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ARQUIVOS ESCOLARES: FONTES PARA A HISTÓRIA

DA EDUCAÇÃO

OLIVEIRA, Mariza da Gama Leite de1 - UFRJ/UNIRIO

Grupo de Trabalho – História da Educação


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

Este estudo tem por objetivo pensar os arquivos escolares como ferramentas importantes para
a pesquisa em História da Educação, e por isso pretende levantar discussões sobre ações e
decisões dos poderes instituídos que se preocupem com a preservação e valorização do
patrimônio histórico educativo. Essas análises partem da vivência da autora como
pesquisadora do acervo documental do Centro de Memória da Escola Técnica Estadual
Ferreira Vianna, localizada no bairro Maracanã, Rio de Janeiro, que é considerada uma das
mais antigas da Fundação de Apoio à Escola Técnica. Em sua fundação (1888), foi um asilo
para menores abandonados, órfãos, e crianças que viviam a mendigar nas ruas do distrito
federal, que eram recolhidas pela polícia. Seu acervo documental, apesar de lamentáveis
perdas, ainda permite reconstituir-se as experiências vividas por alguns de seus sujeitos. Os
arquivos escolares têm por finalidade serem meio de prova de direito de pessoas ou da
administração, mas também têm função informativa para administração pública, pois podem
lhe oferecer informações da evolução do oferecimento do número de vagas, de repetência,
evasão escolar, etc. Para os historiadores, tais documentos são fontes para a História da
Educação, manifestação ou representação da memória. Através desses acervos é possível
conhecer as atividades administrativas e pedagógicas de transformação da educação ao longo
do tempo, enfim, perceber a cultura escolar da instituição. Atentar para as especificidades dos
arquivos escolares é uma primeira etapa deste trabalho, que será desenvolvida a partir de
produções sobre arquivos pessoais, com a contribuição de Heymann (1997; 2012). Num
segundo momento a análise é centrada nos arquivos escolares, refletindo sobre questões de
caráter legislativo e metodológico, com as contribuições de Medeiros (2003), Mogarro (2005)
e Bonato (2005), dentre outros. Espera-se que a partir do relato da experiência da autora, este
estudo possa contribuir na organização dos arquivos escolares sem financiamento.

Palavras-chave: Arquivos Escolares, Arquivos Pessoais, Fontes Documentais.

1
Integrante do grupo de pesquisa “Centro de Memória Ferreira Vianna: documentação, ensino e infância
trabalhadora (1888 – 1942)” - UFRJ.; graduanda em História (UNIRIO/2013);
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Introdução

Por serem os arquivos escolares importantes fontes para as investigações na área de


História da Educação, cabe travar discussões sobre ações e decisões dos poderes instituídos
que se preocupem com a preservação e valorização do patrimônio histórico educativo. Este é
um ponto nevrálgico de discussão: a preservação dos arquivos escolares. Geralmente
misturam-se documentos ativos e inativos, depositados em locais que não garantem as
condições necessárias para a sua salvaguarda e preservação material, amontoando-se sem
organização e misturando-se documentos de origem e natureza muito diversa.
Nessa direção, este artigo pretende introduzir algumas reflexões sobre a importância
dos arquivos escolares para a História da Educação, discutindo suas especificidades; para
tanto, toma-se como referência os arquivos pessoais, nos textos de Heymann (1997; 2012).
Em seguida a pesquisa lança-se na busca de referenciais metodológicos que possam contribuir
na organização de arquivos escolares que não contam com financiamento de agências de
fomento à pesquisa ou universidades públicas; por fim, a autora expõe sucintamente sua
experiência no campo dos arquivos escolares, e desta forma, busca contribuir na busca de
possibilidades de organização dos arquivos escolares, universo onde desenvolve pesquisa, e
extensivamente provocar questionamentos sobre a responsabilidade do poder público na
preservação dos arquivos das escolas públicas.

As especificidades dos arquivos pessoais como referência para pensar os arquivos


escolares

Heymann (1997; 2012) contribui para a desconstrução de mitos a respeito dos


documentos, e algumas de suas proposições trazem luz à discussão sobre a preservação de
arquivos escolares.
O contato com fontes primárias suscita no pesquisador tão grande encantamento e
atração, capaz de fazê-lo pensar que tal material revelará os fatos como ocorreram. Para evitar
essa armadilha, a partir de sua experiência, como pesquisadora no Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas
(CPDOC/FGV), Heymann (1997) discorre sobre o processo de constituição dos arquivos
pessoais, desde sua etapa de acumulação, até a abertura a consulta pública, onde os arquivos
são “monumentalizados” e transformados em fonte de pesquisa.
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Arquivos são para a autora artefatos dotados de historicidade, nos quais incidem
interferências configuradoras, isto é, conformadoras de sentido. Assim, ao passar pelo crivo
do próprio titular, e de sua família, após a sua morte, os arquivos ficam sujeitos a critérios e
interesses destes, no tocante ao que se deve reter e acumular. Desta feita, é um erro considerar
que um arquivo pessoal possa traduzir a história de vida de seu titular, ou ser a “memória”
deste, em seu “estado bruto”, pois “o documento não é o feliz instrumento de uma história que
seria em si mesma, e de pleno direito, memória; a história é, para uma sociedade, uma certa
maneira de dar status e elaboração à massa documental de que ela não se separa”
(FOUCAULT, 2012, p. 8).
Quando doados a alguma instituição que abrigue acervos históricos para pesquisa,
ocorre ainda um terceiro nível de interferência, de arquivistas ou documentalistas, que para
atender a demandas previstas da pesquisa histórica, promovem a seleção e reordenamento
interno destes conjuntos documentais; isto é, “(re) atualizam a memória” (HEYMANN, 1997,
p. 44). Assim, os arquivos pessoais ficam disponíveis como fontes de pesquisa depois de
passar “do domínio privado ao público”.
Heymann cita o exemplo do arquivo de Filinto Müller, que foi Chefe de Polícia da Era
Vargas, e terminou seus dias como senador pelo estado de Mato Grosso, com sucessivos
mandatos. Após sua morte (1973), suas duas filhas doaram o seu arquivo pessoal ao
CPDOC/FGV (1981), composto por 66.704 documentos textuais, cerca de 500 recortes de
jornais, 2 documentos impressos e 165 documentos visuais. Apesar do volume da massa
documental, a autora ressalta e existência de muitas lacunas, em que diversos períodos e
temas não são cobertos pelo material, ou são “marcados por silêncios e ausências”, como é o
caso do período em que esteve na Chefia de Polícia. Destaca a autora que especialmente para
os arquivos pessoais, jamais estaremos seguros sobre o que foi guardado originalmente, o que
foi destruído, o que se perdeu ou o que foi entregue a terceiros.
Isso corrobora o que Foucault define como “arquivo”:

Chamarei de arquivo não a totalidade de textos que foram conservados por uma
civilização, nem o conjunto de traços que puderam ser salvos de seu desastre, mas o
jogo das regras que, em uma cultura, determinam o aparecimento e o
desaparecimento de enunciados, sua permanência e seu apagamento, sua existência
paradoxal de acontecimentos e de coisas (FOUCAULT, 2000, p. 95).

A autora levanta a hipótese de que as seleções e classificações operadas pelos


arquivistas na produção da memória documental não ocupam lugar central nas análises sobre
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fontes e sua relação com a historiografia. A pragmática que orienta o trabalho do


documentalista é a ‘produção de exclusões’, ao criar o que Heymann (1997) chama de “lixo
histórico”, caracterizado como um tipo de documento desvalorizado e que ocupa um lugar
secundário nas etapas de arranjo e descrição do arquivo.

Assim, muitas vezes os argumentos daqueles que são adeptos de uma intervenção
“necessária” tendem a igualar o “lixo histórico” (aquilo que supostamente “não tem
importância” para a pesquisa) a um “lixo da memória”, coisas que teriam sido
“esquecidas” pelos titulares no conjunto do material, mas que eles mesmos poderiam
ter descartado se tivessem procedido a uma avaliação mais acurada (HEYMANN,
1997, p. 51).

As discussões acerca do tema são polêmicas porque não existem no campo


arquivístico normas consagradas para seleção e descarte de arquivos pessoais, devido à
própria singularidade de cada conjunto documental. Para a autora, são esses documentos que
mais podem expressar a singularidade dos titulares: cartões de natal, convites, felicitações,
pedidos; fornecendo pistas importantes para se compreender aspectos fundamentais do
funcionamento da vida política, ao traçar as redes de relações pessoais destes titulares.
Dependendo do titular, os arquivos pessoais são dotados de um capital simbólico, que
dá prestígio à instituição que o detém; ao mesmo tempo em que estas são capazes de conferir
valor histórico aos papéis que se encontram sob sua guarda. O mesmo não se pode afirmar
dos arquivos escolares, que não passam “do domínio privado ao domínio público”, mas já
nascem no domínio público, sem ocupar, no entanto, um lugar de valor nos projetos
institucionais.

Os arquivos escolares em análise

A Lei nº 8.159, de 08 de janeiro de 1991, que dispõe sobre a política nacional de


arquivos públicos e privados e dá outras providências apregoa, em seu art. 2º, que:

para fins dessa lei, consideram-se arquivos os conjuntos de documentos produzidos


e recebidos por órgãos públicos, instituições de caráter público e entidades privadas,
em decorrência do exercício de atividades específicas, bem como por pessoa física,
qualquer que seja o suporte da informação e natureza dos documentos.

Tendo em vista a tradição arquivística, no que se refere aos arquivos escolares, num
processo de descarte, os primeiros documentos que podem ser eliminados do arquivo,
entendido como “morto”, são os cadernos de alunos, planos de aula, diários de classe. No
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entanto, ao jogar-se fora a documentação de professores e alunos, jogam-se fora também


possibilidades de estudar-se o cotidiano dessas escolas, numa perspectiva aberta pela Nova
História. Aos historiadores da educação não bastam os documentos escritos oficiais. As fontes
orais, cadernos escolares, desenhos, antigos livros didáticos e atlas escolares, filmes, fitas
cassete e fotos, também interessam (MEDEIROS, 2003). No seu conjunto, essas fontes de
informação implicam ao investigador uma atitude necessariamente atenta aos contextos
educativos e culturais em que foram produzidas e à seleção a que sucessivamente foram
submetidas pelas gerações de atores sociais que as tutelaram, ocupando diferentes níveis de
poder decisório sobre elas e sobre a sua preservação ou eliminação (MOGARRO, 2005).
Os arquivos escolares têm por finalidade serem meio de prova de direito de pessoas ou
da administração. Mas também têm função informativa para administração pública, pois
podem lhe oferecer informações, por exemplo, “da evolução do oferecimento do número de
vagas, de repetência, evasão escolar, etc.” Para os historiadores, tais documentos são fontes
para a História da Educação, manifestação ou representação da memória (BONATO, 2005,
p.197). Através desses acervos é possível conhecer as atividades administrativas e
pedagógicas de transformação da educação ao longo do tempo, enfim, perceber a cultura
escolar da instituição. Segundo Mogarro (2005) a cultura escolar é constituída por um
conjunto de teorias, saberes, ideias e princípios, normas, regras, rituais, rotinas, hábitos e
práticas; remetendo-nos às formas de fazer e de pensar, aos comportamentos sedimentados ao
longo do tempo e que se apresentam como tradições, regularidades e regras, mais
subentendidas que expressas, as quais são partilhadas pelos atores educativos no seio das
instituições. Essa cultura constitui um substrato formado, ao longo do tempo, por camadas
entrelaçadas, que importa separar e analisar. Assim, o exercício do arquivo tem um espaço
importante nesse processo historiográfico de investigação sobre a cultura escolar, que sofreu
forte influência das Reformas Educacionais das décadas de 1920 e 1930. Para Paulilo et al
(1999, p. 203), as multiplicidades de elementos trazidas pela Reforma Fernando Azevedo
(1927 - 1930), por exemplo, passaram a fazer parte da cultura e das práticas escolares:

Caracterizada por uma intensa renovação da materialidade escolar e dos métodos


pedagógicos, a reforma Azevedo introduziu nas escolas novos objetos como, por
exemplo, projetores de imagem fixa e em movimento, caneca, sabão, e escovas de
dentes e ressignificou antigos, como tabuleiros de areia, vasilhas, tubos de ensaio,
pretendendo transformar o ensino “de verbalista em ativo” e concorrendo para
preservar condutas higiênicas, de forma a disciplinar gestos, olhares e corpos de
alunos e alunas. (PAULILO apud BONATO, 2005, p. 199-200)
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A ressignificação de objetos e métodos é percebida ao nos debruçarmos sobre os


arquivos de escolas, embora em quase sua totalidade se encontrem em condições precárias de
conservação. Conforme diagnóstico levantado por Ribeiro (1992), os arquivos escolares
geralmente são precários. Cerca de dois terços dos espaços onde estão guardados os
documentos são inadequados, devido à falta de ventilação e iluminação, excesso de umidade,
poeira etc. Consequentemente estão presentes na documentação poluentes atmosféricos,
insetos, fungos, traças, entre outros problemas detectados e causadores do processo de
destruição. Em grande parte dos arquivos, o acondicionamento dos documentos é feito em
pastas, envelopes, encadernados, caixas de papelão; e também encontrados empilhados e sem
nenhuma proteção. Em sua pesquisa, relata o autor, o acesso aos documentos muitas vezes era
feito pela memória dos funcionários responsáveis, opção essa de muitos pesquisadores, ao se
depararem com arquivos que se perderam ao longo do tempo por falta de preservação
adequada.
Enfim, a falta de preservação e conservação da documentação por parte das escolas
constitui barreira no processo de pesquisar em seus arquivos. A falta de recursos financeiros e
materiais, de mão-de-obra especializada para o tratamento da documentação também
contribui para os fatores mencionados.
Bonato (2005) e Vidal (2000) reivindicam que trabalhem em parceria arquivistas,
historiadores e “informatas”, visando apresentar propostas de implantação e implementação
de critérios de avaliação, recuperação, preservação, conservação, classificação, arranjo e
descrição, organização e acesso aos acervos escolares, visando contribuir para que
documentos importantes para o estudo da História da Educação não sejam eliminados; e,
também, para minimizar o trabalho do pesquisador na busca dessas fontes.

Organização de arquivos escolares – uma história

Na busca de propostas metodológicas para a organização de arquivos escolares, que


pudessem dar suporte ao trabalho desenvolvido pela autors deste estudo junto ao arquivo de
uma escola pública, e sem suporte financeiro, foi muito recorrente encontrar produções
referentes a projetos desenvolvidos com financiamento do Faperj, do CNPq, ou de
universidades públicas, como é o caso de Zaia (2005) e Bonato (2005), dentre outros, que
geralmente apresentam como produto final a elaboração de guias e inventários, catálogos e
normas de consulta. Devido a tais contextos distanciarem-se da realidade do arquivo em
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questão, o grupo de professores e pesquisadores voluntários busca alternativas para proteger o


que restou de sucessivos anos de descuido.
A Escola Técnica Estadual Ferreira Vianna é considerada uma das mais antigas
escolas de ensino médio profissional da Rede FAETEC (Fundação de Apoio à Escola
Técnica), localizada no Rio de Janeiro. Em sua fundação (1888), foi um asilo para menores
abandonados, órfãos, ou crianças que viviam a mendigar nas ruas e eram recolhidos pela
polícia, no final do século XIX. Foi inaugurada após a Abolição da Escravatura como parte de
um projeto de repressão à ociosidade, num período em que a cidade do Rio de Janeiro, então
distrito federal, se preparava para receber a modernidade.
Ao longo de sua história esteve subordinada ao governo federal, ao estado e ao
município, recebendo várias denominações: Casa de São José (1888 – 1916), Escola de Artes
Industriais (1912 – 1916), Instituto Ferreira Vianna (1916 – 1933), Escola Pré-Vocacional
Ferreira Vianna (1933 – 1942), Escola Artesanal Ferreira Viana (1942 – 1954), Escola
Industrial Ferreira Vianna (1954 – 1966), Colégio Estadual Ferreira Vianna (1966 – 1976),
Colégio Ferreira Vianna (1976 – 1988) e Escola Técnica Estadual Ferreira Vianna (1988-
atual); denominações essas impostas pelas reformas educacionais.
Pensava-se que os únicos documentos do acervo da escola se encontravam em sua
biblioteca, os quais eram exibidos nas semanas de aniversário e trabalhados por alguns
professores: 12 pastas com documentos diversos, livros de matrícula, livros de visitantes
ilustres à instituição, recortes de jornal, bandeira, livros antigos e fotos.
No ano de 2006 um conjunto significativo de documentos foi localizado numa sala
chamada “arquivo morto”, de difícil e restrito acesso. A partir dessa descoberta, formou-se o
Centro de Memória da escola por iniciativa de alguns professores, que devido à falta de
verbas e de profissionais especializados para realizarem a higienização e organização dos
documentos, tiveram que interromper essa empreitada.
O processo de resgate da memória da instituição foi retomado a partir de 2010 por
duas professoras da escola, em parceria com o grupo de pesquisadores da UFRJ, que intenta
desenvolver uma metodologia de trabalho que possibilite ampliar as ações de preservação do
precioso acervo documental que resistiu ao tempo e à falta de um tratamento adequado; ao
mesmo tempo pensa em favorecer a pesquisa em história e história da educação, envolvendo
pesquisadores e especialmente o público da escola.
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Apesar da falta de recursos e profissionais especializados, até o momento foi possível


separar os documentos por décadas, iniciar sua contagem e identificação por série, dando
assim início ao inventário do período de 1888 a 1942. As espécies catalogadas são: atestados
de pobreza e óbito, certidões de batismo e registro civil, relatórios diversos, ofícios e
inventários, livros de registros de frequência e folhas de pagamentos, dados estatísticos e
prestações de contas, relatórios dos serviços clínicos e dentários, artigos de jornais, livros
didáticos e científicos, desenhos produzidos pelos alunos, peças produzidas nas oficinas e
material didático.
Ao mesmo tempo em que o grupo organiza os documentos, procede à análise de seu
conteúdo, a fim de identificar pistas que auxiliem na reconstrução da história da instituição.
No espaço de dois anos os documentos e a cultura material do acervo permitiram a realização
de descobertas que têm sido compartilhadas em eventos internos da rede, bem como em
encontros nacionais de História e História da Educação.
A fase inicial da organização do arquivo foi desbravadora, visto que a maioria de
documentos se encontrava em enormes sacos pretos, em uma saleta com espaço reduzido. A
disposição das estantes e as centenas de diários colocados no chão dificultavam o trânsito e
impediam ter-se a noção de todo o material ali existente. Após “desensacar”, “desempoeirar”
e juntar os documentos do mesmo ano, passou-se ao seu acondicionamento, que por falta de
verba, limitou-se a pastas suspensas e caixas arquivo de papelão, doados por uma professora
de História da escola bastante comprometida com o processo de organização do acervo.
Ainda não se obteve êxito nas tentativas de pedido de financiamento, e não existe
verba disponibilizada pela escola ou pelo órgão central da rede, mas como a catalogação dos
documentos precisa ser realizada a fim de possibilitar a pesquisa, o trabalho vem se
desenvolvendo, mesmo sem orientação técnica ou apoio financeiro. Desta forma, voluntários,
interessados em pesquisa, já conseguiram registrar boa parte dos documentos, tendo o cuidado
de manter intacta qualquer forma de organização anterior encontrada, visto a dimensão
histórica da metodologia empregada.
A seguir são descritas algumas pesquisas que se desenvolveram, como monografias ou
como artigos, e que foram apresentadas em eventos nacionais e em comemorações na semana
de aniversário da escola, que completou 125 anos de existência em agosto de 2013.
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Produções científicas a partir do acervo do Centro de Memória Ferreira Vianna2

O primeiro estudo produzido com fontes documentais do acervo do Centro de


Memória Ferreira Vianna é a dissertação de Mestrado da professora Vilma Alves Machado
(UERJ, 2004) em que analisa documentos da Casa de São José do período de 1888 a 1916. O
recorte da dissertação foi limitado pelos documentos preservados em um cofre da escola e
direcionados à biblioteca, que até àquele momento pensava-se serem os únicos
“sobreviventes”. Numa análise apaixonada, a autora vincula a história da instituição à questão
social da infância dita “desvalida”, em meio às transformações urbanas ocorridas no distrito
federal, na transição entre os séculos XIX e XX.
As alunas do curso de graduação em Pedagogia, Rafaela Nascimento e Jaqueline
Martins, produziram e apresentaram o trabalho “Produções dos alunos na Casa de São José
(1911- 1915): Símbolos da Cultura Material Escolar”, no VI Congresso Brasileiro de História
da Educação, no Espírito Santo (2011). A cultura material analisada compreende desenhos
realizados pelos alunos no início do século XX. Em outro trabalho, apresentado no IX
Seminário de Estudos e Pesquisas/HISTEDBR (2012), as autoras também abordam práticas
escolares do período até 1931 no Instituto Ferreira Vianna.
No trabalho "A organização do ensino profissional no distrito federal (1892-1902):
poderes públicos e práticas sociais", apresentado na 24ª. Jornada de Iniciação Científica,
Tecnológica, Artística e Cultural da UFRJ (2012), as alunas Clarissa Sant' Anna e Suzana
Teixeira Pinto analisam as disputas e tensões políticas em torno dos projetos sobre a instrução
pública e ensino profissional da então capital federal, entre os anos de 1892 e 1902,
enfatizando os esforços de organização do ensino profissional que culminaram na aprovação
do Decreto nº 282, de 27 de fevereiro de 1902, primeiro regulamento do ensino profissional
do distrito federal. Ao analisar este contexto, identificam os reflexos deste decreto nas práticas
escolares da instituição.
Viviane de Oliveira Aieta, do curso de Pedagogia (UFRJ) desenvolve estudos sobre as
crianças ditas “anormais” no início do século XX, visando à contextualização histórica dessa
classificação, aspectos da anormalidade na infância, o tratamento dado às crianças e as
intervenções empreendidas pela instituição. Utiliza fontes documentais e um livro do acervo,

2
A citação dessas obras será editada no livro “História e Memória da Educação na Rede Faetec”, em vias de
publicação em 2013, possivelmente com apoio da FAPERJ, cujo esforço agradecemos à Prof. Ms. Isabella Paula
Gaze, coordenadora do CEMEF (Centro de Memória da FAETEC), reativado recentemente.
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no esforço de compreender o conceito de “Anormalidade” do período. Um artigo da autora


que inclui parte desta análise foi publicado nos Anais do IX Seminário Nacional de Estudos e
Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” (UFPB, 2012).
"Os Insubordinados e Indisciplinados da Casa de São José (1902-1916)" é o tema da
monografia de Sabrina Aguiar de Mendonça, concluinte do curso de Pedagogia da UFRJ em
setembro de 2012, que também atuou na organização do arquivo. A monografia orientada
pelo professor Jucinato Marques (FE/UFRJ), está delimitada entre o primeiro regulamento do
ensino profissional da Capital Federal (Decreto nº 282, de 27 de fevereiro de 1902) até o
momento em que a Casa de São José se torna uma escola primária mista, passando a
denominar-se Instituto Profissional Ferreira Vianna (Decreto n° 1.730, de 05 de janeiro de
1916). Os resultados da pesquisa indicam que a insubordinação e a indisciplina de alguns
alunos podem ser compreendidas como mecanismos acionados para o seu desligamento da
instituição.
Marques (UFRJ) tem como principal objetivo de estudo resgatar a cultura e as práticas
escolares da instituição no período de 1888 a 1916, descortinando os mecanismos utilizados
pelo poder público para reproduzir a racionalidade da cidade no interior do espaço escolar, em
conjunto com os saberes disponíveis (médico, jurídico e assistencial). Assim, dá continuidade
à pesquisa desenvolvida no seu mestrado, quando organizou e analisou dossiês dos alunos do
Instituto João Alfredo (MARQUES, 1996), instituição que se vinculava à Casa de São José,
hoje ETE Ferreira Vianna.
Rizzini e Marques (2012) produziram o artigo “Os incorrigíveis da cidade: um estudo
sobre a distribuição e circulação das infâncias na capital federal (décadas de 1900 e 1910)”,
que tem por objetivo compreender a distribuição e a circulação das crianças nos internatos
para a educação nos ofícios na virada para o século XX e analisar como se consolidou a
escolarização em algumas instituições modelares: a Casa de São José (1888 - 1916), o
Instituto Profissional Masculino (1894 - 1910) e a Escola Quinze de Novembro (1899 - 1913).
Para os autores, o “desamor aos estudos” e os comportamentos “incorrigíveis” dos alunos
destas e de outras instituições similares, alçados nos estabelecimentos mantidos pelo poder
público e caracterizados por serem internatos profissionais, anunciam um problema a ser
investigado pela historiografia: descortinar e compreender as ações empregadas, por parte de
uma parcela da população, no espaço/tempo escolar, na trama dos seus destinos. Isso implica
em articular, criar, burlar e manipular alternativas existentes nas redes sociais e, portanto, é a
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tradução dos movimentos, dos deslocamentos e da circulação empreendida, por parte dos
alunos, nos arranjos estabelecidos em torno de suas ações tanto no interior quanto fora da
instituição.
A autora deste artigo interessou-se por registros referentes à formação da Guarda Civil
no Instituto Ferreira Vianna, na década de 1930, e seus investimentos resultaram nos artigos:
a) “A escola como veículo de formação patriótica: reflexões preliminares sobre fontes
documentais da década de 1930”, publicado nos Anais do II Seminário Nacional de Fontes
Documentais e Pesquisa Histórica – UFCG (OLIVEIRA, 2011); e
b) “Um acervo centenário – possibilidades de iniciação científica para alunos do
ensino médio profissional”, publicado nos Anais do Seminário Nacional do Ensino Médio:
história, mobilização, perspectivas – UFRN (OLIVEIRA, 2011a). Outro produto dos seus
investimentos em pesquisa é sua monografia de conclusão do curso de Licenciatura em
História, que analisa o desenvolvimento da guarda civil e do Escotismo na instituição.

Considerações Finais

Este estudo introduziu reflexões sobre a importância dos arquivos escolares para a
História da Educação, discutindo suas especificidades, tendo-se como referência os arquivos
pessoais. Procurou contribuir na busca de possibilidades de organização dos arquivos
escolares que não contam com financiamento, partindo da experiência que vivencia a autora
com estudantes de uma universidade pública e professores de uma escola pública, no acervo
documental do centro de memória desta última. Enfim, apresentou as pesquisas que têm se
desenvolvidos nos últimos anos com tais documentos, ao mesmo tempo em que o grupo os
cataloga e organiza fisicamente.
A falta de preservação e conservação da documentação por parte das escolas constitui
barreira no processo de pesquisar em seus arquivos, bem como a falta de mão de obra
especializada para o tratamento da documentação; porém, não impedem por completo a
produção de pesquisas, como aqui demonstrado.
Apesar dos recortes a que se está sujeito, como nos alerta Foucault (2012), um
educador de História da Educação enxerga como preciosidades os documentos geralmente
classificados como “arquivo morto” ou “lixo histórico” pelas escolas, e tenta daqueles velhos
documentos produzir novas reflexões e hipóteses. Este é o objetivo maior deste
empreendimento.
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