência
de fiéis. Esse tipo de management não é novo no meio evangélico; existe desde
finais dos anos 1990 e surgiu, também, nos Estados Unidos, por meio de
45

instituições como LeadershipNetwork16, City to City17 e Acts29 Global18. Seus


líderes são pessoas de sólida formação acadêmica e vivência em diversos países
do mundo, por isso detêm um conhecimento epistemológico para oferecer uma
paisagem de como o megatemplo pode e deve atuar na sociedade. Nomes como
Timothy Keller, Jay Bauman e Rick Warren estão entre os principais expoentes na
paisagem global de implantação e desenvolvimento de megaigrejas.
No que tange ao público a ser captado, percebe-se que há um interesse de
os megatemplos acolherem um número proporcional de mulheres e homens,
casais e solteiros, seniores, crianças, brancos, pretos e afrodescendentes,
imigrantes latinos, europeus ou asiáticos; ou seja, toda sorte de diversidade de
pessoas, para transmitir a imagem de uma igreja atual e dinâmica.
Por sua vez, no que corresponde ao mercado religioso do megatemplo, este
é constituído pela dinâmica entre três componentes analiticamente distinguíveis, a
saber: a) os ―produtos‖ comercializados; b) os agentes que projetam, desenvolvem,
―manufaturam‖ e distribuem os produtos; e c) os ―consumidores‖ dos produtos
(USARSKI, 2012). Do ponto de vista do consumidor, os bens oferecidos são
adquiridos em situações nas quais seja possível posicionar-se positivamente diante
de uma oferta de consumo. Canclini (1996) traz para este debate a hipótese de que
o consumo deve ser tomado como processo cultural, encarando-o como prática
social que dá sentido de pertencimento. Para isso, no entanto, é necessário uma
concepção de mercado não apenas como lugar de troca de mercadorias, mas
como parte de interações socioculturais mais complexas. Afinal, o consumo não é
mera posse individual de objetos isolados, mas apropriação coletiva - através de
relações de solidariedade e distinção com os outros - de bens que proporcionam
satisfação simbólica e que servem para receber e enviar mensagens.
O ethos do consumo moderno, segundo Colin Campbell (2002), se
caracteriza por uma busca constante e incessante de realização ou possibilidade
de realização de uma vida melhor, através de experiências de consumo variadas,
com a finalidade de adquirir o que se quer e deseja como uma atitude positiva. O
consumo interpõe-se entre a formulação do desejo e sua realização, acarretando
uma interpenetração entre os prazeres dos sentidos com aqueles da realidade.

16
https://leadnet.org/
17
https://www.redeemercitytocity.com/
18
https://www.acts29.com/
46

Assim, este consumo possui uma ―ética romântica‖, orientada pela busca de
satisfações em níveis materiais, subjetivos e – por que não? – espirituais. Os
megatemplos, enquanto agências religiosas produtoras de sentido oferecem, cada
vez mais, ―mercadorias‖ mágico-religiosas capazes de desencadear sensações
prazerosas frente à possibilidade da realização da prosperidade abrangente. Neste
sentido, o ato de comercializar não se constitui algo externo à fé.
Observemos a seguir como os principais modelos de racionalidade
propostos pelos megatemplos evangélicos colaboram às crescentes demandas
oriundas nas metrópoles, e como seus equipamentos de entretenimento e
consumo fortalecem o movimento de fiéis nessas estruturas.

1.3. ESCALAS ESPACIAIS DO MEGATEMPLO EVANGÉLICO

Para essa discussão da hegemonia escalar evangélica merece destaque as


contribuições do geógrafo Neil Smith (1984; 1997; 2000), fundamentalmente por ter
introduzido a categoria de ―políticas das escalas‖ enquanto processos socialmente
conflitivos sobre os quais se reconfiguram, de forma articulada, o poder e o espaço.
Em tal contexto, a ideia de escala espacial procura demonstrar que novas formas
organizacionais e novas modalidades de atuação são construídas para o
enfrentamento de uma ―crise‖ no padrão de reprodução econômico e social. As
escalas constituem categorias de análise e, também, categorias de práticas ―que
emergem concretamente na realidade social como resultado do envolvimento dos
atores‖ (BRANDÃO, 2017, p. 244) na observação dos processos e políticas de
desenvolvimento metropolitano, regional e local.
Escala enquanto categoria analítica e enquanto categoria da práxis política
não estão apartadas. A escala espacial, socialmente produzida, deve ser vista
como um recorte ―para a apreensão das determinações e condicionantes dos
fenômenos sociais referidos no território, e, ao mesmo tempo, tomada como um
prisma que permite desvendar processos sociais, econômicos e territoriais
singulares‖ (BRANDÃO, 2017, 247). Neste sentido, é possível observar que a
escala espacial da formação dos megatemplos urbanos procuram engendrar suas
próprias atividades, tarefas ou operações, de forma que lhes permitam exercer o
poder no território.
47

Enquanto categoria da prática, a construção escalar é um processo


eminentemente político, estabelecendo a diferenciação de determinado ângulo de
luta social pelo controle do espaço. Como modo particular de organizar e dispor de
seus recursos políticos (incluindo a utilização de recursos simbólicos e discursivos),
observa-se que a ―política de escala‖ evangélica se manifesta na constituição de
arenas e instâncias em que se buscam estabelecer alianças, possibilitando lançar
mão de instrumentos, dispositivos e recursos diversos, para se tornar uma força
social permanente no lugar.
A escala espacial evangélica deve ser vista como um recorte para a
apreensão das determinações e condicionantes dos fenômenos sociais referidos
no território. Como um prisma que permite desvendar processos sociais,
econômicos e territoriais singulares – neste caso, a ausência do Estado ou erosão
da presença do poder público nas comunidades periféricas. Com efeito, a vigorosa
presença dos megatemplos nas periferias urbanas confere visibilidade ao
fenômeno, e o resultado dessas ações referenciadas escalarmente podem desvelar
a abrangência espacial das decisões destes sujeitos concretos. Tal movimento
protestante encontra no urbano uma maneira vertiginosa e pragmática de atender
às necessidades e demandas das relações de vida na modernidade, sem deixar de
lado a discussão de estratégias econômicas e sociais para driblar outros temas do
cotidiano.
Neste sentido, os megatemplos representam um desafio analítico, ora pelo
questionamento de suas relações privilegiadas com o Estado e o espaço público,
ora pela tentativa de ocupar lugar semelhante por meio da conquista de posições
sociais. Em outras palavras, a atual situação dos evangélicos proporciona uma
nova oportunidade de reflexão sobre o pluralismo político no Brasil, e, para sua
compreensão, parece-nos oportuno empreendê-lo a partir dos pressupostos das
racionalidades estética, econômica e sociopolítica implícitas nessas lógicas da fé, o
que legitimam toda esta incursão religiosa no espaço público e nas cartografias da
cidade.
48

1.3.1 Racionalidade Estética

De acordo com Mafra (2007, p. 145), certa lógica concreta nos adverte que
―na medida que o templo religioso é o lugar do divino entre os homens, este deve
guardar certas qualidades de longevidade, durabilidade, permanência, para, no
retorno, corroborar seu vínculo com o transcendente‖. Mais múltipla e criativa que a
lógica concreta citada, a estética oferece tanto a capacidade de incorporar como de
divulgar ideias e significados das mais diversas tradições.
A racionalidade estética, neste sentido, se apresenta como possibilidade de
um conhecimento de determinada tradição por meio dos sentidos, daquilo que nos
afeta em nossa capacidade de perceber o mundo. Para Carlos Vainer (2010, p.
95), os argumentos a favor de uma estética monumentalista apontam para ―um
caráter de cunho instrumental com pretensos resultados‖, quais sejam: i) a estética
faz parte da promoção do bem-estar e difunde a qualidade de vida na metrópole, e;
ii) cria símbolos da cidade, favorecendo o marketing urbano e contribuindo, desta
forma, para atrair investidores.
É tendência atual entre os megatemplos evangélicos recorrer a estilos
arquitetônicos neoclássico (recuperando a antiguidade greco-romana, com grandes
colunas e abóbadas) ou modernista (com design retilíneo e formas funcionalistas).
A composição paisagística é também um valor central, e muitas denominações
investem em jardins adornados com pedras, oliveiras, tamareiras e outras árvores
especiais. A volumetria das edificações é geralmente legível no tom das vias
urbanas – algumas delas ocupam mais de um quarteirão. No interior do santuário,
a composição de diferentes luzes aliadas ao potente tratamento acústico, às
confortáveis poltronas e aos estímulos estéticos sonoros e visuais permitem que o
visitante experimente algo próximo da sensação de transcendência.
O conforto físico e estético proposto pelos megatemplos projeta-se, portanto,
como uma espécie de ―oásis‖ em meio aos turbilhões socioemocionais que
vivemos nas grandes cidades. Ao aproximar questões de saúde emocional e
riqueza material, os templos-monumentos difusos pelo Brasil parecem estar em
sintonia com os desafios do mundo contemporâneo e da vida mental na metrópole.
49

1.3.2. Racionalidade Econômica

Para Harvey Cox (1990), o mercado tem sido capaz de determinar quais são
as necessidades humanas, e as últimas tendências da teoria econômica miram-se
na tentativa de estender cálculos mercadológicos a áreas que antes se supunha
isentas, tais como o corpo, a vida familiar, as relações interpessoais. Pensar a
racionalidade econômica das igrejas na produção de um ambiente de consumo
implica, assim, perceber quais têm sido suas estratégias para expandir uma série
de atividades que respondem a uma demanda de interesse mais geral. A produção
do templo como ambiente construído cada vez mais tem sido vinculada a uma
função de suporte ao capital. E a própria produção desse ambiente é, ela mesma,
uma mercadoria.
Segundo David Harvey (2008), uma das dimensões do ajuste espacial é
atualizar as demandas do ambiente construído dada a centralidade do território no
espaço urbano, coadunando-o com as formas capitalistas mais avançadas.
Serviços que antes não existiam passam a aparecer, requeridos pela necessidade
de acumulação no circuito primário. As formas pretéritas dos espaços de culto
evangélicos impediam a constituição de um consumo aliado à modernidade. Neste
sentido, coube aos megatemplos modernos atualizarem o ambiente construído
para melhor cumprir uma função social. Novos espaços e relações espaciais são
produzidos para dar vazão aos imperativos da acumulação de capital. A ideia do
megatemplo possibilita, então, o funcionando de uma miríade de ativos financeiros,
cuja circulação do valor é fragmentada em diferentes escalas.
Neste sentido, destacamos como modelo exemplar desse tipo de consumo
as lojas de artigos evangélicos, livrarias e vitrines presentes nos megatemplos
evangélicos. Muitas delas oferecem roupas e acessórios idênticos àqueles usados
por pastores, pastoras, líderes ou ícones do mercado fonográfico ligados às
denominações destes santuários. Também é frequente o consumo de materiais
impressos e digitais ligados ao ordenamento da vida espiritual, familiar e financeira.
Tudo isso caracteriza um consumo com vistas a materializar um sentido cultural,
estético e simbólico de referentes legítimos, dimensões nas quais o presente
modelo de acumulação no meio evangélico está fortemente imbricado.
50

1.3.3. Racionalidade Sociopolítica

A questão de que tipo de cidade queremos não está divorciada do ―tipo de


laços sociais, relação com a natureza, estilos de vida, tecnologias e valores
estéticos que criamos e desejamos‖ (HARVEY, 2012, p. 74). Neste sentido, quando
tentamos encontrar razões a perguntas fundamentais, tais como: por que o Estado
liberal não consegue atender às necessidades da sociedade? Por que aumenta a
crise do sistema representativo? – os evangélicos operam em outro movimento.
Vemos que as igrejas evangélicas administram hoje certas funções que se
acreditou serem do Estado – como o cuidado com a saúde, educação, esportes,
entre outros -, ministrando certas demandas individuais que passam a ser tratadas
como coletivas.
Essas ações podem ser entendidas como estratégias políticas de inclusão
dos fiéis a um determinado exercício de cidadania. Para Elisa Reis (1998, p. 35), a
ideia de inclusão é inerente aos diferentes conceitos de cidadania a partir da
―incorporação política do estado de bem-estar social‖. A noção política de cidadania
pode ser expandida ao incluir direitos, como o de educação e saúde, e na
apropriação de outros bens em processos de consumo. O conceito também
alimenta a noção de comunitarismo: práticas que atendem ―ao apelo das virtudes
cívicas, às metas comuns e à responsabilidade coletiva‖ (REIS, 1998, p. 40). Por
isso, a função das igrejas -particularmente dos megatemplos – se insere nesses
processos como um conjunto de atos de responsabilidade social, através dos quais
tratam de participar dos arranjos da produção e da circulação de práticas de bem-
estar social e de fortalecimento do comum.
A incorporação dessa nova ética corporativa da responsabilidade social ao
modelo religioso corrobora a tese de Timothy Mitchell (2006), para quem os
mecanismos institucionais na ordem política moderna nunca estão confinados
dentro dos limites do que se chama formalmente de Estado. Isto significa dizer que
certas ordens sociais se mantêm por meio da criação de certos mecanismos para
gerar recursos de poder. A política social dos megatemplos evangélicos é um
destes mecanismos institucionais, portanto, um lócus privilegiado daquilo que
Mitchell chama de ―efeitos de Estado‖.
Assim como o Estado possui sua racionalidade, a atuação da igreja também
é feita de modo organizado, e os vínculos formados pela oferta de serviços têm o
51

seu caráter estruturante de relações sociais entre as igrejas e os fiéis. Ao atuarem


como ―mediadores de demandas locais‖ e ―interesses relacionados às suas redes
políticas‘ (BEZERRA, 1999, p. 256), o que está em pauta é situar-se de um lado da
sociedade – o de provedor das demandas de conforto da matéria e do espírito -,
onde a manutenção dessas práticas aponta para a capacidade de renovação e
força social das mesmas.
As modalidades de amparo que caracterizam o fazer evangélico no
megatemplo contribuem para transformar a percepção dos crentes sobre o que é a
vida do sujeito em suas sociabilidades e por dentro sua subjetividade, na escala
micro. Uma vez que os megatemplos estão conectados a diferentes serviços
inerentes à vida urbana - o que evidencia a religião evangélica operando nesses
níveis -, interessa-nos em que medida o cristianismo evangélico quer construir esse
indivíduo na sua subjetividade, que é, ao mesmo tempo, uma cidadania também. A
FIGURA 2 estimula uma possível reflexão sobre o espraiamento dessas ações.

FIGURA 2 – Alguns exemplos das escalas de atuação e consumo do megatemplo


evangélico.

Centros psicossociais; Aconselhamento para Presença em todas as


serviços médicos relacionamentos, redes sociais, em
comunitarios; serviços auto-imagem e diversos aplicativos
de advocacia desafios digitais e em redes de
comportamentais televisao aberta e TV
paga.

Serviços Educação Auto-ajuda Cidade Internet

Escolas; cursos de nivel


Mutirões ―carismáticos‖:
superior; programas de
reformas de escolas, limpeza
formação complementar
para crianças, jovens e
urbana, embelzamento de
líderes suburbios; suporte habitacional

Fonte: Elaborado pela autora com base nas anotações de campo (2017).

Certamente esse arranjo tem algum impacto na vida urbana. Uma vez que
os conceitos cristãos operam no mundo social continuamente, as regras de
convívio que aparecem no funcionamento da cidade e no plano da subjetividade
estarão mais ativas nos crentes na medida em que eles se identificam com essas
52

modalidades de amparo à vida que o megatemplo oferece. Lidar situadamente com


os problemas, diluindo seus contornos, permite ao megatemplo evangélico se
tornar uma ferramenta prática para sintonizar o ―espaço comum‖ enquanto
―potência de vínculo‖ entre cidadãos.
53

Cena 2

AS GRAMÁTICAS URBANO-EVANGÉLICAS

2.1. O MEGATEMPLO DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS NO RIO


DE JANEIRO

Subúrbio19
Composição: Chico Buarque

Lá não tem brisa, não tem verde-azuis


Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha, Fala, Irajá, Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral, Fala, Piedade
Casas sem cor, ruas de pó, cidade
Que não se pinta que é sem vaidade

Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção


Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop, fala na língua do rap
Desbanca a outra, a tal que abusa
De ser maravilhosa, ai!

Lá não tem moças douradas, expostas


Andam nus pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai fotos nas revistas
Lá tem Jesus e está de costas
Fala, Maré, Fala, Madureira, Fala, Pavuna,
Fala, Inhaúma, Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz nos arredores
19
Chico Buarque (2006), álbum Carioca. Gravadora Biscoito Fino.
54

Carrega a tua cruz e os teus tambores

Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção


Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé, dá uma ideia
Naquela que te sombreia

Lá não tem claro-escuro, a luz é dura, a chapa é quente


Que futuro tem aquela gente toda
Perdido em ti eu ando em roda
É pau, é pedra, é fim de linha
É lenha, é fogo, é foda.

Fala, Penha Fala, Irajá


Fala Encantado, Bangu Fala, Realengo

Fale, Maré Fala, Madureira


Fala, Meriti, Nova Iguaçu Fala, Paciência.
Falou...

No espectro da contemporaneidade, Subúrbio desperta-nos os


questionamentos de quem estaria autorizado agora a cantar os espaços
periféricos da cidade e, ao cantar, que lugar ocuparia enquanto sujeito da
enunciação, como esses espaços seriam reveladores dos contornos que ganha a
subjetividade poética. De tais desdobramentos, interrogaríamo-nos ainda: Seriam
tais espaços um não-lugar? Seriam ressignificados pelo poético? A implantação
de uma igreja totalmente diferente representariam uma poiesis20 para aquela
realidade?
A canção ―Subúrbio‖ conduz o ouvinte a um olhar para a cidade a partir de
suas ―bordas‖, convida-nos a um percurso pelos bairros periféricos e pelos
objetos culturais oriundos desses espaços.. O termo subúrbio é utilizado para
designar áreas da cidade no entorno da linha férrea, distantes do centro e,

20
Fabricação criativa, nos termos de Aristóteles. Cf. Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio
Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Edições de Ouro/Tecnoprint S.A., 1970.
55

principalmente, as áreas cuja população predominante é de baixa renda.


Sendo a polissemia e a ambiguidade constitutivas da linguagem poética,
percebemos que as imagens eleitas pelo compositor em ―Subúrbio‖ permitem
alguns caminhos de leitura, dentre eles, a percepção do espaço periférico, o
lugar de enunciação do sujeito poético e a abordagem metapoética que promove
a discussão de uma observação singular. É por meio da estratégia da iconização
que o ―lá‖ se manifesta no texto, produzindo a alusão referencial em figuras como
―Acari‖, ―Vigário Geral‖, ―Piedade‖, ―Realengo‖ etc. Esses espaços se manifestam
marcados pela miséria e pobreza, como se nota em ―lá não tem brisa‖, ―Não tem
verde-azuis‖, ―Não tem frescura nem atrevimento‖, ―Lá não figura no mapa‖.
É interessante ressaltar a figura de ―Jesus‖ que, postado ―de costas,‖ reitera
o estado de marginalização a que estão relegados os suburbanos, esquecidos
até mesmo pela divindade, da perspectiva da enunciação. Logo, é por meio da
reiteração dos traços semânticos ―pobreza‖ e ―marginalização‖, recorrentes em
diversas figuras do texto, que se constroem as isotopias que nele seentretecem.
A descrição da paisagem desolada é ―constituída pelo o enunciador que utiliza
um campo semântico negativo, representado por metáforas, clichês e lugares
comuns da periferia‖ (RODRIGUES, 2013, p. 58) como ‗labirinto‘, ‗cara a tapa‘;
‗chapa quente‘, ‗pau‘, ‗pedra‘, ‘lenha‘, ‗fogo‘, ‗foda‘, ‗fim de linha‘, e constrói por
meio das imagens a ideia de um lugar difícil, árduo e complicado.
Por isso, antes de descrever o histórico de implantação, atuação e
relevância do megatemplo IURD no Rio de Janeiro considero importante
metabolizar o contexto em que ele se insere, que é o do zona norte suburbana,
para que então seja possível compreender o porquê de esse megatemplo ter
causado amplas transformações nesse espaço.
O templo se encontra no bairro de Del Castilho, inserido na área de
planejamento 3 (AP3) da prefeitura municipal, fazendo limite com os bairros de
Higienópolis, Maria da Graça, Cachambi e Inhaúma (ver MAPA 2). O bairro
possui extensão territorial de 144,09 ha (dados de 2018). Destes, 143,42
hectares são considerados como área urbana, tendo ainda valor irrisório de
áreas verdes (0,41 ha). Com uma população de 15.610 pessoas está na menor
faixa de classificação da prefeitura, menor que 20.000 habitantes, por isso é
considerado como ―zona de ocupação incentivada‖ (IPP, 2018). Em termos de
densidade demográfica está na classificação intermediária de 101 a 150 hab/ha.
56

A população possui renda média de até 5 salários mínimos, está inserida na


menor classificação da cidade (ver MAPA 3).

MAPA 2 - Bairros limítrofes a Del Castilho.

Fonte: Mapa base – site Bairro a Bairro – Instituto Pereira Passos (2018).
57

MAPA 3 - Rendimento médio domiciliar por Bairro (Del Castilho) – Censo


Demográfico 2010.

Fonte: Mapa base - site Armazém de Dados – Instituto Pereira Passos (2018).

O bairro de Del Castilho detêm ampla oferta de transportes públicos (MAPA


4), já que sua população é composta majoritariamente de trabalhadores. Em um
raio de 600m a partir do local do templo tem-se a estação de metrô Nova América /
Del Castillho (ligada ao Shopping Nova América) com integração para Barra,
Jacarépaguá e Fundão; Estação de trem Del Castilho; e diversas linhas de ônibus.
No raio entre 50 e 600m a partir do templo há 10 paradas de ônibus.
58

MAPA 4 – Delimitação dos transportes públicos em Del Castilho e no entorno do


templo.

Fonte: Mapa base – Google Earth (2018) – editado.

Apesar da boa oferta de transportes, Del Castilho não possui equipamentos


municipais de esporte e cultura (ver MAPA 5).

MAPA 5 – Mapa de Equipamentos Municipais – Zoom na Área de Del Castilho


indicando padrão 0 em equipamentos culturais.

Fonte: Portal GeoRio – Instituto Pereira Passos (2018).

A falta de equipamentos culturais fez com que o megatemplo da IURD em


Del Castilho assumisse um lugar de importância na região, tornando-se uma das
principais referências como ponto de encontro religioso e de lazer, sendo ainda
59

citado por mídias importantes no campo do turismo cultural – como os sites


TripAdvisor e Rolé Carioca.
Por que razão?! Talvez a resposta resida no fato de que o Templo da Glória
do Novo Israel é uma igreja concebida a partir de um conceito que tinha uma
determinada intenção.

2.1.1. A CONSTRUÇÃO

No ano de 1995, Edir Macedo e outros líderes da IURD promoveram uma


chamada convidando escritórios de arquitetura do Rio e São Paulo para
participarem de um concurso ao projeto de construção do megatemplo em Del
Castilho. Norma MaronTaulois e Claudio Taulois, ambos arquitetos e urbanistas
integrantes do mainstream da arquitetura carioca, ligados ao IAB – Institutos de
Arquitetos do Brasil, participaram do concurso promovido pela Igreja Universal.
Antes do projeto Norma tinha preconceito contra a IURD, e muitos de seus colegas
arquitetos a contestaram por aceitar a participação na elaboração do projeto do
Templo Maior. Sua alegação foi a de que não havia motivos para não aceitar,
porque a remuneração seria bem paga e que o dinheiro viria de fonte legal.
Nessa trajetória de início do nosso escritório uns engenheiros
conhecidos nossos, que conheciam a Igreja Universal, disseram que
eles tinham uma obra gigantesca. Eles diziam ―a Universal tem uma
obra que, rapaz...não pode ser!!‖ (risos). Aí entre os arquitetos ficou
esse clima ―Ai, você vai fazer a obra da igreja Universal...‖. Mas eu
dizia: ―Gente, a obra é um equipamento enorme no meio da cidade.
Vai acontecer! Vai ser aprovada pela prefeitura e vai acontecer. Pra
melhor ou pior, o templo vai acontecer‖. Se era um equipamento
imenso que causaria um impacto imenso, tinha que ser feito por bons
arquitetos – mais do que pelos arquitetos ―mais ou menos‖. Eu
pensava: se eu sou boa o suficiente pra estar no Instituto de
Arquitetos, pra achar soluções adequadas pra cidade, não vejo por
que não. O dinheiro não era ilegal; eu não via porquê recusar um
projeto como esse. Particularmente não acho que a cidade precise de
grandes igrejas, porque do ponto de vista da nossa evolução já
passou esse momento. Mas a cidade precisa que templos como esse
sejam feitos com cuidado. Por isso falei que a obra iria acontecer e
que precisava que fosse feito adequadamente.
[Norma MaronTaulois, Entrevista de campo, janeiro de 2019].
60

A IURD elaborou umedital no qual inseriram um briefing para submissão das


propostas. Nesse briefing eles pediam que os valores de Israel fossem
referenciados na construção do projeto. Isso para eles era muito importante. A
encomenda ao projeto do Templo Maior foi capitaneada por Edir Macedo, cujos
intermediários foram os bispos da IURD da Catedral João Dias, em Santo Amaro-
SP.
Norma Maron, por ser de família judia, possuía muitos materiais
bibliográficos sobre Jerusalém. Além disso, depois que se formou em Arquitetura
pela UFRGS, Norma trabalhou durante um ano em Israel, num escritório de
arquitetura renomado em Tel Aviv. Norma conhecia bem Israel e Jerusalém e sabia
a importância desse território para os judeus e cristãos. Por essa razão ela tinha
alguns princípios e conceitos que facilitaram na hora de colocar para a IURD as
estéticas e formas que referenciassem Jerusalém, forma redonda da cúpula
dourada, o espírito judaico, de ―terra santa‖.
O projeto elaborado por Norma Maron e Claudio Taulois venceu o concurso.
Iniciaram-se então os trabalhos, e o contato direto de Norma Maron foi com um
interlocutor religioso da IURD de São Paulo, o Bispo Bruno, moderador do Macedo.
No início a IURD queria que o templo fosse concebido para 20 mil pessoas, mas a
avaliação do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro não permitiu que a construção
comportasse esse quantitativo.
Para Norma Maron, dois fatores motivaram a IURD na escolha em construir
o megatemplo naquele bairro. O primeiro era a compra do terreno da antiga
empresa TELERJ21 por meio de um leilão, que possibilitou à IURD a aquisição do
maior terreno de sua historia àquela época – cerca de 280 mil m² de área. Outro
fator favorável seria o fato de eles já terem uma resposta grande de fiéis na região
do subúrbio do RJ.
Quando a construção foi oficializada pela IURD, os jornais da época
anunciavam com expectativa e curiosidade a construção desse megatemplo, que
seria uma novidade não apenas para a cidade, como também para os conceitos
em arquitetura religiosa no país (FIGURA 3).
21
A área onde se encontra o Templo da Glória do Novo Israel era de propriedade da antiga
empresa Telerj, que veio à falência. Nos anos 1990, a IURD adquiriu o terreno, mas o licenciamento
ainda está em andamento junto à Secretaria Municipal de Urbanismo, devido às modificações
realizadas para a inclusão de estruturas complementares ao estacionamento do megatemplo.
Tramita na Câmara de Vereadores o Projeto de Lei Complementar - PLC nº 78/2012, que fixa os
parâmetros urbanísticos especiais para o terreno onde o templo foi erguido, bem como permite
ampliações de áreas construídas para "estimular melhorias urbanísticas do bairro".
61

FIGURA 3 – Reportagem ―O Maracanã da fé‖, sobre a construção do megatemplo


IURD em Del Castilho – Jornal O Dia, 06/09/1998.

Fonte: Acervo da Fundação Biblioteca Nacional (2019).


Divisão de Periódicos Microfilmados.

No período em que Norma Maron esteve à frente do projeto de construção,


o diálogo com a Prefeitura Municipal e a Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU-
RJ) foi bastante tranquilo, posto que sempre foi uma profissional respeitada e com
boa articulação no setor. Ela cita a facilidade de interlocução que tinha com os
servidores da SMU e com o então secretário de Urbanismo, Luiz Paulo Conde. Na
SMU todos a consideravam uma arquiteta ―séria e cuidadosa‖. Entre os
procedimentos técnicos que foram realizados durante o projeto estão os estudos de
trânsito (em atendimento às exigências da CET-Rio), laudo e projeto acústico,
consultoria de especialistas em teatro e visibilidade, e engenharia de estruturas
62

metálicas e engenharia de refrigeração (para instalação de sistema de climatização


de ambientes).
O programa inicial do projeto compunha a construção da nave principal e
outra nave auxiliar, para as reuniões menores. Depois que os arquitetos foram
conhecendo o trabalho desenvolvido pela IURD no território – que tinha especial
atenção ao atendimento de base às camadas carentes -, Norma e Claudio foram
completando o programa do projeto com a construção de salas secundárias de
apoio às ações sociais e o prédio anexo com escritórios da igreja, já que estes
estavam espalhados pela cidade e a intenção era reunir todos os órgãos de gestão
naquele prédio.
Norma cita que o grande desafio foi elaborar construções no projeto que
permitissem a ocupação completa da área adquirida pela Igreja Universal, que
compreendia não só o antigo terreno da Telerj, como também os terrenos anexos
que antes eram ocupados por antigas casas (ver Apêndice 1). Ela observou que foi
bastante difícil o processo de trabalhar em um terreno que permite ter um certo
parâmetro de uso ou volume de construção, e ter a necessidade de recorrer à
extrema criatividade para se complete toda a construção. Em suas palavras, ―não
há arquiteto que consiga convencer o dono do terreno de que ele não deveria
ocupar tudo‖.Nesse momento ela enfatiza que a ideia de Edir Macedo era, de fato,
ocupar todo o quadrilátero que correspondia ao projeto na Avenida Suburbana
(atual Av. Dom Hélder Câmara).
A partir de então Norma propôs que o projeto trouxesse, além do espaço
religioso, uma funcionalidade que fosse ―agradável‖ àquela região. Posto isso, ela e
Claudio Taulois apresentaram aos bispos a sugestão de criar um parque temático
com base nas histórias da Bíblia. A ideia foi amplamente aceita e teve a
participação do bispo Marcelo Crivella na elaboração, que então estava em
trabalho missionário na África.
A proposta primeira era de que o parque temático trouxesse maquetes
dinâmicas com as quais a população do entorno pudesse interagir, que não fosse
algo meramente contemplativo. Norma havia escolhido passagens do Antigo
testamento para compor as peças artísticas do parque temático – como a escada
do sonho de Jacó, a árvore da vida de Isaías, a sarça ardente de Moisés no Monte
Horebe. Porém, meses depois o bispo Crivella retornou da África e alterou as
intenções do projeto, de modo a poder instalar a maquete da cidade de Jerusalém,
63

a qual ele havia comprado os direitos autorais. Decepcionada com o ―aborto‖ do


seu projeto de parque temático, e também frustrada com as dificuldades de
comunicação na IURD para concluir as obras do estacionamento, Norma decide
sair do projeto do megatemplo. Quando ela se afastou do projeto as coisas
estavam praticamente construídas, mas a Prefeitura não tinha acabado de aprovar
tudo. Deste modo, as pendências com relação ao estacionamento permanecem até
os dias atuais, como é possível nos documentos do Apêndice 1, referentes à
construção da igreja. A maquete de Jerusalém foi levada a cabo e construída até o
fim, mas, na opinião de Norma Maron, se tivessem construído o parque temático
teria sido melhor, pois esta seria uma maneira ―mais sutil‖ de se transmitir os
conceitos da religião. A ideia do parque temático foi migrada para São Paulo e
instalada nas instâncias do Templo de Salomão no ano de 2016.

2.1.2. HIBRIDISMO E CONSUMO NO TEMPLO DA GLÓRIA DO NOVO ISRAEL

―Híbrido‖, ―hibridismo‖, e ―hibridização‖ são os atributos que mais


frequentemente têm sido utilizados para caracterizar variadas facetas das
sociedades contemporâneas. Essas palavras podem ser aplicadas às combinações
culturais, à convergência das mídias, à combinação eclética de linguagens e signos
(SANTAELLA, 2008).No campo dos estudos culturais, o termo ―híbrido‖ notabilizou-
se desde que Néstor Canclini (1997) empregou-o para caracterizar os interstícios,
deslizamentos e reorganizações constantes dos cenários culturais, a expansão dos
mercados e a emergência de novos hábitos de consumo.
Ao pensar o megatemplo enquanto território híbrido perguntamos: de que se
constitui este lugar que é, ao mesmo tempo, uma miríade de lugares? Seguindo o
argumento de Santaella (2007, p. 217), entendemos o megatemplo enquanto
espaços de intersticiais, porque eles têm a tendência de dissolveras fronteiras
rígidas entre o físico, o social e o cultural, criando um espaço próprio e único. Outro
fator importante é sua estrutura organizacional. Os megatemplos fazem uma
gestão dos públicos entre as reuniões e as atividades pararreligiosas, com uma
preocupação crescente não apenas no aumento de público, mas também na sua
fidelização. Como espaço de aprendizagens informais e não apenas lúdicos, os
64

megatemplos reúnem, nestes serviços, o ponto-chave para a captação de públicos


e, simultaneamente, para justificar sua manutenção e permanência.
Assim, os megatemplos evangélicos têm em comum a capacidade de figurar
no imaginário coletivo como ícones religiosos e urbanos. Os novos megatemplos
são edifícios para ―serem vistos‖, cada vez mais um instrumento de valorização do
cristianismo evangélico na cidade. O Templo Maior do Novo Israel. da Igreja
Universal do Reino de Deus, mimetiza esses preceitos, como veremos a seguir.

2.1.2.1. Lugar para Ver

Quando de sua fundação, no ano de 1977, a Igreja Universal do Reino de


Deus adotava o estilo ―franquia‖, alugando galpões, cinemas, teatros ou espaços
ociosos comumente utilizados para outras finalidades. Segundo Edlaine Gomes
(2009), em meados da década de 90 a relação tensa e conflituosa estabelecida
pela igreja com diferentes interlocutores – notadamente após o episódio do ―chute
à Santa‖22 -, assim como a questão da autenticidade foram identificados como
relevantes categorias para a compreensão da relação desta igreja com seus
interlocutores, para desmistificar o caráter de ―igreja-seita‖.
Nesse momento a IURD passou a buscar a ―concretização material das
idéias de permanência, continuidade, vínculo com uma memória e história‖
(GOMES, 2009, p. 114). Tais noções rompem com a imagem de fluidez e
descompromisso com o tempo e espaço, sugerido pelo estilo franquia. A noção de
autenticidade da IURD proporia, assim, uma originalidade que lhe fosse peculiar,
especialmente o diálogo com a cidade - no sentido da intervenção na paisagem
urbana com a instalação de novos monumentos e grandes concentrações em
locais públicos.
A construção de uma sede com aspecto de um lugar de memória e ícone
urbano atua como o principal suporte da materialização do projeto de igreja da
IURD. Inaugurado em 25 de abril de 1999, o Templo da Glória do Novo Israel foi
concebido e edificado para expressar uma identidade distinta e fortalecida. O
22
Episódio televisivo ocorrido em 1995, quando Sérgio Von Helde (ex-bispo da IURD) proferiu
insultos verbais e físicos contra uma imagem de Nossa Senhora Aparecida durante o programa
matutino ―O Despertar da Fé‖, transmitido pela Rede Record. Na ocasião, Von Helde protestava
contra o caráter do feriado nacional de 12 de outubro (dia de Aparecida, considerada pelos católicos
como padroeira do Brasil). O acontecimento provocou forte repercussão na mídia e em grande parte
da sociedade brasileira.
65

imóvel tem 72 mil metros quadrados de área construída, sendo que apenas o
santuário, onde são realizados os cultos, mede 45 mil metros quadrados (O
GLOBO, 2012). O megatemplo tem quatro pavimentos, mas com dimensões
correspondentes a um imóvel de dez andares (FIGURA 4), sendo que a legislação
da área permite até 14 pavimentos. Del Castilho, bairro do megatemplo, é uma
região definida no Plano Diretor Municipal como Macrozona de Ocupação
Incentivada — isto é, bairros mais antigos da cidade cuja ocupação deve ser
estimulada para aproveitar a infraestrutura existente (SMU-RJ, 2018).

FIGURA 4– Vista aérea do Templo da Glória do Novo Israel.

23
Fonte: Reprodução: Universal.org .

A concepção de sua estrutura arquitetônica nos permite pensar que ali se


encontraria o ―centro do mundo iurdiano‖, seu lugar de memória. Desta maneira, o
princípio que perpassa a sua construção é o de estabelecer uma distinção entre a
IURD e os demais segmentos religiosos. Durante visita de campo24 no mês de
março de 2018, em vários momentos os fiéis da congregação e outros transeuntes

23
Disponível em: https://sites.universal.org/universal40anos/artigo/32-a-primeira-sede-mundial-da-
universal. Acesso em: 14 ago. 2018.
24
Com colaboração do professor e historiador Robert Pechman (IPPUR/UFRJ) e da arquiteta
Fernanda Bonfante (UNESA).
66

chamavam o conjunto de colaboradores da igreja de ―nação‖. Este é um


componente significativo para pensarmos de que maneira esse megatemplo indica
a forma com a qual a IURD elabora sua identidade, em referência à nação de
Israel, caracterizada pelo conceito de ―terra prometida‖ e pela noção de
crescimento e expansão. Percebe-se que o Templo da Glória do Novo Israel foi
elaborado de acordo com essa mesma lógica – a de ser grandiosa e monumental,
expressando materialmente o que é a IURD.

2.1.2.2. Lugar para Socializar

A capacidade da nave principal comporta em torno de 8.870 pessoas


sentadas em poltronas confortáveis. Durante os encontros aos domingos, com
intensa circulação de pessoas, essa capacidade ultrapassa a de 10 mil fiéis, que
podem também assistir às reuniões na área externa ao templo, na nave auxiliar. As
reuniões regulares, com um maior número de pessoas, ocorrem na nave principal.
Já a nave auxiliar é utilizada com frequência para encontros mais fechados,
dirigidos para orientação e formação de obreiros. O prédio da extremidade direita
conta com um heliponto. No setor leste do pátio, ao lado da cúpula da entrada
auxiliar, há um centro de evangelização que acolhe diariamente pessoas em busca
de necessidades emergenciais - como comida, roupas, remédios - e/ou espirituais.
Este local acolhe também desabrigados, populações de rua, pessoas em situações
de risco ou em outras circunstâncias de escassez, desde que estes mantenham
firme o compromisso de se converterem e servirem à IURD (conforme relato de um
interlocutor25).
A utilização desse local como espaço de sociabilidade dos membros da
IURD e moradores do bairro foi destacado pelos interlocutores que se referiram à
importância do Templo Maior como local de passeio, principalmente para aqueles
que não possuem outras alternativas de lazer nos finais de semana. Assim,
poderiam cumprir ao mesmo tempo suas responsabilidades religiosas e encontrar
diversão. Essa informação corrobora, em certa medida, com os dados que
encontramos na base da Secretaria Municipal de Urbanismo: Del Castilho é um
bairro carente de equipamentos culturais e de lazer (MAPA 6). A única opção

25
Anotações de campo, março de 2018.
67

alternativa é o Shopping Nova América Outlet, cujas modalidades de diversão não


são frequentemente acessíveis às camadas populares, devido ao preço. Além
disso, o entorno do megatemplo é composto pelas favelas do Mandela, Rato
Molhado, Comunal do Guarda e Bandeira Dois. Por essa razão, muitos se sentem
seguros em ver no Templo Maior um lugar para passear nos fins de semana,
podendo usufruir da comodidade das instalações. No diálogo com colaboradores
do megatemplo, todos partilham da mesma visão – a de que o templo seria uma
espécie de ―oásis‖ à zona cinzenta de Del Castilho - destacando sua beleza,
grandiosidade, conforto e lugar de paz (FIGURAS 5 e 6).

MAPA 6 - Adensamento do bairro de Del Castilho (principais edificações e


entidades).

26
Legenda: Estação de metrô Shopping Nova América | Shopping Nova América Outlet | Estação de
trem Supervia | Conjunto IAPI | Arboretto Residencial | Condomínio Paulista | Rio Parque
Condomínio Bairro.
Fonte: App ―Legislação Bairro a Bairro‖/SMU-RJ (2018).

26
No mapa o shopping está sinalizado como ―Shopping Shopping Nova América‖. Já os pontos na
cor rosa são motéis (Magnus Hotel Norte [à direita], Cartago Hotel [à esquerda]). Nomes omitidos
pelo próprio mapa.
68

FIGURA 5 e FIGURA 6– Jardins do Templo da Glória do Novo Israel.

Fotos: Rita Gonçalo (2018).

2.1.2.3. Lugar para Experimentar

O Templo Maior não é somente palco de acontecimentos religiosos: foi


concebido para receber membros e visitantes de todos os lugares e países, com a
proposta de ser o único lugar do mundo fora de Israel que possui a Maquete de
Jerusalém. O espaço, nomeado de Centro Cultural Jerusalém, integra o guia oficial
de roteiro turístico e cultural do município do Rio de Janeiro, instituído pela PL nº
89/200927, da Câmara de Vereadores.
O centro cultural – que é anexo ao Templo da Glória do Novo Israel - possui
uma entrada suntuosa que dá para a Av. Dom Helder Câmara, uma das principais
vias de acesso que conecta as zonas Norte e Centro. Da entrada descemos dois
lances de escada que dá acesso ao subsolo do estacionamento do Templo Maior,
onde fica o salão do centro cultural. No hall de entrada há uma sala de leitura.
Todas as instalações do centro cultural seguem um afastamento do cristianismo e
uma apropriação dos elementos judaicos. Nos vidros da porta de entrada, da sala
de leitura, da loja de souvenires e do coffee shop, por exemplo, há tradução de
passagem da Bíblia no alfabeto hebraico (que se lê da direita pra esquerda).

27
Disponível em
http://mail.camara.rj.gov.br/Apl/Legislativos/scpro0711.nsf/2482d8d6bb90c4420325764000555c15/1
8d1bb55f99d9fe4032576b3006f2fd8?OpenDocument. Acesso em: 03 mai. 2018.
69

Na sala de leitura é possível encontrar todos os livros da Bíblia traduzidos


em braile, o que demonstra a acessibilidade do Centro a certos portadores de
necessidades especiais. De acordo com Elaine Cristina, gerente-geral do Centro
Cultural, a doação da biblioteca bíblica em braile foi feita pela Sociedade Bíblica do
Brasil. Os textos traduzidos possuem a versão ―Nova Tradução na Linguagem de
Hoje‖.
A construção do Centro Cultural teve início no ano 2000, sob a idealização
de Marcelo Crivella, tendo sido inaugurado em 2008. O terreno onde está instalado
foi cedido pela Igreja Universal, embora o Centro Cultural Jerusalém possua um
CNPJ diferente e total autonomia jurídica e administrativa.
A planta original da maquete data de 1965 e pertence à Universidade
Hebraica de Jerusalém, que firmou parceria com o Centro Cultural para reproduzi-
la aqui no Brasil. A maquete exibe a cidade de Jerusalém do séc. I depois de Cristo
(FIGURA 7). O suporte técnico e acadêmico para a manufatura da maquete foi
também oriundo da Universidade Hebraica, cuja equipe de pesquisadores realizou
toda a implantação do relevo. O material que compõe a maquete são as pedras
usadas nos kibutz da Galileia (semelhantes à pedra-sabão), juntamente com o
iberê (massa plástica, usada na colagem de granitos e mármores). A maquete
levou cinco anos para ser finalizada.
70

FIGURA 7 – Maquete de Jerusalém no Centro Cultural Jerusalém.

Foto: Fernanda Bonfante (2018).

O sistema de iluminação da maquete alterna as fases do dia (FIGURA 8). As


luzes reproduzem um ambiente diurno, vespertino e noturno. No fundo musical é
tocada suavemente a música chamada tefilá - uma oração hebraica cantada. Diz-
se que essa mesma oração toca todos os dias, às 18hs, em Jerusalém.
O Centro Cultural Jerusalém recebe, em sua maioria, pessoas da
comunidade judaica do Rio e São Paulo. Entre os profissionais e pesquisadores, a
maior parte é de arquitetos e arqueólogos, sobretudo dos programas de pós-
graduação em Arqueologia. Os domingos são geralmente o dia em que se recebem
os grupos turísticos, nos horários de 14h e 18h. É também frequente a visita de
judeus brasileiros e internacionais28.

28
Detalhamento feito por Elaine Cristina, gerente-geral do CCJ, durante a visita de campo [março
de 2018].
71

FIGURA 8 – Interior do Centro Cultural Jerusalém: luzes que assemelham a


luminosidade diurna, espaço de exposição e sala de apresentações.

Foto: Rita Gonçalo (2018).

O roteiro turístico de percurso da maquete é direcionado para diferentes


públicos. Nossa guia e interlocutora Elaine relata que, especialmente para cristãos
evangélicos ou católicos, judeus e árabes, a fala e abordagem do guia turístico
deve ser diferente, porque eles têm interesses distintos no conhecimento sobre a
maquete.
Como o próprio nome do centro cultural indica, a referência ao Israel bíblico
é fundamental neste processo, estando presente simbólica e materialmente no
local. A construção do museu apresenta uma especificidade: sua arquitetura é
regida pela ideia de levar o pensamento a Israel, expressos não só no discurso dos
guias turísticos, mas também na própria página oficial do Centro Cultural: Conheça
a Terra Santa sem sair do Brasil!
Para Gomes (2009, p. 121), trazer Israel para o Brasil ―funda-se na
concepção de propiciar um contato dos membros da IURD com o poder espiritual
da Terra Santa‖. Uma vez que poucos são os membros da igreja que possuem
condições financeiras para realizar uma viagem à Israel, observa-se um
delineamento inverso: ao invés de conduzir seus membros a Jerusalém, trata-se de
72

―transportá-la‖ para o Brasil, conferindo novos significados e convergindo essa


demanda de fiéis para ela.
A impossibilidade do contato com a Terra Santa, da experiência vivida pela
maioria de seus membros, não constitui um impedimento da concretização dessa
necessidade. Objetos são utilizados como meio de contato com este lugar sagrado,
seja nos itens de decoração do museu ou nos utensílios à venda na loja de
souvenires (FIGURAS 9 e 10).

FIGURA 9 e FIGURA 10 – Objetos à venda na loja de souvenires do


Centro Cultural Jerusalém (talit, kipá e candelabros).

Fotos: Rita Gonçalo (2018).

A arquitetura e atmosfera do Templo da Glória do Novo Israel e Centro


Cultural Jerusalém foram pensadas para proporcionar uma experiência de
consumo estético agradável aos sentidos fisiológicos e espirituais. Ambos os
lugares cativam não apenas os cristãos evangélicos, mas também pessoas de
outras religiões e o público em geral. A autenticidade da construção se apresenta
na idéia de ―trazer Israel‖ para os fiéis, redefinindo a experiência espacial e
sensível com a Terra Santa. É desta forma que a IURD imprime o aspecto
simbólico da Terra Santa em sua concepção religiosa.
73

2.1.3. A AUTENTICIDADE DA EXPERIÊNCIA

Os megatemplos comportam uma nova percepção sobre a concepção nativa


de religião e espaço uma vez que esses templos delimitam espaços específicos na
territorialidade urbana e, desta forma, fixam a presença da igreja na região, o que
expressa sua solidez. Para Halbwachs (1990, p.157) ―não há grupo religioso sem
expressão no espaço, sem qualquer vínculo com um local que fixe suas
lembranças comuns‖. Em cada construção de uma igreja, um grupo religioso tem a
sensação de crescimento e consolidação. Não é somente ocupar espaços já
edificados. Torna-se evidente que se trata de visibilizar e exibir sua potência por
meio de um estilo próprio de arquitetura, concebido para manifestar intenção de
permanência, lugares para serem referenciados e lembrados. É uma estratégia
para evidenciar fixidez, em contraposição à transitoriedade e fluidez. Neste
sentido, uma arquitetura própria, singular, tende a tornar um templo evangélico
ainda mais autêntico.
A noção de ―comunidade afetiva‖ é considerada por Halbwachs (1990) como
condição para a construção de uma memória coletiva. A centralidade do
fortalecimento institucional envolve a elaboração de um sistema de transmissão
religiosa, cuja autenticidade é pontuada. Para tanto cumpre atentar para o uso da
noção moderna de ―patrimônio‖ na elaboração do discurso iurdiano. A ideia central
é que o monumento, dentre eles o edificado, seja capaz de provocar um
sentimento de pertencimento, de origem e de tradição em um grupo por um
processo de subjetivação, no qual o monumento é percebido como integrando a
biografia do individuo (ideia de monumento e pertença).
Tudo que é patrimônio precisa ser bem cuidado. Neste sentido, o
paisagismo da igreja é um elemento que chama a atenção dos fieis e passantes
(FIGURA 11). Todo o material de adornagem utilizado na obra foi trazido de Israel.
A preocupação com o projeto paisagístico, que pode ser observado pelo tratamento
especial dado à calçada, com palmeiras plantadas em toda a extensão do
quarteirão. Elas podem ser consideradas como elementos que compõem os limites
geográficos da sede. Ressalta-se também a existência de um esquema de
segurança, com homens de terno e gravata utilizando aparelhos de comunicação e
equipamentos de filmagem.
74

Para que o processo de identificação com a Terra Santa ocorra desde a


entrada no templo, os muros receberam inscrições retiradas da bíblia, em letras
douradas, cujos temas autenticam o caráter sagrado do local: ―Sobre esta pedra
edificarei minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mateus
16.18b); ―Há um rio, cujas correntes alegram a cidade de Deus, o santuário das
moradas do Altíssimo‖ (Salmo 40.4).

FIGURA 11 – Paisagismo em uma das fachadas do megatemplo IURD.

Foto: Rita Gonçalo (2019).

A amplitude dos recintos do megatemplo também se constitui em importante


elemento na composição dos espaços da IURD. As arenas do templo parecem ter
sido concebidas segundo a dinâmica dos rituais realizados pela igreja. Assim que
penetram na nave, muitos fiéis se aproximam do altar para orar, entregar
envelopes com pedidos e doações e receber algum atendimento dos pastores.
Esse deslocamento e transito é frequente durante as reuniões.
No interior da nave muitos e muitos fiéis permanecem ajoelhados no altar
intercedendo por suas benesses, de posse em mãos de suas fotografias, exames,
chaves, documentos e diversos objetos pessoais. Levar esses objetos ao altar é
uma metonímia de que o poder transpassara e se materializara enquanto verdade
para a solução dos problemas identificados. Eles também possuem um papel
75

vermelho impresso, bem acabado, oferecido pela IURD, que organiza os


versículos-chave, as mensagens motivacionais, os esquemas da corrente de fé.
Embora a retórica dos objetos místicos pareça estranha a boa parte dos
evangélicos tradicionais, a IURD utiliza muito bem essa lógica fundamentada nas
próprias historias bíblicas do Antigo Testamento. E como na Bíblia as narrativas
têm caráter de verdade, as transformações ocorridas e testemunhadas pelos
indivíduos que ali estão também são verdade para eles. Um dos momentos de
grande atenção e apelo durante a reunião é o dos testemunhos, onde os obreiros
oferecem o microfone a diversas pessoas para que elas mesmas relatam o que
Deus tem feito de diferente na vida delas. Isso torna legítima a atuação da IURD e
a proposta dos cultos para esses fieis. Em determinada reunião lembro-me que um
depoimento marcante foi o de um casal, aparentemente de classe média, que
testemunharam sobre a transformação na vida deles após uma trajetória
envolvendo drogas e prostituição entre ambos, a mulher e o homem. Imagens da
vida passada dos dois foram projetadas nos telões da igreja. A filha e alguns
familiares estavam presentes no templo, para corroborar a verdade da narrativa do
casal.
Muitos dos que estavam no templo aparentavam ser pessoas humildes, das
camadas populares, mas também havia um bom número de frequentadores -
homens e mulheres - bem vestidos, com bons sapatos e bolsas, cabelos
adornados, denotando certa condição financeira. Estes mesmos eram os que, no
momento dos dízimos, ofertaram com cartão nas máquinas de debito/crédito. Outro
momento instigante foi quando o bispo Jadson, líder estadual da IURD no Rio,
convocou os casais a estarem no Centro do altar. Com uma mensagem
pedagógica e positiva, orou pela vida e relacionamento desses casais - importante:
não especificando a condição dessa união (se casados, namorados ou "amigados",
mas sim estimulando à importância da fidelidade, lealdade e demonstrações de
afeto). Ao final da oração, pediu para os casais se beijarem, coisa inenarrável de
acontecer ou de se ver dentro de um templo evangélico.
A IURD candidata-se como lugar que tem poder no combate ao mal –
principal responsável pelos problemas vividos pelas pessoas. A ideia de buscar
uma igreja ―com poder maior‖ para combater o mal é interessante, pois indica um
nexo com a construção de catedrais como representantes desse poder. Os
megatemplos fazem alusão a essa metáfora do ―poder maior‖. Os fiéis ressaltam
76

uma aura de paz na catedral, um local onde a ―oração é mais forte‖, pela
concentração de pessoas. Le Breton (2009, p. 125) diz que ―a sucessão dos
estados afetivos depende do significado conferido aos acontecimentos, decorre da
cognição. Não são exatamente as circunstancias em si que determinam a
afetividade do ator, e sim a interpretação que esse lhes confere‖. Em referência a
isto, percebemos que o ―sentir‖, numa perspectiva antropológica, é muito comum
em ambientes pentecostais, e a réplica do Muro das Lamentações no megatemplos
é uma síntese desses efeitos miméticos ocorridos no megatemplo IURD Del
Castilho.
O Muro das Lamentações também foi composto por pedras trazidas de
Israel. Essas pedras não foram polidas e permanecem com uma textura rústica,
conferindo ao muro uma imagem de desgaste pelo tempo, uma aparência de
antiguidade. O muro e a rua são separados por uma ampla passagem, que fazem a
mediação entre a rua e o ―espaço sagrado‖. Pedacinhos de papel são colocados
entre as frestas de pedras da réplica do Muro (FIGURA 12). Essa é uma
manifestação representativa da forma como os integrantes da igreja incorporam
esses objetos/monumentos em seu cotidiano religioso.

FIGURA 12 – Pedidos nas frestas e orações de fiéis em torno da réplica do


Muro das Lamentações.

Foto: Rita Gonçalo (2018).


77

O Muro das Lamentações representa um ―ponto de contato‖ entre o crente e


o sobrenatural. Pontos de contato, no contexto evangélico, são elementos usados
para despertar a fé das pessoas, de modo que elas tenham acesso a uma resposta
de Deus para seus anseios. Muitas pessoas têm dificuldade para colocar sua fé em
prática, por isso precisam desses pontos de contato – que podem ser o óleo da
unção, a água, a rosa ou outros elementos. Esses objetos não têm poderes em si
mesmos, mas despertam o coração e as mentes das pessoas para a realidade de
que ―o Senhor esta presente para abençoá-las‖. O Muro das Lamentações no
Templo Maior é um exemplo singular desse fenômeno. Os pontos de contato
podem ser considerados como uma categoria capaz de permitir uma elaboração
sobre a recriação do simbolismo. Por outro lado, buscam uma fundamentação
bíblica para legitimar e validar o uso dos pontos de contato, resgatando passagens
nas quais Jesus e seus apóstolos recorreram a eles para curar (GOMES, 2011, p.
126).
Nessa experiência mística com o templo, a IURD ensina que as pessoas
têm que ter um lugar no mundo e serem respeitadas, que elas devem andar de
cabeça erguida. Não basta que se reconheça a intervenção do mal, é necessária
uma atitude radical para a mudança: revoltar-se. Os bispos da IURD em suas
pregações chamam a atenção para o perigo da vida contemplativa. Declaram o
desejo de que todos saiam dali contagiados pela revolta contra a situação de
sofrimento. A ênfase está centrada em uma fé racional, baseada na noção de ―fé
em ação‖ nos moldes weberianos (WEBER apud COHN, 2011). A racionalidade
corresponde à certeza da fé na leitura nativa. Portanto, o que é certeza não pode
ser unicamente emocional. A fé racional indica um dialogo entre fé e investimento
para a superação de obstáculos.
78

2.2. O MEGATEMPLO DA PRIMEIRA IGREJA BATISTA EM CURITIBA

Ler uma cidade: o alfabeto das ruínas29

Curitiba do muito pinhão.


Curitiba cidade-teste.
Curitiba aldeia de ares provincianos.
Curitiba urbe de 296 anos.
Curitiba modelar em planejamento urbano.
Curitiba ponto de luz universal.
[...]
Minha vida sabe de cor uma cidade
Cada rua, cada ruína.
Uma rua, ruína de milhões de passos e pegadas, de encontros fortuitos
E de pontuais desencontros
Melhor mudar de calçada.

Do lado do Colégio Santa Maria, onde hoje é um banco


Em meados dos anos 60 havia uma gráfica.
Ainda ouço as máquinas.
Ruínas de sons, ruína de lembrança.

Não admito viver numa cidade artificial.


Urbanogramas, urbano gramática
Nossas cidades são escritas em alfabeto
O transito é uma gramática, uma sintaxe dos fluxos
Mesmo que seja para fugir da cidade
Você tem que respeitar os sinais.

(Paulo Leminski, 1989.)

A poesia de Paulo Leminski (1944-1989) sempre esteve vinculada à


sociabilidade urbano-industrial, tendo como foco sua ―aldeia‖ curitibana na busca
de um sentido à urbanidade, numa tentativa de decifrar os códigos apresentados
pela política de urbanização da cidade. Curitiba, em ritmo de milagre brasileiro na

29
Cf. Nossa Linguagem. Edições Leite Quente, nº 1, 1989.
79

década de 70, é palco de uma intensa transformação urbanística que visava, em


primeiro momento, reorganizar espacialmente a cidade. Trata-se da deflagração de
um amplo projeto de modernização urbana implementado a partir da década de
1960 por autoridades locais.
O inicio da década de 70 é o marco temporal que funda uma etapa de
grandes transformações urbanas pautadas no Plano Diretor de 1966 e nas
diretrizes de planejamento do IPPUC, correspondente à gestão do prefeito e
urbanista Jaime Lerner no período 89-92, e sua continuidade com a eleição do
prefeito Rafael Greca de Macedo para a gestão 93-96. Destaque para a nova
materialidade urbana, cujos recortes são selecionados pela mídia para compor a
imagem sintética da cidade modelo dos anos 90. Os aspectos selecionados pela
mídia para assegurar a qualidade de vida tão elogiada são: área verde invejável,
trafego rápido, opções alternativas de trafego, vias expressas para transporte
coletivo e redes de ciclovias, áreas para pedestre no centro urbano, pluralidade de
espaços de lazer e cultura (SÁNCHEZ-GARCIA, 1994).
A cidade passa a ser um espaço de experimentos de planejamento urbano,
onde o conjunto de intervenções, como o sistema de ônibus expresso e circulação
por meio das ―estações-tubo‖, as áreas verdes, os equipamentos e estruturas de
animação nas áreas centrais para pedestres são veiculados pelo poder público
enquanto ―soluções de vanguarda no campo do planejamento urbano no Brasil‖
(SÁNCHEZ-GARCIA, 1994, p. 3). Cada passo de materialização do projeto foi
transformado em símbolo de uma modernidade emergente. As soluções espaciais
adotadas, antes de serem mero reflexo de outras práticas, são em si mesmas
práticas pelas quais se pretende construir relações sociais a partir de um repertório
específico. Com isso, as variações na estrutura espacial constituiriam uma
poderosa forma de identificação cultural e diferenciação social.
Os principais espaços que se constituem em lugares da sociabilidade –
como a Rua 24 Horas, o Ópera de Arame e o Jardim Botânico – são apresentados
enquanto espaços-síntese da vida coletiva dos curitibanos são apropriados sob a
égide do lazer, do usufruto circunstancial e do consumo. Ser curitibano enquanto
identidade social significa estar em verdadeira sintonia com o projeto de metrópole
moderna. Os curitibanos da cidade-matriz, altamente receptivos a cada inovação
urbana, respondiam positivamente e, sobretudo, usando adequadamente os
espaços (ISTO É, 1992 apud SÁNCHEZ-GARCIA, 1994). As ―novidades‖ vão se
80

revelando gradativamente de acordo com um campo de expectativas pautadas em


anseios e valores contemporâneos. A própria noção de ―qualidade de vida‖ que
perpassa o discurso urbanístico é vendida aos ―cidadãos consumidores‖.
Essa racionalidade ordenadora das interrelações espaciais pressupunha um
―ideal de cidade‖obedecendo parâmetros que visavam formular um projeto de
metrópole moderna, pensar a cidade como objeto total, reconstruí-la, ajustá-las as
novas solicitações. O discurso urbanista idealizado, todavia, possuía uma visão
reducionista da realidade que pretendia representar. Tal discurso vinha camuflar as
contradições. O que mudou foi apenas a região central de Curitiba, sendo que
todos os outros distritos periféricos continuavam sofrendo o peso das carências e
contradições sociais.
Uma das questões que contribuíram para a continuidade dessa dinâmica
desigual refere-se à permanência das desconexões entre determinados conteúdos
dos projetos espaciais (como os planos e leis nacionais e locais) e as estratégias
espaciais. A materialização desse processo conformou uma coroa de ocupação
periférica no entorno dos limites territoriais de Curitiba, dependente da cidade-polo
em relação à oferta de empregos, ao comércio e aos equipamentos urbanos. A
dinâmica que marcou a formação da periferia produziu, segundo Nunes da Silva
(2014), a insularidade das áreas urbanas centrais dos municípios do entorno de
Curitiba. Outra característica observada é que entre estes núcleos urbanos pré-
existentes e a periferia formada estabeleceram-se relações socioespaciais muito
débeis se comparadas às existentes entre a coroa de ocupação periférica e o polo
da aglomeração metropolitana em formação (NUNES DA SILVA, 2014).
Após as reformas urbanísticas, a partir da década de 1980 verifica-se um
movimento denomindado ―subperiferização‖. Devido ao aumento do preço da terra
na cidade-polo, inicia-se o processo de substituição da população residente no qual
antigos moradores, com renda em geral mais baixa que a dos novos residentes,
deslocam-se para a periferia próxima. A distribuição do preço da terra na metrópole
de Curitiba segue uma forma ―radiocêntrica, decrescendo do centro em direção à
periferia‖ (PEREIRA, 2002, p. 106). A ocupação periférica é ainda explicada pela
maior flexibilidade da legislação urbanística nos municípios do entorno ao polo e os
efeitos do ―city marketing‖ sobre a atração de população nas proximidades de
Curitiba.
81

Os fenômenos descritos consolidaram uma espacialidade que caracterizava-


se pela descontinuidade territorial entre a aglomeração urbana de Curitiba, a coroa
de ocupação periférica formada nos limites da cidade-polo, e as áreas urbanas
centrais dos municípios do entorno ao polo. Na metrópole de Curitiba, os estratos
sociais menos abastados se concentraram nos seus arredores (MAPA 7). Esta
situação refletiu também uma distribuição desigual dos investimentos públicos e
privados na metrópole, que gerou por sua vez a valorização desigual e uma
diferenciação na apropriação espacial pelas classes sociais.

MAPA 7 – Estrutura espacial da metrópole de Curitiba.

Fonte: Nunes da Silva (2014).

Nem todos os habitantes podiam participar e sentir positivamente a


importância das mudanças que se processavam. De um lado o discurso urbanista;
de outro a materialidade das contradições sociais, que revelavam certa ―crise‖ de
82

modernização dessa sociedade, com uma dinâmica de urbanização marcada por


profundas disparidades socioespaciais.
A adoção do modelo de Curitiba como referencial positivo no contexto
brasileiro a colocou como realidade ―singular em meio ao caos‖, como referencial
positivo no contexto caótico brasileiro. Contudo, em que pese à existência de
inúmeros planos e da aplicação de instrumentos e programas que prometiam
amenizar as contradições sociais, a trajetória de reescalonamento da Grande
Curitiba não fugiu ao padrão excludente das metrópoles brasileiras. Segundo
Stroher (2017), observou-se a permanência de profundas disparidades, que se
revelam na distribuição territorial desigual das classes sociais, na permanência de
um elevado déficit habitacional nas camadas de menor renda, como na
continuidade do processo de ocupação informal do solo.
A administração das carências coletivas na cidade predominavam
unicamente como ausências. É nesse elo entre a construção da cidade, as
disparidades entre os usos cotidianos dos espaços simbólicos e os mitos da vida
urbana construídos ao longo de duas décadas que se insere a concepção do
projeto para a construção do megatemplo da Primeira Igreja Batista de Curitiba.

2.2.1. PIB CURITIBA: IDENTIDADE E LEGITIMIDADE EVANGÉLICA NA


CIDADE

A Primeira Igreja Batista de Curitiba (PIB) foi fundada ano de 1914, mas os
projetos para a construção do novo templo começaram no ano de 1977, quando a
igreja adquiriu o atual terreno vendido pela família Matarazzo. O terreno do templo
está localizado no perímetro entre as ruas Bento Viana, Visconde de Guarapuava e
Avenida Batel, uma das áreas mais nobres da Grande Curitiba. Antes do templo
novo ser construído, foi levantado inicialmente um ginásio onde funcionava as
atividades esportivas, culturais e sociais da igreja, e onde celebravam também os
cultos dominicais.
Os batistas têm por tradição a cultura de serem extremamente íntegros e
transparentes no que tange à administração financeira de uma igreja. Àquela
época, década de 70, não havia práticas que pudessem estimular o aumento da
83

capitalização dos recursos da igreja e, por isso, a obra demorou décadas até
chegar no estágio final.
Embora fosse uma igreja tradicional, a PIB Curitiba ganhou fama de―mal
vista‖ na cidade em função de ela nunca ficar pronta. Mas eles tinham um sonho
guardado há tempos: o de se tornaram a principal e mais relevante igreja
evangélica na cidade de Curitiba. Para reverter esse quadro, em 1990 foi instalada
uma Comissão de Construção, presidida pelo então deputado federal André
Zacharow, que era membro da PIB. André Zacharow era um homem de muitas
relações políticas na prefeitura e no campo do planejamento urbano. Foi através
dele que a igreja chegou até o famoso arquiteto Luiz Forte Netto, responsável pelo
projeto do atual megatemplo, que na época atuava tanto em seu escritório
particular quanto na Secretaria de Desenvolvimento Urbano do estado do Paraná,
na área de financiamento de projetos. Lá, Forte Netto teve a oportunidade de
colaborar para financiar a execução de cerca de 4 mil obras com grau de
relevância para a cidade – entre elas, o megatemplo PIB Curitiba.
Integrantes da Comissão de Construção lançaram uma chamada em edital
para escolher o projeto arquitetônico, e o concurso teve dois finalistas: um arquiteto
de São Paulo e Forte Netto, que é curitibano. Nesse período os finalistas fizeram
uma mostra pública com a maquete de seus projetos no pátio do ginásio da igreja,
para que os membros pudessem avaliar calmamente qual proposta lhes
agradavam. Os arquitetos do concurso também cederam uma entrevista para os
membros da igreja, em um evento aberto. Depois, a igreja promoveu uma
assembléia extraordinária para votar qual projeto seria o escolhido. Segundo
Paschoal Piragine, pastor presidente da PIB Curitiba, a proposta do arquiteto
paulista não foi escolhida porque ela não tinha a visão de integração dos prédios, e
o desenho arquitetônico tinha um estilo um tanto ―colonial‖. Já o projeto de Luiz
Forte Netto era mais similar a um centro de convenções, com os prédios
integrados. Alem disso, Piragine avalia que a estética proposta por Forte Netto
agradava mais ao perfil do curitibano.
O briefing do edital de chamada ao projeto expunha claramente que as
razões da igreja em construir o megatemplo eram expandir sua atuação de
responsabilidade social – principalmente nas áreas de educação, música e
assistência social – além de conseguir mais adeptos, transmitir os princípios da
religião e atuar socialmente no que diz respeito ao desenvolvimento da cidade.
84

Forte Netto afirma que os batistas da PIB queriam transmitir qual a importância da
religião no mundo e na cidade de Curitiba. A partir desse interesse de expansão
eles precisavam de um templo grande. O projeto vencedor propunha uma igreja
com três blocos integrados: um em que funcionaria o santuário principal, com
capacidade para 5 mil pessoas, e outros dois edifícios que reuniam as atividades
administrativas, as atividades educacionais e de assistência social (FIGURAS 13 e
14).

FIGURA 13 – Megatemplo PIB Curitiba: santuário principal e blocos anexos.

Foto: PIB Curitiba (2014).


85

FIGURA 14 – Megatemplo PIB Curitiba – vista em 45º do santuário e blocos


anexos.

Foto: PIB Curitiba (2014).

O templo foi projetado utilizando os princípios da arquitetura moderna e o


arquiteto elaborou no projeto inicial uma composição estética de vidros com cores.
Mas o curitibano, que gosta da novidade e do destaque, anseava por uma estética
que fosse a marca da igreja na cidade. Daí então surgiu a idéia, por meio de
Paschoal Piragine, de integrar ao projeto a composição de vitrais na fachada
principal da igreja, que daria de frente para a Avenida Batel. A composição dos
vitrais tinha por intenção procurar conduzir o homem para uma situação ―mágica‖
de vida infinita. Os vitrais estabelecidos buscavam contar a historia da religião
cristã no mundo e induzem o espectador a realmente acreditar que Deus existe e
que Deus é o condutor de toda a humanidade.
A questão dos vitrais estava, segundo Piragine, mais adequada à identidade
da igreja em termos econômicos e simbólicos. Segundo Piragine,
[os vitrais] tem muito a ver com o estilo da igreja, o local que a igreja
está, e o povo que freqüenta a igreja. O lugar é nobre, e embora
tenhamos pessoas de todas as classes, o público que freqüenta em
geral é de classe média-alta. Nossa igreja está num lugar nobre que é
um point da cidade, e sempre houve no coração da igreja que esse
86

templo fosse um marco na cidade de Curitiba de alguma maneira.


Todo esse nosso trabalho também tem a ver com essa idéia. Mas eu
não saberia dizer se os evangélicos de modo geral têm a mesma
visão. Eu diria que essa foi uma característica dessa igreja. Você vai
perceber que o pessoal do Sul é muito detalhista; eles gostam das
coisas tudo arrumadinho, bonitinho, da melhor maneira possível,
então acho que isso faz parte de uma identidade cultural da região.
também. [Pr. Paschoal Piragine, Entrevista de campo, maio de 2018]

Para a implantação dos vitrais a PIB abriu um concurso com a participação


de jovens designers membros da igreja. Com a aprovação do arquiteto, os
designers fizeram o projeto de composição de desenhos e trouxeram da Itália
técnicas de vitralização em computador e impressão em vidro – já que os vitrais
foram desenhados não em escalas, mas sim em tamanho real. Piragine se orgulha
de que os vitrais da PIB são a maior obra com essa tecnologia no mundo, a qual foi
toda desenvolvida e acompanhada por membros da igreja.
Quanto aos processos de contratação em engenharia especializada, a
construtora contratada foi a Doria Construções Civis. Como a região do Batel já
continha um adensamento razoável de prédios, a igreja encomendou um estudo
ambiental para subsidiar a obra, que procurasse não agredir a implantação do
banner que existia no entorno da igreja e, ao mesmo tempo, inserir uma construção
que se destacasse naquela situação urbana. A obra do megatemplo começou
sendo realizada pelo sistema de empreitada, que era o sistema mais econômico
que poderia ser utilizado naquele momento, pois a igreja não tinha um alto valor
financeiro depositado em banco, então as compras eram feitas de acordo com as
entradas de dinheiro por meio de dízimos e ofertas, portanto, um pouco
imprevisíveis. Meses depois, com mais autonomia financeira, decidiram internalizar
o processo e fazer uma administração direta: a igreja contratou uma equipe própria
de engenheiros e arquitetos auxiliares para administrar diretamente a construção.
Em 1990 obtiveram da prefeitura o CVCO30, que é a licença de conclusão parcial
da obra.

30
CVCO – Certificado de Vistoria de Conclusão de Obras. Corresponde ao HABITE-SE, que é o
documento que atesta a regularidade da edificação perante o Município e é necessário para
averbação da construção no Registro de Imóveis. Para receber o CVCO a vistoria é realizada por
um técnico municipal da Secretaria de Urbanismo, que verifica no local se a obra foi concluída em
conformidade com o projeto aprovado.
Fonte: PREFEITURA DE CURITIBA. Disponível em:
http://www.curitiba.pr.gov.br/conteudo/certificado-de-vistoria-de-conclusao-de-obras/172. Acesso em
20 jul. 2018.
87

Em um determinado momento – que não contou com a participação do


arquiteto Forte Netto – os integrantes da Comissão de Construção permitiram que
fossem realizadas obras em áreas não permitidas pela prefeitura no gabarito do
projeto. Esse episódio gerou muitos problemas, a obra foi embargada, e Forte
Netto retornou ao projeto para auxiliar a resolver o imbróglio.
A Comissão de Construção foi então extinta e o pastor Piragine decidiu
formar uma equipe exclusivamente formada por administradores e gestores
financeiros para dar um upgrade à construção do megatemplo. Nesse momento, no
ano de 2006, entra a figura de Nilson Vital, administrador de empresas e atual
pastor-gestor da PIB Curitiba. Nilson passou a ser o da gestão da construção, e
elaborou profundas mudanças na maneira pela qual ocorria essa construção. O
pastor-gestor Nilson Vital extinguiu o contrato com a empreiteira e contratou uma
equipe que compunha uma arquiteta auxiliar (que colaborava com Luiz Forte
Netto), três engenheiros e um staff de pedreiros, auxiliares de construção e
mestres de obras, que trabalhavam diretamente para a igreja. Para Nilson,
administrar uma equipe própria constituiu-se no grande diferencial da gestão do
megatemplo. Isso trouxe agilidade e um custo menor para a igreja, uma vez que já
não precisavam pagar à construtora, e esse valor ficava dentro da estrutura local.
Em 2010 a igreja sonhou concluir a obra do megatemplo para o aniversario do
centenário em 2014, e então iniciaram um grande movimento pra levantamento de
recursos. Além disso, a PIB Curitiba e Nilson Vital capitanearam o levantamento de
um empréstimo no valor de R$ 15 milhões para concluírem todo o projeto de
construção em 2014, e assim aconteceu.
Na percepção do pastor-gestor, após a medida do empréstimo tudo se
tornou mais rápido e econômico, porque a velocidade nas construção trouxe mais
economia. Além da celeridade nas obras, eles puderam realizar o desejo de investir
em uma qualidade de embelezamento estético de alto padrão (FIGURAS 15 a 19).
A igreja possui pisos de granito, elevadores ultra modernos, poltronas de couro
marfim no interior do santuário, papéis de parede que recobrem a maior parte da
alvenaria do interior do templo, castiçais luminosos de cristais importados,
revestimento acústico, além, é claro, de técnicas de elevado padrão para a
iluminação interna do santuário e externa, dos vitrais. É, sem dúvida, a igreja
evangélica mais luxuosa da capital curitibana.
88

FIGURA 15 - Interior do megatemplo PIB Curitiba: plateia

Foto: Flickr PIB Curitiba (2019).

FIGURA 16 – Palco do megatemplo PIB Curitiba.

Fonte: Flickr PIB Curitiba (2019).


89

FIGURA 17 – Hall de entrada do FIGURA 18 – Antessala de espera no


megatemplo PIB Curitiba. gabinete pastoral.

Foto: Rita Gonçalo (2018). Foto: Rita Gonçalo (2018).

FIGURA 19 – Vitrais na fachada do megatemplo.

Foto: Rita Gonçalo (2019).

O empreendimento do megatemplo foi inaugurado em 2014 com uma


cerimônia que arregimentou não somente fiéis evangélicos, como também
importantes personalidades do poder público municipal e estadual. Prefeito,
vereadores e deputados: boa parte deles estavam lá presentes. Forte Netto conta
que não conseguiu participar da inauguração do templo, pois ficou mais de uma
hora rodando as ruas do entorno da PIB e não conseguiu estacionar o carro.
Milhares de pessoas foram conferir a obra da igreja que, finalmente, havia estado
pronta e que passaria a ser uma referência símbolo do cristianismo evangélico na
cidade.
90

Diria-se que o estacionamento é, hoje, o único fator que impede a igreja de


ter ainda mais adeptos, já que a cerca de 90% dos membros possuem automóvel
particular. A PIB pretende finalizar a obra do estacionamento a ser construído, com
05 andares no subsolo. Todavia essa não é uma prioridade imediata na gestão
executiva da igreja pois, segundo o pastor-gestor Nilson Vital, no entorno do templo
foram construídos vários estacionamentos de empresas privadas. A PIB possui
convênio com nove estacionamentos particulares do bairro do Batel para receber
membros e frequentadores nas reuniões aos domingo.
O megatemplo da PIB é ocupado diariamente com atividades em todos os
seus espaços de uso, desde as 8h da manhã até as 23h. Pastor Nilson admite que,
apesar de ser um megatemplo, a igreja hoje ―está pequena‖ pois a estrutura que
está à disposição da PIB já não os atende na completude dos serviços que são
executados. Deste modo, eles possuem duas formas pelas quais a igreja
consegue atender as regiões periféricas da cidade: uma são as congregações, as
pequenas igrejas que, com o tempo, se tornam autônomas; o outro modelo é por
meio do projeto dos multi-sites - que é a PIB no bairro, replicando tudo que a igreja
matriz faz nos bairros da periferia. Segundo Nilson Vital, ―quem for no multi-site no
bairro ou na PIB no Batel vai se sentir no mesmo lugar, do ponto de vista da
estrutura, da mesma linguagem, o mesmo programa de culto‖.
A PIB Curitiba possui o plano de até 2022 construir mais três multi-sites na
cidade. O multi-site piloto já foi implantado no bairro de Vila Sandra, e a idéia é
acomodar igualmente lá todo o conforto que se tem no templo matriz. Ter. Pastor
Nilson Vital conta que a ―Vila Sandra era uma igreja de lona, parecia um circo‖, e
para mudar essa paisagem eles fizeram um orçamento para levantar uma nova
igreja com paredes, cobertura, janelas com vitrais semelhantes ao da sede da PIB,
um palco, boas poltronas, ar-condicionado, uma estética visual agradável, uma
fachada bonita e salas limpas e organizadas. A intenção é fazer com que as
pessoas – especialmente as famílias – tenham exatamente a mesma sensação de
conforto e acolhimento que se tem aqui na PIB do Batel. Pergunto ao pastor se
eles de fato conseguiriam reproduzir a mesma PIB em outra localidade. Nilson
Vital, pleonasticamente, me convence: ―Tem que ser espelho, Rita. Temos que ser
espelho!”.
91

2.2.2. BAIRRO DO BATEL E O MEGATEMPLO ENQUANTO ÍCONE DO


TURISMO RELIGIOSO

A PIB de Curitiba, localizada no Batel, faz divisa com os principais bairros de


classe média da região administrativa Matriz da Grande Curitiba, como Bigorrilho,
Centro Cívico e Jardim Social (MAPA 8). O Batel é um dos bairros que possui as
maiores extensões verdes da capital, representando 172,88 mil m² de áreas
verdes. É um bairro badalado, organizado e com roteiro turístico para diferentes
gostos. Possui diversas boates noturnas, bordéis, shoppings e lojas de grife, salas
de cinema; restaurantes sofisticados, pubs e sorveterias gourmet.

MAPA 8 - Localização do bairro Batel

Fonte: IPPUC (2018 [2004]).

Com uma população de 10.878 pessoas, possui densidade demográfica de


62,60 hab/ha. Mais que 50% da população do bairro possui renda acima de 5
salários mínimos (ver TABELA 1).
92

TABELA1 - Média de Rendimento - Bairro Batel.

Fonte: IPPUC (2018) – editado.

No que tange ao transporte público, em um raio de 600m a partir da igreja


Batista há 20 paradas de ônibus, o que colabora para a movimentação de fiéis de
camadas mais populares oriundos de outros bairros.

MAPA 9 – Circuito de transporte público no entorno do templo PIB Curitiba.

Fonte: Mapa base – Google Earth (2018)- editado


Legenda: Raio de 600m a partir da igreja
Paradas de ônibus
93

Para além das características socioespaciais particulares, o Batel tem


figurado no saber local como o sendo o ―bairro da igreja Batista‖. Isto porque a PIB,
depois da inauguração em 2014, tornou-se de fato um ícone religioso na capital
curitibana. O carro-chefe para essa ressonância no imaginário popular não é
caracterizado apenas pela beleza dos vitrais, mas sim – e especialmente – pelas
celebrações musicais que a igreja realiza. O Nataleluia, evento de Natal que a
igreja promove há 21 anos, é o principal espetáculo natalino que acontece na
cidade. Migrantes de todas as partes de Curitiba e região Sul vão ao Batel
prestigiar esse evento, que tem patrocínio oficial da Prefeitura e de empresas
privadas, como o banco Bradesco. O evento Nataleuia foi o responsável por alçar a
PIB à categoria de ponto turístico da capital curitibana, tanto que a igreja já
protagoniza espaços nos sites especializados de roteiro turístico, como TripAdvisor,
The Cities e Curitiba City.
O Nataleluia integra o calendário oficial de programações natalinas da
cidade. Ele é realizado durante quatro dias seguidos e recebe o suporte
operacional da Polícia Militar, BPTran (Batalhão de Trânsito) e Corpo de
Bombeiros, devido ao intenso trânsito de pessoas e veículos que ocorre em
decorrência da atração.
Emissoras de TV também fazem a cobertura do evento, tais como SBT,
Band, Rede Brasil de Comunicação, Rede Super e o portal G1 da Globo. O
Nataleluia conta com duas áreas especializadas para sua execução: Direção
Artística e Direção Executiva. A criação do espetáculo começa um ano antes de
sua execução, que sempre acontece na semana de véspera do Natal. Na fase de
planejamento, a comissão do evento decide se o musical será autoral ou se eles
comprarão direitos de produção de musicais estrangeiros. A parte operacional
(montagem, transportes etc.) é feita entre 3 a 4 meses antes. A cada ano o evento
conta com um cenário diferente, tema e figurino distintos. Vez por outra fazem
releituras de cantatas antigas, mas sempre com uma roupagem nova.
94

Cena 3

POLÍTICAS SOCIAIS E REDES EVANGÉLICAS NA CIDADE

Como vimos, desde a metade dos anos 70 os limites do projeto de Estado


social ficam evidentes: as políticas sociais da cidade mostraram-se inaptas para
solucionar os gritantes problemas sociais; as benesses da urbanização
beneficiaram majoritariamente as elites. Por outro lado, a síndrome de insegurança
social se apresentou como um drama generalizado. O Brasil, porque dotado de
uma modernidade desigual, injusta e frequentemente predatória, apresenta um
cenário altamente controvertido. Historicamente, o desempenho do Estado como
mediador dos desequilíbrios socioeconômicos da sociedade sempre foi
insatisfatório. O fundo da questão reside no fato de o processo de modernização
ter sido seletivo e localizado.
Neste sentido, a arena política do planejamento no Brasil encontra-se
composta, também, por outros atores capazes de desenhar no espaço os seus
interesses - como os evangélicos. Nesse gap entre Estado e sociedade cumpriu à
igreja evangélica, com suas iniciativas sociais, a tarefa de contribuir para a
construção de uma lógica baseada na defesa da dignidade da pessoa humana e de
um exercício de cidadania que ultrapassasse o limbo dos partidos políticos. Frente
ao ―holismo das carências, isto é, a acumulação de necessidades não satisfeitas ao
longo da história‖ (BURITY, 2002, p. 319), os evangélicos vem demarcando as
condições contemporâneas de emergência de práticas políticas de enfrentamento
da exclusão e de promoção da cidadania.
Quando falamos em política referimo-nos àquela com ―P‖ maiúsculo – a
Política que significa mediação das ações -, que denota como as ações estão entre
dois, entre a comunidade, dentro da cidade etc. O megatemplo é um exemplo
paradigmático dessa Política, porque ele complexifica essa relação entre dois da
qual estamos falando.
Os megatemplos da IURD Del Castilho e o da PIB de Curitiba valorizam um
leque amplo de possibilidades de cidadania que vai muito alem do âmbito religioso.
Ação social, educação, música, esportes, artes, cuidados com a saúde, amparo a
deficientes físicos, financiamento ao aluguel e à casa própria, bem-estar nos
relacionamentos – tudo isso está dentro de um guarda-chuva mais amplo que
engloba o que seja a prosperidade e dignidade política dentro da teologia cristã.
95

Destacamos, ainda, a importância dada pelos megatemplos de promover o


encontro, de as pessoas se conhecerem, vencerem a solidão, criarem grupos. O
objetivo dessas programações e formatos de ação política é multiplicar as formas
de atendimento e as chances de encontro, oferecendo novas possibilidades de
coesão social. Busca-se valorizar uma organicidade da comunidade, na qual cada
um participa da unidade espacial, religiosa e cultural.
Estas seriam, segundo Aristóteles, a função presente nas tipologias ideais
da urbe. Uma cidade existe para a meta em alcançar uma vida boa, e não somente
para assegurar a vida. Sem esse fim a comunidade tornar-se-ia uma mera aliança.
A cidade é ―uma comunidade de famílias e agregados que se unem para viver
melhor, com o objetivo de uma vida perfeita e autossuficiente‖ (ARISTÓTELES,
2006, p. 127). O fim da Cidade é a boa vida, e as instituições são o meio para
chegar a esse fim.
Neste capítulo tratarei da importância das relações que se estabelecem
entre demandas originarias do tecido social e sua correspondência com processos
de organização e mobilização política, nos termos de Egler (2007). Descreverei
como os megatemplos objetos desta pesquisa reconhecem, identificam as
carências sociais expressas na dimensão subjetiva dos segmentos sociais e
fabricam redes de ação política como produto de suas formas de organização. Por
esse motivo, o conceito de rede é tratado aqui como ―algo pulsante, que se forma e
se adapta por meio da dinâmica da ação social‖ (LATOUR, 2015, p. 17), produzido
nas relações entre coisas historicamente constituídas.
Serão elencados aqui os projetos e ministérios sociais executados pelo
Templo da Glória do Novo Israel e PIB Curitiba na forma de relações políticas que
a coesão, as formas de organização do poder e de interação social, bem como as
práticas colaborativas que fortalecem a legitimidade evangélica na cidade e a
construção de uma identidade coletiva em torno de objetivos e valores
compartilhados.
96

3.1. MINISTÉRIOS SOCIAIS – IURD DEL CASTILHO. DEMANDAS E


PROPOSIÇÕES

Ao pensar o conjunto das necessidades urbanas que englobam um conjunto


de esferas às camadas populares e médias do Rio de Janeiro, o Templo da Glória
do Novo Israel estabelece um plano de prioridades para espacializar seu processo
de intervenção na cidade e nos indivíduos urbanos. Classifico como estratégias
para a intermediação para expressão de seus interesses as seguintes políticas:

3.1.1. Ministérios de Evangelismo

O Evangelismo pode ser considerado um dos segmentos ministeriais mais


influentes da IURD Del Castilho. Subdividido em 11 frentes de trabalho, o
Evangelismo busca aproximar as pessoas da igreja por meio de técnicas distintas
para grupos específicos. A ênfase principal não está em distribuir folhetos, mas sim
em falar do que Deus fez na vida do interlocutor e suas experiências com o
transcendente, relatando os mudanças proporcionadas através do uso da fé e os
benefícios obtidos (cura, libertação de vícios, prosperidade, paz…).
Para tanto, os integrantes do ministério vão de encontro às pessoas não em
áreas de grande movimentação, mas sim em locais estratégicos onde eles sabem
que os indivíduos estão em busca de algum horizonte, de uma resposta. São
privilegiados os hospitais, estabelecimentos prisionais, manicômios, pessoas em
situação de rua, embarque e desembarque de aeroportos, comunidade de surdos,
residências familiares, pessoas que já foram evangélicas e hoje não são mais (os
chamados ―desviados‖).
A IURD enfatiza que, para o trabalho de evangelização ser eficaz, o crente
precisa estar com a vida espiritual regular. Cada integrante do ministério é
chamado de ―Evangelista‖, e o titulo atribui importância para esses indivíduos.
Diferentemente do que ocorre nas igrejas tradicionais, onde evangelista é um título
destinado apenas para pessoas graduadas no corpo eclesiástico, na IURD ser
evangelista indica qualquer pessoa comum que queira atuar nos grupos de
evangelização, dando-lhes notabilidade enquanto ―resgatadores de almas‖.
97

Os segmentos de Evangelismo iurdianos são:

Anjos da Madrugada
Núcleo no Lar
EVG Night
EVG Digital
EVG Aeroporto
EVG Recrutamento
EVG Resgate
EVG Comunidade
EVG Consolador
EVG em Ação

3.1.2. Reuniões de resultados

A IURD possui uma grade de reuniões que objetiva trazer resultados


práticos para a vida daqueles que buscam soluções para seus dilemas diários de
diferentes naturezas. O Quadro 1 apresenta as reuniões que ocorreram no
megatemplo de Del Castilho diariamente, considerando a grade de programação
corrente até o primeiro semestre de 2019.

QUADRO 1 – Programação das reuniões no megatemplo de Del Castilho.


DOMINGO SEGUNDA TERÇA QUARTA QUINTA SEXTA SÁBADO
Reunião Reunião da Reunião Reunião Terapia Reunião do Jejum dos
do Espírito Prosperidade de Cura do do Amor Desmanche Impossíveis | Cura
Santo Espírito Espiritual dos Vícios
Santo
Reunião Autoajuda
- Godllywood (01
sábado por mês)
Fonte: Elaborado pela autora (2019).

Chamou-me a atenção a prática da reunião do Desmanche Espiritual. Não


existe essa modalidade de reunião nas outras filiais da IURD no Rio de Janeiro, ou
seja: ela que ocorre exclusivamente no megatemplo de Del Castilho. É sabido que
muitos dos fiéis consideram o santuário um lugar de intenso poder e que lá – e
98

somente lá – seria possível obter um resultado eficaz para a cura de certos males.
Considerando a amplitude da crença que os brasileiros têm no sobrenatural e em
entidades espirituais de outras matrizes, a IURD criou a Reunião do Desmanche
Espiritual, que consiste em prática de orações intensas voltadas para o
desfazimento de trabalhos espirituais (especialmente os de matriz afro) e outras
questões relacionadas ao plano espiritual. Nos dias do ―desmanche‖ no Templo
Maior, após as reuniões pode-se agendar um atendimento individual com as
obreiras ex-mães de santo, detentoras de todas as técnicas e o saber-fazer do
desmanche de trabalhos espirituais. Minha interlocutora Inês, por exemplo, diz que
já foi alvo de um trabalho em encruzilhada feito com ovos, e que a obreira explicou-
a que o artefato tinha finalidade de morte. As obreiras que atuam no desmanche
sabem identificar os elementos contidos em cada trabalho e qual a sua finalidade,
por meio de ―revelações místicas‖. Inês pontua que todas as pessoas deveriam ir à
reunião do Desmanche Espiritual, pois ―todo mundo tem um guerra contra a qual
precisa lutar‖.

3.1.3. Testemunho enquanto ação política

Considero este relato de campo significativo para a compreensão do


testemunho enquanto ação política de engajamento nas práticas iurdianas.
Durante uma reunião no mês de abril de 2019, estava eu passeando pelo
pátio, próximo à réplica do Muro das Lamentações. Não pretendia nem um pouco
sair da Catedral; apenas queria ir atrás de outras atividades no templo, conversar
com outros membros. Nesse ínterim sou abordada por Gilson Tadeu, um dos
pastores que atuam no Templo Maior, na Nave Auxiliar. Ele – bem como outros
obreiros e obreiras – ficam dispersos por toda a área da Catedral, nos vãos de
entrada e saída, especialmente com essa finalidade: impedir que freqüentadores se
esvaiam do templo, para que, assim, fiquem até o final da reunião e recebam a sua
―bênção‖.
Não esperava por essa abordagem surpreendente.
- Você vai embora? Que isso! Não... Onde você vai? Deus tem uma benção
pra você. A partir de hoje tua vida nunca mais será a mesma. Eu determino!
99

Gilson, então, inicia comigo uma discursividade que parece ser meio pronta,
reproduzida para todos os freqüentadores, mas que acredito possuir bastante
eficácia para muitas pessoas que ali se encontram. Primeiro ele começa dizendo-
me que eu só encontrarei Jesus se permanecer firme – diga-se, firme até o final do
culto, firme no percurso de freqüentar regularmente as reuniões, firme em me
entregar e comprometer-me com as atividades do Templo.
É um caminho progressivo o que ele me aponta. Acho super curioso como a
IURD e seus membros detêm esse teor discursivo capaz de alterar as
mentalidades, especialmente nas camadas populares, tão carentes de esperança e
determinação.
Para me convencer do quanto serei bem-sucedida se permanecer constante
na igreja, ele me conta seu próprio testemunho. Foi traficante do morro da Mineira,
no Catumbi, durante sua juventude. Tinha várias mulheres, algumas inclusive
portadoras de DST, segundo ele. Uma de suas companheiras, ele aponta, era
soropositiva, e Gilson atribui ao poder de Deus o fato de não ter contraído o HIV.
Sua conversão aconteceu num templo IURD em São Cristovão, rua São Luiz
Gonzaga 447, no ano de 1985.
Ele conta com orgulho sobre essa conversão. Disse que na ocasião uma
senhora, católica, o apontou a localização da igreja, e expressou abertamente que,
pela aparência dele, ele devia estar ―com espírito ruim no corpo‖. Gilson acreditou
naquela leitura da senhora; entrou no templo IURD, e a partir dali sua vida
começou a se transformar.
Ouço-o atentamente e aproveito esse gancho de sua transformação pessoal
para fazer uma observação. Digo a ele que o Templo Maior de Del Castilho é o
único lugar evangélico no Rio onde, até hoje, observo uma presença exponencial
de homens. Dependendo da reunião parece, às vezes, que o numero de homens
supera o de mulheres. Comento que essa característica não é comum nas igrejas
evangélicas, pois geralmente a iniciativa de buscar a Deus é das mulheres. Gilson
me dá uma resposta que parece ser inteligente: ―Os homens vêm aqui porque aqui
tem ‘o Poder’. Eles sabem que aqui vão encontrar resposta, transformação‖.
Na sequência Gilson me diz que durante a semana é bastante procurado
pelos homens no Templo Maior, já que ele figura como referencia no megatemplo
por ser ex-traficante. Ele relata que as principais questões que os homens
100

apresentam são: drogas, tráfico, relacionamentos com mulheres. Alega que só o


poder de Deus liberta os homens dos vícios.
Terminando nossa conversa ele me conduz de volta até a Nave Auxiliar e
emana uma palavra profética: diz que eu vou ser obreira. Pede-me para sentar lá
na frente da Nave, bem perto do altar, porque ―ficar sentado atrás é para os fracos‖.

3.1.4. Escola de Mães

Este é um ministério que busca prestar assistência a todas as mães que


desejam se adaptar aos desafios de criar filhos na atualidade. São realizadas
palestras que acontecem nos nossos encontros mensais do grupo, sempre no
primeiro domingo do mês, onde são abordados temas sobre melhores práticas para
conviver, educar e orientar os filhos. Para maior fixação do tema, cada palestra é
complementada com o ―praticando‖, atividade relacionada ao tema para ser
realizada pelos pais ao longo do mês.
A Escola de Mães conta com o apoio de profissionais psicólogas, advogadas
e pedagogas, todas com atuação voluntária, que vêm de outras filiais IURD para
dar suporte ao ministério no Templo Maior. Recentemente a demanda ampliou-se,
e hoje a Escola é aberta à participação de pais, que começaram a se envolver com
o ministério em meados de 2018. Atualmente a Escola de Mães conta com 20
mulheres e 05 homens entre os ―alunos‖ regulares, além dos visitantes eventuais.

3.1.5. Projeto Raabe

Criado para dar assistência às mulheres que sofreram algum tipo de trauma.
Consiste em encontros nos quais são debatidos temas como perdão,
autoconhecimento, ―cura‖ interior. Há também a ênfase para o apoio às vitimas de
violência domestica e auxílio às mulheres para reparação por meio do incentivo e
encorajamento para acessarem a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.1340, de 7 de
agosto de 2006).
O Projeto Raabe tem uma estrutura de acolhimento, orientação assistencial
e jurídica, psicológica e espiritual, cuidados específicos após atendimento. O
acolhimento, a escuta, o suporte e o esclarecimento são os pontos de relevância
101

do projeto no primeiro momento, que, junto com a força da lei, é uma maneira de
lutar contra os abusos perpetrados.

3.1.6. Ministério Vício tem Cura

Consiste em um método espiritual para abstinência e interrupção


permanente dos vícios, seja de natureza química ou não. A IURD acredita que o
vício é uma luta espiritual, e que cada pessoa viciada deve fazer parte desse
―tratamento‖ religioso em complementação ao tratamento médico. Para eles, ―todo
vício é um espírito, e todo espírito pode ser arrancado, por isso a cura é real‖. O
projeto é coordenado pelo bispo Rogério Formigoni, ex-viciado em drogas, que é
quem escreve os livros sobre o tema e redige as palestras do curso de
―tratamento‖. Um dado curioso é: além das drogas mais conhecidas - como álcool,
crack, cocaína - e os vícios não químicos - como pedofilia -, o Ministério Vício tem
Cura considera como drogas alguns elementos usados em terapêuticas noutras
religiões, como a ayahuasca (chá do Santo Daime).

3.1.7. Projeto IntelliMen

O projeto IntelliMen (FIGURA 20)é um dos produtos associados à marca


―The Love School‖, que fala de amor inteligente. Foi concebido pelo bispo Renato
Cardoso em 2013 e propaga um discurso embasado na inteligência emocional dos
homens ―modernos‖. O projeto é composto por um desafio a cada semana durante
um ano. Os desafios englobam desde a área financeira até relacionamentos, saúde
e família. Outra estratégia de atrair mais público é a necessidade de trazer um
amigo para realizar as atividades propostas nos desafios.
102

FIGURA 20 – Banner do projeto IntelliMen no megatemplo de Del Castilho.

Foto: Rita Gonçalo (2019).

No repertório do desafio, diversas atividades cotidianas devem ser


realizadas à luz da disciplina como, por exemplo, a organização do quarto e do
ambiente do trabalho. Segundo os códigos do projeto, a preocupação com a
arrumação cotidiana é uma forma de estimular o homem a ser disciplinado, pois,
para eles, tal preocupação aumenta a monitoração da ação, levando-o a se tornar
mais vigilante em todos os aspectos da vida. Cada desafio leva os homens a se
disciplinarem em pequenas atividades, e o que era natural passa a ser objeto de
reflexão e questionamento, por conta da reflexividade desenvolvida pelas
atividades. Trata-se muito mais de um ―conhece-te a ti mesmo‖ por meio de uma
série de técnicas e de uma governamentalidade específica do self, amparada por
conhecimentos e uma perspectiva psicológica. Supõe-se que com este projeto os
indivíduos sejam estimulados a perceberem quais são seus problemas, defeitos e
103

virtudes e como deve estabelecer planos para sua transformação, tendo como
restrição (ou capacitação) as estruturas a que são confrontados.

3.2. MINISTÉRIOS SOCIAIS E ALIANÇAS COM O PODER PÚBLICO NA PIB


CURITIBA

Devido ao reconhecimento da igreja como autoridade religiosa na capital


curitibana, a PIB Curitiba consegue construir relações de rede bastante profícuas
com a Prefeitura Municipal. São convidados pelo prefeito, os empresários e demais
pessoas importantes no município quando há qualquer decisão a ser tomada que
envolva o bairro do Batel ou a participação da participação da igreja na esfera
pública. Não é á toa que Paschoal Piragine, pastor presidente da PIB, atua como
espécie de ―conselheiro espiritual‖ para os gestores públicos no município.
Enquanto identidade religiosa socialmente valorizada, a PIB Curitiba legitima
o acesso ao espaço público em busca de apoio para a realização de seus projetos
sociais e a expansão de direitos. Cabe assinalar que os dirigentes da PIB fazem do
pertencimento evangélico um instrumento importante de atuação política. Nas
etnografias de campo realizadas é possível perceber o quanto eles se orgulham do
acesso direto que possuem com os governantes, bem como o tratamento
diferencial que usufrem da parte destes.
Os carros-chefe entre as ações políticas e ministeriais da Primeira Igreja
Batista de Curitiba são:

3.2.1. Ministério de Esportes

Compõe o quadro de atividades no Ministério de Esportes as seguintes


ações: artes circenses, basquete, futebol, natação, montanhismo, skate, parkour,
tênis de mesa, arco e flecha, vôlei, surfe e vôo livre. Todas essas atividades
funcionam no ginásio esportivo da igreja, parques públicos municipais e alguns
outros espaços não confessionais com os quais a PIB possui convênio. Dentro
dessas áreas a liderança do Ministério de Esportes tenta inserir o máximo possível
104

de pessoas que sejam portadoras de alguma necessidade especial, como


deficientes auditivos e deficientes visuais.
Eventos abertos ao público realizados pelo Ministério de Esportes têm
parceria com a SMELJ - Secretaria Municipal do Esporte, Lazer e Juventude. A
SMELJ oferece à PIB o suporte operacional e logístico para os eventos ao ar livre,
como oferta de tendas, materiais esportivos, caminhonetes, aparelhagem de som.
Um desses eventos abertos é a ―Virada Esportiva‖, que acontece uma vez por ano
ela realiza uma semana completa de atividades gratuitas em todos os espaços
esportivos da cidade.

3.2.2. Departamento de Comunicação

Responsável pela realização das transmissões de cultos e mensagens ao


vivo nas plataformas YouTube, Facebook, Instagram e por meio da página web da
igreja (https://www.pibcuritiba.org.br). O Ministério de Comunicação também
concatena a produção de todas as peças publicitárias da igreja (revistas, flyers,
outdoors) e dos eventos sociais indoor – como cerimoniais, casamentos,
congressos, seminários e demais tipos de produção cultural.
O arranjo do Departamento de Comunicação está subdividido entre as
seguintes coordenadorias:
Multiplataforma - cuida do que está espalhado pela PIB fora da capital
(como os outdoors, distribuição de revistas etc). Essa coordenadoria
também é responsável pela iluminação da igreja e dos vitrais, e também
cuida da parte de sonorização;
Operação de Campos-trata de toda a logística que atende a cultos e
eventos;
Agência e Publicidade - responsável pela confecção de todo material
gráfico – revistas; flyers; artes visuais; gráficos para posts de Facebook,
Instagram e outras mídias web;
TV- responsável pela criação dos programas na Rede Super
Rádio – coordena as estações de rádio da igreja. A PIB Curitiba possui 3
rádios na cidade, incluindo a rádio web e as freqüências de dial fora da
região metropolitana.
105

3.2.3. Rede Super de Televisão

A Rede Super é um canal aberto31 de TV com programação crista


evangélica. Na Grande Curitiba é sintonizada pelo canal 31.1 UHF.Metade das
ações e grade de programação da tv pertencem à Igreja Batista da Lagoinha (Belo
Horizonte), e a outra metade pertence à PIB. Atualmente a igreja está investindo
esforços para ampliar a torre da Rede Super, de modo que o sinal alcance todos os
bairros da capital e integralmente a região metropolitana. Tania Santos, gerente de
operações da Rede Super, orgulha-se em dizer que a Rede apresenta conteúdo
cristão de qualidade para todos os públicos – cristãos e não cristãos (FIGURA 21).
Tem como pergunta norteadora: ―Que tipo de TV a gente gostaria de assistir?‖.
Segundo Tânia, a proposta do canal é não ter apenas uma grade com programas
de mensagens, mas sim ter um conteúdo diferenciado, atual e moderno, para que
as pessoas tenham uma ―opção‖ a assistir em meio aos canais abertos seculares.

FIGURA 21 – Canal de reprodução em streaming dos programas veiculados pela


Rede Super.

Fonte: YouTube (2019).

31
O sinal de transmissão do canal Rede Super só em aberto em Curitiba. Em outras regiões
metropolitanas, como Rio e São Paulo por exemplo, ela é fechada e veiculada somente através de
assinatura digital.
106

As programações-âncora da Rede Super em Curitiba são:

Super Opinião - programa de entrevistas sobre atualidades, comandado


pelo pastor Paschoal Piragine.
Boa Tarde, Doutor - programa de entrevistas com médicos de diferentes
especialidades.
Escola de Líderes - programa sobre liderança numa perspectiva cristã.
Boletim Preparação - programa jornalístico veiculado pela manhã, antes da
palavra pastoral.
Alta Tensão – programa com temáticas juvenis, produzido pela Juventude
da PIB Curitiba.
Canal do Tempo - informações sobre previsão do tempo.

O cool hunter32responsável pela grade de programações da Rede Super


Curitiba é Julius Nunes - jornalista, consultor e professor de comunicação social da
PUC-PR. A gerente de operações Tânia diz que contratá-lo foi bastante positivo,
porque ―ele sabe qual é a necessidade de ter uma TV funcionando
adequadamente, e cujo objetivo seja ter uma programação bem atual‖. Por isso a
Rede Super possui adesão bastante positiva entre os espectadores da Grande
Curitiba.
Atualmente a igreja prepara uma pesquisa estatística para mensurar o nível de
audiência na cidade e o quantitativo de pessoas que curtem e/ou conhecem a
programação da Rede.

3.2.4. Ministério de Ação Social

A Área Ministerial de Ação Social da PIB Curitiba tem como propósito


cooperar para com as pessoas que estejam em situação de vulnerabilidade e
injustiça social. As ações desenvolvidas contam com o apoio de voluntários. Para
poder atuar de forma mais ampla foi criada a ABASC– Associação Batista de Ação
Social de Curitiba, uma instituição de caráter filantrópico, sem fins lucrativos, com

32
Profissional que faz o mapeamento das tendências de comunicação estratégica para um público
específico.
107

objetivos educacionais, beneficentes e assistenciais.O organograma da ABASC é


composto por quatro dirigentes: presidente do conselho, tesoureiro, diretor
executivo e vice-diretor. A Área Ministerial de Ação Social, juntamente com a
ABASC, fomenta a manutenção de quinze projetos em ação social.
―Gerando Valores‖ é um subprojeto no qual são ministradas atividades
microempreendedoras para a pessoa começar inicie um ofício e gere renda para
sua família. Alguns cursos realizados no âmbito do projeto têm parceria com o
Senai. Para viabilizar a participação dos interessados, a ABASC fornece
gratuitamente vale-transporte e lanche aos alunos. Atendimento a famílias em
situação de risco, doação de cestas básicas, atendimento psicológico e jurídico
constituem a demanda dos serviços mais procurados na Ação Social e ABASC.
Pessoas precisam de dinheiro para pagar contas são também acolhidas pela
ABASC, que mantêm um fluxo de caixa em cerca de 50 mil reais anuais para
ajudar a pagar despesas como aluguel, contas de água e luz. As triagens são feitas
todas as segundas-feiras a partir das 8h da manhã por intermédio do quadro de
assistentes sociais da ABASC. Kits-lanches são distribuídos semanalmente para
populações de rua. Cestas básicas são distribuídas para famílias em fluxo
continuo; a mesma família pode receber as cestas por um período de 3 a 6 meses.
Para os desempregados, a ABASC realiza triagem de currículos e encaminha a
documentação para as empresas parceiras.
A ABASC é mantenedora da creche-escola CEI Pedacinho de Gente, na
comunidade do Xapinhal, zona periférica de Curitiba. Lá são assistidas cerca de 80
crianças entre 1 a 5 anos. Eles oferecem ensino de qualidade e alimentação
apropriada orientada por uma nutricionista. O CEI Pedacinho de Gente possui 16
professoras e 5 funcionárias, coordenadas pela Diretora Denize Eiras e pela
pedagoga Lia Jordão.

3.2.5. Ministério com Especiais – Surdos, Deficientes Visuais, Cadeirantes e


Intelectuais.

Intitulado ―Ministério Eficiente‖, voltado especificamente para portadores de


necessidades especiais. Possui 35 anos de atividades ininterruptas na PIB Curitiba.
Compreende ações para surdos, deficientes visuais, cadeirantes, portadores de
108

necessidades intelectuais, autistas e viúvas. O ministério possui 02 ônibus para


buscar os deficientes para a igreja e para eventos externos, levando-os de volta
para casa. Isso ocorre toda sexta-feira, que é o dia de das programações especiais
do Ministério.

3.2.6. Adoração

Ministério composto por artistas cristãos que expressam as mais variadas


linguagens artísticas. O ministério de Adoração é o que realiza os principais
eventos evangélicos na cidade de Curitiba. Compõe o quadro de ações do
ministério a escola de música, coro infantil, orquestras, grupos musicais
missionários e produtora cultural (responsável pela produção de espetáculos,
sonorização e captação de recursos através de fundos culturais públicos).

3.3. PAISAGENS E ALQUIMIAS DO PODER URBANO EVANGÉLICO

Que os evangélicos querem alterar o quadro das relações sociais não se


tem qualquer duvida. Todavia, para compreender os motivos da mudança é
necessário focar na cultura que está sendo mudada, ainda que os motivos para a
transformação se tornem rapidamente obsoletos. Neste sentido, é interessante
observar a condição urbana que vivemos na sociedade brasileira, de
―contrariedades abissais, que solicita a busca de respostas relacionais para os
grandes e pequenos problemas cotidianos‖ (MAFRA; ALMEIDA, 2009, p. 73). É
nesse ínterim que os evangélicos operam para construir um outro sentido de
urbanidade, pautada nos valores e princípios cristãos.
Têm-se diferentes meios pelos quais os evangélicos organizam o mundo em
polos antitéticos, estabelecendo as fronteiras entre o ―bem‖ e o ―mal‖ na metrópole.
É um projeto político situando-se no campo semântico do discurso competente
(CHAUÍ, 1989), que qualifica a dicção do saber especializado. Insinuando-se por
meio de um discurso especializado, os evangélicos passam a fazer parte de um
poder urbano, no sentido de terem um lugar de fala e de práticas que negocia e faz
valer sua presença na cidade.
109

Com esse viés epistemológico, busquei compreender como os evangélicos


produzem uma ordem social e urbana a partir de certos mecanismos e construção
de paisagens através da ação política. A paisagem proposta por mim é analisada
com base em uma perspectiva antropológica. Bebendo de fontes como o
desenvolvimento do conceito de paisagem pelo filósofo Jean-Marc Besse (2016),
entendo que as diferentes paisagens construídas pelos evangélicos são um
fenômeno histórico indissociável da emergência da chamada hipermodernidade
(LIPOVETSKY 2004), como uma tensão entre o viver o presente e as reações ao
futuro, pautada pelos ideais de transformação e formulação de práticas para a
sobrevivência da religião nas próximas gerações. Frente a isso, os evangélicos –
especialmente os grupos ligados ao núcleos de poder governamental e de
influencia midiática – estão cada vez mais mobilizados por forças de intervenção e
reordenamento na metrópole.. Eles observam o presente e pensam estratégias
para mitigar, no futuro, os ―males da cidade‖, onde as questões morais e
relacionais figuram, particularmente, como uma preocupação cotidiana e
constitutiva.
Por meio de dispositivos do legislativo, operações de mídia televisa e web,
por exemplo, percebe-se que estes meios se constituem como arenas onde os
evangélicos empreendem um notável esforço por articular a urbanidade mais do
que o próprio processo de urbanização. Mediante à crise da incapacidade
institucional e o divórcio entre o Estado e a política como ação efetiva para o bem-
estar entre os homens,- a cidade e o Brasil, para os evangélicos, estariam
enfermos. Contaminados por uma doença moral e uma doença ética. Neste
sentido, pincei alguns espectros onde a paisagem produzida pelos evangélicos na
cena política contemporânea é considerada como um recurso para as estratégias
de ordenamento da cidade. A paisagem evangélica ocupa, na atualidade, um lugar
crucial nas preocupações sociais e políticas, e no cuidado em relação ao
questionamento sobre a identidade da família e dos cidadãos.
Comungo com a hipótese de Marc-Besse, para quem está em voga uma
nova cultura da paisagem (BESSE, 2016) que corresponde a novas formas de
experiência do espaço em sociedade. Posto isso, a relação com as paisagens
evangélicas ficou mais complexa, uma vez que elas são políticas, midiáticas,
arquitetônicas, e, também, relacionais.
110

Uma das figuras mais notáveis do discurso competente evangélico é o


pastor Paschoal Piragine, presidente da PIB Curitiba. Bem antes do fervor das
querelas religiosas eleitorais de 2018, Piragine começou a articular um movimento
para que evangélicos ocupassem, efetivamente, as frentes dos principais núcleos
governamentais de poder. Em 2010 foi divulgado um vídeo de sua pregação na PIB
no qual ele argumenta contra o que chama de ―institucionalização da iniqüidade‖ 33.
O termo ―iniquidade‖ para os evangélicos designa aquilo que é reprovável, contrário
aos preceitos bíblicos. Exemplos considerados como iniqüidade pelos evangélicos
são: prostituição, homossexualidade, aborto, drogas, ideologia de gênero para
crianças e adolescentes. Ter essas pautas aprovadas no Congresso nacional seria,
para os evangélicos, uma forma de institucionalizar a iniquidade, o mal no país.
Desta forma, o conceito de ―institucionalização da iniquidade‖ e a visão de que é
preciso combatê-la foi capitaneado pelo pastor Piragine, numa clara referência às
iniciativas do primeiro governo PT em 2010 para promover a legalização das
uniões homoafetivas e a descriminalização do aborto.
O vídeo foi reproduzido em várias plataformas de mídia, como YouTube,
Vimeo e Rede Super - transmissora de TV da PIB Curitiba -, de modo a
conscientizar os cristãos de que a institucionalização da iniquidade é um dos
discursos que fundamentam a ―perda de Deus‖ na cidade. A partir da difusão do
vídeo outros pastores ligados às Convenções Batistas se posicionaram firmemente,
no rádio e na televisão, em favor do debate. A CNBB – Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil, em adesão ao movimento, publicou um documento intitulado
―Apelo a todos os brasileiros e brasileiras‖34, se posicionando com relação a esses
assuntos.
Durante entrevista em maio de 2018, pastor Piragine relatou-me que a
propagação do vídeo de pregação sobre a institucionalização da iniquidade foi uma
das formas de expandir e consolidar o que se chama de cosmovisão cristã, que é a
maneira de os evangélicos enxergarem o mundo e seus valores. A defesa do
pastor é a de que os evangélicos tenham o exercício da liberdade para expressar o
que consideram iniquidade de valores e, com isso, combatê-la. Enfatiza o cenário
em que os evangélicos representam uma grande parcela da população – chegando
33
Disponível na plataforma de compartilhamento de vídeo VIMEO no endereço:
https://vimeo.com/15585151. Acesso em: 05 mai. 2018.
34
Disponível em: https://www.veritatis.com.br/apelo-a-todos-os-brasileiros-e-brasileiras/. Acesso em:
05 mai. 2019.
111

próximo a 30% dos brasileiros, segundo o IBGE –, mantendo a linha de


pensamento que preserva os valores cristãos como base primordial da sociedade.
Aos ―opositores‖ dos evangélicos – referindo-se à esquerda política e aos
movimentos pró-genero (LGBTQ e simpatizantes da perspectiva teórica e política
dos estudos queer), Piragine questiona: o que eles vão fazer quando a população
cristã evangélica chegar ao quantitativo dos 50%?
Se você perguntar pra mim qual o modelo de família eu vou dizer pra
você: não é qualquer ajuntamento humano porque qualquer
ajuntamento humano não necessariamente é uma família na minha
ótica. Agora, eu também tenho o direito de ter essa ótica; isso que é a
minha grande crítica. Na minha perspectiva eu também tenho o direito
- assim como o outro também tem - de dizer pra sociedade brasileira
que a sua ótica não serve pra mim, que isso aqui vai virar uma
bagunça. Assim como você tem o direito de dizer pra mim, quando vai
pro palanque, que a minha ótica não funciona. O que eu não aceito é
dizer ―você não pode dizer isso porque você é religioso‖, e é isso que
está se dizendo. Por que não posso?
[Paschoal Piragine, Entrevista de campo, Maio 2018].

Para o pastor Piragine, existe um pensamento retroviral aos valores cristãos


que está tomando vulto, e os evangélicos ―precisam saber lidar com isso‖. A
maneira mais eficaz de os evangélicos estarem na frente de batalha seria, portanto,
elevar o grau de conhecimento e de comunicação por meio dos estudos
acadêmicos e inserção no mundo pensante. Para ele, quanto mais os líderes
evangélicos tiverem doutorado, pós-doutorado, serem profissionais de renome e
prestígio publico, mais os evangélicos ganharão força para mostrar que tem um
projeto ―melhor para esse mundo‖. Como exemplo, o pastor enaltece o fato de que
no templo PIB Curitiba muitos membros são desembargadores, empresários,
funcionários de liderança em empresas multinacionais. Alguns dos membros da
PIB conseguiram, inclusive, criar núcleos da igreja em outros países, como
Alemanha, Canadá e algumas nações africanas.
O pastor cita também a importância de se ter boas relações com o campo
político-partidário. Eventualmente, Paschoal Piragine atua como conselheiro
espiritual para os gestores públicos da cidade. Parlamentares do PSC – Partido
Social Cristão de Curitiba, por exemplo, mantêm estreita coesão com a PIB
Curitiba, concedendo à igreja diferentes diplomas e moções honrosas na Câmara
Municipal e na Assembleia Legislativa do Paraná pela sua participação conjunta
com o poder público em benefício da sociedade.
112

Ampliar a presença evangélica nos espaços de poder é também vista como


importante para o pastor Luiz Roberto Silvado, presidente da Convenção Batista
Brasileira e líder da Igreja Batista do Bacacheri – IBB, congregação irmã da PIB
Curitiba. Em sua opinião, ter evangélicos nos cargos administrativos ou em
posições políticas favorece no momento em que os evangélicos são discriminados.
Colabora, também, para ampliar a legitimidade da igreja no contexto da cidade.
Relacionamentos favorecem. Isso é política no bom sentido, não é
politicagem. Pra viver numa cidade você tem que fazer política de
maneira correta, tem que saber se relacionar com as pessoas,
conhecer as pessoas e ser conhecido. Aí você consegue influenciar e
abençoar, consegue fazer parcerias, conversar, oferecer serviços. A
gente está querendo levantar uma nova geração com participação
significativa na política, mas que sejam de fato transformadores das
estruturas de justiça. [L. Roberto Silvado, Entrevista de campo, Junho
de 2018]

A proximidade com as instâncias políticas permite ainda que a Igreja Batista


do Bacacheri - IBB sirva de referência para realização de grandes eventos
comunitários. Debates e audiências públicas, congressos municipais, entre outros
eventos, frequentemente são realizados nos salões da IBB. Uma das principais
cerimônias ocorridas na igreja foi o congresso para elaboração da política de
prevenção contra as drogas de todo o estado do Paraná. O governo estadual
promoveu o evento e a igreja cedeu o espaço. A ponte para intermediação foi
realizada através de uma promotora de justiça, membro da Igreja do Bacacheri,
que estava responsável por esse processo. ―Ela nos consultou e nós dissemos sim,
é uma forma de servir a cidade e ao estado. Por isso que nós estamos aqui‖, louva
o pastor Silvado.
Curitiba, ―cidade-teste‖, tal como denominada por Paulo Leminski (1989), foi
também laboratório para o boicote que se expandiu nacionalmente com relação à
Exposição Queer Museu, no Santander Cultural de Porto Alegre-RS, em 2017. A
Igreja Batista do Bacacheri – IBB assumiu a liderança do movimento em Curitiba de
recomendar aos fieis evangélicos que encerrassem contas-correntes que
porventura mantinham no banco Santander. Em nota na web, a IBB publicou um
comunicado onde decidiu encerrar sua conta no Banco Santander após a polêmica
exposição artística que a igreja considerava zombar da fé cristã e fazer apologia à
zoofilia e à pedofilia.
113

A postagem35, publicada no Instagram em 14 de setembro de 2017, viralizou


nas redes sociais e promoveu uma reação nacional nas igrejas evangélicas contra
a exposição artística que o banco Santander promoveu em Porto Alegre. Os
membros aprovaram a decisão e teceram notas na rede social elogiando a igreja.
―Parabéns‖ e ―Orgulho de vcs‖ foram os termos mais usados nos comentários.
Dessa forma, para ocupar o espaço público e legitimar suas demandas, a fim de
obter a eficácia, os evangélicos vêm renovando o formato das ações e
manifestações tradicionalmente reconhecidas como políticas, por meio da
constituição de redes virtuais de movimentos sociais e da comunicação mediada
pela imagem (como teasers de Instagram e Twitter, entre outros).
O contexto cívico da região em que vivem dita o posicionamento dos
evangélicos na política. Este é um bom insight para pensar a cidade: o espaço se
confunde com a própria ordem social de modo que, sem entender a sociedade e
suas redes de relações sociais e valores, não se pode interpretar como o espaço é
concebido e suas gramáticas. De acordo com Roberto DaMatta (1997, p. 36), ―nas
sociedades onde o protestantismo se estabeleceu dominantemente, o movimento
mais frequente é o de valorização dos conceitos religiosos no universo coletivo‖.
DaMatta também sugere uma ampliação do quadro de referência da moral
protestante para mostrar que tais éticas não se situam somente na esfera
econômica, mas são influenciadoras de outras áreas da conduta social.
No Rio de Janeiro - umas das capitais com maior quantitativo evangélico do
país (71 evangélicos para cada 100 católicos, segundo o Pew Research Center,
2014) - a composição da paisagem evangélica na política tem sido importante para
o fortalecimento de suas fronteiras. O fato de o governo municipal ser dirigido por
pessoas que afirmam publicamente uma identidade evangélica – como o prefeito
Marcelo Crivella e vereadores eleitos da ―bancada evangélica‖ na Câmara,
integrantes de partidos como PRB36 e DEM37 - favorece a estruturação política
desse segmento religioso, que, muitas vezes, invoca a mediação divina para a
solução de problemas públicos. Tais políticos que ocupam a legislatura municipal
no Rio de Janeiro fazem do pertencimento evangélico um instrumento importante
de atuação política.

35
Disponível em: https://www.instagram.com/p/BZCNUmUDx2L/. Acesso em: 06 mai. 2018.
36
Partido Republicano Brasileiro. Legenda nº 10.
37
Democratas. Legenda nº 25.
114

Exemplo notável deste cenário foi a militância mercurial do vereador


Alexandre Isquierdo, do Democratas (DEM), durante a tramitação do Projeto de Lei
nº 1709/16, que trata do Plano Municipal de Educação do Rio de Janeiro.
Isquierdo, que é membro da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, do pastor Silas
Malafaia, foi um dos maiores críticos do Plano e influente articulador para anular a
inclusão da pauta que determinava sobre temas como sexualidade e gênero nas
escolas de primeiro segmento do ensino fundamental (antigas 1ª a 4ª série). Em
audiência pública realizada em 28 de junho de 2016 na Câmara de Vereadores do
Rio, Isquierdo enfatiza que, ―se depender da bancada dele, este plano ‗não vai
passar’‖38. O Plano - cujo projeto original estava em tramitação desde 2013 - ainda
não foi concluído, e as emendas que se seguiram pós-audiência pública de
junho/2016 retiraram a temática da sexualidade das pautas de discussão. Ao
consultar a tramitação atual do projeto, vê-se que não há quaisquer menções sobre
as palavras ―gênero‖ e ―sexualidade‖ no documento39. Os debates sobre o Plano
Municipal de Educação continuam na forma de audiências públicas e conferências.
Em 2019, esses eventos foram previstos para ocorrerem em maio, segundo o
calendário oficial40 da Secretaria Municipal de Educação do município.
Outro vereador evangélico, Inaldo Silva, do Partido Republicano Brasileiro –
PRB e membro da IURD Del Castilho, foi o autor da Lei Nº 619541, de 09 de junho
de 2017, que instituiu o Dia do Encontro Interdenominacional, popularmente
conhecido, entre os evangélicos, como o ―Dia da Igreja Sem Placa‖. A cada ano,
sempre ao terceiro domingo de setembro, é comemorado na Câmara de

38
Audiência Pública sobre o Plano Municipal de Educação. Disponível em: Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=ep_819nHPKo
39
A íntegra do projeto de lei 1709/2016 pode ser consultada na página da Câmara de Vereadores
do RJ. Ao seguir as seções Atividades Parlamentares > Proposições > Busca Especifica, é
possível encontrar o nome dos parlamentares autores das emendas ao projeto, e verificar quais
emendas estão em tramitação. Pelo mesmo caminho será possível verificar se o projeto foi votado
na íntegra, para então ascender ao estatuto de Lei. Cf.:
http://www.camara.rj.gov.br/controle_atividade_parlamentar.php?m1=materias_leg&m2=9a_Leg&m
3=prolei&url=http://mail.camara.rj.gov.br/APL/Legislativos/scpro1316.nsf/Internet/LeiInt?OpenForm
.Acesso em: 02 mai. 2018.
40
Disponível em: http://prefeitura.rio/web/sme/plano-municipal-de-educacao. Acesso em: 05 mai.
2018.
41
Disponível em:
http://mail.camara.rj.gov.br/APL/Legislativos/scpro1720.nsf/249cb321f17965260325775900523a42/e
613a15b1e79f0e7832580c9004fdc07?OpenDocument&Start=1. Acesso em: 05 mai.2018.
115

Vereadores e em várias igrejas do Rio de Janeiro o Dia do Encontro


Interdenominacional, pois, segundo Inaldo Silva:
só as placas denominacionais nos separam. O cara que é batista não
é inimigo do assembleiano; o assembleiano não é inimigo de quem é
metodista ou do católico. Porém a gente ainda vive numa facção.
Então esse terceiro domingo de setembro que a gente comemora é o
dia dessa igreja unida, aonde as placas não podem mais nos separar.
O Cristo que nos une é maior do que as placas que nos separam. Ano
passado a gente celebrou aqui (na Câmara) o primeiro encontro.
Tinha igrejas de todos os segmentos, mostrando que a gente pode ter
pensamentos diferentes, liturgias diferentes, e adorar e conviver
juntos. [Vereador Inaldo Silva, Entrevista de campo, Maio de 2018]

O vereador comenta que ter a igreja unida e capilarizá-la por meio da política
seria uma estratégia forte para combater as desestruturas familiares. Para ele, a
essência cristã deve pautar as diretrizes dos governantes, a fim de fazer a cidade
―ser uma bênção‖. Uma vez que a ética cristã condicionaria o comportamento do
governante, este não privilegiaria mecanismos escusos para roubar a saúde, a
educação, a segurança pública. Na percepção de Inaldo, a cidade tende a ser mais
abençoada quando tem uma governança cristã (não necessariamente evangélica),
sendo assim a metonímia da bênção. Com o governante cristão, ele afirma,
―dinheiro sobra, tudo sobra. Ele não tem duas mulheres, três mulheres pra gastar
dinheiro... tudo sobra, né! O que traz discernimento é ter esses valores e ser bom
no que faz‖ [Inaldo Silva, Entrevista de campo, Maio de 2018].
Integrantes de partidos políticos pautados em valores cristãos acreditam que
são nas grandes instituições como família, escola e igreja onde se aprende os
princípios da ética e as diretrizes para os comportamentos públicos e privados, a
fim de combater os ―vícios‖ da cidade. Um assessor político do PRB, Y.S (iniciais
fictícias), 38 anos, expressou a alcunha de que o Rio de Janeiro transformou-se
numa cidade ―viciada‖. Ele atribui tal cenário às dívidas superfaturadas para se
concluir as Olimpíadas; às fraudes nas administrações hospitalares; ao excesso de
investimento de verba pública em manifestações populares, como o Carnaval. O
―antídoto‖ para essas mazelas seria uma administração onde o prefeito e o
secretariado participam, juntos, de um mesmo pensamento para ―ajudar a crescer a
cidade‖. Para o assessor político, ―quando o justo governa o povo se alegra, mas
quando o ímpio governa o povo geme‖ [Y.S., Entrevista de campo, Maio de 2018].
116

Pergunto a ele se ao usar o termo ―justo‖ está se referindo aos evangélicos.


Ele afirma categoricamente que sim. Machado e Birman (2012, p. 55) traduzem a
figura dos justos como mediadores político-religiosos que atuam enquanto
―redentores‖ da constituição físico-moral da pessoa e da comunidade. Deste modo,
o evangélico estaria enquadrado nesse referencial, já que ele ―procura fazer mais a
justiça em suas obras‖. Seguindo este principio, o assessor Y.S. defende que é
interessante os evangélicos ocuparem diferentes cargos na prefeitura, conjugando
a cosmovisão crista à capacidade administrativa.
Tendo uma cadeira aqui e eu precisando colocar alguém, se eu tenho
um evangélico que não é capacitado e do outro lado uma pessoa não
evangélica capacitada e íntegra, eu vou escolher esse último, porque
ele vai, com a integridade e a capacidade dele, cuidar da cidade.
Agora, se eu puder unir a integridade com a capacidade, e se junto
disso vier uma pessoa evangélica, aí é top! [Assessor Y.S., Entrevista
de campo, Maio de 2018]

Estes são modelos de algumas experiências amostrais que fulguram na


paisagem evangélica em dois planos: o da materialidade e o da representação. Da
materialidade porque o simbólico transforma-se em ações concretas, e da
representação porque a subjetividade evangélica orienta as diretrizes e
investimentos que eles executam para formatar seus projetos na metrópole,
engendrando, factualmente, várias ilações de uma manipulação da paisagem.
Tudo, portanto, é disputado, e a presença dos acordos políticos é clara. Mais
que isso: quando as narrativas cristas evangélicas são ampliadas na forma da lei
se desenha um dado mais complexo, que é a questão do poder urbano e da
disputa pela constituição de uma ordem na cidade. O senso comum e a esquerda
política, especialmente, se perguntam, estarrecidos, como os evangélicos
conseguem alçar tamanha representatividade nas arenas políticas. Vimos com
esses exemplos que as coisas não ocorreram aleatoriamente, e que a constituição
da ordem evangélica tem sido historicamente construída e organizada de modo
bastante sofisticado e robusto. É uma ordem atualizada a todo instante.
Independentemente da corrente evangélica que se segue – se tradicional,
histórica ou pentecostal -, quando se trata de instrumentalizar ocampo dos valores
na cidade percebemos que os evangélicos se complementam e se apoiam. As
maneiras de ver, de sentir, de pensar e exercer uma atitude cívica tornam-se objeto
de interesse e investimento do capital evangélico nos dias atuais; passam a ser,
117

elas mesmas, um vetor de valorização do cristianismo evangélico no


contemporâneo.
A paisagem evangélica aparece como uma entidade relacional, que busca
dar conta da totalidade das relações constitutivas nas metrópoles. Todos esses
traços permitem caracterizar que a organização da paisagem pelos evangélicos
traduz uma forma de organização da sociedade, além de uma ferramenta em que
lideranças cristãs evangélicas procuram dar uma medida e um sentido às suas
dinâmicas, ao seu projeto de sociedade.
Cada vez mais a problemática paisagística promovida pelos evangélicos
contribui para mudar os questionamentos sobre a identidade dos territórios e o seu
porvir. Neste sentido, o plano moral vetoriza o estado de sobrevida e de resistência
da religião no urbano. ―É preciso mudar a cidade‖ não é mais uma provocação
oldfashioned, mas um sentimento compartilhado pela maioria – tanto evangélicos
quanto aqueles que abraçam suas causas.
118

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tradicionalmente, os termos urbe e seu derivado, urbanidade, estão


associados à cidade de forma análoga. Fazer sua distinção, entretanto, nos ajuda a
construir uma outras definições para a cidade contemporânea, e, por extensão,
compreender o lugar de grupos influentes nela. O termo urbe nos remete à
materialidade da cidade: seus equipamentos, serviços e construções físicas nos
territórios onde os cidadãos vivem. Do sentido da urbe vem a palavra urbanização,
que diz respeito à remodelação dessa materialidade da cidade; seus processos de
transformação física, de renovação do tecido urbano, de intervenção.
Todavia, a cidade não é apenas materialidade. Ela também é suas relações
sociais, as formas de contato e ação comum no espaço público, as relações de
cooperação e solidariedade, relações comunitárias e políticas. Tudo isso se revela
como urbanidade, que, por sua vez, se refere a comportamentos na cidade, formas
de perceber o convívio com o outro. A urbanidade remete para as ideias de
cidadania e civilidade, convivência e sociabilidade (PECHMAN, 2002). Urbanidade
é uma decorrência do que seria o urbano, e urbano é o ser e o estar na cidade (Cf.
HEIDEGGER, 1995; PECHMAN, 2002). A urbanidade é a maneira de ver o outro
com todos os seus desdobramentos: a confiança e a solidariedade, mas também o
espírito público de regulação e de ordem.
Este caminho epistemológico guiou-me a observar os megatemplos e as
políticas evangélicas no urbano atuando por expansão em escalas para mudar o
modelo de situação urbana que temos vivido. Os evangélicos propõem o que
chamo de urbanidade gospel, que se traduz em uma cosmovisão cristã de bem
comum e vivência política dos cidadãos. Essa experiência urbana percorre uma via
de atravessamento entre o plano material (dos megatemplos) e o plano simbólico
(das políticas) que, por consequência, redefinem a atividade religiosa no urbano. A
religião evangélica passa a capilarizar-se não só no campo espacial do bairro e da
cidade, como também no campo das mentalidades e ações sociais.
Os subsídios para a aproximação entre a realidade urbana e o ideal de
urbanidade gospel são pautados pelas estratégias de monumentalização das
igrejas evangélicas na forma de megatemplos – constituídas enquanto novas
composições de lugares sagrados no cotidiano urbano em diálogo com questões
relacionadas ao território, desenvolvimento local e consumo; satisfação de
119

necessidades específicas por faixa etária, alcançando crianças, jovens, adultos –


mulheres, homens, casados, solteiros, universitários, trabalhadores, profissionais
liberais, empreendedores –, terceira idade, portadores de necessidades especiais
de todos os gêneros; aproximação por necessidades sociais específicas – serviços
sociais em educação, esportes, música, cultura e artes, organizações não
governamentais (ONGs), fundações de apoio e assistência social, movimentos
específicos; aproximação pelos espaços da legislação, prevendo a participação
direta e indireta por meio do diálogo com projetos, políticas públicas, projetos de
Lei, e eleição de personalidades evangélicas a cargos de poder legislativo
municipal e estadual.
Procurei considerar essas práticas em seus aspectos mais expressivos, de
modo a apreendê-las em sua racionalidade e no contexto da dinâmica urbana
examinada. Citei como modelos de análise o Templo da Glória do Novo Israel, da
Igreja Universal do Reino de Deus em Del Castilho/RJ, e o megatemplo da Primeira
Igreja Batista de Curitiba, no Batel, pelo qual as observações de campo apontam
ambos enquanto projetos arquitetônicos pensado para proporcionar uma
experiência de consumo estético agradável aos sentidos fisiológicos e espirituais.
A presença da igreja evangélica na cidade a partir desse enfoque tem a
finalidade de inserir-se estrategicamente na construção de um referencial de
dignidade para a população urbana, sempre conectado aos preceitos do padrão
cristão evangélico de um modo de ser e estar no urbano, um tipo específico de
urbanidade. A extensão e força das denominações associadas ao atendimento das
demandas no urbano decorrem dos distintos interesses que as igrejas evangélicas
são capazes de articular.
Vislumbra-se a tendência de os megatemplos atuarem enquanto espaço
religioso, cultural e de consumo, criando um ambiente propício a territórios híbridos,
com equipamentos que vêm aumentar suas potencialidades comerciais. Para que
possamos contemplar o megatemplo para além de determinada solução
arquitetônica ou imagética é preciso reconhecê-lo naquilo que o mobiliza e dá
forma - que são as novas sociabilidades por ele produzidas e a monumentalidade
como estratégia do poder político. Construir megas estruturas possibilita a
formação de grandes audiências, a coesão de novas tecnologias comunicacionais,
o estabelecimento de novas relações de poder e autoridade entre líder e multidões,
bem como novas dimensões da cidadania. Por isso, a investigação sobre as
120

possibilidades políticas que dão suporte à emergência dos megatemplos também


se constituíram como foco importante para nossa análise. Cremos que entender
essa multiplicidade contribui para a leitura deste fenômeno social e religioso a
contrapelo de suas informações típicas, o que significa mostrar que o megatemplo
e as políticas do cristianismo evangélico estão, de fato, codificados em múltiplas
escalas.
121

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APÊNDICE 1

Processo Megatemplo IURD Del Castilho

Manchete do jornal O Dia, setembro de Capa do processo do megatemplo


1996. Fonte: Acervo da Fundação IURD Del Castilho. Fonte: Gerência de
Biblioteca Nacional, Divisão de Licenciamento e Fiscalização GLF 4-
Periódicos Microfilmados. Ramos. Secretaria Municipal de
Urbanismo/RJ.

Escritura de compra dos terrenos Escritura de compra dos terrenos


128

anexos ao número 4242 (sede do anexos ao número 4242 (sede do


megatemplo) – folha 1. Fonte: Gerência megatemplo) – folha 2. Fonte: Gerência
de Licenciamento e Fiscalização GLF 4- de Licenciamento e Fiscalização GLF 4-
Ramos. Secretaria Municipal de Ramos. Secretaria Municipal de
Urbanismo/RJ. Urbanismo/RJ.

Escritura de compra dos terrenos Ofício para aprovação do projeto do


anexos ao número 4242 (sede do megatemplo na SMU-RJ, agosto de
megatemplo) – folha 3. Fonte: Gerência 1996. Fonte: Gerência de
de Licenciamento e Fiscalização GLF 4- Licenciamento e Fiscalização GLF 4-
Ramos. Secretaria Municipal de Ramos. Secretaria Municipal de
Urbanismo/RJ. Urbanismo/RJ.
129

Parecer SMU-RJ – mudanças propostas Parecer SMU-RJ – mudanças propostas


pela CET-Rio no tráfego da Av. pela CET-Rio no tráfego da Av.
Suburbana 4242, folha 1, agosto de Suburbana 4242, folha 2, agosto de
1991. Fonte: Gerência de Licenciamento 1991. Fonte: Gerência de
e Fiscalização GLF 4-Ramos. Secretaria Licenciamento e Fiscalização GLF 4-
Municipal de Urbanismo/RJ. Ramos. Secretaria Municipal de
Urbanismo/RJ.

Protocolo para deferimento de novos Requerimento de aprovação da


parâmetros da área da Av. Dom Hélder construção do condomínio de pastores,
130

Câmara 4242, maio de 2013. Fonte: SMU-RJ, outubro de 2017. Fonte:


Gerência de Licenciamento e Gerência de Licenciamento e
Fiscalização GLF 4-Ramos. Secretaria Fiscalização GLF 4-Ramos. Secretaria
Municipal de Urbanismo/RJ. Municipal de Urbanismo/RJ.

Ofício para deferimento da juntada dos documentos à emissão da licença de


construção do condomínio pastoral, IURD, janeiro de 2018. Fonte: Gerência de
Licenciamento e Fiscalização GLF 4-Ramos. Secretaria Municipal de
Urbanismo/RJ.
131

APÊNDICE 2

Processo Megatemplo PIB Curitiba

Protocolo da Curadoria de Patrimônio


Capa do processo do megatemplo PIB Histórico e Artístico de Curitiba, em
Curitiba, 1990. Fonte: Arquivo Público deferimento ao projeto do megatemplo
Municipal de Curitiba. da PIB. Fonte: Arquivo Público
Municipal de Curitiba.
132

Resolução nº 003/90 – IPPUC Curitiba. Aprovação do projeto do


megatemplo da PIB. Fonte: Arquivo Público Municipal de Curitiba.

Planta do megatemplo – visão frontal dos prédios.


Fonte: Arquivo Público Municipal de Curitiba.
133

Planta prédio anexo – salas multiuso, escritórios e gabinetes pastorais.


Total de andares:7.Fonte: Arquivo Público Municipal de Curitiba

Planta do megatemplo PIB Curitiba – visão geral.


Fonte: Arquivo Público Municipal de Curitiba.
134

Ata da sessão solene na Câmara dos Deputados em comemoração ao centenário


da PIB Curitiba, 28 de maio de 2014 (folha 1). Fonte: Livreto de Atividades
Parlamentares – Gabinete do senador Arolde de Oliveira – PSC/RJ.
135

Ata da sessão solene na Câmara dos Deputados em comemoração ao centenário


da PIB Curitiba, 28 de maio de 2014 (folha 2). Citação à fala do então deputado
pelo Partido Progressista (PP) Jair Bolsonaro, atual presidente do Brasil. Fonte:
Livreto de Atividades Parlamentares – Gabinete do senador Arolde de Oliveira –
PSC/RJ.

Fala do prefeito de Curitiba Rafael Greca Prefeito de Curitiba, Rafael Greca, e


no palco da PIB Curitiba, durante a pastor Paschoal Piragine, em mesa
celebração do centenário da Convenção durante a celebração do centenário da
Batista Paranaense. 20 de junho de 2019. Convenção Batista Paranaense
Fonte: Flickr PIB Curitiba. 20 de junho de 2019. Fonte: Flickr PIB
Curitiba.

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