Você está na página 1de 14

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

"JÚLIO DE MESQUITA FILHO"


Campus de Guaratinguetá,
Guaratinguetá Departamento de Energia

Disciplina: Sistemas Térmicos


Professor: José Alexandre Matelli
Outubro de 2010

NOTAS DE AULA SOBRE CÁLCULO DE CARGA TÉRMICA


DE CÂMARAS FRIGORÍFICAS

1. Aspectos principais do projeto de câmaras frigoríficas

Câmara frigorífica é um espaço fechado de armazenagem que tem suas condições


internas controladas por um sistema de refrigeração. Existem dois tipos:

− Câmaras de resfriados:
resfriados: mantém os produtos em temperaturas próximas de 0
°C, normalmente por curtos períodos de tempo;
− Câmaras de congelados:
congelados: mantém os produtos em temperaturas baixas, em
geral abaixo de –18
18 °C, por longos períodos de tempo.

O projeto de uma câmara frigorífica de grande porte deve considerar requisitos


similares
res ao de armazéns comuns, tais como capacidade de armazenamento,
instalações para recebimento e despacho de produtos e adequação do espaço interior
para movimentação de cargas. A temperatura e umidade relativa interna, juntamente
com a duração da estocagem
estocagem de cada produto definem as condições de estocagem e
devem ser claramente especificadas
especificad O planejamento operacional da câmara é de vital
importância e deve ser também especificado para o cálculo da carga térmica,
térmica bem
como as condições ambientais predominantes
predominan no local da instalação..

As especificações técnicas devem ser estendidas aos produtos, contendo informações


sobre:
− Natureza do produto;
− Freqüência semanal de entrada e saída;
− Planos de produção e colheita;
− Temperatura do produto ao entrar na câmara;

1
− Quantidade diária (kg/dia) de produtos a serem mantidos na câmara;
− Embalagens.

As características construtivas da câmara influem diretamente em sua carga térmica e,


em conseqüência, em seu desempenho. Os principais fatores a se considerar são o
isolamento térmico de paredes e tetos, o isolamento térmico do piso (se necessário),
barreiras de vapor e controle de infiltração de ar externo através de aberturas.

Com relação ao isolamento térmico, os materiais mais utilizados são a espuma rígida
de poliuretano (k = 0,020 W/m²K) e o poliestireno expandido (k = 0,033 W/m²K). A
classificação do isolamento em função do fluxo de calor admitido (Tab. 1) fornece
uma diretriz adequada para o cálculo da espessura do isolamento. Em geral, a
utilização de um fluxo de calor 9,3 W/m² (8 kcal/m²h) apresenta um bom
compromisso entre os custos de aquisição do isolamento e os custos de energia.

Tabela 1. Classificação do isolamento térmico em função do fluxo de calor


Fluxo de calor
Classe
(W/m²) (kcal/m²h)
Excelente 9,3 8
Muito bom 11,6 10
Bom 13,7 12
Regular 17,5 15
Ruim > 17,5 > 15

Quanto ao piso, não há necessidade de isolá-lo para câmaras de resfriados. Em


câmaras de congelados, é recomendável isolar o piso, devendo ser tomadas
precauções para evitar o congelamento.

Os materiais isolantes devem ser protegidos contra a penetração de umidade. A


umidade compromete a eficiência do isolante e sua vida útil. Para evitar estes
problemas, os isolantes recebem um tratamento chamado barreira de vapor. Trata-se
de uma fina barreira de plástico, asfalto ou metal aplicada na superfície do
isolamento.

2
Em câmaras onde há movimentação intensa de produtos e abre-e-fecha contínuo de
portas, devem ser utilizadas cortinas de ar para evitar a entrada de ar externo para
dentro da câmara, minimizando a carga térmica adicional associada a este ar. A
velocidade, a direção e a distribuição do ar pela cortina de ar devem ser consideradas
na instalação para que ela não seja contraproducente.

2. Cálculo da carga térmica

2.1. Câmaras de pequeno volume (< 40 m³)

Nestas câmaras, o cálculo preciso da carga térmica é muito complicado, pois diversos
fatores incontroláveis estão presentes em sua operação, tais como abertura de portas e
variação na quantidade e espécie do produto. É o caso, por exemplo, de balcões
frigoríficos de mercearias, refrigeradores e congeladores domésticos e pequenas
câmaras de açougues e restaurantes.

Nestas câmaras, a carga térmica é devida principalmente ao calor transferido do


exterior para o interior da câmara e ao calor transferido do produto para o interior da
câmara. O primeiro é associado à condução de calor pelas paredes e vidros. O
segundo contabiliza também a condição de serviço da câmara através de um
parâmetro empírico adequado.

2.1.1. Calor transferido por condução pelas paredes e/ou vidros

Qc  k·A· Te - Ti ⁄L (W), onde:


k: coeficiente de condução de calor do material (W/mK):
A: área da superfície interna (m²);
(Te – Ti): diferença entre as temperaturas externa e interna (K)
L: espessura da parede (m)

3
2.1.2. Calor transferido devido ao produto e à condição de trabalho

Qp  K·At · Te - Ti  (W), onde:


K: fator de serviço da câmara (W/m²K) (Tab. 2):
At: área total das paredes da câmara (m²);
(Te – Ti): diferença entre as temperaturas externa e interna (K)

Tabela 2. Fator de serviço K de câmaras frigoríficas


Serviço Descrição K (W/m²K)
Pouca abertura de portas;
Leve Pouca mercadoria armazenada; 0,16
Ti > 7 °C
Movimentação normal de mercadorias
Normal 0,24
Ti ≈ 0 °C
Grande movimentação de mercadorias
Pesado 0,32
Temperatura externa alta

Estudo de caso: Um restaurante possui uma câmara frigorífica de 1,5 m de


comprimento, 0,7 m de largura e 1,8 m de altura. A câmara possui uma janela de
vidro duplo cuja área de 0,8 m² e espessura de 100 mm. Para essa espessura, a janela
tem uma condutividade térmica equivalente a 0,026 W/mK. As paredes são isoladas
com uma camada de 100 mm de cortiça. A temperatura interna é de 3 °C e a externa,
35 °C. Calcule a carga térmica considerando serviço pesado.

Qc  k p ·Ap · Te - Ti ⁄Lp  k v ·Av · Te - Ti ⁄Lv

Paredes: Ap = At – Av = 2 (1,8 x 0,7 + 0,7 x 1,5 + 1,5 x 1,8) – 0,8 = 9,22 m²


kp = 0,047 W/m.K (condutividade da cortiça)
Lp = 0,1 m
Janela: Av = 0,8 m²
kv = 0,26 W/m.K (condutividade do vidro)
Lv = 0,1 m

Qc  0,047·9,22  0,26·0,8· 35 – 3⁄0,1  205,2 W

4
Q p  K·At · Te ‐ Ti 

Condição de serviço: At = 2 (1,8 x 0,7 + 0,7 x 1,5 + 1,5 x 1,8) = 10,02 m²


K = 0,32 W/m²K (Tab. 2)

Q p  0,32·10,02· 35 ‐3  102,6 W

A carga total é então Qt  Qc  Qp  205,2  102,6  307,8 W. Para um dia inteiro,
tem-se então removidos da câmara Qt  307,8 · 24 · 3600  27 MJ/dia de calor.

O sistema de refrigeração correspondente não trabalha ininterruptamente, mas é


ligado e desligado conforme comando do termostato. Supondo que ele fique ligado 16
horas por dia, sua potência será então Q0  Qt / 16·3600 468,8 W.

2.2. Câmaras de grande volume (>


(> 40 m³)

Neste caso, todas as fontes de calor (inclusive insolação, se houver) devem ser
consideradas no cálculo da carga térmica. Neste curso, não vamos considerar a
insolação.

2.2.1. Calor transferido por condução pelas paredes

Este cálculo é feito da mesma forma que para câmaras pequenas (ver seção 2.1.1).

2.2.2. Calor transferido devido ao ar externo (trocas de ar)

A carga de ar externo ocorre devido à abertura de portas e pode ser calculado pelo n°
diário de trocas de ar, que é dado em gráficos específicos (Anexos II e III).
Dependendo do caso, pode ser necessário insuflar ar externo para dentro da câmara,
seja para diluir a concentração de gases emitidos pelos produtos armazenados, seja
porque pessoas trabalham na câmara.

5
Q ar  mar · he - hi  (W), onde:
(he – hi): diferença entre as entalpias externa e interna (J/kg)
mar : vazão mássica média de ar (kg/s)

A vazão mássica média de ar é escrita como:

mar  n · V-  V. ⁄υ01 (kg/s), onde:


n: n° de trocas / (24 x 3600) (trocas por segundo)
Vc: volume da câmara (m³);
Vh: volume de ar requerido para higienização (m³);
υ01 : volume específico do ar externo (m³/kg).

2.2.3. Calor transferido devido ao produto

Normalmente, a temperatura do produto Tp é maior que a temperatura da câmara Ti


ao ser colocado na câmara. Seguem algumas possibilidades:

a) Câmara de resfriados: temperatura da câmara é maior ou igual à de


congelamento do produto.

2p
Qp  34·5677
·cp,p · Tp - Ti  (W), onde:

mp: massa de produto que entra na câmara em um dia (kg);


cp,p: calor específico do produto (J/kgK)

b) Câmara de congelados: temperatura da câmara é menor que a de


congelamento do produto.

2p
Qp  ;
·8cp,p · Tp - Tp,c   h9:  cp,p · Tp,c - Ti < (W), onde:
34·5677

hsl: calor latente de solidificação do produto (J/kg);


;
cp,p : calor específico do produto solidificado (J/kgK);
Tp,c: temperatura de congelamento do produto (K);

6
c) Respiração: certos produtos perdem água por evaporação durante a
armazenagem. Como o próprio calor do produto causa a evaporação, a
carga de calor devida ao produto não se altera. No entanto, o vapor d’água
impõe uma carga adicional ao evaporador devido ao calor latente de
evaporação requerido para desumidificação. Quando se deseja controlar
rigorosamente as condições da câmara, a evaporação de água do produto
(carne, ovos etc.) deve ser conhecida. Na armazenagem de vegetais e frutas,
temos que considerar ainda o fenômeno da respiração, em que há produção
de CO2 e H2O. Como a respiração é exotérmica, tem-se uma parcela
adicional de calor sensível. Temos então calor sensível e calor latente
devido à produção de H2O. Estes valores são dados em tabelas específicas
de propriedades de armazenamento de alimentos (Anexo I).

2.2.4. Calor transferido devido a fatores diversos

a) Pessoas

Qpe  n·=· t⁄24 (W), onde:


n: número de pessoas trabalhando na câmara;
α: calor gerado por uma pessoa em função da temperatura ambiente
(W) (Tab. 3);
t: tempo de permanência de uma pessoa na câmara em um dia (h);

Tabela 3. Calor gerado por uma pessoa em função da temperatura ambiente


T α
(°C) (W) (kcal/h)
+10 211,7 182
+5 246,6 212
–1 279,1 240
–7 308,2 265
–12 352,4 303
–18 381,5 328
–23 410,5 353

7
b) Iluminação

Qil  n·WL · t⁄24 (W), onde:


n: número de lâmpadas na câmara;
WL: potência da lâmpada (W);
t: tempo de funcionamento das lâmpadas em um dia (h);

c) Motor elétrico do evaporador: Essa parcela é importante, pois o motor do


evaporador, na grande maioria das vezes, funciona 24 horas por dia.

Qme  WM · 1 - η·t@ η·24 (W), onde:


WM: potência de eixo do motor (W);
t: tempo de funcionamento do motor em um dia (h);
η: eficiência do motor;

2.2.5. Carga térmica total

É a soma de todas as parcelas anteriores.

Q  Qc  Qar  Qp Qpe  Qil  Qme (W)

O calor removido da câmara em um dia inteiro é:

Q  Q · 24 · 3600 (J)

A potência do sistema de refrigeração será então:

Q0  Q⁄ 24·t (W), onde t é o tempo de funcionamento da câmara em um dia.

8
Estudo de caso: Uma câmara frigorífica para conservação de 350 toneladas de
pêssegos se encontra ao lado de uma câmara para conservação de carnes, como
mostrado na figura. Duas pessoas trabalham 8 h/dia na câmara, que necessita de 5
W/m² de iluminação. O pé direito tem 4 m. Ambas as câmaras são livres de insolação.
Os pêssegos estão verdes e devem ser armazenados por 4 semanas, a –1 °C e 80% de
umidade relativa, sem que congelem. O movimento diário é de 70 toneladas de frutas,
mais 1,3 toneladas de papelão das embalagens. O teto e as paredes externas têm um
isolamento excelente, enquanto que o piso e a parede que separa as duas câmaras têm
um isolamento bom. O piso é uma camada de concreto para isolação (kc = 0,23
W/m.K) sobre terra, e as paredes (incluindo as portas) são um sanduiche de
poliuretano expandido (kpe = 0,033 W/m.K) entre chapas de aço. A temperatura
externa ao redor das paredes é 32 °C; acima do teto é 30 °C; e da terra sob o piso é 26
°C. O ar externo tem 70% de umidade relativa. Calcule: a) a espessura das paredes, do
teto e do piso (despreze a condutividade do aço das paredes); b) a carga térmica da
câmara.

28 m

câmara para
pêssegos
13 m
(–1 °C)

câmara para
carnes 13 m
(–18 °C)

26 m

9
Anexos

I. Dados para armazenamento de alimentos em câmaras frigoríficas


II. Número de trocas de ar para câmaras com temperatura menor que zero °C
III. Número de trocas de ar para câmaras com temperatura maior ou igual a
zero °C

10
Respiração Calor Tempera-
ARMAZENAMENTO
Máximo Kcal por % Calor específico latente tura de
PRODUTO Curto prazo Longo prazo tempo de tonelada de de Kcal / Kg ºC de solidifi- congela-
Bulbo Umidade Bulbo Umidade armazena- prod. por água Congela mento cação mento
seco ºC relat. % seco ºC relat. % gem 24 h acima abaixo Kcal / Kg ºC
manteiga 7 60 - 80 -23 65 - 85 12 meses - 15 0,64 0,34 8,33 -18 a -1
queijo 4 70 - 80 0 70 - 80 2 meses - 55 0,64 0,36 43,89 -13
ovos em caixa 4 70 - 85 -1 70 - 85 9 meses - 73 0,76 0,40 55,56 -3
ovos congelados - - -18 60 - 80 12-18 meses - 73 0,76 0,40 55,56 -3
sorvetes -18 60 - 80 -23 60 - 80 2 semanas - 60 0,78 0,45 26,67 -18 a -3
leite fresco 4 60 - 70 0 60 - 70 5 dias - 88 0,94 0,49 70,01 -1
feijão seco 10 60 - 70 0 60 - 70 12 meses - 13 0,30 0,25 10,00 -
couve 1 80 - 90 0 80 - 90 3-4 meses 391 92 0,93 0,47 73,34 -1
milho em grão 10 60 - 70 1 60 - 70 12 meses - 11 0,29 0,24 8,33 -
alface 1 80 - 90 0 80 - 90 2-3 meses 2053 95 0,90 0,45 75,56 -1
cebola 10 75 - 80 0 75 - 85 5-6 meses 306 89 0,90 0,51 71,12 -1
batata irlandesa 4 80 - 90 2 80 - 90 6 meses 489 79 0,86 0,47 62,78 -2
tomates maduros 4 80 - 85 4 80 - 85 7-10 dias 159 95 0,92 0,46 73,34 -1
maçãs verdes 1 80 - 88 -1 80 - 88 2-7 dias 244 84 0,90 0,49 67,78 -2
bananas verdes 13 80 - 85 1 80 - 85 - 917 75 0,90 0,36 - -1
bananas maduras 13 80 - 85 13 80 - 85 7-10 dias 917 75 0,90 0,36 - -1
uva tipo americano 1 80 - 85 -1 80 - 85 3-8 semanas 367 82 0,85 0,45 62,23 -2
mangas 0 80 - 85 0 80 - 85 7-10 dias 141 93 0,90 0,46 74,45 0
laranjas 4 80 - 85 0 80 - 85 8-10 semanas 389 86 0,90 0,47 69,45 -2
pêssegos verdes 1 80 - 85 -1 80 - 85 1-4 semanas 550 88 0,92 0,48 71,12 -1
pera verdes 1 80 - 88 -1 80 - 88 2-7 meses 244 84 0,81 0,49 67,78 -2
abacaxi verde 15 80 - 88 10 80 - 88 3-4 semanas 244 88 0,90 0,50 71,12 -2
abacaxi maduro 7 80 - 88 4 80 - 88 2-4 semanas 141 88 0,90 0,50 71,12 -2
carne verde 1 80 - 87 0 80 - 87 1-6 meses - 68 0,75 0,40 54,45 -3
carne congelada - - -23 80 - 90 9-12 meses - 68 0,75 0,40 54,45 -3
carne de porco 2 70 - 85 -1 70 - 85 - - - 0,72 0,40 52,23 -
carne de porco cong. 1 70 - 87 0 70 - 87 3-7 dias - 60 0,68 0,38 48,34 -2
peixe fresco 1 80 - 85 0 80 - 90 15 dias - 70 0,80 0,41 56,12 -2
peixe congelado - - -18 80 - 90 8-10 meses - 70 0,80 0,41 56,12 -2
peixe salgado - - 4 80 - 90 10 - 12 meses - - - - - -
camarão e lagosta viva 4 70 - 85 2 80 - 85 - - - - - - -
batatas 1 - -1 70 - 80 3 - 6 meses - - - - - -2
gelo -4 60 - 80 -7 60 - 80 - - 100 1,00 0,50 80,01 0
T ROCAS DE AR PARA CÂMARAS FRIGORÍFICAS
T EMPERAT URA INT ERNA < 0 ºC

25,0

20,0

15,0

10,0

5,0

0,0
14 28 57 142 283 566 850 1133 1416 2832
VOLUM E DA CÂM ARA - M ETROS CÚBICOS
TROCAS DE AR PARA CÂMARAS FRIGORÍFICAS
TEMPERATURA INTERNA > OU = O ºC

50,0

45,0

40,0

35,0
TROCAS DE AR EM 24 HORAS

30,0

25,0

20,0

15,0

10,0

5,0

0,0
6 8 11 14 17 23 28 42 57 85 113 142 170 227 283 425 566 708 850 1133 1416 2124 2832

VOLUME DA CÂMARA - METROS CÚBICOS

Você também pode gostar