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Argumentos sobre a ética do melhoramento genético

A tecnologia moderna avançou de tal modo que não foi acompanhada por uma reflexão ética,
correspondente, de forma que é urgente refletir sobre os dilemas éticos de certas práticas.

Uma dessas práticas é o melhoramento biomédico. As mesmas técnicas que permitem curar certas
deficiências podem igualmente ser usadas em pessoas normais para lhes conferir habilidades acima da
média. Exemplos atualmente em prática incluem o uso do Viagra, de hormônios do crescimento e até
mesmo cirurgias de correção visual.

O mesmo princípio já é capaz de melhorar os traços mais fundamentais da biologia humana, como força,
resistência a doenças e até mesmo inteligência, tanto através de manipulação genética de fetos quanto por
meio de remédios (isso sem contar com melhoramentos por meio de implantes biônicos).

Muitas pessoas sentem que é errado realizar tais práticas, e esse ainda é o entendimento da grande maioria
dos países do mundo. Mas dizer o que exatamente há de errado nessas práticas e objeto de profundo debate.

Há sempre a preocupação de que alterações desse tipo possa causar danos graves ao equilíbrio do corpo.
Assim, o debate ético sobre o assunto se assenta sobre a suposição de que o procedimento é totalmente
seguro. O principal argumento a favor da permissibilidade desse tipo de prática é óbvio: ajudará a quem o
usa a ter uma vida melhor. Mais aproveitamento no estudo, mais saúde, mais oportunidades. Os defensores
desse tipo de prática são conhecidos como transhumanistas.

Os argumentos contrários são muitos, e partem de um grupo conhecido como bioconservadores. Segundo
eles, permitir o melhoramento biomédico é errado por uma série de razões.

No que se segue, apresentarei vários argumentos bioconservadores, seguidos das réplicas transhumanistas.
Essa ordem de apresentação não quer sugerir que uma posição é melhor do que a outra, tendo sido colocada
assim por mera questão didática.

1.
Os bioconservadores argumentam que o objetivo da medicina deve ser apenas curar, e que o melhoramento
é algo imoral.

Contra isso, os transhumanistas argumentam que já consideramos normais vários tipos de melhoramentos,
como as vacinas, que nada mais são do que um melhoramento de nosso sistema imunológico, ou as cirurgias
estéticas. Até mesmo os carros e a escrita podem ser considerados melhoramentos, embora não biomédicos.
Argumentam ainda que a linha entre curar e melhorar não é muito nítida, pois algumas vezes curar implica
melhorar, como o caso das vacinas ou a prevenção de doenças que costumam acompanhar a velhice.

2.
Os bioconservadores argumentam que o melhoramento viola algum tipo de barreira, como a vontade de
Deus ou a “santidade” da natureza humana.

Os transhumanistas rebatem afirmando que se aceitarmos que Deus impõe limites desse tipo então a própria
medicina curativa seria uma “afronta” à sua vontade. Dizem ainda que a natureza humana não é algo fixo,
e que muda ao longo de milênios, e que não é sempre perfeita. Daí ser incoerente condenar a mudança.
3.
Os bioconservadores argumentam que, ainda que mudemos ao longo do tempo, o problema está em tentar
controlar essa mudança, ao invés de deixa-la ao encargo do acaso. Não aceitar o acaso seria demonstrar um
desejo de controle e falta de humildade nocivas.

Transhumanistas voltam a afirmar que já tentamos controlar muitas outras coisas. Aceitar o acaso como
guia absoluto de nossa vida nos levaria a consequências drásticas. Além disso, dizem que, mesmo com
essas mudanças, nunca teríamos controle completo sobre nossas vidas, e nosso sentido de humildade não
sofreria.

4.
Transhumanistas argumentam que tentar fazer algo com pílulas ou manipulação genética não difere de
tentarmos fazer algo por outros meios, como exercícios e educação. O desejo de querer o melhor para
nossos filhos não deve se submeter a essas barreiras artificiais.

Bioconservadores rebatem afirmando que o esforço da conquista é algo essencial, que seria perdido se
passássemos a usar outros meios.

5.
Bioconservadores afirmam que melhoramentos podem dar vantagens injustas àqueles capazes de pagar,
perpetuando alguma forma de imobilismo social.

Transhumanistas contra argumentam que diferenças desse tipo já existem. Além disso, da mesma forma
que hoje o governo financia programas públicos de saúde a quem não pode pagar hospitais particulares,
poderia financiar programas públicos de melhoramento. Dizem ainda que toda tecnologia tende a se
baratear e se tornar acessível a todos ao longo do tempo, e usam aqui o exemplo dos computadores, que se
tornaram cada vez mais populares.

6.
Bioconservadores argumentam que o melhoramento fomentará uma nova espécie de eugenia, já que pessoas
não melhoradas serão sistematicamente discriminadas e excluídas.

Transhumanistas argumentam que isso só aconteceria se o melhoramento seguisse um padrão imposto pelo
Estado. No caso de uma eugenia liberal, onde cada um poderia escolher se e que traços melhorar, não
haveria um núcleo que servisse de base para discriminação. Dizem que o que houve de errado com a eugenia
nazista foi a imposição de um padrão, e não a procura da melhora em si.

7.
Bioconservadores argumentam que o melhoramento violaria a liberdade dos bebês, que teriam suas vidas
determinadas pelos pais antes mesmo de nascerem.

Transhumanistas dizem que os bebês já não têm a liberdade de escolher sua herança genética, e que a
manipulação por parte dos pais não afetaria suas escolhas, pois muitas delas não dependem de sua genética.

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