DA EDUCAÇÃO
Resumo
Este estudo tem por objetivo pensar os arquivos escolares como ferramentas importantes para
a pesquisa em História da Educação, e por isso pretende levantar discussões sobre ações e
decisões dos poderes instituídos que se preocupem com a preservação e valorização do
patrimônio histórico educativo. Essas análises partem da vivência da autora como
pesquisadora do acervo documental do Centro de Memória da Escola Técnica Estadual
Ferreira Vianna, localizada no bairro Maracanã, Rio de Janeiro, que é considerada uma das
mais antigas da Fundação de Apoio à Escola Técnica. Em sua fundação (1888), foi um asilo
para menores abandonados, órfãos, e crianças que viviam a mendigar nas ruas do distrito
federal, que eram recolhidas pela polícia. Seu acervo documental, apesar de lamentáveis
perdas, ainda permite reconstituir-se as experiências vividas por alguns de seus sujeitos. Os
arquivos escolares têm por finalidade serem meio de prova de direito de pessoas ou da
administração, mas também têm função informativa para administração pública, pois podem
lhe oferecer informações da evolução do oferecimento do número de vagas, de repetência,
evasão escolar, etc. Para os historiadores, tais documentos são fontes para a História da
Educação, manifestação ou representação da memória. Através desses acervos é possível
conhecer as atividades administrativas e pedagógicas de transformação da educação ao longo
do tempo, enfim, perceber a cultura escolar da instituição. Atentar para as especificidades dos
arquivos escolares é uma primeira etapa deste trabalho, que será desenvolvida a partir de
produções sobre arquivos pessoais, com a contribuição de Heymann (1997; 2012). Num
segundo momento a análise é centrada nos arquivos escolares, refletindo sobre questões de
caráter legislativo e metodológico, com as contribuições de Medeiros (2003), Mogarro (2005)
e Bonato (2005), dentre outros. Espera-se que a partir do relato da experiência da autora, este
estudo possa contribuir na organização dos arquivos escolares sem financiamento.
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Integrante do grupo de pesquisa “Centro de Memória Ferreira Vianna: documentação, ensino e infância
trabalhadora (1888 – 1942)” - UFRJ.; graduanda em História (UNIRIO/2013);
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Introdução
Arquivos são para a autora artefatos dotados de historicidade, nos quais incidem
interferências configuradoras, isto é, conformadoras de sentido. Assim, ao passar pelo crivo
do próprio titular, e de sua família, após a sua morte, os arquivos ficam sujeitos a critérios e
interesses destes, no tocante ao que se deve reter e acumular. Desta feita, é um erro considerar
que um arquivo pessoal possa traduzir a história de vida de seu titular, ou ser a “memória”
deste, em seu “estado bruto”, pois “o documento não é o feliz instrumento de uma história que
seria em si mesma, e de pleno direito, memória; a história é, para uma sociedade, uma certa
maneira de dar status e elaboração à massa documental de que ela não se separa”
(FOUCAULT, 2012, p. 8).
Quando doados a alguma instituição que abrigue acervos históricos para pesquisa,
ocorre ainda um terceiro nível de interferência, de arquivistas ou documentalistas, que para
atender a demandas previstas da pesquisa histórica, promovem a seleção e reordenamento
interno destes conjuntos documentais; isto é, “(re) atualizam a memória” (HEYMANN, 1997,
p. 44). Assim, os arquivos pessoais ficam disponíveis como fontes de pesquisa depois de
passar “do domínio privado ao público”.
Heymann cita o exemplo do arquivo de Filinto Müller, que foi Chefe de Polícia da Era
Vargas, e terminou seus dias como senador pelo estado de Mato Grosso, com sucessivos
mandatos. Após sua morte (1973), suas duas filhas doaram o seu arquivo pessoal ao
CPDOC/FGV (1981), composto por 66.704 documentos textuais, cerca de 500 recortes de
jornais, 2 documentos impressos e 165 documentos visuais. Apesar do volume da massa
documental, a autora ressalta e existência de muitas lacunas, em que diversos períodos e
temas não são cobertos pelo material, ou são “marcados por silêncios e ausências”, como é o
caso do período em que esteve na Chefia de Polícia. Destaca a autora que especialmente para
os arquivos pessoais, jamais estaremos seguros sobre o que foi guardado originalmente, o que
foi destruído, o que se perdeu ou o que foi entregue a terceiros.
Isso corrobora o que Foucault define como “arquivo”:
Chamarei de arquivo não a totalidade de textos que foram conservados por uma
civilização, nem o conjunto de traços que puderam ser salvos de seu desastre, mas o
jogo das regras que, em uma cultura, determinam o aparecimento e o
desaparecimento de enunciados, sua permanência e seu apagamento, sua existência
paradoxal de acontecimentos e de coisas (FOUCAULT, 2000, p. 95).
Assim, muitas vezes os argumentos daqueles que são adeptos de uma intervenção
“necessária” tendem a igualar o “lixo histórico” (aquilo que supostamente “não tem
importância” para a pesquisa) a um “lixo da memória”, coisas que teriam sido
“esquecidas” pelos titulares no conjunto do material, mas que eles mesmos poderiam
ter descartado se tivessem procedido a uma avaliação mais acurada (HEYMANN,
1997, p. 51).
Tendo em vista a tradição arquivística, no que se refere aos arquivos escolares, num
processo de descarte, os primeiros documentos que podem ser eliminados do arquivo,
entendido como “morto”, são os cadernos de alunos, planos de aula, diários de classe. No
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A citação dessas obras será editada no livro “História e Memória da Educação na Rede Faetec”, em vias de
publicação em 2013, possivelmente com apoio da FAPERJ, cujo esforço agradecemos à Prof. Ms. Isabella Paula
Gaze, coordenadora do CEMEF (Centro de Memória da FAETEC), reativado recentemente.
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tradução dos movimentos, dos deslocamentos e da circulação empreendida, por parte dos
alunos, nos arranjos estabelecidos em torno de suas ações tanto no interior quanto fora da
instituição.
A autora deste artigo interessou-se por registros referentes à formação da Guarda Civil
no Instituto Ferreira Vianna, na década de 1930, e seus investimentos resultaram nos artigos:
a) “A escola como veículo de formação patriótica: reflexões preliminares sobre fontes
documentais da década de 1930”, publicado nos Anais do II Seminário Nacional de Fontes
Documentais e Pesquisa Histórica – UFCG (OLIVEIRA, 2011); e
b) “Um acervo centenário – possibilidades de iniciação científica para alunos do
ensino médio profissional”, publicado nos Anais do Seminário Nacional do Ensino Médio:
história, mobilização, perspectivas – UFRN (OLIVEIRA, 2011a). Outro produto dos seus
investimentos em pesquisa é sua monografia de conclusão do curso de Licenciatura em
História, que analisa o desenvolvimento da guarda civil e do Escotismo na instituição.
Considerações Finais
Este estudo introduziu reflexões sobre a importância dos arquivos escolares para a
História da Educação, discutindo suas especificidades, tendo-se como referência os arquivos
pessoais. Procurou contribuir na busca de possibilidades de organização dos arquivos
escolares que não contam com financiamento, partindo da experiência que vivencia a autora
com estudantes de uma universidade pública e professores de uma escola pública, no acervo
documental do centro de memória desta última. Enfim, apresentou as pesquisas que têm se
desenvolvidos nos últimos anos com tais documentos, ao mesmo tempo em que o grupo os
cataloga e organiza fisicamente.
A falta de preservação e conservação da documentação por parte das escolas constitui
barreira no processo de pesquisar em seus arquivos, bem como a falta de mão de obra
especializada para o tratamento da documentação; porém, não impedem por completo a
produção de pesquisas, como aqui demonstrado.
Apesar dos recortes a que se está sujeito, como nos alerta Foucault (2012), um
educador de História da Educação enxerga como preciosidades os documentos geralmente
classificados como “arquivo morto” ou “lixo histórico” pelas escolas, e tenta daqueles velhos
documentos produzir novas reflexões e hipóteses. Este é o objetivo maior deste
empreendimento.
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REFERÊNCIAS
BONATO, Nailda. Arquivos escolares como fonte para a História da Educação. Revista
Brasileira de História da Educação, SBHE, jul-dez/2005 (pp. 193 – 220).
FOUCAULT, Michel. Ditos & Escritos II. Trad. Elisa Monteiro. Rio de Janeiro: Forense,
2000.
HEYMANN, Luciana. Indivíduo, memória e resíduo histórico: uma reflexão sobre arquivos
pessoais e o caso Filinto Müller. Revista Estudos Históricos. 1997, (pp. 41 – 66).
MACHADO, Vilma Alves. A Casa de São José - instituição fundada por Ferreira Viana
em 1888, no Rio de Janeiro, para abrigar e educar crianças desvalidas para o trabalho.
Dissertação de Mestrado em Educação, PROPED/UERJ, 2004.
MARTINS, Jaqueline da C.; NASCIMENTO, Rafaela Rocha do. Produções dos alunos na
Casa de São José (1911- 1915): Símbolos da Cultura Material Escolar. Anais do VI
Congresso Brasileiro de História da Educação. EFES, 2011.
PAULILO, A. et. al. Arquivo Fernando Azevedo: instrumentos e pesquisa em fonte primária.
In: FARIA FILHO, L. M. de (org.). Pesquisa em história da educação: perspectivas de
análise e objetos e fontes. Belo Horizonte: HG Edições, 1999. (p. 201-208).