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Unidade II – A Coreografia e o Coreógrafo

Aula 2
História da Coreografia no Ballet

Antes de iniciarmos as reflexões sobre composição coreográfica de ballet, é


interessante situarmos alguns momentos históricos da trajetória do ballet e dos principais
tratados que o sistematizaram.

O ballet nasceu na Itália, na Idade Média, das grandes procissões do Teatro


Popular Religioso e de uma dança grupal chamada “mourisca”. Entre os séculos XIV e
XV, uma releitura dessas procissões, adotadas pela casta emergente desejando legitimar
sua hegemonia, reproduzia o ritual praticado pelos imperadores da Roma Antiga,
encenando desfiles que simbolizavam seu retorno triunfal dos campos de batalha.

Chamadas, inicialmente, de “Triomphi” (triunfos), tinham lugar nas ruas: era o


ballo (grande baile), em que grupos percorriam as ruas da cidade a pé, conduzindo
alegorias sobre rodas, o que não tardaram muito a ser levados às mansões da
aristocracia que, mesmo apresentando idêntica suntuosidade, viram-se restritos a um
espaço delimitado à encenação. Foi nessa época que surgiu o nome de balletto ou ballet,
o pequeno baile.

Assim, as manifestações populares livres refinavam-se nos salões de baile e


foram incorporados ao padrão estético da corte, adentrando seus salões e afastando-se
da espontaneidade, do balanço dos quadris, dos alegres e vivazes saltos, restritos às
danças dos camponeses.

Ballet: dança aristocrática

Caminada (1999) registra o surgimento da primeira classificação sistemática dos


movimentos do corpo, estabelecida por Domenico de Piacenza, no “De arti saltandi et
choreas ducendi” (“A arte de dançar e dirigir coros”), escrito entre 1435 e 1436.

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Em 1455, Antonio Cornazano escreveu o Libro sull’arte del dansare (Livro sobre a
arte de dançar), fazendo distinção entre dança popular e dança aristocrática ou arte,
explicando que a última era construída a partir de variantes em torno de uma fábula ou
enredo, denominando-a ballet.

Assim, o primeiro trabalho coreográfico levado com este nome combinava música,
mímica e dança: o Ballet Comique de la Reine1, organizado e coreografado por Balthasar
de Beaujoyeulx, levado na França, em 1581, e interpretado pelos próprios nobres da
corte, com a participação da rainha Catarina de Medicis.

1
Cabe ressaltar que, neste caso, comique não possui nenhum sentido de comicidade.

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O ballet era apresentado como parte dos divertimentos da corte, reunindo


profissionais e amadores. Mas, mesmo se estabelecendo a formação de seu sistema
como dança cênica, havia ainda uma fronteira muito tênue entre ballet e baile.

Orchesographie

Dentre os tratados, talvez o mais importante deles seja o Orchesographie - Traité


em forme de dialogue, par lequel toutes personnes peuvent facilement apprendre à
pratiquer l’honnête exercices des danses (1589), de autoria do cônego Thoinot Arbeau, e
resgatado por um antigo aluno, Jehan des Preyz, após a morte de Arbeau.

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Escrito em forma de diálogo com um estudante chamado Capriol, um dado


marcante deste tratado é a exposição minuciosa da métrica musical dos ritmos da época,
possibilitando aos leitores entender a correspondência estabelecida entre passos e notas
musicais, assinalados ao longo das páginas do livro.

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Embora possa parecer hermético ou impositivo à primeira vista, não creio que o
seja: esta preocupação pedagógica enfatiza a importância da musicalidade em um
dançarino e mostra a dependência estabelecida entre dança e música no ballet.

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Na leitura do Orchesographie, outro ponto relevante é o fato de Capriol implorar ao


mestre que lhe ensine as danças, dizendo-se temeroso de que não fiquem para a
posteridade, do mesmo modo que ele e outros privaram das de seus ancestrais. Diz ele
ao mestre:

Não permita que isso aconteça, senhor Arbeau, já que o senhor


pode evitar isto. Registre isto em escrito para me permitir aprender
esta arte (....) Na verdade, seu método de escrita é tal que um
aluno, ao seguir sua teoria e preceitos, mesmo na sua ausência,
poderia aprender no isolamento de seu quarto ((Langres, 1589
p:15).

Desse modo, torna-se fácil compreender o que subjaz ao discurso do aluno: o


respeito à tradição e o desejo de perpetuá-la através de registro documental.

A primeira escola de ballet

Entrando o século XVII, surgia o gênero ópera-ballet – que ao contrário da dança


não nasceu na Itália, mas na França, em Paris (Salazar, 1962: 111). Em 1661, Luis XIV –
o rei que tanto amava dançar – fundou a primeira escola de ballet, chamada de Academie
Royal de la Danse. Foi lá que Pierre Beauchamps estabeleceu as cinco posições de pés –
utilizadas até os dias de hoje.

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Tratado de Feuillet

Em 1699, surge outro importante tratado, atribuído a Feuillet – a quem alguns


historiadores nomeiam Feuillet e outros, Pécourt (também grafado Pécour) – o
“Choreographie ou L’Art d’écrire la danse par caractères, figures et signes demonstratifs”,
Nesta obra, o autor registrava as primeiras tentativas de uma notação de dança, através
da indicação da posição inicial dos pés, de seu desenho sobre o solo, signos distintivos
de saltos e passos, assim como a direção e a sucessão das figuras de dança.

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Feuillet foi o criador do termo coreografia como um neologismo seu querendo


dizer, literalmente, a grafia do coro – termo que vem do teatro grego mas que, utilizado

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depois do começo do século XVIII, designava a arte de compor danças e regular os


passos e desenhos dos movimentos no espaço.

O sistema de Feuillet foi a ferramenta que possibilitou a reprodução das danças


criadas pela burguesia francesa. O leitor que estivesse ciente da linguagem por ele
utilizada era capaz de reconstituir as danças da época, a partir da tradução dos signos
gráficos em movimentos. Desse modo, a coreografia espalhou-se pela Europa e foi sendo
traduzida para diversos idiomas. Feuillet publicou cerca de trinta coleções de danças onde
em cada uma figurava até cinco danças. Estas, somadas a publicações feitas por diversos
alunos seus e outros autores, elevam em muito esse número.

Transmissão da dança acadêmica

Os princípios técnicos teorizados por Pierre Beauchamps já há muito, seguiram


com outros maîtres que formaram bailarinos cujo preparo técnico atingiu alto nível no
século XIX. Um dos grandes méritos da Academia foi preservar a terminologia, sempre
em francês, que permanece até os dias de hoje (Veja glossário no “material de apoio”).

Tanto a Itália, onde o ballet começou, assim como a França, onde inicialmente se
desenvolveu, continuaram, até o final do século XIX, a fornecer grandes maestros de
dança, exercendo notável influência em todas as demais escolas que as seguiram:
dinamarquesa, russa, inglesa, norte-americana e cubana, esta última, uma síntese das
escolas russa e norte-americana.

Entretanto, conforme já mencionado, a passagem desses conhecimentos de


geração a geração se deu, primordialmente, por transmissão oral e os signos dos quais
dispomos para grafar uma coreografia, uma seqüência de movimentos, nunca foi do
inteiro agrado de professores, coreógrafos, ensaiadores:

Os mapas ou esquemas para traçar graficamente as velhas


danças de salão não resultam mais claros do que os do próprio
Caroso de Sermoneta, que os antecederam um século. Nem tão
pouco este sistema é indispensável, já que a memória e a
capacidade de inovação sobre a base principal são virtudes

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indispensáveis ao bailarino que sente a sua arte ao vivo (Salazar,


1992: 129).

Desses tratados até o completo sistema elaborado por Rudolf Laban, o


Labanotation, seguido pela notação chamada Coreologia, de Rudolf e Joan Benesh, até
Stepanov, criador de um método também de notação utilizado na Rússia, a dança
acadêmica vem percorrendo um longo caminho.

Estudaremos com mais profundidade esses sistemas de notação quando


tratarmos da Coreologia, na Unidade IV.

O que entendemos por Coreografia

Do início da História da Humanidade até os dias de hoje a dança acompanhou


todas as manifestações sociais do homem e pode-se dizer que junto com a dança nasceu

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a coreografia. Há milênios, portanto, dança e coreografia caminham gradual e


paralelamente.

Vimos na aula anterior os tratadistas de dança que deram início ao processo de


sistematizar a dança cortesã. Na era do minueto surge o espírito sistemático do ensino do
baile. Nesse sistema está contido o método básico de um esquema de posições
invariáveis da cabeça, do tronco, dos braços e das pernas como princípio e fim de cada
movimento.

Também se apresentaram as cinco posições básicas, assim como as


conhecemos até hoje, nas quais estão todas as possibilidades de combinar os passos
para trás, para frente e para o lado sem perder o equilíbrio. Atribui-se a disposição das
cinco posições, como já mencionamos a Charles Louis Pierre Beauchamps, ainda que
não se desconheça que elas são encontradas nos antigos gregos e até em povos
primitivos.

Definições de coreografia

Não se sabe ao certo como aconteceu a mudança no emprego do termo


coreografia como sistema de notação de passos de dança para estrutura de
organização dos movimentos executados pelos bailarinos no tempo e no espaço.
Sabe-se, no entanto, que Serge Lifar publicou o Manifesto coreográfico, em 1935, onde
coreografia aparecia como a segunda definição: estrutura de organização dos
movimentos executados pelos bailarinos no tempo e no espaço. Esse manifesto não
trazia uma sistemática de abordagem prática e sim apresentava linhas gerais, nas quais a
arte da dança deveria se pautar.

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Muitas são as definições dadas a coreografia, como a do Dicionário Aurélio


(1999):
A arte de conceber e compor a seqüência de movimentos, passos e
gestos de um bailado, e de fazer a respectiva notação. A arte da dança ou
do bailado. Coreo = dança; grafia = ação de escrever ou de representar,
registrar.

Então, creio que podemos definir coreografia como a estrutura dada aos
movimentos de dança para expressar uma determinada idéia, entendendo-a como um
fenômeno que emerge da necessidade de comunicação do corpo. Podemos ainda dizer
que é o “desenho” da dança no palco, criado para comunicar – uma história, um tema,
uma intenção.

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Tipos de coreografia

Para Sara Acquarone (1991), existem dois tipos de coreografia: uma criativa e
outra, funcional. A autora faz essa distinção, por não julgar possível, por exemplo, usar-
se de total liberdade coreográfica nos ballets inseridos nas óperas ou em espetáculos de
fim de ano letivo de uma escola.

A coreografia criativa não se prende a nada: o coreógrafo é livre para fazer suas
escolhas; não tem limitações quanto ao tema, tempo de duração do trabalho ou qualquer
outro fator.

A coreografia funcional está inserida em determinado contexto: conforme


citamos, como entremeio em uma ópera, ou espetáculo de teatro (textual), ou para
atender a qualquer outro objetivo determinado.

Segundo a autora, no caso da coreografia funcional, as possibilidades criativas são


limitadas por vários fatores: em uma ópera tem-se o espaço físico limitado por cenários,
pessoas em cena, música, o momento em que a dança é inserida no contexto geral da
cena, sendo necessário adequar-se a essas condições. Nos festivais amadores, sem nos
determos em outros fatores, a própria capacidade dos alunos pode criar essa limitação.

Mas, mesmo nesses casos, possuir um conhecimento aprofundado do estudo da


coreografia e de suas regras irá ajudar e, certamente, melhorar a qualidade do trabalho.

E, assim como a vida em sociedade, a dança também segue um fluxo de


atualização e adaptação às novas exigências e, os trabalhos coreográficos também estão
sempre em evolução, pois mesmo os chamados ballets de repertório2 – aqueles que

2
Ballet de repertório: do latim repertoriu, ‘inventário’, segundo o dicionário Aurélio, entre outras definições,
significa “conjunto das obras interpretadas por uma companhia teatral, por um ator, por uma orquestra, por
um solista etc”. Em relação à dança, repertório é o conjunto de obras que, reunidas a partir de determinados
critérios, continuam a ser encenadas, remontadas por diversas companhias ao redor do mundo e, mesmo
décadas ou séculos após a morte de seus autores, continuam a gerar interesse do público que as assiste.
Essas obras formam o acervo de uma companhia. Assim, repertório está ligado à permanência e à
universalidade.

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fazem parte do acervo das grandes companhias por muitas décadas, obviamente não são
dançados hoje como o foram em 1800.

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Aula 3
O Coreógrafo

“Quando estamos suficientemente comovidos e


conseguimos uma autêntica expressão por meio da
dança, começamos a derrubar as barreiras que foram
erigidas por nosso estilo de vida e pela atmosfera mental
em que crescemos. Se em nossos ensinamentos
ajudamos as pessoas a enfrentar seus temores e adquirir
confiança para se comunicar livremente com
sensibilidade e imaginação e se conseguimos que,
inclusive em pequena medida, tomem consciência de seu
próprio potencial e do dos demais, teremos então
conseguido um êxito considerável. Este êxito é o que
justifica a educação por meio da dança” (Laban, 1990:
128).

Os coreógrafos têm como missão, transmitir idéias e pensamentos para uma


platéia; isso se realiza por meio de seu trabalho coreográfico. Coreografar é, obviamente,
um ato de criação e, como tal, algo misterioso, difícil de explicar seu caráter subjetivo,
principalmente em um mundo que contempla os objetivos, as evidências verificáveis e
mensuráveis, onde, por estas razões, a subjetividade tende a parecer um tanto frágil.

Comecemos por uma evidência: para ser um bom coreógrafo é preciso


conhecimento. Obviamente, um grande coreógrafo irá precisar de talento – o que não
significa prescindir do conhecimento dos princípios fundamentais da construção
coreográfica, assim como deverá ter boa bagagem técnica, musical e cultural. De fato,
quando se fala em trabalho coreográfico, fala-se de criatividade; e ninguém pode dar a
fórmula para o sucesso. Entretanto, podemos analisar os elementos de que dispomos
para estimular a criação e expor com clareza as regras da composição.

É claro que não se trata apenas de uma estruturação mecânica, mas da


combinação desta com os elementos que o coreógrafo tem à sua disposição, extraídos e
filtrados da sua própria personalidade, sensibilidade, experiência e intenção.

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Pessoalmente, creio que existe, atualmente, certa banalização do termo


coreógrafo. Hoje se qualifica assim aquele que “dirige” uma cena ou faz “marcações” em
danças livres, por exemplo, como um trajeto que o ator/bailarino deverá percorrer, onde
deve parar etc. Nesse caso teríamos um “metteur en scene” (encenador, diretor de teatro)
e não um coreógrafo, já que não estão sendo criadas combinações de movimentos
dançados, de passos dançados, mas apenas movimentos locomotores, naturais do ser
humano.

Competências de um coreógrafo

Quando falamos em “competência” estamos nos referindo ao conjunto de


conhecimentos, habilidades e atitudes que deve possuir um coreógrafo, ou seja, tudo
que compete a ele solucionar. É bom reforçar que é necessário estudo, dedicação,
disciplina e principalmente vontade de aprender.

Conhecimento:
• Formação musical básica – distinguir minimamente os tempos musicais e saber
dividir os compassos adequadamente
• Conhecimento de estilos de dança e de arte em geral.
• Cultura geral

Habilidade:
• Facilidade de desenvolver idéias
• Imaginação fluente
• Capacidade de convencimento

Atitude:
• Motivação pela idéia central do trabalho
• Objetividade
• Bom senso para adequar a coreografia à capacidade dos bailarinos
• Visão crítica

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É fundamental ainda para o coreógrafo a capacidade de resistir à influência dos


estereótipos: não usar este ou aquele elemento apenas porque comumente é utilizado. A
sensibilidade para perceber o que não é necessário em um trabalho coreográfico e a
determinação para refutá-lo dará mais “verdade” ao trabalho: a escolha dos movimentos,
dos gestos, deve ter sempre uma razão que a justifique, ainda que essa razão seja
subjetiva.

Quanto mais sensibilidade tiver o coreógrafo para perceber as sutilezas da alma


humana, mais fácil será para ele delinear seus personagens. Aquele que tiver perspicácia
para observar atentamente a expressão das pessoas e como elas se comportam segundo
as emoções que as motivam, certamente irá criar trabalhos mais “verdadeiros” – se for o
caso.

Coreógrafos famosos – resumo histórico

Filippo Taglioni (1777-1871)

Apesar de Paris ser o centro da dança em meados do século XIX , aquele que se
tornou talvez o mais famoso coreógrafo da época, era italiano: Filippo Taglioni, criador de
“La Sylphide”, em 1832, para sua filha Marie Taglioni.

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Auguste Bournonville (1805-1879)

Outro muito famoso coreógrafo, Auguste Bournonville, em 1836 criou sua própria
versão de “La Sylphide” para Lucile Graham, sua aluna favorita.

Jules Perrot (1810-1892)

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Em 1840, Jules Perrot criou a obra que se tornaria o símbolo do romantismo no


ballet: “Giselle”. Iniciando com Perrot em 1840, uma sucessão de coreógrafos franceses
migrou para a Rússia. A extravagância da então corte imperial russa refletiu-se nos ballets
criados nesta época onde o brilhantismo da técnica deveria ser exaltado.

Saint Leon (1815-1870)

O primeiro sucessor de Perrot foi Saint Leon, que criou “Coppelia” (1870), com
música de Delibes.

Marius Petipa (1818-1910) e Lev Ivanov (1834-1901)

Em seguida, o mais famoso coreógrafo do período clássico: Marius Petipa, que


com o parceiro Lev Ivanov e com músicas de Tchaikovsky criou os grandes clássicos do
ballet, como “A Bela Adormecida” (1890), “O Quebra-Nozes” (1892) e “O Lago dos
Cisnes” (1895). Esses ballets, em três ou quatro atos, apresentavam o corpo de baile e
os grands pas-de-deux, que iniciavam por um adágio, seguia-se o solo masculino, o
feminino, finalizando com a coda. Esses momentos dos ballets eram criados
especificamente para que os artistas principais pudessem exibir sua técnica e
brilhantismo.

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Mikhail Fokine (1880-1942)

Na Rússia, o sucessor de Petipa foi Mikhail Fokine que quebrou a estrutura formal
dos ballets anteriores. Fokine compôs obras de apenas 1 ato, e deu tanto destaque à
figura masculina quanto à da bailarina. Em 1905 criou o mais famoso solo que temos até
hoje: “A Morte do Cisne”, coreografado para Anna Pavlova. Em 1911, junto com o
compositor Stravinsky e o designer Benois, criou “Petrouschka”.

Fokine colaborou com um homem chamado Serge Diaghliev, diretor do Ballets


Russes, companhia que congregava todos os gênios da época, tanto bailarinos quanto

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músicos, compositores, coreógrafos, cenógrafos. O Ballets Russes de Diaghliev, entre


1909 e 1929 percorreu a Europa, revitalizando o ballet e atraindo novos talentos para esta
arte.

Mas, as mudanças ocorridas no mundo nas décadas de 20 e 30 - era do jazz, da


Primeira Guerra Mundial, de maior liberdade para as mulheres e outros fatores - refletiu
também na criação do ballet: o surgimento de trabalhos como “L’Après-midi d’un faune”,
de Nijinsky, bailarino protegido de Diaghliev, rejeitava conceitos básicos do ballet, como o
en dehors dos pés, utilizando-os também flexionados, além de outras inovações.

Este novo estilo certamente abriu espaço para o crescimento da dança moderna e
contemporânea.

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Coreógrafos pós era Diaghliev (1872-1929)

Depois da era Diaghliev, morto em 1929, os membros da companhia espalharam-


se pela Europa, Rússia e Estados Unidos. George Balanchine (1904-1982), uma das
estrelas de Diaghliev, formou o New York City Ballet, nos Estados Unidos e coreografou
várias obras para esta e outras companhias, criando seu próprio estilo – ou, como é
chamado, “escola” de ballet.

Uma outra estrela, Serge Lifar (1905-1986), tornou-se diretor da Ópera de Paris;
Leonide Massine (1896-1979) coreografou para filmes como “Os sapatinhos vermelhos”.
Na Inglaterra, Marie Rambert (1888-1982) fundou uma companhia, enquanto Ninette de
Valois (1898-2001) fundava o Sadler’s Wells Theatre Ballet, apoiando jovens coreógrafos
como Kenneth MacMillan e John Cranko, que, por sua vez, revitalizou o Ballet de
Stuttgard, nos anos 60.

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Aula 4
O Remontador

A princípio pode parecer sem propósito falarmos sobre o trabalho do remontador,


uma vez que remontar uma obra nada teria a ver com o processo de criação de um ballet.
Não é bem assim: obviamente, são atividades distintas mas que, de certo modo,
caminham paralelas.

Como já dissemos, a transmissão dos conhecimentos do ballet tem como tradição


a oralidade: apesar dos métodos de notação, poucos são os que os conhecem e utilizam,
limitando-se a fórmulas próprias de gravar para si mesmo a “escrita” da dança. É comum
em muitas companhias de ballet ex-bailarinos que atuaram como assistentes de
determinado coreógrafo e, a partir daí, dado o conhecimento que possuem da obra, tomar
para si a empreitada de remontar. As filmagens são também poderosos auxiliares, peças-
chave no momento de tirar dúvidas sobre uma ou outra posição de cabeça, a perna que
inicia um movimento etc. Mas, o vídeo, sozinho, não dá conta de uma remontagem como
deva ser.

É preciso que exista alguém que conheça o estilo desejado pelo coreógrafo, ou
que tenha dançado consideravelmente determinado ballet, ensaiado com vários
coreógrafos ou remontadores distintos, em diferentes versões da obra, para poder dar sua
contribuição à continuidade da obra. O vídeo é um recurso a mais para auxiliar àqueles
que já conhecem o que vão montar ou remontar.

Tradição e continuidade das grandes obras

Fui bailarina durante muitos anos. É óbvio que não conheci pessoalmente Petipa
e não fui ensaiada por ele! Mas fui ensaiada por alguém de notório saber que, por sua
vez, foi ensaiado por alguém com a mesma capacidade e assim por diante, até

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chegarmos a quem conheceu Petipa. Tradição. É isto que devemos ter em mente na
ocasião de uma remontagem: a continuidade da obra como desejaria seu criador.

No ballet, somos duplamente desafiados, primeiro pela própria natureza “não-


escrita” dessa arte – a primazia da tradição oral que domina a transmissão de seus
ensinamentos. Segundo, o ballet, ele próprio, passou por muitas mudanças no curso de
seu desenvolvimento e daí o perigo de esquecermos sua história, ou inconscientemente
nos afastarmos dela, principalmente os jovens. Ser parte de uma inquebrável
continuidade estética, manter-se fiel às suas convicções é necessário aos artistas do
ballet.

É então, de competência do remontador, zelar pela tradição. Para elucidar,


pensemos então nas variações de repertório apresentadas nos festivais de dança.

A imortalidade da dança

Pessoalmente, sou a favor de festivais, mostras competitivas etc. – mas isto é uma
outra história que não cabe aqui. Entretanto, é preciso manter-se a tradição e não
descaracterizar a obra, adaptando-a à técnica do estudante que irá apresentar-se – tanto
“facilitando” alguns movimentos quanto incluindo outros de mais difícil execução, quando
o bailarino dispõe de determinada habilidade, como hiperextensão ou facilidade para
girar.

Neste ponto existe um aspecto ético a se considerar: de domínio público, os


clássicos de repertório estão mais sujeitos à falta de critério de um remontador.

Variações nunca devem ser modificadas para caber nas possibilidades do aluno ou
dissimular seus defeitos. Os mesmos passos executados por bailarinas como Lyubov
Egorova, Olga Prcobrajenska ou Anna Pavlova, estrelas que fizeram a mágica do ex-
teatro Mariinsky, esses mesmos passos devem ser trilhados pelas gerações que as
sucederam. Eis a imortalidade da dança.

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Está claro que boa parte do trabalho de grandes maestros de dança e bailarinos do
passado inevitavelmente perdeu-se no tempo, mas é fundamental não permitirmos que as
coreografias originais se percam por falhas de memória (ou falta de pesquisa) ou ainda
por modificações desta ou de outra natureza.

Competência e ética

Fato é que remontar uma obra clássica envolve competência e ética.

Primeiramente, o professor/remontador, deve considerar sua responsabilidade em


relação aos que estão sob a sua orientação. Um professor é um formador de opinião,
alguém responsável pela construção dos valores que nortearão os alunos. É, sobretudo,
da primeira orientação recebida por eles que surgirão os professores, pedagogos e
formadores de opinião de amanhã; tanto professores quanto discípulos precisam estar
conscientes do respeito devido aos coreógrafos, às suas criações e reconhecer a
necessidade de ter preparo para exercer qualquer função na área da dança.

Assim, ao pretender remontar uma obra será necessário conhecê-la em


profundidade. Não basta aprender os passos, mas conhecer a idéia daquela obra, o
contexto em que está inserida. Por exemplo, considero totalmente inapropriado para
meninas, dançar "A Noite de Valpurgis”: a cena é formada por bacantes e representa todo

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um ritual a Baco, onde os partícipes chegavam ao êxtase, entorpecidos, em estado de


embriaguez e semi-conscientes.

Ao remontar uma obra de repertório é necessário atentar aos mínimos detalhes,


desde uma colocação de braços ao estilo do penteado. Nada deve passar despercebido
aos olhos do remontador, pois são justamente os detalhes que farão a diferença. Permitir
um arabesque altíssimo em uma remontagem de Pas de Quatre 1845, por exemplo, é
descaracterizar a obra, ignorar o estilo, o período histórico em que foi criada, o grau de
dificuldade técnica. Todos esses são fatores a serem considerados.

Respeito aos personagens

Les Sylphides, por exemplo, é um ballet bastante difícil de ser remontado


corretamente, pelas dificuldades que apresenta quanto ao estilo e à atmosfera que o
envolve. Minha grande amiga Eliana Caminada, bailarina e uma das maiores autoridades
em História da Dança no país, costuma dizer que é comum às estudantes não se
agradarem desse ballet, principalmente o “Prelúdio” – o clímax do romantismo nesta obra.

É fácil identificar por quê: segundo ela diz “não tem pirueta, não tem grand jeté,
não tem developpés”!

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Eliana menciona também que, freqüentemente, o remontador confunde as


personalidades de Swanilda (Coppelia) com Lise (La Fille Mal Gardée), personagens de
índoles opostas. Lise e Collas, alerta Eliana, são jovens seguros do que desejam e
defendem suas aspirações com inteligência e alegria.

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Já o casal de Coppelia é um tanto inconseqüente, são jovens mal educados e


imaturos. Os primeiros usam o símbolo da fita cor de rosa como referência de que um
está pensando no outro e em como irão se encontrar, em lugar do ramo de trigo (em
Coppelia) que a insegura Swanilda e suas amigas usam para tentar adivinhar o
sentimento do parceiro. Collas é puro e apaixonado, enquanto o inconseqüente Franz não
consegue decidir-se entre sua noiva ou Coppelia.

Citei apenas esses detalhes observados por Caminada, para mostrar que o
remontador não pode ignorar as peculiaridades dos ballets, a observação à época, o
estilo e demais componentes que já mencionamos como as características psicológicas
dos personagens – nos ballets que têm enredo – por serem determinantes ao
entendimento da obra. Deixar isto de lado seria torná-los mero conjunto de passos e
gestos aleatórios – mesmo que bem executados.

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Unidade II – A Coreografia e o Coreógrafo

As possibilidades de adaptação visando apenas adequar a obra a um grupo


menor de bailarinos, do que o da versão original, por exemplo, é totalmente válido, assim
como um ajuste nos desA enhos ou nos tempos musicais que “sobraram” em vista de
menor número de participantes.

Você conhece ...

... o ballet “Fall River Legend”?

De Agnes de Mille, com música de Morton Gould,


o ballet estreou em Nova Iorque, em 22/04/1948, com o
American Ballet Theatre.

De Mille baseou seu trabalho coreográfico na


história de Lizzie Borden (Elizabeth Andrew Borden)
que, em 1892, foi acusada de ter assassinado seu pai e sua
madrasta, a vários golpes de machado, na pequena cidade
de Fall River, Massachusetts.

O caso ganhou impacto e notoriedade nos jornais


da época, entrando na história dos crimes cujo assassino
não foi descoberto. Apesar de a jovem ter sido absolvida,
as evidências e o senso comum apontam-na como
culpada.

Arthur Mitchell foi um dos que remontou o ballet


para a renomada companhia Dance Theatre of Harlem. Vale
a pena conferir!

COMPOSIÇÃO COREOGRÁFICA PARA BALLET


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