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medieval
Faculdade de Letras
UFRJ
2017
O CORAÇÃO VALENTE: William Wallace e a reapropriação do espírito do guerreiro
medieval
Rio de Janeiro
Agosto de 2017
O CORAÇÃO VALENTE: William Wallace e a reapropriação do espírito do guerreiro
medieval
Orientador: Prof. Doutor Eduardo de Faria Coutinho.
Co-orientadora: Prof.ª Doutora Mônica Amim.
Examinado por:
_________________________________________________________
Presidente, Prof. Dr. Eduardo de Faria Coutinho – UFRJ (Orientador)
_________________________________________________________
Prof.a. Dra. Mônica Amim – UFRJ (Co-Orientadora)
_________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Elizabeth Graça de Vasconcellos – UFRJ
_________________________________________________________
Profa. Dra. Teresa Cristina Meireles de Oliveira – UFRJ
_________________________________________________________
Prof. Dr. Flavio Pereira Senra – IFRJ (Suplente)
_________________________________________________________
Profa. Dra. Martha Alkimin de Araújo Vieira – UFRJ (Suplente)
Rio de Janeiro
Agosto de 2017
À Beatriz, Bellatrix, Beatrice, por todos estes anos,
por sempre. “Me ensina a não andar com os pés no
chão, me diz se é perigoso a gente ser feliz”.
AGRADECIMENTOS
À Beatriz dos Santos Oliveira, que a todos estes anos com amor e paciência vem
me ajudando a ser uma pessoa melhor. Você acreditou em mim quando era difícil que eu
mesmo acreditasse em mim e me mostrou como caminhar sem os pés no chão, foi minha
fortaleza, minha fortitude e meu alento. Obrigado por tudo, sempre, e a cada vez mais all
my loving to you.
À minha família, pelo abrigo, proteção e paciência. Obrigado pelos peixes de
incentivo.
À minha sogra, Ademilde, obrigado pelas abóboras e pelas palavras.
A Eduardo de Faria Coutinho, orientador, mestre e amigo cujo conhecimento, a
acessibilidade, a dedicação e a generosidade são fonte de inesgotável admiração e
inspiração profissional.
À Monica Amim, cujas palavras me faltam em agradecimento por ter me
resgatado no momento certo e ter, junto à Beatriz, me proporcionado uma verdadeira
transformação através de muita bronca e puxões de orelha, mas com amor. Obrigado pelo
exemplo, pela orientação, pela amizade. Gratidão, sempre.
Aos meus amigos, os quais sem seus ouvidos, seus gatos, chás e suas cervejas
seria um tanto quanto impraticável certas coisas. Rafael Ottati, Lia Evangelista, Charles
de Freitas, Eduardo Marques, Roger Takada, Domenica Mendes, Maury de Paula, Maria
Carolina Lohman, Tato Tarcan e Rafa Lohman, Paulo Carvalho, Euclides Camacho,
Francisco Jason Evangelista, Diego Soares e a todos vocês cujo nome me foge por causa
da pressão: muito obrigado. Força, sempre.
Obrigado a todos os mestres que passaram pelas minhas etapas de aprendizado.
Por fim, obrigado à minha casa, minha Faculdade de Letras, por todos esses anos
de altos e baixos. Mas, principalmente, obrigado por ser minha casa e por ter me dado
tanto.
O mundo está mudando, posso sentir na água, posso
sentir na terra, posso sentir no ar. Muito do que havia
já se perdeu, pois não há mais ninguém vivo que se
lembre. (...) E algumas coisas que não deveriam ser
esquecidas, se perderam. A história tornou-se lenda,
a lenda virou mito.
The Middle Ages contains the germ of the construction of a postmodernity and it
continues to be retold in different ways and in different media. Our aim was to analyze
the persona of William Wallace who, from the First War of Independence of Scotland,
has been reappropriated several times over the centuries. His life was retold in the form
of an epic poem, romance, music and film. This fact has brought about a reflection on the
transformation of Wallace, whose achievements are transfigured through the constitution
of a socio-political-economic myth seen by theorists of several related areas, such as
cultural studies, literature and film theory.
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 11
CAPÍTULO I .................................................................................................................. 16
BREVE PANORAMA DA HISTÓRIA DA ESCÓCIA E O NASCIMENTO DE UM
MITO .............................................................................................................................. 16
CAPÍTULO II ................................................................................................................. 26
HARRY: O MENESTREL E SEU LEGADO ............................................................... 26
1- THE WALLACE E SEU AUTOR ......................................................................... 26
2 – A OBRA DE BLIND HARRY INSPIRANDO OUTRAS PRODUÇÕES .......... 29
CAPÍTULO III ............................................................................................................... 34
COM QUANTOS MITOS SE FEZ A REALIDADE? .................................................. 34
1 – O MITO E O MITO LITERÁRIO ........................................................................ 36
2 – O ARQUÉTIPO .................................................................................................... 37
3 – FIGURAS LITERÁRIAS E FIGURAS HISTÓRICAS ....................................... 40
CAPÍTULO IV ............................................................................................................... 42
WILLIAM WALLACE: AS DIFERENTES IDENTIDADES DE UM HERÓI
MULTIMIDIA ............................................................................................................... 42
1 – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE IDENTIDADE .. 42
2 – A MODERNIDADE COMO UM ESTADO TRANSCULTURAL .................... 44
3 – O CINEMA RESSIGNIFICA A IDADE MÉDIA ............................................... 46
4 - CORAÇÃO VALENTE: O HERÓI NA VISÃO DE RANDALL WALLACE...... 49
5 – JACK WHYTE: OUTRA VISÃO SOBRE WILLIAM WALLACE ................... 58
CONCLUSÃO ................................................................................................................ 61
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................ 64
11
INTRODUÇÃO
Entre os idos de 1296 e 1328, a Escócia passou pela sua Primeira Guerra de
Independência. Descendentes dos antigos guerreiros celtas (que barraram o avanço do
Império Romano sobre suas terras em 126 d.C.), os escoceses não admitiam viver sob o
jugo e a dominação de povos estrangeiros, somente obedecendo ao conselho de seus
próprios clãs.
Diante dessa realidade belicosa e pungente, surge uma figura histórica: William
Wallace. Por sua participação ativa e seu sacrifício pela causa escocesa, Wallace foi
eternizado não só nas páginas da História, mas também na literatura, nas telas de cinema
e, principalmente, no imaginário coletivo e mítico de uma nação. Assim, sobre ele
podemos dizer que o “futuro se torna passado, a premonição se torna reminiscência e a
realidade se torna mitologia”1.
Nascido nas terras de Elderslie, por volta de 1272, William Wallace foi uma figura
de destaque em toda a Escócia por lutar à frente da Primeira Guerra de Independência
Escocesa (1296-1328). Foi executado pelo rei Eduardo I da Inglaterra (Longshanks), em
1305, em Londres, após ser traído por um dos seus compatriotas na cidade de Robroyston.
Desde a sua morte, seu nome é celebrado como um ícone da luta contra a tirania inglesa
e inspirou diversas lutas e escritos ao longo dos séculos.
Porém, a história de Wallace esteve atrelada aos menestréis e jograis que, apoiados
por seus senhores, cantavam os admiráveis feitos do valente comandante. Infelizmente,
tal história somente seria compilada cerca de um século após os fatos ocorridos. Assim,
em meio ao séquito de admiradores dos feitos de Wallace, surge a figura de um Menestrel
da corte de Jaime IV da Escócia, que viveu entre os anos de 1440 e 1492. Seu nome era
Blind Harry ou Henry, The Minstrel. As fontes histórico-literárias que asseguram a sua
existência são: o Livro de Registros do Real Tesoureiro de Jaime IV, que de 1473 a 1492
registra lances de pagamentos a Blind Harry por seus serviços à corte e o famoso The
Lament for the Makaris do poeta William Dunbar (séc. XVI), onde ele é citado.
Henry foi o responsável por vivificar o mito de Wallace, cem anos após sua morte,
já que, como afirma Campbell, “os Mitos são histórias de nossa busca da verdade, de
sentido, de significação, através dos tempos”. (CAMPBELL, 1990, p 16) Eles são os
responsáveis por fornecer modelos de vida e inspirar os corações humanos com um
1
“As future comes to past/Premonition comes to reminiscence/Reality to mythology.” Música:
LostRealms. Banda: Wuthering Heights (Tradução nossa).
12
exemplo a ser seguido em um momento de dificuldade, onde o herói está no papel daquele
que já percorreu o caminho e voltou para contar como deu cabo dele.
É com esse espírito que Blind Harry escreve, 170 anos após a morte de William
Wallace, a obra mais famosa de todos os tempos na Escócia (perdendo em vendas
somente para a Bíblia Sagrada): uma série de 12 livros em forma de poema que
imortalizou um herói verídico do povo e elevou-o à categoria mítica.
O texto escrito em gaélico medieval, Os Atos e Feitos do Ilustre e Valente
Campeão Sir William Wallace2 (1477) é a celebração do heroísmo, das conquistas
militares e da vitória moral sobre a opressão do inimigo, não só de um Herói, mas de toda
uma nação que busca reaver seu bem mais precioso: a liberdade.
The Wallace é um texto de alto teor nacionalista. Sua estrutura leva o leitor a
percorrer os passos de Sir William Wallace desde a infância, onde algumas partes são
omitidas, até sua morte. Nessa jornada, o poeta apresenta os fatos e razões pelas quais
Wallace juntou-se à guerra pela independência de seu povo.
Tão grande importância possui a obra para o povo escocês que, por diversas vezes
ao longo dos séculos, a obra foi fonte de inspiração para uma sorte de autores. Dentre eles
cabe aqui citar os mais importantes: William Hamilton of Gilbertfield, que traduziu na
íntegra a obra para o inglês, em 1722, sob o título Blind Harry’s Wallace; Jane Porter,
que reescreveu a obra em forma de romance, no ano de 1810, sob o título de The Scottish
Chiefs; e finalmente Randall Wallace, que em 1994 roteirizou, baseando-se nesse livro, o
filme Coração Valente.
Diante de tão grande repercussão, fica o questionamento do motivo primordial de
esse personagem ter saído das páginas da história para ser imortalizado também nas
páginas da literatura. Para responder a esta indagação devemos trazer às nossas mentes
uma das funções primordiais da Literatura: ser alimento para o espírito humano.
Citando Campbell, “uma coisa que se revela nos Mitos é que, no fundo do abismo,
desponta a voz da salvação. O momento crucial é aquele em que a verdadeira mensagem
de transformação está prestes a surgir. No momento mais sombrio surge a luz.”
(CAMPBELL, 1990, p 50) E é nesse exato instante que surge aquele que realizará um
feito grandioso, pois suas façanhas começam por algo que foi usurpado ou proibido. Uma
característica comum importante apresentada pelas formas narrativas medievais é a
impossibilidade de se remontar com exatidão às suas origens, tendo em vista que elas se
2
The Actes and Deidis of the Illustre and Vallyeant Campioum Schir William Wallace.
13
encontram diluídas no passado de uma longa tradição oral. Tal ideia pode ser corroborada
pelas palavras de N. Frye sobre o mito.
Assim, quando estamos frente à figura do Herói, temos a certeza de que ele se
sacrificará em prol de uma causa, pois seu objetivo moral é defender uma pessoa, país ou
ideia. É nesse espírito que Wallace deixa a paz de sua propriedade e parte para a luta pela
libertação de sua pátria. Wallace, então, se sacrifica para salvar seu povo e morre
coincidentemente aos trinta e três anos, idade em que Cristo havia morrido para salvar a
humanidade.
Coincidindo com a proximidade das comemorações dos 700 anos da vitória da
Batalha de Stirling Bridge (1997), o filme Coração Valente (de 1995) retoma o tema da
luta pela liberdade frente à opressão, retratando a vida de William Wallace de forma
romântica, diferentemente do livro de Blind Harry – no qual o poeta procurava ser o mais
fiel possível aos fatos históricos. A maior crítica ao filme girou em torno da falta de
precisão histórica no que tange a alguns elementos retratados ao longo da ação. Tal
imprecisão resultou praticamente em uma piada nacional, pois, na Escócia, o filme foi
classificado como embaraçoso.
Porém, como podemos observar, apesar da película ter sido gravada em sua maior
parte na Irlanda, por um ator australiano, o filme, modernamente, cumpre o papel de
“reanimador” do Mito. Num momento em que, com o aumento desordenado da
quantidade de informações a que o homem moderno é exposto todos os dias, não há mais
a figura de um herói durável, no sentido de ser exemplo para a vida de um indivíduo e
seu grupo, a contemporaneidade exige um herói de cunho global, não mais local.
Tal resiliência se deve à força do exemplo de Wallace que, adaptado ao imaginário
contemporâneo, estimula o imaginário ocidental. Podemos verificar o fato através das
cenas finais da película: o grito de sofrimento do personagem diante da tortura que lhe
era infligida por seus algozes é um grito de liberdade, pois ele se recusou a renegar sua
crença até o instante final. Ele é amarrado e deitado em um local em formato de cruz de
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madeira. Dessa forma, seu sofrimento está conectado ao Cristo que morreu para a
libertação de muitos. Essa busca pelo herói que se assemelha a uma divindade representa
o retorno ao Mito etnorreligioso.
O roteirista Randall Wallace nos oferece uma figura que está lidando com um
grande problema humano, sonhando um sonho arquetípico, ou seja, um sonho que está
além das fronteiras temporais, raciais e nacionais: a liberdade. É um Herói útil para servir
de modelo em uma época na qual não há tempo suficiente para cristalizar uma informação
frente à rapidez das novidades.
Em tempos de economia globalizada e do desaparecimento das fronteiras físicas
propiciado por uma tecnologia veloz, o homem procura cada vez mais por um modelo a
seguir. Não um modelo midiático que surge e se extingue com a rapidez de um raio, mas
sim por um que possa servir de exemplo e guia para uma vida de dificuldades.
Diante de todas essas atribulações, o Herói surge, não mais como instrumento de
um povo, mas como uma oferta de ajuda e conselho para quando mais se precisa. Nesse
momento surge a figura mítica de Wallace que, através da história e por várias razões, é
relembrada de diversas formas para servir sempre ao seu propósito: aconselhar no
momento de dificuldade e guiar o seu povo para paragens mais seguras, ligando o
exemplo de heroísmo nato retratado na obra de Blind Harry à figura do libertador que se
assemelha à divindade cristã retratada no roteiro de Randall Wallace.
Tal ideal de liberdade, disseminado a partir dos atos heroicos de Wallace
sobreviveu no imaginário cultural popular através dos séculos, inclusive transpondo a
mídia física para a digital, em um movimento crescente de oralidade, livro, música, e
finalmente, filme. Todas estas formas épicas de contar e recontar o herói que se sacrifica
pelos seus possuem, em Wallace, sua força motivadora.
Para melhor discutir o tema proposto, utilizaremos textos de Teoria da Literatura,
Crítica Literária e Literatura Comparada de diversos teóricos, tais como Arnold Hauser,
Northrop Frye, Pierre Brunel, Paul Zumthor, Segismundo Spina e Chris Barker, para
refletirmos sobre a Literatura, o Mito e o imaginário do medievo e a tentativa de revivê-
los no imaginário ocidental contemporâneo.
Pretendemos estabelecer uma comparação entre o ideal cavaleiresco do guerreiro
medieval e sua real apresentação, em certos momentos conflitantes, em que o Wallace
romanceadamente épico é questionado pelo Wallace histórico. Pensamos que assim
poderemos oferecer uma melhor visão histórica, mesmo que de forma breve e
generalizada, do medievo. Para tal, recorreremos a obras de medievalistas e especialistas
15
em história da Escócia medieval, a saber: Jacques Heers, Georges Duby, Jacques Le Goff,
François-Louis Ganshof, Hilário Franco Jr., Sybil M. Jack e Gwenne Jones.
Com o intuito de verificarmos como a Idade Média vem sendo rotineiramente
apresentada pelo cinema nos séculos XX e XXI, utilizaremos textos de José Rivair
Macedo, Lênia Márcia de Medeiros Mongelli e Jacques Le Goff, entre outros.
Refletiremos também sobre as influências sociais oriundas do mito de William
Wallace na literatura e no cinema, perfazendo o caminho da evolução representativa do
Herói nos vários momentos da história, desde próximo ao seu martírio até as últimas
produções no século XXI que celebram sua memória e seus feitos. Aqui, serão utilizadas
as obras de Joseph Campbell e Pierre Brunel.
Nessa pesquisa, nosso foco estará direcionado principalmente para a obra de
Henry, The Minstrel e também suas traduções ao longo do tempo para um vernáculo mais
atualizado, e para suas influências na sociedade Ocidental, sejam elas literárias,
cinematográficas ou audiovisuais, procurando ver como a mídia dos séculos XX e XXI
utiliza o mito de William Wallace. Para isso, dividiremos nosso trabalho em 4 partes
distintas, porém complementares.
No primeiro capítulo, faremos um breve panorama histórico-cultural da Escócia
entre os séculos XIII e XVIII, englobando tanto a história quanto as produções literárias
da época para melhor situar nosso enfoque.
No segundo capítulo, teceremos considerações sobre Blind Harry e sua obra,
assim como suas principais reverberações através dos séculos subsequentes: a tradução
de William Hamilton of Gilbertfield, no século XVII; a romantização de Jane Porter, no
século XIX; a releitura de Jack Whyte, no século XX, e as interpretações das bandas de
folk rock do século XX.
No terceiro capítulo, apresentaremos algumas reflexões teóricas para analisar as
relações entre o Wallace histórico, o Mito, e o Mito Literário, considerando também as
questões arquetípicas pertinentes à proposta inicial.
No quarto capítulo, trabalharemos algumas questões surgidas nas reapropriações
existentes na multiplicidade de obras suscitadas pela figura de Wallace, optando pelo
comparatismo entre duas mídias distintas: a audiovisual, em Coração Valente e a escrita,
em Os Guardiões da Escócia.
16
CAPÍTULO I
Para melhor compreender os motivos que levaram o bardo Blind Harry a cantar
os bravos feitos de William Wallace e, nos séculos subsequentes, o fato de o nome de
Wallace e suas realizações sempre retornarem com força ao imaginário escocês,
precisamos revisitar mesmo que por um breve momento em nossa pesquisa, um recorte
da história escocesa. Tal recorte se faz necessário para que, ao “observar fenômenos
humanos a partir de um “exterior” – entendendo que uma perspectiva exterior é tão
prontamente criada quanto as nossas mais confiáveis perspectivas ‘interiores’”
(WAGNER, 2012, p 19) – nos sejam dadas as ferramentas basilares para mergulharmos
nas motivações de um povo. Escolhemos então, apresentar rapidamente a formação do
povo que habitou a região, fazendo nosso maior foco incidir sobre a Idade Média e os
poucos séculos subsequentes. Sendo assim, vejamos os fatos mais relevantes para o nosso
estudo ocorridos entre o século XIII e o século XVIII.
No dia 18 de dezembro de 1997, trezentos anos após sua dissolução, o Secretário
para os Assuntos Escoceses Donald Dewar lançou uma ousada emenda parlamentar na
Grã-Bretanha: a reativação do parlamento escocês. A rainha da Inglaterra continuaria a
ser a chefe de estado, porém, salvo matérias como segurança nacional, defesa estratégica
e relações internacionais, a Escócia teria autonomia para resolver seus próprios assuntos.
Neste capítulo, poderemos depreender que a Escócia e sua luta por retomar a autonomia
sobre seu próprio território é uma matéria antiga, que remonta ao medievo. As razões para
tal recorte histórico serão dadas a seguir.
As evidências das ocupações humanas na região que hoje entendemos como
Escócia remontam a um período que volta no tempo até aproximadamente 6000 a. C..
Estas terras eram ocupadas por povos que viviam da caça de animais como o veado-
3
The Cuillin - Sorley MacLean (1911–1996)
17
norte. Não podendo mais prosseguir, ergueram a muralha Antonina, que foi
desguarnecida em 196 d. C. Tais muralhas, unidas, deram formato ao que hoje
entendemos como fronteira do território escocês.
O princípio do registro documental histórico nas ilhas britânicas se deve aos
romanos, pois só temos notícia de textos completos de origem celta a partir do século IV
ou V d. C. Anteriormente, a escrita estava limitada a palavras ou frases em placas ou
tumbas. Com o tempo, a palavra Britanni passou a nomear os habitantes da parte sul da
ilha da Bretanha, Albion designava os habitantes da parte norte, os escoceses, e Ierne
designava os habitantes da ilha da Irlanda. Tanto Ierne quanto Albion ainda conservavam
a língua celta como língua principal.
Com a queda do Império Romano e a consequente desocupação das legiões, os
Escotos e os Pictos ocuparam as regiões antes dominadas pelos romanos. Esta área
compreende os territórios da Escócia e do País de Gales. Desde então, criou-se uma
separação etnocultural entre uma Bretanha romanizada e uma Escócia e o País de Gales
com o espírito céltico mais aflorado. De certa forma, este espírito se mantém vivo até
hoje no imaginário cultural destes povos e foi responsável por acirrar os ânimos entre as
partes nos séculos vindouros.
Com a chegada dos primeiros missionários cristãos por volta de 500 d. C., iniciou-
se o processo de catequização das tribos locais, em especial, dos Pictos. O responsável
pela catequese do sudeste da Escócia foi São Columba, monge irlandês, que foi ao
território escocês por volta de 563. São Columba fundou um mosteiro em Iona, que se
tornou muito importante na história do cristianismo na Grã-Bretanha. Durante os séculos
VI e VII o cristianismo se espalhou em toda a Escócia e no final do século VII, toda a
Escócia era cristã. Na parte romanizada, a recepção foi positiva, enquanto na parte que
mantinha a tradição celta, o trabalho de evangelização foi deveras custoso. Os símbolos
pagãos foram destruídos ou incorporados à nova tradição. O cristianismo céltico ou a
Igreja Céltica desenvolveu-se nos séculos V e VI ao redor do Mar da Irlanda, abarcando
tanto escoceses quanto irlandeses. Tal fato terá reflexo mais tarde nos conflitos entre
católicos e protestantes nas ilhas.
Em meados do século VI os Anglos invadiram o nordeste da Inglaterra, criando o
Reino da Nortúmbria. No início do século VII o reino expandiu-se para o sudeste da
Escócia, abarcando uma faixa territorial generosa, indo até as cidades de Dunbar e
Edimburgo. Somente em 843 d. C., Kenneth MacAlpin, que era o monarca do reino
escocês de Dalriada, formado por descendentes dos irlandeses, tornou-se também o rei
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dos Pictos que ocupavam o centro e o norte do território escocês. Então, Pictos e Escotos
fundiram-se em um único reino. No entanto, o novo Reino da Escócia era composto
somente das terras ao norte do Clyde e Forth. Os ingleses governaram o sudeste da
Escócia até 1018 d. C., quando os escoceses conquistaram o restante de seu atual
território. Nessa época, o sudoeste da Escócia e da Cúmbria, condado ao norte da
Inglaterra que faz fronteira com a Escócia, formaram um reino separado chamado
Strathclyde, que foi absorvido pacificamente.
No século VIII o território escocês fora ameaçado com a chegada dos Vikings,
que invadiram o mosteiro de Iona em 795 d. C. No início do século IX os Vikings
terminaram por se estabelecer nas ilhas de Orkney e Shetland e mais tarde, instalaram-se
nas ilhas Hébridas e em Caithness e Sutherland, bem como na costa ocidental da Escócia.
Duncan tornou-se rei da Escócia em 1034, sendo morto por Macbeth em 1040. Ao
contrário da personagem criada por Shakespeare, Macbeth foi um bom rei para a Escócia,
sendo morto em 1057 na batalha de Lumphanan, e o filho de Duncan subiu ao trono da
Escócia, sendo coroado como Malcolm III.
Os normandos conquistaram a Inglaterra em 1066. A influência normanda foi logo
sentida na Escócia. Em 1069, Malcolm casou-se com uma inglesa chamada Margaret, que
introduziu os costumes normandos na corte. Malcolm foi morto em uma batalha contra
os ingleses, a batalha de Alnwick, em 1093. Durante os reinados de seus três filhos —
Edgar, 1097-1107, Alexander I, 1107-1124 e David I, 1124-1153 — o modo de vida
normando foi gradualmente aumentando, inclusive com muitos normandos vindo a residir
no território. No fim do século XII, foram organizadas dioceses para os bispos e
construídos novos mosteiros, o governo foi reformado, muitas cidades foram fundadas a
partir do florescimento comercial e David I foi o primeiro rei escocês a cunhar sua própria
moeda. Porém os reis escoceses detinham pouco poder territorial. Durante os séculos XII
e XIII, a oeste e ao norte, os chefes de clãs frequentemente rebelaram-se contra o governo
real.
O clã, palavra de origem gaélica clann, que significa “crianças”, eram
organizações familiares de determinada região, principalmente nas Highlands, as terras
altas, que se uniam sob uma linhagem ancestral comum como forma de apoio mutuo em
uma região mais inóspita do território. Afirma-se que esta organização era a melhor
maneira de subsistência diante das intempéries.
O rei Alexandre III conquistou as Ilhas Ocidentais por volta do ano de 1265, pois
até então estas eram governadas pela Noruega. Através do Tratado de Perth promulgado
20
em 1266, o rei norueguês formalmente cedeu todo o seu território à Escócia, exceto as
ilhas de Shetland e Orkney. Porém em 1286, Alexander III sofreu um acidente durante
uma cavalgada noturna, falecendo devido aos ferimentos sofridos na queda. Sua herdeira
era Margarida da Noruega, sua neta, que residia na corte da Noruega, pois sua mãe,
Margarida da Escócia, filha de Alexander III, falecera durante o parto. Mas a infanta
também veio a falecer em 1290 a caminho da Escócia para assumir o trono deixado por
seu avô. E sua morte levou a uma disputa pelo trono escocês: havia muitos pretendentes
ao trono, conta-se que por volta de 13 concorrentes.
Para evitar que houvesse uma guerra civil em solo escocês, o Bispo de St.
Andrews pediu ajuda a Edward I, rei da Inglaterra, para arbitrar a disputa pelo trono,
tornando-a assim, teoricamente, mais justa a todos. O rei Edward optou por John Balliol,
que foi coroado em 1292. Os outros dois maiores concorrentes ao trono eram Robert
Bruce, Conde de Annadale e John Hastings, Conde de Pembroke. Em 1295, alegando ser
soberano de toda a Escócia, Edward tentou forçar os escoceses a se juntarem a ele em
uma guerra contra a França. Mas Balliol, que até então servira como joguete nas mãos do
rei da Inglaterra, rebelou-se, formando uma aliança com os franceses. Em 1296 Edward,
então, invadiu a Escócia, e Balliol foi capturado e forçado a se render ao trono da
Inglaterra. Edward procurou reger a Escócia diretamente, sem um rei fantoche, forçando
muitos nobres escoceses e os proprietários a submeterem-se a suas regras. E, em uma
reunião em Berwick, colocou altos funcionários ingleses para governar a Escócia,
retirando-se do território, e retornando a seu castelo.
Entretanto os escoceses não eram de fácil jugo. Parte considerável de pequenos
proprietários de terra levantaram-se em uma rebelião, liderada por William Wallace.
Dentre as diversas ocorrências que culminaram na I Guerra de Independência Escocesa,
está o assassinato do xerife William Heselrig, representante inglês em Lanark. Este foi
um dos eventos chave, não foi um incidente isolado, mas acredita-se que Wallace tomou
parte no movimento rebelde a partir desta revolta. Em setembro de 1297, Wallace infligiu
uma severa derrota aos ingleses na Batalha da Ponte de Stirling. Mas em junho do ano
seguinte, os ingleses obtiveram a vitória em Falkirk. Os escoceses continuaram, no
entanto, a resistir, batalha após batalha. E Wallace foi capturado em Robroyston, nos
arredores de Glasgow em 1305, levado para a Inglaterra e executado. Faremos no capítulo
posterior uma melhor análise da figura de William Wallace.
Em 1306, Robert Bruce foi coroado o rei da Escócia e sob seu reinado a resistência
escocesa aumentava gradualmente. Edward I faleceu em 1307, após ter contraído
21
todos os laços com o Papa Pio IV. A partir de então, o Parlamento também proibiu a missa
católica ou qualquer doutrina ou prática contrária a uma confissão de fé elaborada por
Knox. A reforma escocesa fora bem-sucedida e a Escócia era, agora, um país protestante.
No ano de1561, após a morte de seu marido, Mary I retorna da França. Apesar de
Mary professar o catolicismo, ela foi forçada a aceitar a Reforma Escocesa, mas se
manteve fiel à sua antiga religião. Em 1565, Mary casou-se com seu primo, também
católico, Henry Steward, Lorde Darnley. No entanto, Darnley ficou com ciúmes do
Secretário italiano de Mary, David Riccio, e, em março de 1566 Darnley e seus amigos
assassinaram Riccio. Mary nunca perdoou Darnley. Assim, no ano seguinte, uma casa
onde Darnley estava hospedado foi explodida, e, quando encontraram seu corpo, foi
constatado que ele havia sido estrangulado pouco tempo antes da explosão. Pouco após o
episódio, Mary desposou o Conde de Bothwell.
Enfurecidos com a situação, os nobres protestantes promoveram um levante e
capturaram Mary, forçando-a a abdicar do trono em favor de seu filho, que se tornou
James VI. Mary escapou das mãos dos nobres e ergueu um exército, mas foi derrotada na
batalha de Langside, fugindo para a Inglaterra. A Escócia foi governada por regentes até
que James tivesse idade suficiente para governar. Em 1589, James casa-se com Ana da
Dinamarca. Então, em 1603, com a morte da rainha Elizabeth da Inglaterra, ele se torna
o rei James I da Inglaterra, bem como o rei James VI da Escócia. Durante a crise da
Invencível Armada em 1588, guerra entre a Espanha e a Inglaterra, James garantiu a
Isabel, rainha da Espanha, seu apoio como "seu filho natural e compatriota de seu país".
Tal correspondência e apoio fora fundamental para que, após a morte de Elizabeth, que
não deixou herdeiros, James pudesse ascender ao trono inglês. Sua mãe, Mary I, fora
decapitada em 1587 na Inglaterra.
Em relação à doutrina da Igreja Anglicana, vertente protestante fundada por
Henrique VIII, a Igreja Escocesa diferia em suas práticas e algumas doutrinas. O filho de
James, Charles (1625 – 1649), tentou unificar as duas igrejas, impondo uma liturgia única.
Mas, tal ato desagradou aos escoceses.
Em janeiro de 1649 os ingleses decapitaram Charles I. Os escoceses
imediatamente proclamaram seu filho Charles II como o rei Charles II. Assim como seu
pai, Charles, e seu avô James VI, Charles II era episcopal. Ele acreditava que os Bispos
deveriam reger a igreja. No entanto, para ganhar o apoio dos escoceses, ele concordou
em aceitar o presbiterianismo na Escócia. Em junho de 1650, ele foi para a Escócia e foi
coroado rei em Scone em janeiro de 1651. Entretanto, em julho de 1650 outro exército
23
Percebendo que o rei deposto poderia retornar à Escócia para reclamar seu trono,
o rei William incitou uma União entre a Inglaterra e a Escócia. Sua sucessora, a rainha
Anne, fez o mesmo. Os negociantes escoceses vislumbraram vantagens econômicas nesta
união e, em 1706, concordaram em abrir negociações. Os escoceses queriam uma União
Federal, mas o Parlamento Inglês recusou. Ainda em 1706 foi redigido um tratado onde
as duas nações compartilhariam uma bandeira e um Parlamento, mas a Escócia manteria
sua própria igreja e seu próprio sistema jurídico. O Parlamento escocês aceitou o Tratado
de União em 1707. E o Reino Unido passa a existir formalmente em 1 de maio de 1707.
A impopularidade do Ato de União crescia cada vez mais entre muitos escoceses.
Enquanto isso James II, o rei que fora deposto em 1688, faleceu em 1701, mas seu filho
James Edward estava ansioso por recuperar o trono escocês. Seus seguidores eram
chamados Jacobitas, nome dado porque, do latim, James era traduzido como Jacobus. Ele
possuía muitos adeptos nas Highlands. Em 1715, o Conde de Mar proclamou-o rei,
denunciando a nulidade do ato de União.
Os Highlanders reuniram-se para se juntar ao Conde de Mar e em setembro de
1715 suas forças capturaram Perth. No entanto, nas cidades ao sul o Tay permaneceu fiel
ao governo. Em 13 de novembro, os Jacobitas lutaram contra as tropas do governo em
Sheriffmuir, perto de Dunblane, mas a batalha terminou hesitante. Em 22 de dezembro
de 1715, James Edward desembarcou em Peterhead, porém os Jacobitas se retiraram de
Perth, diante das forças governamentais, e isso fez com que James Edward desanimasse
e, em 4 de fevereiro de 1716, ele e o Conde de Mar deixaram a Escócia. Tal ato arrefeceu
a rebelião até que ela foi dissipada. Entretanto os Highlanders permaneceram como uma
ameaça constante ao governo.
Algumas medidas foram tomadas pelo governo para prevenir uma nova rebelião
e reforçar o controle nas Highlands. O Fort Augustus foi construído em 1716. Entre 1725
e 1736, o General Wade construiu uma série de estradas nas Highlands para facilitar o
deslocamento das tropas governamentais. Em agosto de 1745, Charles Stuart, neto do rei
que fora deposto em 1688, desembarcou na Escócia, na esperança de recuperar o trono.
Em setembro de 1745, “Bonnie Prince Charlie” capturou Edimburgo, persuadindo alguns
dos montanheses a apoiá-lo. Eles então foram cercados por uma tropa do exército do
governo em Prestopans. Os Jacobitas em seguida marcharam ao sul e em dezembro
chegaram a Derby. Os ingleses falharam em apoiar Charles e algumas das suas tropas das
Highlands desertaram. Assim, em 6 de dezembro de 1745 os Jacobitas começaram uma
retirada. Charles Stuart, posteriormente, fugiu para a França.
25
Após a derrota da rebelião Jacobita, o governo aprovou leis para destruir o modo
de vida e tradições dos Highlanders. Em 1746 uma lei proibiu o kilt e a gaita de foles. As
terras pertencentes aos Jacobitas foram confiscadas e as “Jurisdições Hereditárias” — o
direito dos chefes de clã para segurar os tribunais e julgar certos casos — foram abolidas.
Apesar das rebeliões Jacobitas, a economia da Escócia cresceu rapidamente
durante o século XVIII. Os proprietários estavam ansiosos para melhorar suas
propriedades e foram introduzidos novos métodos de agricultura. Nabos e batatas foram
introduzidas na Escócia. Infelizmente essa anulação cultural das Highlands causou muito
sofrimento. Na década de 1760, os latifundiários foram despejados e os arrendatários
foram obrigados a entregar suas terras ao gado ovino. Muitos dos despossuídos migraram
para a América do Norte e outros mudaram-se para as cidades, onde a indústria crescia
ferozmente.
Em nosso próximo capítulo teceremos considerações acerca de Blind Harry e sua
obra, assim como de algumas de suas reapropriações que receberam maior destaque ao
longo dos séculos. Este capítulo será basilar para a melhor discussão da importância do
mito de Wallace não só para o povo escocês, mas como uma herança cultural partilhada.
26
CAPÍTULO II
A tradição literária escocesa é tão variada e rica quanto a produzida nos demais
reinos que compõem as Ilhas Britânicas. Suas obras primas foram produzidas em três
línguas: inglês, gaélico e scots. O inglês garantiu sua primazia como língua franca para a
comunicação nos reinos das Ilhas Britânicas; é a língua do dominador que mesmo assim
foi submetida a uma variação própria, chamada Scottish Standard English. O gaélico ou
gaélico escocês é a língua falada nas Terras Altas, que remonta ao século V de nossa era,
quando os celtas provenientes do norte de Irlanda se instalaram nessas terras. O gaélico
aos poucos foi substituindo a língua falada pelos Pictos. Já o scots é uma língua germânica
falada nas terras baixas da Escócia, originada do inglês médio da Nortúmbria.
Quando refletimos sobre a literatura escocesa medieval, dois principais nomes se
apresentam: John Barbour e seu poema The Bruce e Blind Harry com The Wallace. John
Barbour foi Arquidiácono de Aberdeen, e escreveu sua obra prima baseada na vida de
Robert Bruce na década de 1370. Por essa obra, Barbour é considerado como o pai da
poesia escocesa e influência de autores como Chaucer e Harry. Tanto The Bruce quanto
The Wallace são ficções históricas, versando sobre a Primeira Guerra de Independência
da Escócia, cada qual focando no personagem cujo título evidencia. Tais obras são
escritas buscando uma verossimilhança histórica, mitificando os heróis através de suas
aventuras e desventuras.
4
The Wallace. Book 1, Chapter 1, p 1.
27
confirmação, ainda no século XVI, de que os versos sobre William Wallace foram escritos
por um homem chamado Harry ou Henry, de cujo sobrenome não havia evidências,
apenas uma alcunha que versa sobre a sua possível cegueira. Podemos arrolar como
registros de sua existência ao menos dois textos: o poema Lament for the Makaris, de
William Dunbar – citando a recente morte do poeta - e as Contas do Real Tesouro do Rei
James IV, entre os anos de 1473 e 1492. Nessa época, existem cinco lançamentos
destinados a Harry e a outros menestréis da corte. Acredita-se que Harry seja conhecido
como Blind Harry para diferenciar-se de algum outro autor que fosse seu contemporâneo.
Acredita-se que Harry completou a escrita de seu poema por volta do ano de 1488, pois
neste mesmo ano um escriba chamado John Ramsay realizou sua cópia em língua latina.
Este manuscrito está preservado na Biblioteca Nacional da Escócia - Biblioteca dos
Advogados -, em Edimburgo, sob o número de catálogo Adv. MS. 19.2.2 (ii). Esta cópia
está guardada sob o título Vita Nobilissimo Defensoris Scotie Wilelmi Wallace Militis.
O poema original foi escrito em gaélico medieval. Isto pode evidenciar uma
conotação de certa resistência cultural, pelo fato de não ter sido escrito em SSE (Scottish
Standard English) ou no latim usado na corte, mas em vernáculo. Esta também pode ser
uma provável evidência de falta de educação formal de Harry. Este poema épico foi
descrito como biografia romântica (MCKIN: 2003, p viii), em 11.877 estrofes, divididas
em 12 livros. Segundo Scheps (1970), este poema é o primeiro poema medieval escocês
a utilizar pares de versos decassílabos. Assim como seus contemporâneos, Harry, em suas
estrofes, faz uso de rimas estruturadas no estilo aabaabbab em estrofes de nove linhas.
5
“Eterno Deus, porque devo eu morrer,/Até agora tenho mantido minha confiança em vós,/Vale a pena isso
a que serei totalmente digno?/Mas vós me redimistes, e a isso decretastes em minha vida./Pai Espiritual que
morrestes na cruz,/Com vosso sangue nos tiraste da prisão do inferno,/Por que vós tivestes este trabalho de
graça,/E nenhuma riqueza vale este grande sofrimento que vemos,/Por minha vida a qual barganho?”
(Tradução Nossa) The Wallace, Livro 2 verso 180 a 189.
28
Tal recurso, segundo Mckim (2003, p xi.), foi utilizado por Chaucer, em seu
poema Anelida and Arcite (década de 1370), por Robert Henryson em The Testament of
Cresseida (século XV), por William Dunbar em The Goldyn Target (1508) e ainda por
Gavin Douglas em The Palice of Honour (1501). Existe uma exceção no poema,
localizado no Livro I, verso 104, onde Harry, a exemplo de Chaucer em The Monk’s Tale,
utiliza uma estrofe de oito linhas em verso decassílabo, cuja rima compreende a estrutura
ababbcbc.
In this samyn tyme to him approchit new
His lusty payne, the quhilk I spak of ayr.
Be luffis cas he thocht for to persew
In Laynryk toune and thidder he can fayr;
At residence a quhill ramaynit their
In hyr presence as I said of befor.
Thocht Inglismen was grevyt at his repayr,
Yeit he desyrd the thing that sat him sor.6
No início do poema, Harry refere-se à obra como ‘Wallace Lyf’. O termo lyf ou
life é comumente usado, na Idade Média, como indicativo de biografia. Tal fato repete-se
no manuscrito Ramsey, onde seu copista utiliza a palavra latina vita. A partir da quarta
edição, que data de 1630, o termo life é substituído por life and acts, ou seja, a vida e os
feitos. Sua narrativa percorre uma trajetória linear, que vai desde o nascimento de Wallace
até a sua execução.
Os feitos de William Wallace são matéria de lendas antes mesmo de Harry
eternizá-los em seu poema. Alguns anos antes de Harry, o historiador John of Fordun
menciona tais feitos em sua Gesta Annalia (1285) – capítulos 98 a 103 – e,
posteriormente, em sua Chronica Gentis Scotorum (os primeiros 5 volumes entre 1124 e
1153 e um volume póstumo em 1385). Acredita-se que tais textos foram a base das
crônicas de Andrew of Wyntoun e Walter Bower no século XV.
A obra de Harry é considerada a celebração da vida de William Wallace, pois ele
eterniza, ao modelo do bardo, seu heroísmo, seus feitos militares e sua vitória moral sobre
o inimigo. O poeta divide seu épico em 12 livros para que possa ser declamado na forma
de episódios, cujo propósito é inspirar, encantar e guiar o ouvinte ou leitor a um processo
catártico de autoafirmação diante de um problema, através da imitação das qualidades
morais do herói.
6
“Nesta mesma época ele retorna/À sua prazerosa dor, àquela [sobre] a qual mencionei em Ayr./Para
prosseguir de acordo com a chance do amor/Pode retornar à fazenda em Lanark;/Lá permaneceu por algum
tempo/Em sua presença como havia dito./Apersar dos ingleses estarem aguardando sua chegada,/Ainda sim
desejava àquilo que lhe causava maior problema.” (Tradução Nossa) The Wallace. Livro 6, verso 17 a 24.
29
7
Mas eu prossigo com a fiel e verdadeira pena,/E candidamente persigo meu propósito:/Wallace, apesar de
ainda jovem para espada ou lança,/Se afligiu e murmurava tais impropérios para se ouvir:/"Ah! Deveria
minha terra sofrer tal angústia"/Disse ele, "e diariamente aumentarem os Sulistas;/Tivesse eu mais de dez
mil às minhas costas,/E fossem homens, eu quebraria suas espinhas."/(...)/Que os escoceses não possam
mais ofender,/Com o seu sacerdote dispensar mais livremente:/Absolveu os pecados e remiu a culpa/Do
sangue dos Sulistas tão inocentemente derramado. Tradução Nossa. The Wallace. Cap 1, Livro 3, p. 6,7.
30
Wallace took up the open list which Edwin had dropped; he saw the
name of Lord Ruthven’s amongst the prisoners; and folding his arms
round this affectionate son, "Compose yourself" said he, "it is to Ayr I
am going: and if the God of justice be our speed, your father, and Lord
Dundaff shall not see another day in prison."8
8
The Scottish Chiefs. Capítulo 29 - The Barns of Ayr . Wallace pegou a lista aberta que Edwin havia
deixado cair; Ele viu o nome de Lord Ruthven entre os prisioneiros; E dobrando os braços para este filho
31
Nigel Trenter foi um autor e historiador escocês, que viveu entre 1909 e 2000.
Seus escritos versaram sobre arquitetura e histórias dos castelos e romances históricos
que cobrem diversos séculos da história da Escócia. Entre suas diversas novelas
históricas, destacamos The Wallace (1975) e Robert the Bruce Trilogy - The Steps to the
Empty Throne (1969), The Path of the Hero King (1970) e The Price of the King's Peace
(1971). Todas estas dizem respeito aos principais personagens da Primeira Guerra de
Independência da Escócia. A presença destes personagens históricos pode ser observada
através da fala de William Wallace no trecho:
'God aiding me, the men who did this evil thing will go to answer for it.
To a higher court than Edward Plantagenet's!' he said, deep voiced,
'And, thereafter, we will seek to cleanse this good land of, of...' The
deep voice cracked and broke. He could not go on. Nor required to. He
swung away abruptly. 'So be it', John Blair took him up, quietly. 'In the
name of the Father, the Son and the Holy Spirit. Amen.'9
afetuoso, "Componha-se", disse ele: "É para Ayr, eu vou: e se o Deus da justiça for nossa velocidade, seu
pai e Lorde Dundaff não verão outro dia na prisão".
9
The Wallace. Parte 1, Capítulo 1. "Deus me ajudando, os homens que fizeram esse mal é responderão por
isso. Para um tribunal superior do que o de Edward Plantagenet! Ele disse, expressado profundamente: "E,
depois disso, procuraremos limpar esta boa terra de ..." A voz profunda quebrou e quebrou. Ele não podia
continuar. Nem é necessário para. Ele se afastou abruptamente. "Então seja", John Blair levou-o,
calmamente. 'Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.'
32
CAPÍTULO III
Não podemos abordar o mito literário de William Wallace e seu significado para
o Ocidente sem antes abordar a questão do Mito propriamente dito. Isto, de forma alguma,
significa que o Mito Literário seja tão somente o mito inserido na Literatura. Para isso,
trataremos de questões como Mito, Mito Literário, Arquétipo, Figuras Literárias e Figuras
Históricas.
No início do século XVIII, na Europa, a Era Clássica entra em crise, resultando
no seu declínio. A partir de tal declínio temos o início do movimento Romântico na
Alemanha, na Inglaterra e na França. A contemporaneidade Ocidental procura, sempre
que possível, apoiar-se em sua herança medieval para iluminar a sua compreensão e sua
auto-interpretação identitária. Esta ressignificação da Idade Média faz parte da matriz de
inteligibilidade do Ocidente proposta por Umberto Eco, quando afirma que a Idade Média
representa o crisol da Europa e da civilização moderna. (ECO, Umberto, 1989)
Enquanto a Inglaterra e o restante da Europa viviam essa Era Clássica, “a literatura
popular escocesa que existira até os fins do século XVI agora se reduzia à transmissão
oral. Tudo, razões políticas e literárias, convidava a uma rebelião que visasse a instaurar
o prestígio dessas velhas lendas e canções que corriam na voz do povo”. (MOISÉS, 1960,
p. 13) O primeiro autor escocês a rebelar-se contra o verso clássico foi Allan Ramsay,
10
Ulysses. In: Mensagem, Fernando Pessoa
35
que em 1724 publica uma antologia de velhos poemas escoceses intitulada The Evergreen
e uma coletânea de velhas canções baseadas no sentimento da natureza The Teatable
Miscellany, e em 1725, publica The Gentle.
Seguindo a proposta de Ramsay - da “Escola do Sentimento” -, contra a “Escola
da Razão”, surgem escritores como James Thomson (1700-1748), autor de The Seasons
(1726-1730), e Edward Young (1683-1745), autor de The Complaint, or Night Thoughts
on Life, Death and Immortality (1742-1745), dando início à poesia com motivos fúnebres.
Já na prosa, temos Samuel Richardson (1689-1761), que é considerado o precursor do
romance ao publicar seus três romances epistolares: Pamela: ou, a virtude recompensada
— 1740; Clarissa: ou a história de uma jovem — 1748 e A História de Sir Charles
Grandison — 1753.
Alimentando os mitos escoceses, em 1760, o poeta James Macpherson (1736-
1796), prolífico colecionador de poemas em gaélico, começou a publicar a tradução em
prosa dos poemas supostamente escritos por Ossian, um velho bardo escocês do século II
d. C. Moisés (1960) nos evidencia a forte repercussão da poesia Ossiânica:
Assim, a literatura escocesa dos séculos XVIII e XIX “projetou no Medievo seus
mitos de origem para a construção de narrativas identitária” (BACCEGA, 2015, p. 35)
nos quais o objeto de nosso estudo, William Wallace repousa, como “uma história da
criação e do uso das imagens que fazem uma sociedade agir e pensar”. (LE GOFF, 2009,
p. 13)
36
11
Terra roxa e outras terras. in Revista de Estudos Literários
Volume 5 (2005)
37
encarnada em uma tradição. Dentro desses mitos genéticos – também conhecidos como
os mitos de origem – podemos destacar os Mitos Cosmogônicos, que são os mitos
relativos à origem do mundo e da natureza em sua totalidade; os Mitos Antropogônicos,
relacionados à origem do homem e da humanidade; os Mitos Teogônicos, voltados à
origem e às vicissitudes primordiais de figuras divinas; Mitos de Fundação Heroica e
Cultural, relacionados aos bens culturais materiais e espirituais e a um "herói cultural",
um protagonista mítico que é diferente das figuras divinas; Mitos de Fundação e
Introdução da Morte, que narram os acontecimentos a partir do fim da vida humana.
Neste trabalho observamos a literatura como um verdadeiro conservatório dos
mitos, pois estes nos chegam envoltos em literatura. Dentro do panorama da criação
literária, o mito intervém na relação entre o escritor e seu público, pois entende-se que ele
não é algo pessoal, mas de toda uma coletividade. O escritor somente exprimirá as suas
experiências ou convicções através destas imagens simbólicas que podem ser
reconhecidas por seu público como imagens fascinantes.
O mito literário não pode ser comparado a uma alegoria, pois este é quase sempre
produto de uma criação espontânea. O mito literário não pode ser comparado ao conto,
pois o conto não é sacralizado como o mito. O mito literário não pode ser comparado a
uma utopia, pois ele não contém um futuro idealizado. Por fim, o mito literário não pode
ser comparado às lendas, pois são caracterizados por uma origem histórica.
O mito literário sofre alguns altos e baixos. Um mito não é identificável com um
texto e um texto literário não é em si mesmo um mito; este pode ganhar ou perder segundo
a recepção de um público em determinada época. Podemos utilizar como exemplo o mito
de Tristão e Isolda, reconhecido e admirado no século XII por uma pequena parte da
aristocracia cortesã que nele se reconhecia, mas desprestigiado nos séculos XV e XVI,
quando cede lugar para imagens relacionadas à Antiguidade Clássica.
2 – O ARQUÉTIPO
A questão arquetípica presente nos estudos literários tem suas raízes em filósofos
neoplatônicos como Plotino. Este termo era utilizado por eles para designar as ideias
como modelos de todas as coisas existentes. Segundo esta concepção filosófica existe um
universo no qual tudo é permanente e imutável, povoado por ideias originais. Assim, no
mundo das percepções sensíveis, tudo é uma reprodução de tudo aquilo que existe na
esfera superior. Pela confluência entre as ideias neoplatônicas e o cristianismo, o termo
Arquétipo chegou à filosofia cristã, sendo utilizado por Agostinho de Hipona.
38
Em 1919 o psiquiatra Carl Gustav Jung utiliza pela primeira vez a palavra
Arquétipo para designar as imagens primitivas inseridas no inconsciente coletivo desde
os primórdios do ser humano. Jung propõe que tais imagens evocam o objetivo dos
instintos. Os arquétipos são percebidos como comportamentos externos, especialmente
aqueles que se aglomeram em torno de experiências basilares e universais da vida, tais
como nascimento, casamento, maternidade, morte e separação. Esta miríade imagética é
necessária para que a humanidade caminhe rumo à sua individuação, ou seja, na direção
de sua mais perfeita finalização, para que um dia possa se unir novamente ao seu eu-
próprio.
Os símbolos arquetípicos são encontrados nos chamados mitos de origem ou de
fundação. Tais mitos são a base das mais variadas religiões e de lendas que fazem parte
de uma bagagem cultural coletiva, os quais marcam tanto a consciência como a esfera do
inconsciente humano. Segundo a teoria Junguiana, existe uma infinidade de imagens
arquetípicas. Porém, as figuras básicas que mais nos chamam a atenção são a figura
materna, a imagem do pai, a imagem da criança, o herói e o divino. Tais figuras
constituem, para a psicologia Junguiana, manifestações imateriais que modelam os
principais eventos psíquicos da humanidade.
Seguindo a proposição de Jung, estudiosos como Erich Neuman e James Hillman
nos chamam a atenção por seu pensamento sobre a teoria arquetípica. Erich Neumann,
em 1954, observou que os arquétipos são recorrentes em cada geração e, a cada geração,
adquirem uma história de formas baseada em uma ampliação da consciência humana. Já
James Hillman, o fundador da escola da Psicologia Arquetípica, cita em 1975 o conceito
de arquétipo como a mais profunda premissa do funcionamento da psique humana,
funcionando como delineador do modo pelo qual percebemos e nos relacionamos com o
mundo.
Então, voltando o nosso pensamento para a questão literária, percebemos que o
mito assinala uma história exemplar onde ela própria está cristalizada, em suma, em uma
imagem prestigiosa e dinâmica. Tal imagem ao mesmo tempo reúne e resume o espírito
mais profundo de uma determinada cultura, pois toda a narrativa é uma imagem digna de
uma expressão literária, a qual remonta a um ou a vários arquétipos pois, como cita Régis
Boyer, “em matéria de mitos literários, o arquétipo está sempre no final da investigação”.
(BOYER, 2005, p.90)
O ser humano, como animal simbólico por excelência, sempre está em busca de
uma ideia primeira, arquetípica, simbolizando o início de um tempo. Por essas figuras
39
temos, por exemplo, o Jardim do Éden para a criação da humanidade cristã; a Völuspá,
ou A Profecia da Vidente, para a criação da mitologia nórdica e outros mitos criacionais.
É através deste pensamento que acessamos a primeira das três condições propostas por
Boyer para a matéria do arquétipo na literatura12. Para ele, o mito é “o primeiro elemento
real na crítica histórica de textos e de manuscrito arquétipo, ou imaginário, sem que uma
apreciação de ordem qualitativa se prenda necessariamente à coisa”. (BOYER, 2005, p.
90)
Seguindo o pensamento de Boyer, observamos que como acepção de modelo ideal
ou idealizado, o arquétipo é legitimado a partir de um julgamento de valores que é
matizado através de uma simples qualidade inicial e paradigmática, pois, para ele, “Todo
herói, todo guerreiro digno de memória, se encontra justificado por um Hércules, um
Gilgamesh, um Boewulf, um Cuchulain ou um Kullervo.” (BOYER, 2005, p. 91) Todos
estes heróis trazem em si, no modelo agnóstico que lhes é próprio, características pelas
quais se admirar, jamais esgotando os recursos de nosso próprio engenho.
Por fim, Boyer aborda o arquétipo literário como um tipo supremo, a perfeição e
o absoluto que transcende todas as dimensões temporais ou éticas. Seja qual for o seu
domínio, o arquétipo – religioso, mítico ou fictício – vai direto ao essencial, ao idealizado.
Para Boyer, o Verbo e a Palavra chegam a “restabelecer, não estabelecer [a comunicação
entre o arquétipo e a humanidade] pois eles supõem uma realidade transcendente que eu
chamo de tipo supremo quando se trata de pessoas (de nosso Anjo, visível em toda mulher
amada, ou em razão de uma admiração imperiosa, do herói civilizador, o culture hero,
que sempre encontramos), uma narrativa perfeita ou um arquitexto, no sentido apenas de
narrativa”. (BOYER, 2005, p. 92)
Lembremos, então, que tudo aquilo a que costumamos nos referir como
imaginário transcendental ou inconsciente coletivo é de uma espécie de reservatório
espiritual acessível a todos os indivíduos de uma determinada civilização e, de certa feita,
a todo ser humano. Este imaginário nos é acessível, como nos ensina Jung, de forma mais
inconsciente que lúcida através de sonhos, delírios e mitos que alimentam toda religião e
toda literatura.
12
Dicionário de Mitos Literários. Pierre Brunel (Org.)
40
sonhos pois, como Rougemont, citando Dumézil e sua obra Mythe et Epopée, lembra, “os
mitos [...] não são invenções dramáticas ou líricas gratuitas, sem nexo com a organização
social ou política, sem nexo com o ritual, com a lei ou com o costume; sua função é, pelo
contrário, justificar tudo isso, expressar em grandes imagens as grandes ideias que
organizam e sustentam tudo isso.” (DUMEZIL apud ROUGEMONT, 1988, p. 386)
O mito político-heroico permanece ligado aos acontecimentos que o geraram para
que, em seguida, possa transcendê-los ou até mesmo deformá-los, pois sua expansão se
dá através de sua propaganda. Este impulso inicial é crucial para sustentá-lo e alimentá-
lo para que, de tempos em tempos, este seja conjugado a novos impulsos. A propaganda
pode ser participante, simultaneamente, de um fenômeno artístico sofisticado e de um
fenômeno popular. De fato temos observado a reverberação do mito de Wallace, que
ressurge de tempos em tempos através de sua releitura, pela necessidade sócio-política e
em consonância com elas, em diversas mídias como o romance, o cinema e a música onde
“todo mito literário é suscetível de variar em função das conjunturas políticas, sociais e
econômicas e até mesmo dos problemas espirituais de uma coletividade, que não são
necessariamente idênticos nas diferentes etapas de sua história”. (CAVERIVIÈRE apud
ROUGEMONT, 1988, p. 387)
O mito literário de Wallace tem valor demiúrgico, de forma que em algumas de
suas reapropriações, distingue-se de sua saga onde há um enraizamento histórico. Tal
autonomia em relação à história caracteriza o mito, diferenciando-o de um mero conto
fantástico, pois, apesar de suas concessões ao maravilhoso, remete ao quotidiano e extrai
deste a sua substância alimentadora primordial. “Por sinal, os personagens de contos
acham-se dotados de uma psicologia muito em conformidade com aquela do homem
comum. Os heróis míticos, pelo contrário, totalmente desprovidos dessa psicologia e
obedientes às leis do imaginário, simbolizam forças, realidades fundamentais.”
(CAVERIVIÈRE apud ROUGEMONT, 1988, p. 389)
Por fim, devemos lembrar que um mito político-heroico pode, inclusive, perder
sua força e esvanecer. Porém, seu enraizamento no sonho humano é tão profundo que ele
sempre despertará quando houver necessidade de um motor de retomada de uma herança
cultural para representar um fenômeno de cultura.
42
CAPÍTULO IV
13
Eu não sou a Terra nem um adjunto da terra,/Eu sou o parceiro e o companheiro das pessoas, tudo
tão/imortal e incompreensível quanto eu mesmo/(Eles não sabem o quão imortal, mas eu sei.). A Song of
Myself – Walt Whitman
43
mundo é menor que as distâncias mais curtas e que os eventos em um determinado lugar
gerarão um impacto imediato sobre pessoas e lugares situados a uma grande distância.
A escolha de Wallace como objeto de representação por determinados grupos é a
construção simbólica e intersubjetiva que auxilia estes sujeitos a entender o contexto no
qual estão inseridos. Tal contexto advém da negociação entre os aspectos objetivos,
sociais e subjetivos a partir dos quais a identidade é construída. O sentido e a construção
da representação desta identidade são feitos através de uma narrativa que confere ao
sujeito, simultaneamente, causalidade e ordenamento pois, como nos afirma Stuart Hall:
Elas [as identidades] têm a ver com a questão da utilização dos recursos
da história, da linguagem e da cultura para a produção não daquilo que
nós somos, mas daquilo no qual nos tornamos. Têm a ver não tanto com
questões “quem nós somos” ou “de onde nós viemos”, mas muito mais
com as questões “quem nós podemos nos tornar”, “como nós temos sido
representados” e “como essa representação afeta a forma como nós
podemos representar a nós próprios”. (HALL, 2000, p. 108)
lutas sociais não são vistas apenas como modo de resistência, mas como um modo
positivo e plural: um exercício de negação de dominação, uma configuração sintética do
poder, uma síntese da revolta e da resistência.
A partir deste conceito de hibridismo cultural postulado por G. Canclini,
percebemos a movimentação dos bens culturais cujo movimento natural e necessário
pode ser observado a partir da transculturação proposta por Fernando Ortiz em seu livro
El contrapunteo cubano del azúcar y del tabaco, e consolidada por Angel Ramas em seu
livro Transculturación narrativa en America Latina. Em seu postulado, Rama dialoga
com o leitor sobre a transculturação literária, limitando a descrição de transculturalidade
a três momentos: o primeiro, de parcial desconstrução, que ocasiona a perda de
componentes culturais e literários obsoletos; o segundo, de incorporação de componentes
ou de elementos advindos da cultura ou literatura estrangeira; e o terceiro, o esforço de
recomposição e recombinação dos elementos originais e os vindos de fora.
O processo de Transculturação ocorre quando um indivíduo adota outra cultura,
implicando um tipo, mas não necessariamente, de perda cultural. Tal "perda" é o que
observamos como a transformação dos padrões do próprio indivíduo a partir de elementos
externos. Assim, somente alguns traços são transmitidos e incorporados à cultura
receptora. Esta cultura, por sua vez, realiza o processo de doação em relação à cultura
introduzida que incorpora a seus próprios padrões, hábitos e costumes que, até então, lhe
eram estranhos. Neste processo, o próprio Ortiz afirma que:
14
Entendemos que el vocablo transculturación expresa mejor las diferentes fases del proceso transitivo de
una cultura a otra, porque éste no consiste solamente en adquirir una cultura, que es lo que a rigor indica la
voz angloamericana aculturación, sino que el proceso implica también necesariamente la pérdida o el
desarraigo de una cultura precedente, lo que pudiera decirse una parcial desculturación, y, además, significa
la consiguiente creación de nuevos fenómenos culturales que pudieran denominarse neoculturación. –
Tradução nossa.
46
Robert Rosenstone afirma que “no final da década de 1910, houve o surgimento
de uma outra tradição de filmes históricos que não hesitam em fazer perguntas e
apresentar interpretações sérias sobre o significado do passado”. (ROSENSTONE, 2010,
p. 29) Assim, o novo método de entretenimento ganha força, gerando diversos debates
sobre a apropriação do conhecimento erudito pelo cinema pois, até então, a nova arte era
vista apenas como uma arte voltada às camadas populares, como um entretenimento
inocente que é esvaziado de qualquer elemento metodológico histórico. Sob o preconceito
de ter nascido nos porões de um café em Paris, o cinema amargou -durante muito tempo-
este fardo por ter seu público formado majoritariamente por operários. Segundo o próprio
Rosenstone, tal barreira foi derrubada a partir da terceira geração da École des Annales,
através de teóricos como Jacques Le Goff, Georges Duby, Pierre Nora e Marc Ferro, que
possibilitaram “um clima que permitiu que os acadêmicos passassem a levar a cultura
15
Publicado em Contracampo Revista de Cinema, Nº 34, 2001. Disponível em
http://www.contracampo.com.br/34/frames.htm Acessado em 15/04/2017.
47
popular mais a sério e começassem a observar mais de perto a relação entre filme e
conhecimento histórico”. (ROSENSTONE, 2010, p. 29) Nesse período,
significativamente, um volume expressivo da produção cinematográfica tem a Idade
Média como fonte de inspiração.
O fascínio despertado pela Idade Média no cinema nos remete às origens da
civilização ocidental, a uma época onde se organizam lendas e mitos que fazem parte do
imaginário popular. Nela revisitamos épocas famosas como a das cruzadas, que
ocorreram entre os séculos XI e XIII e revivificamos as lendas arturianas como seus
famosos Cavaleiros da Távola Redonda com seu ideal de cavalaria. Cabe ressaltar que
nem todos os acontecimentos relatados nas obras cinematográficas corresponderão a uma
abordagem acurada do período histórico, mas sim ao imaginário solidificado sobre este
período.
Lembremo-nos então que tal imaginário foi construído, conforme afirma Macedo,
no inconsciente Ocidental a partir do movimento romântico europeu dos séculos XVIII e
XIX.
Tal acontecimento marcado pelo foco no individualismo e na emoção,
na volta à natureza, ao contrário da razão iluminista, (...) trouxe o
interesse e a busca pelas raízes nacionais, bem como uma visão
folclórica da Idade Média ao resgatar costumes populares. (MACEDO,
2009, p. 15)
Nesse sentido, autores como William Blake (1757-1827), Sir Walter Scott (1771-
1832), Samuel Coleridge (1772-1834) e Lord Byron (1788-1824) contribuíram para a
criação de uma aura mística em torno desta nova busca pelas raízes medievais de uma
nação. A ficção de cunho medieval é utilizada como pretexto para exprimir um passado
nostálgico, centrado em uma época utópica e quimérica, composta por, em tese, uma
sociedade mais homogênea. Assim, passamos a entender a medievalidade no cinema
como:
(...) uma mera referência associada à Idade Média, por vezes muito
estereotipada, como os imponentes castelos que encontramos nos mais
diversos filmes, que geralmente trazem mais traços modernos que
efetivamente medievais, e as imagens do maravilhoso, representado por
magos, dragões, feiticeiros, bruxas, monstros e guerreiros em busca do
Graal. (OLIVEIRA, 2016, p. 34)
por Oliveira (2016), ao nos depararmos com certas adaptações cinematográficas que
retratam o medievo, devemos sempre nos questionar sobre o “por que certas imagens,
ações e personagens foram escolhidos?; a que contexto este material se refere?; em que
momento ele foi produzido?; e, finalmente, em que contexto ele foi lançado e exibido?”
(OLIVEIRA, 2016, p. 38)
A ocupação inglesa, ou pelo menos uma parte dela, iniciou-se no ano de 1291 com
a disputa de ao menos quatro pretendentes ao trono escocês por ocasião da morte do Rei
Alexander III. O Rei Edward I foi convidado a mediar este conflito para que se evitasse
uma guerra civil na Escócia. A ocupação total se deu em 1296, após os fatos narrados no
primeiro capítulo deste trabalho. Sobre este episódio, Harry escreve:
Assim sendo, o fato de o filme Coração Valente sugerir em seu início, através de
cenas dramáticas, a morte dos pais do jovem Wallace no episódio dos "Celeiros de Ayr"
16
Que galante raça, para tornar minha história breve,/Sir Thomas Wallace representa como chefe./Tanto
para o bravo lado do pai de Wallace,/Nem eu vou aqui esconder os parentes de sua mãe:/Ela era uma
senhora mais completa e brilhante,/A filha daquele honrado cavaleiro,/Sir Ranald Crawford, alto xerife de
Ayr,/Que amou afetuosamente no seu justo charme /HARRY, Book 1, Chapter 1. Tradução nossa.
17
Portanto, para evitar uma guerra civil sangrenta,/As propriedades escocesas estimaram melhor,/Os dois
contendantes devem submeter a coisa/À decisão do Rei inglês,/Que avidamente a referência abraçou,/Mas
jogou suas cartas com um rosto dissimulado;/Sim, então político era o astuto rei,/Para seus próprios fins,
coisas a ponto de trazer/(...)/Pensando em fazer (tão grande suas esperanças foram cultivadas)/A coroa
escocesa homenageia a ele /HARRY, Book 1, Chapter 1. Tradução nossa.
51
é um tanto inacurado, pois o domínio total do território se deu tempos após o retratado no
filme.
Na película, Wallace, agora órfão, é acolhido por seu tio Argyll. De fato, para
tornar o filme mais familiar à audiência, seu roteirista procura utilizar nomes de locais
que sejam de fácil acesso mnemônico. Porém o Condado de Argyll, segundo John
Bourke, foi estabelecido em 1457 pois James II é dado a Colin Campbell. Ou seja, o
primeiro ascendente identificado do 1º Conde de Argyll nasceu por volta de 1280.18
(BOURKE’S PEERAGE, 1999, p. 104) Não há registros que sugiram que o clã Wallace
tenha se conectado aos ancestrais do clã Campbell. À época, o Clã Wallace estava mais
bem estabelecido que o clã Campbell. Já Harry afirma que Wallace foi enviado para a
cidade de Dundee:
He was brought up with his old uncle there;
Who to Dundee him carefully does send
For education, but behold the end:
There continuous in his tender age,
Till more adult, then he does ramp and rage,
To see the Saxon blood in Scottland reign.19
18
The earliest identified antecedent of the 1st Earl of Argyll was born in about 1280. Tradução nossa.
19
Ele foi criado lá com seu velho tio;/Quem para Dundee ele cuidadosamente envia/Para educação, mas
observe o fim:/Continua em sua tenra idade,/Até mais adulto, então ele se enfurece e se encoleriza,/Para
ver o sangue Saxão no reino da Escócia. Tradução nossa. /HARRY, Book 1, Chapter 1.
20
Ainda que ele tivesse dezessete invernos completos,/Ele era bem parecido, robusti, forte e
corajoso;/Estava com o conflito frequentemente sulista,/E, às vezes, os retorcia de sua preciosa vida.
Tradução nossa. /HARRY, Book 1, Chapter 1.
52
21
Uma criada se aproximou, que, do justo, veio/(Pois o amor tinha inflamado seu peito com chama
escondida,/E trouxe esta mensagem da bela dama,)/"Miranda envia, para uma fama honesta bem
conhecida,/Afetuosamente para observar o filho mais corajoso de seu país."/O chefe, maravilhado,
impaciente de atraso,/"Eu vou", ele gritou, e ordenou que ela tomasse seu caminho. Tradução nossa.
Harry, Book 5.
22
The primary sources of Scottish resentment of the English occupation seem to have been the taxes which
Edward I sought to exact in Scotland, and the compulsory recruitment of men for his armies. Both were
needs of his European wars. Tradução e adaptação nossa.
53
23
Agora, as planícies de Biggar com homens armados são coroadas,/E as lanças brilhantes resplandecem
por toda parte;/O chifre sonoro e os clarões conspiram/Para elevar o peito dos soldados, e aumentar seu
fogo. Tradução nossa./Harry, Book 6, Chapter 1.
24
"Ótimos destinos que realizamos no campo,/Com força menor, e o inimigo mais forte produziu
rendimento."/"Quem luta", disse Wallace, "por razões justas e corretas,/Deus para eles sempre envia
assistência; /Então, embora o inimigo fosse dez mil a mais,/Vamos levá-los e vencê-los como já fizemos
antes./Perto da ponte de Stirling, meu propósito é ser,/Lá realizar algum perigo sutil; Tradução nossa. Harry,
Book 7, Chapter 4
54
25
Um carpinteiro astuto, por nome John Wright,/Ele rapidamente chama e cai para trabalhar à vista/Porque
viu as placas imediatamente em duas/Pelo trono médio, então ninguém poderia ir, Tradução nossa. /Harry,
Book 7, Chapter 4.
26
Então, para York eles marcharam sem demora,/Sem pecado, eles pensaram, para queimar e matar;/Porque
os sulistas tinham cometido a mesma coisa,/Quando eles, como tiranistas, no reino da Escócia./Fortes e
pequenos castelos, Wallace derrubou. Tradução nossa. /Harry, Book 8, Chapter 3.
55
27
Quando as ações de Wallace que produzimos iluminarem,/Nós o descobriremos não inferior a Bruce:/Mas
porque Bruce era nosso herdeiro do reino,/Wallace, portanto, com ele, não vamos comparar./No entanto,
por sua coragem e sua sábia conduta,/Como ouvimos, ele resgatou a Escócia três vezes,/O tempo em que
ele era o vice-rei da Baliol. Tradução nossa. Harry, Book 1, Chapter 3.
28
Patrick e Beik afastaram-se com Bruce;/Quem com cinco mil tomou o caminho mais fácil/Para a casa de
Norham, com toda a velocidade que podem./Os escoceses, ambos capazes, jovens e justos,/Perseguiram e
mataram grande número em voo./(...)/Wallace volta de Norham sem mais,/Mas, para Bruce, seu coração
estava dolorido,/A quem ele preferia ver a Coroa gozar,/Que o mestre feito de todo o ouro em Troia. Harry,
Book 8, Chapter 2. Tradução Nossa
56
provas de que Robert the Bruce estava presente na Batalha de Falkirk e que é provavel
que ele não estivesse. Fisher menciona que muitos cronistas ingleses listaram pelo nome
os escoceses presentes em ambos os lados e, caso Bruce estivesse presente, seria
improvável não ser mencionado pelos cronistas devido à sua importância à época.
(FISHER, 1986, p. 82) Após a derrota, Wallace renunciou à sua posição como
Governador da Escócia.
“My Lords”, said he, since over all your force,
You made me gen’ral, both of foot and horse,
(…)
My office therefore freely I resign.
No gift I ask as my reward or free;
I’ve purchas’d honour, that’s enough for me.29
29
"Meus Senhores", disse ele, já que com toda sua força,/Você me fez general, tanto a pé e a cavalo,/(...)/De
meu ofício, portanto, livremente renuncio./Nenhum presente eu peço como recompensa ou livre;/Eu adquiri
honra, isto é suficiente para mim. Tradução nossa. Harry, Book 11, Chapter 1.
57
do qual a princesa engravidaria de Wallace, sendo o futuro rei Edward III filho de William
Wallace. Porém, segundo Fisher (1986), devemos perceber que o futuro rei Edward III
nasceu em 13 de novembro de 1312, 7 anos após a morte de Wallace.
Wallace fora capturado nas proximidades de Glasgow, em 3 de agosto de 1305.
(FISHER, 1986, p. 119) Após sua captura, foi enviado à Londres, diretamente para o
Palácio de Westminster, onde foi julgado no famoso Westminster Hall, a parte mais antiga
do palácio. Construído em madeira, no ano de 1097, o Westminster Hall servia a várias
funções, uma delas a de ser o tribunal de apelações. Lá, além de Wallace, foram julgadas
figuras históricas como o rei Charles I, Thomas More, Cardeal John Fisher, Guy Fawkes
e o Conde de Stratford.
Julgado no dia seguinte por Peter Mallory, juiz nomeado por Edward I, Wallace é
declarado fora da lei e culpado pelos crimes contra a Inglaterra. Muitos dos participantes
do julgamento haviam lutado contra Wallace em Falkirk. Durante o julgamento não houve
nenhuma testemunha, júri ou apelação. Wallace fora condenado sumariamente e levado
à execução ao final do pleito. Segundo Fisher (1986, p. 128), ele foi enforcado,
esquartejado ainda vivo e decapitado. Sua cabeça fora colocada em um poste na Ponte de
Londres e seus restos espalhados pelas cidades de Newcastle, Berwick, Perth, e Aberdeen
ou Stirling. Edward I viveu mais dois anos após o julgamento e execução de Wallace,
falecendo em 7 de julho de 1307. Ele foi sucedido por seu filho, que se tornara Edward
II. Edward casou-se com Isabelle em 25 de janeiro de 1308. A esta época, Isabelle contava
12 anos.
A encenação do suplício final de Wallace é acurada, exceto pelo "racking" - o ato
de ter suas juntas tracionadas por cavalos, cujo acontecimento não fora registrado. A
execução, porém, recebe um efeito dramático extremo quando o oficial encarregado
estimula Wallace a reconhecer sua culpa e o direito do Rei, beijando o emblema real, o
que levaria a um imediato termo de sua dor. O emblema oferecido para o beijo é uma rosa
da dinastia Tudor, que não se tornou um emblema real até o reinado de Henrique VII,
dinastia Tudor, em 1485.
Ao contrário da morte histórica, a película nos mostra um Wallace recebendo seu
suplício em uma estrutura em formato de cruz cristã. Sua figura é assemelhada ao Cristo,
tanto pelos cabelos supostamente longos que possuía, quanto pelo símbolo de sua
execução. Assim como a tradição afirma sobre Cristo, Wallace fora executado aos trinta
e três anos de idade, em uma cena que fora eternizada nas telas com o famoso grito de
liberdade.
58
Apesar de afirmar ter feito uma extensiva pesquisa histórica para o livro, Whyte
afirma que seu romance é um romance especulativo. O autor somente incorporou algumas
das mais recentes interpretações históricas sobre a figura de Wallace. Apesar de
preocupado em ser comparado ao filme, Whyte não parece incomodado com a
comparação de sua obra aos seus antecedentes literários, o romancista Nigel Tranter,
autor de novelas históricas como The Wallace (1975) e Jane Porter, novelista, autora de
The Scottish Chiefs.(1811) O Rebelde (2010), de Whyte, é tão extenso quanto o romance
de Miss Porter e tão conflituoso e meditativo quanto o de Tranter, porém Whyte imprime
um caráter mais humano ao protagonista, diferentemente dos outros autores.
Whyte inicia sua obra em uma Nota do Autor, na qual discute a dificuldade de
escrever sobre a figura histórica de Wallace, principalmente após o filme Coração
30
Então rapidamente veio o executor, que/Deu-lhe o golpe fatal e mortal./Assim, em defesa, esse herói
termina seus dias,/De direito da Escócia, ao seu louvor imortal; Tradução nossa. Harry, Book 12, Chapter
6.
59
Valente. Segundo o autor, a pergunta que ele mesmo deveria se responder era “Onde está
a Escócia de Wallace, e como encontrá-la?” (WHYTE, 2012, p. 8), fato que seria um
pouco mais complicado de se estabelecer após a obra cinematográfica. Whyte temia ser
acusado de plagiar o roteiro. Com este temor em mente, o autor resolveu descrever
Wallace como sendo um arqueiro qualificado e um homem comum. Tal argumento sobre
a arquearia é bem aceito, uma vez que a complexidade particular de Wallace é bem
explorada. Durante a leitura da obra de Blind Harry não conseguimos detectar qualquer
menção ao uso de arco por parte de Wallace. Desta forma, a escolha feita por Whyte pode
ter sido possível para que o autor possa fugir de um possível “plágio” da obra de Harry.
O romance procura caracterizar e tornar mais conhecidas as pessoas que cercam
Wallace. Pessoas como sua esposa Marion Braidfoot - chamada Mirren no romance -,
Andrew Murrey, o Bispo Whishart, John Baliol e outras figuras históricas recebem papel
maior. O Rebelde inclusive soma-se ao movimento escocês para o maior reconhecimento
do papel de Murray na Primeira Guerra de Independência da Escócia.
A obra se inicia com Wallace aguardando sua execução em Londres, 1305. Ele é
visitado em sua cela por seu primo o Padre Jamie, ou James Wallace. É através deste
dispositivo que a obra se desenrola. Lançando mão de uma técnica de flashback, Whyte
conta como ambos os Wallace olham para trás e refletem acerca dos eventos de suas vidas
atribuladas e as causas que os levaram àquele último encontro.
William Wallace e seu primo Jamie são então duas crianças que fogem de
soldados ingleses que assassinaram sua família. Ambos fogem a pé pelas planícies
onduladas de Paisley, encontrando santuário sob os cuidados de Ewan Scrymgeour, que
os conduz até Sir Malcolm Wallace, parente dos meninos. Sir Malcolm cuida do bem-
estar e da educação dos meninos e os coloca sob a responsabilidade de Scrymgeour, que
lhes ensina a arte da arquearia.
Ao entrarem na adolescência, James opta por entrar para a Abadia de Paisley e
William torna-se guardião das terras de seu tio Malcolm. Nessa época, Wallace conhece
Mirren Braidfoot, filha de um fazendeiro de Lanarkshire. Mirren possuía um pretendente,
porém se apaixona por Wallace e, ao serem descobertos, ele é declarado fora da lei.
Ambos fogem para a Floresta de Selkirk e instalam-se na região.
A relação entre Wallace e Mirren é um dos temas centrais do romance pois, ao
contrário do poema de Blind Harry e do Filme de Mel Gibson, Whyte retrata Mirren como
a verdadeira parceira de Wallace durante seu tempo de fora da lei na floresta de Selkirk.
Seu casamento e seu posterior filho com Mirren causam grande impacto quando do
60
Com a disputa pelo trono da Escócia, a presença de tropas inglesas torna-se mais
comum e alguns confrontos são inevitáveis. Wallace somente entra na disputa após
pequenas escaramuças onde é descoberto e tem sua mulher e filho assassinados pelos
ingleses. Wallace assume o papel sempre encorajado pelo Bispo Wishart e reúne seus
homens para combater a favor da Escócia. Wishart é descrito como um homem
nacionalista. Assim, Wallace une suas forças às de Baliol. O desenrolar da história e seu
termo seguem a sequência proposta pelo filme e pelo poema.
31
Ninguém pode ditar seu controle da alma/Enquanto seus altos desejos exaltam sua alma
rápida./Rapidamente para as planícies de Scotia, ele liga o seu caminho,/Pelo destino reservado para o dia
glorioso de Biggar. Tradução nossa. Harry, Book 6, Chapter 1.
61
CONCLUSÃO
Observamos no desenvolvimento de nosso trabalho que a Idade Média é um
período regularmente revisitado ao longo dos séculos subsequentes. Parece-nos que um
dos motivos para a importância dada ao medievo, na contemporaneidade, está relacionada
à busca de raízes sólidas em tempos líquidos. Ao traçarmos brevemente um panorama de
alguns momentos da história escocesa, observamos que desde sua fase formadora
inúmeras batalhas pela posse deste território são travadas e, cada um que domina a região
por determinado período, deixa fragmentos do seu legado cultural que, mais tarde, serão
componentes essenciais do modo de vida escocês.
Apesar da tradição literária escocesa ser rica e variada, escolhemos nos debruçar
sobre a obra de Blind Harry – The Wallace - por ela ser o ponto de partida de um mito
que, desde sua epigênese, já é matéria de resistência. Tal resistência se observa a partir
da língua selecionada para a obra, o gaélico, a língua falada nas terras altas e de herança
dos celtas vindos do norte da Irlanda, sendo rejeitado o inglês por ser a língua do invasor.
A escolha de Harry pelo poema épico às outras formas de representação se deve,
provavelmente, por alguns motivos. Retomamos algumas considerações sobre o mito – o
mito advém da projeção imaginativa das funções essenciais do homem, o mito habita a
época do fabuloso, o mito conta uma história sagrada, o mito revela o ser –, onde
percebemos que o mito literário não pode ser comparado a uma alegoria, pois este é quase
sempre de uma criação espontânea; o mito literário não pode ser comparado ao conto,
pois o conto não é sacralizado como o mito; o mito literário não pode ser comparado a
uma utopia, pois ele não contém um futuro idealizado; o mito literário não pode ser
comparado às lendas, pois são caracterizadas por uma origem histórica.
A obra de Blind Harry é fundamental para a propagação do mito de Wallace por
ser o conservatório da essência desse mito, um legado estendido à coletividade onde são
expressos o amálgama da convicção de uma sociedade e de sua época. É uma imagem
simbólica plenamente reconhecida por todos aqueles que procuram um modelo de
resistência frente ao opressor, por romper com a trama da época, com a normalidade do
comportamento social de um grupo, e desafiar as leis do quotidiano, pois, como
observamos em Jung anteriormente, o homem é um animal que está em busca de símbolos
que identifiquem sua própria existência.
Entendemos o mito de William Wallace, amparado pela visão de Girardet, como
um mito político-heroico. E como tal, o mito transcrito por Blind Harry é transcendente.
Ele ressurge, de tempos em tempos, relido pela necessidade sócio-política de uma
62
de interesse e partidos políticos desde o ano de 1973, quando o Reino Unido ingressou na
Comunidade Econômica Europeia (CEE). Porém, quanto ao referendo de 2014, Wallace
foi utilizado como elemento de protesto pois, à época, a maioria da população escocesa,
por medo de uma queda brusca em sua economia, resolveu permanecer no Reino Unido.
Um novo referendo será convocado até 2019.
Por fim, nosso objetivo principal nesta pesquisa foi mostrar que o espírito da
medievalidade continua presente na contemporaneidade e é recontado através de bardos
como Blind Harry. Este animador de mitos nos traz uma reflexão de nosso próprio tempo
ao contar-nos a história de William Wallace. Para isso, o mito é transfigurado e
retransmitido em diversas mídias.
Inúmeros modelos sócio-político-econômicos estabelecidos na Idade Média estão
presentes na contemporaneidade, bem como invenções e descobertas que foram
importantes para a humanidade. Sendo assim, devemos questionar porque ainda se vê este
período como algo retrógrado e, homens como Blind Harry, cada vez mais nos mostram
que na verdade, a Idade Média é o gérmen de uma pós-modernidade.
64
BIBLIOGRAFIA
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