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Audrei Gesser LIBRAS? que lingua é essa? | CRENGAS € PRECONCEITOS EM TORNO DA LINGUA DE SINAIS E DA REALIDADE SURDA | Le eras” = Sumario ‘PREFACIO: DE UM IDEAL PRECARIO A ARTICULAGAO DO ‘nvi0 QUE AINDA PRECISA SER DITO [Pedro M. Garcez] SROKA acs et UR : ea INTRODUGAO 9 eis aeeceanae TI 6 mr cue vaean 08a sabe folara lingua oral ard pe de gee prc ae soir ea soceode moot cee) Trio one ur ea tee 63 A surdez é uma deficiéncia?, 64 @ Por quea surde 6 vista Re na sociedade?, 67 A surder éhereditéria? Hib diferentes tipos e graus de surdez?, 71 ‘Aparelhos auditivos ajudam o surdo a ouvir melhor? implante coclear recupera a audigdo do surdo?, 75 A surdez compromete o desenvolvimento cognit istico do individuo?, 76 (Que moment mos?, 78 consiperacoesFinats G3] REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 85 Cig Nee Riba Rep ctaicrec nn an De um ideal precario a articulagao do dbvio que ainda precisa ser dito Proro M. Gas celebrado sociélogo Erving Goffman, na ideal seja levada bem além do auditério para os cendrios e ocast {es no mundo onde o tema de que trata se fan vividamente relevante. Além de ser um Ideal, esse ¢ ainda um ideal precério, por aque escutar ¢ bem mais que ouvir. Foi num encontro de sala de aula em meados da jé distante década de 1990 que, hoje sel, ful escutado, e 0 meu ideal precério tomou con- 3s. Tratava da natureza da linguagem natural humana, me ainda incrive a, quando surgiu a questo — fas yeclda da pl inguas de sinais so linguas ma.um ebdigo restrito de transposicao d ‘ive indicios de ter sido escutado logo quando se apresentou diante de mim uma aluna com sua curiosidade, que resulta na presente obra, De ina, ela um ensaio sobre as questdes suscitadas pela discussio na -seguiv para localizar os espagos antes invisivels na universidade, onde 8 nias cur uncan cae '@ LRA poderia estar disponivel, af encontrando a prépria lingua, seus "usuarios protagonistas, os surdos, bem como pais eeducadores de surdos, ‘e uma prosaica gente como a gente, interessada em conceber um mundo feito também por quem, sem ouvir pode escutar. 0 percurso nio parou ai, e Audrei engajou-se em pesquisa sistems- ‘ica que indagava como se organizaria uma aula de LiBRAs como lingua adicional para pais e educadores de criangas surdas, 0 trabalho mostrou ‘cenas de sala de aula, como a que tenho registrada na meméria, do profes- sor surdo virado para alousa, de costas para a turma, espera de atencio para ser escutado. Aprendemos todos a ver como era preciso que esses as reflexes no IEL-Unicamp sobre as diversas comu- icamente complexas no Brasil ea convivéncia em meio ‘académica protagonizada por surdos na Universidade Gallaudet ampliaram o universo de escutas proveitosas da autora, amadure- ‘ido em sua tese de doutorado sobre as iden*idades em jogo quando ouvin- tes aprendem eras. Por isso, é mais que oportuno que ela venha a piblico nesta obra para dizer um pouco do que, como ela mesma afirma na introdusio,é0 Sbvio que wvintes tenham conhecimento do rico ‘que se revela aqui para tantos quantos venham. Porro AtecRe, acosro D& 2008, Introducao “ alee ee eee eee Se Se Seeeeenercsee Siar SEE Rickman penance neceaeres ec eee ee ete ae man eet neers aafrmar ereairmaresalegtimidade. A sensagioé mesmo a de um discurso repetitvo, Entretanto, para a grande maioria trata-se de uma questo alheia, «pode aparecer como uma novidade que causa certo impacto e surpresa: ‘Ndoadiantaésemprea mesma cosa. Quovdo estamosem um evento que fla pore quem est fora do mea da surdes tudo énovidade mesmo! As pessoas cam espa to, por parte da sociedade co lingua. Certament 10 mas cae bean tein dex como deficincia — vineula seja se de reflexdes sobre algumas tes relativas & area da surdez, pensando especificamente a relagso do ouvinte com esse outro mundo. O momento parece oportuno eparticular- _mente pertinente, na medida em que decisdes politcastém propiciado um olhar diferenciado para as minorias linguisticas no Brasil. Percebe-se que os 3s sobre osurdo,alingua de sinais ea surdez, de uma forma am- pliada, “abrem-se” para dois mundos desconhecidos entre si do surdo ‘em relagdo ao mundo ouvinte e o do ouvinte em relago ao mundo surdo. pensado. De forma ‘rengas, preconceitos e questionamentos em torno da lingua de sinals e da realidade surda. Essa discussio é crucial, pois nae através da linguagem esta- ‘mos constantemente construindo representagBes,crengas esignificados ai ‘mados, consumidos,naturalizadas edisseminados na sociedade, nos espagos escolares e familiares, muitas “normas”e“verdades absolut” le repetigoes,e, portanto, reflexdes e mudangas so- estiveram em contato ‘te “Angas srs 6 rare cada vez que uma me sat see Lingua Sinais ‘Unpaeparict [Unga poms | Ungmaumatna | Unga ance oy ‘oon dail zeit ane no de Moe en OE Em qualquer lugar em que haja surdos interagindo, havers linguas nibern oe 9008 ‘exemplos de linguas “artificiais” Esse tipo definguafunconacomvume gaa ser to ron peta tabém conhecid como ngua de sna intermaco- ral da mesma forma que o esperanto, uma lingua construfds, planed (nome & ce origem liana e significa “unidadeem lingua de sini Fok rmencionada pla primeira vez no Congresso Mundial na Federagio Mundial dos Surdos (World Federation of the Deaf- WED) em 1951. Em meados da ‘década de 1970, ocomité da Comissfo de Unificagao de Sinais propunha um — Sistema padronizado de sina internacional tendo como crtéio a sele- ‘de sinais mais compreensveis, que facltasiem 0 aprendizado, a partir ‘da integragio das diversas linguas de sinals. A cormunidade surda, de forma feral nlo considera ogesto uma lingua “rea, uma vex Qu : da adaptadaAtulmente entretanto, cursos sioofrecdos, {4 movimento estan dul ‘mundiais dos surdos (Moody, 19 linguistas Robbin Battison (1974), conduziram estudos mais aprofun- esa lp Capa aol come mA, 6 mae cue uncan Co Podemos testar os pares minimos com vari vejamos a seguir uma ocorréncia em LIBRAS a a Ajram 2 Ser adad O exemplo ajudo X"e Auber ox ou 7 (so alas can eam Cp Rad O08 ‘A configuragio de mao diz respeito 8 forma da mio — na palavra "co- ‘nhecimento, um sinal realizado com wma mao em numeral “4” ou na forma [82]. orientapto da palma da mdo indica que os sinais ttm dires3o e que sua ‘versio, em alguns sinais, pode altar o significado do sina. A orientarlo é diego que a palma da mao aponta na realizagdo do sinal — eno caso de “conhecimento’ para o lado direito (contralateral) A locapdo refere-se ao hi ‘at podendo se realizado em alguma parte do corpo, eno exemplo podemos produzir informagai i | | WB marae ncaa Cu urea re ave 19 ‘construidas de palavras; palavras s4o construfdas a partir de morfemas, fe morfemas, por sua vez, so construidos a partir de fonemas” (Pinker, 1995: 162).Em que, entio, as linguas oraise de sinais diferem? Diferem quanto a forma como as combinagbes das unidades sio cconstrufdas. Enquanto as linguas de sinais, de uma maneira geral (mas rio exclusival), incorporam as unidades simultaneamente; as \inguas ‘orais tendem a organizé-las sequencialmente/linearmente’. A explicagao para essa diferenga priméria se dé devido ao canal de comunicagao em {que cada lingua se estrutura (visual: caracteristicas fam mais salientes em uma lingua do que em outra (Fer & Wileox, 1997). pr cl ra tr ea pcp ahead noma m2 fees bak pr eng. tomimas A Iingua dos surdos 6 mimica? sem mao desse recurso para sinalizar 0 supracitado na sinalizagdo con ‘mostraram que houve uma simplificago euma esiizaco nos movimentos tizados e convencionados. Veja abalxo a para o sina “inventado” em (b): (0) Tp de reo do sal BA 1 (arena de oar Sd deem AL CConstatou-se que, para 0 exemplo acima, as pantomimas observadas ti ‘nham muitas possiblidades, variando de um individuo para outro; eng. a lingua americana de sinais permanecia apenas uma variedade, ou sea a variedade legtimada e convencionada pelo grupo de usudrios estudadi ‘Acesse respeito quero salient diddtico de portugués (Biderm: ‘mimica sf mi-mi-ea. Expressio. E possfvel expressar om abstratos na lingua de sit Aten oc 908 23 4 qualquer coisa do mundo ‘gunda classe como PaRaLncuisTics (Crystal, 2000: 105-106). Para nos desvincularmos da acepgo exposta acima, devemos enten- 2 ams que reean bo racterisca Podemos veriichla no disico cenplo a 20 fato dea lingua ser um fenémeno conven- ional mantido por um ‘acordo coletiv técito' entre os falantes de uma determinada comunidade (Saussure, 1995). ‘Ainda amarrada a essa crenga esté 0 que Wilcox & Wilcox (1997: 6) destacam em set ‘ais do que as Unguas orais. Na v aadiferenga é de que forma c ‘quem de nés jé ndo se perguntou, por exemplo, por que uma palavra, em dada lingua, quando traduzida para outra, pode ficar muito maior em seu tamanho? Ou mesmo uma sentensa,ou texto? Em alemio, osintagma nomi de suco de laranja tem a seguinte forma: die Orangensaftglashersteller- vereinigung. Em .1eRas, a pergunta qual é o seu nome: S30 ‘apenas da palavra nome com expressio facial marcando a pergunta: me oa Cn gO Isso ocorre porque 0 contetido a informagio nas palavras de certas linguas sSo“empacotadas" distintamente. Nao significa dizer entretanto, ue ‘uma ou outra lingua seria simplificada porter “‘pacotes menores” eno ne- cessitar, por exemplo, de conjungées, preposigBes ou flexdes verbals em sua thea re 0 25 ‘estrutura". inglés, se comparado ao portugués, tem uma construgio dis- tinta na conjugagio dos verbos, mas iso no significa dizer que uma lingua ‘ea simplificadae outra complexa. O mesmo serve para as linguas de sinais. ‘Afinal, a complexidade é inerente a todas as linguas humanas e naturais. A lingua de sinais 6 um cédigo secreto dos surdos? (0s surdos foram privados de se comunicarem em sua lingua natural du- rante séculos.Virios estudos tém apontado a dif relacao dos surdos com ‘lingua oral majortéria e com a sociedade ouvinte. Escola, profissionais da saide,e familiares de surdos tém seguido uma tradigio de negasio do uso dos sinals. Groce (1985), por exemplo,oferece-nos um panorama das aitu- des dos ouvintes em relagao & surdez, apontando que, por séculos, os surdos ro tinham respetados os seus direitos ¢ reconhecidas suas responsabl ddades, mesmo depois de receberem educagdo. Padden & Humphries (1988) ‘mostram que as escolas, em sua grande maiora,proibiam o uso da lingua de sinais para a comunicaso entre os surdos,forgando-os a falar e a fazer le regime de internato, Eles migravam para essas tinica possibilidade de receber instrugdo. Lane ‘dica um livro para contar um pouco da histéria dos surdos nos Estados Unidos, mostrando que na batalha entre “manualistas"e“oralistas a lin- ‘gua — ainda que banida muito mais do que valorizada — e seus falantes, iscriminados do que os individuos ouvintes (Reis, 1992; Rocha, 1997), Dentre algumas narrativas hist6ricas, conta-se ‘que a sinalizagio era vista como um “cédigo secreto™, que o surdo expunha demais o corpo ao sina- 1984; Sacks, 1990; Bayton, 1996). ‘educacionais, psicoldgicas e lin- Inguas minortérias, tivermos dois surdos compar- is. Essa é a ironia da tentativa aque lingua de sinas,diferentemente da mal ‘do morreu e no morrera porque, equ tilhando 0 mesmo espago fisico, haverd sma em sua diseuss8o que uma das questbesflosbficas smo era especular sobre “o que nos tornaria humans" De Ariat Desaren resp ra coesenua lara gia Nat se cendrio, “as criangas surdas e selvagens eram, todavia, um complicador { | Athan o 905 27 ‘para essa definiglo de homem, jé que os surdos eram pensados como sem lingua e as criangas fas eram invariavelmente mudas' A historia tem rela- tado esse e tantos outros equivocose injusticas cometidos com os surdos porque apresenta caracteristicas presentes em outras linguas natural essencialmente, por que é humana Sabe-se que todos os seres vivos podem ter um sistema de comu- nicagéo. As pesquisas mostram a forma como as abelhas se comunicam, © sofistcado sistema de comunicagio dos golfinhos e de tantos outros mamiferos; contudo, s6 os homens possuem lingua (Akmajian et ali, 1995). Essa é sem dvida, uma das caractersticas que nos distinguem das outras espécies. EntZo, a resposta para a pergunta dos filésofos turva 0 olhar, pois 0 foco para a resposta esté voltado para a definiso que se tinha de lingua na época, isto 6, sea lingua de sinais ndo¢ lingua, entdo os surdos no falam, logo, néo so humanos. se como exemplo as diferengas minimas na forma ‘continuidade, 2B unas ine ibean iene ‘entre duas palavras; diferencas minimas, mas que acarretariam mudana ‘no significado, como em maca e mala (alterando apenas um fonema), ou em Lapras familia e reun srando apenas um parimetro, a cM). Ea- tretanto, quando contextualizadas, podem ter seu sentido inferido, mes- ‘mo que haja um erro ou troca de fonemas/queremas por parte de quem fala ou sinaliza. Por isso, mesmo reconhecendo o valor espectfco em cada fonema ou parametro, a contextualizagdo nos ajuda muito, e ela que nos faz compreender a diferenca de significado, por exemplo, em palavras ho- ‘ménimas na lingua oral e na lingua de ue a linguas tm essa carateristica 5 regidas por regrasespecticas. ficado de uma palavrasomente stica Na lingua portuguesa no hi relaio entre a forma damesma forma que nao das onomatopéias (Akai 5: Quadros & Karnopp, 2004) A lingua de sinais é 0 alfabeto manual? [ALFABETO ROMANO a8 6 6 € ‘ALEABETO MANUAL PAEAS ‘thea oe ou 29 Acreditar que a lingua Ideia de que a lingua de sinais te, convencionadas e representadas a pa », quanto tempo levaria um surdo para fal ito manual? Travar uma conversa de! emo-nst Entretant, é importante qu Aue 0 alfabeto manual tem ut fungao na interagdo entre 0s usuarios da lingua de sinais. Langa-se mao des se recurso para soletrar nomes préprios de pessoas ou lugares, siglas, e a {gum vocdbulo no existente na lingua de sinais que ainda ndo tenhasinal: © @ © © tee pmo rg prop nsec mde in Caan oe pesos ur canon ums as ana Cnjen de ‘bet de np dew ae, les 9 pve ss oc, heroes oso pahead ae Ser ONO. Wet a de Cp gol 0 1 de sinais fazem, em algumas si- ‘oral, recorrendo a datilologia desenhados no ar. 0 mesmo pode ocorrer com as preposigdes ou outras classes de palavras. OAedohdde BA dwasana dobsatdea heto manual se configura de uma forma cada pais. 0 alfabeto manual britinico, B® AAEH ANE C4 mae abec hi seal ie an A od FAN AQVEL A IB fis Roe FO EWA maar se eel Tenn kl webade 2 wmv ar bentow eset tt ¢ apa de Cyne Rape 1) thease su 33 nese sentido que as criangas surdas, ainda em processo de allfabe: tizagdo da escrita da lingua oral, poderio ter também dificuldade com essa lade. Mais uma prova para desconstruir a crenga de que a lingua de sinais pudesse sero alfabeto manual/datilologi,afina, para ser compre- endido e realizado o abecedirio precisa ser ensinado formalmente. A lingua de sinais 6 uma versio sinalizada da Ifngua oral? Insistimos em que a lingua de sinas nao ¢ a datilologia ov mimica {como muitos podem pensar), também nio é universal (igual em todos 605 pafses), muito menos artificial (uma lingua inventada). Ligada a essas tem estrutura propria, e é auténoma, ou seja, -oncepcdo linguistica. Edu: 34 mine cue ean issu athean oes 35 ‘se sobrepondo lingua de sinais nas interagdes entre surdos e ouvintes, por ‘exemplo. Efacilmente demonstravel que hi marcas de imposiglo da estru- tura do portugués em alguns ‘alares" sinalizados, especialmente nas mos ‘dos ouvintes (Gesser, 2006). Mas, por que isso ocorre? ‘A motivagio para a ocorréncia das marcas estruturais do portugues 10 simulta no caso do sinali- a Ex: bir | ‘varias razbes: pode ser um movi- ee mento em diregio a0 uso de uma nica lingua, no caso, a LIBRAS; ou pode @) @ @ jinda, 0 uso de uma forma “hibrida” funcionar como uma ens Vejamos essa questo, no Ofato dea comunidade surdas | nto, do ponto de vista da sociolingustica, nica comunidade qu A lingua de sinais tem suas origens historicas na lingua oral? 36 ums ue wneinCen © primeiro € 0 relatado em uma pequena ia comunitria nos arre- dores da costa de Massachusets Estados Unidos, chamada de Martha's Vi neyard, onde uma eleva incidéncia hereditria da surde fol observada entre os séculos XVI e meados do século XX Nols Everyone Here Spoke Sign Language, Nora Groce (1985) dedica-se a deserever essa rara situagio naitha A autora conta ahistéra dos surdos nessa comunidade, mostrando ‘que os primeiros habitantes daha vinhams da Inglaterra eflavam algum tipo de lingua de sinals.Estavam to ntegrados a da ada da ia que nto se consideravam nem eram consideradosdeficients ou um grupo & parte. ‘és das de hoje essaiha&conhecida comoa tinea comunidade bilingue 1a qual tanto ouvintes como os surdesusam sina na mesma proporg30 ‘que lingua inglesa em todos os Smbits da interago cotidiana, 0 segundo tipo de evidéncia vem da Franga, e estérelatada em um livro escrito em 1779 por um surdo chamado Pierre Desloges. 0 livro se intitula Observations of a Deaf-Mute,e 0 abtor escreveu-o para defender sua prépria lingua contra aqueles que achavam que os sinais deviam ser ‘banidos (Wilcox & Wileox, 1997). ican sign language - ASt) sm suas origens na lingua ite americano Thomas im de buscar ajuda tas franceses, Gallaudet desis: rent Clere. Na Franca, ficou muitos meses aprendendo de sina, e entdo teve a ideia de convidar Clete para ir morar nos Estados thean re eos 37 Unidos, para que eles abrissem a primeira escola para surdos. A escola foi {naugurada em 1817 e tinha o nome de: The Connecticut Asylum for the Education and Instruction of the Deaf and Dumb". Os surdos de todos os ‘cantos do pals migraram para a escola, enquanto, com o passar dos anos, ‘outras escolas lam sendo abertas em diferentes regides. 0 filho de Gi det, chamado Edward, fundou, em 1864, a Gallaudet University. Embora 6s sinais americanos tenham rafzes nos sinais franceses, a ast também sofreu influéncias dos sinais dos indios locais. Essa combinagio formou a ‘asi moderna (Lane, 1984; Bayton, 19 Da mesma forma que na ALS, na LIBRAS também se observa algum tipo de influéncia dos sinaisfranceses. Em 1855, um surdo francés chama- {do Ernest Huet chegou ao Brasil, com o apoio do Imperador dom Pedro I, ppara crlar a primeira escola para surdos brasileiros™. De acordo com os ‘egistros hist6ricos disponiveis (Reis, 1992), ndo esti claro por que dom Pedro Il estava interessado na fundardo da escola. Rocha (1997: 53) espe- ‘ula sobre pelo menos duas possibilidades: uma seria a possibilidade de ‘a princesa Isabel ter uma crianga surda; e a outra teria relago com uma visita do imperador a Universidade Gallaudt para discutir a fun- io de uma escol similar no Brasil 0 fato € que em setembro de 1857 {undado o Instituto Nacional de Educag3o de Surdo (INES), no Rio de Janeiro, no mesmo enderego em que se localiza até hoje. Durante anos, 0 INES tem sido o centro de referénciae de formagao dos individuos surdos. Embora, naquela época,as pessoas nio fizessem mencdo & LIBRAS, sinals ‘eram privilegiados na educasdo das criangas. Huet trabalhou também na formagio de outros dois professores, conhecidos como os irmios La Peta {que ajudavam na instrugio dos surdos. A escola passou por mudancas radicals com a saida de Huet (entio com sérios problemas financeiros € conflitos familiares) e com a entrada na administragdo de um médico cha: mado Tobias Rabello Leite (de 1868 até sua morte em 1896)". Wilcox & Wilcox, 1997). ror the Eco orga de Huet er 38 umaseneunancse Outro fato importante nese processo fo 0 Congresso de Milo, em 1800, que, em fungfo do impacto mundial de sus decisioem favor das flo- sofas @ métodosoraists a qualquer custo, afetou a educapto dos surdos ‘em todas as partes do mundo. No Brasil. ideia do oralismo comegou a ser disseminada em 1911, ea superintendent do INES, Ana Rimoli de Faria Doria que acatou a ilosofia separava os surdos mais velhos ds mats no- ‘vos para evitar 0 contatoe uso de lingua de sins. Outra igure ness ce- nario foi Ivete Vasconcellos, que, inspirada na abordagem da comunicago ‘ota influenciada pela Universidade Gallaudet, deendia que fala, gestos, pantomimaesinais deveriam ser empregados na frmagio dos indviduos surdos Muitas critica foram ets essafilesofia, mas debate propiiava tum repensar-de tudo que for fetoem termos linguisticos educacionais. Na década de 1980, fundov-sea FENEIS (Federagdo Nacional de Educop20 « Intgragio de Surdos) Trés amigos surdosencabecaram a fundago da instituigdo — Ana Regina S. Campello”, Fernando M. Valverde e Anténio C. Abreu —,significando um grande aango em favor da defsa dos dire- tos dos surdos. Em resumo, origem da LIBRAS est intimamenteligads 30 ntre si contato do professor surdo ios proporcionou, em grande medida, ingua francesa de sina para a UBRAS. ue a coabitagdo da m: shea 06 948 39 A usras ‘falada’ no Brasil apresenta uma unidade?” CCrenga. Em todas as linguas humanas, hé variedade e diversidade. 0 sociolinguista Marcos Bagno faz uma bela discussio em torno da des- construsdo de alguns mitos sobre a lingua portuguesa em seu famoso ulstico — 0 que é, como se faz, escrito em 1999 e, amente reeditado, Segundo o pesquisador, 0 mito da presente no discurso nao somente da populagdo, mas de muitos intelec- tuais. A escola, por exemplo, tem se apropriado desse mito, tornando-o natural. Uma vez naturalizado, deixa de ser crenga e passa a funcionar como um prinefplo normalizador, impondo AO ons x ncn 10 (que os surdos cearenses, paranaenses, cariocas..", Quem jf no ouviu alguém dizer “esses sinais sao ‘antigos; do tempo dos avés!” ow ainda, ‘na (quele lugar se fala diferente”. Essa diferenga ndo deve ser encarada como erro, entretanto: Bf faculdade (0S) | soeieee eset oa dp pnd gl D4 Athen ne su 41 “sotaques’, empresta ¢ incorpora novos sinais, mescla-se com outras lin {quas em contato, adquire novas roupagens. 0 fendmeno da variagao eda diversidade ests presente vivas, em movimento, & justamente nas priticas: los surdos catarinenses, pau juas em i1BRas®. lista, pernambucanos.. ou seja, a vai AR vows A lingua de sinais é uma lingua 4grafa? Nao, mas, até bem pouco tempo, a lingua de sinais era considerada luma lingua sem escrita. A escrita de qualquer lingua é um Escrta pictogréfica VOR R Fee RR 4s ee BATS amen oes 43 organizado por Judy Shepard-Kegl, ¢ dele um grupo de surdos adultos aprende a escrever os sinais de acordo com 0 “SignWriting™™. Alguns livros e histérias fora mao, hoje jé ha programas desenvolvidos Instaurando nos Estados Uni ‘suporte sio oferecidosa algumas 4 alfabetizaglo em SignWriting. sistema pode ser aplicado na represen: 0 Brasil inicia sua tradigdo, em 1996, com um grupo de pesquisa co- ordenado por Ant6nio Carlos da Rocha Costa, na PUC de Porto Alegre. tinham muita faclidade para escrever. Um dos quisadores no processo de sistematizacdo ét te esta em fase de experimen: tm 4A mss a nt es 2agdo, Nota-se uma diferenga de surdo para surdo no uso dos “grafemas” — uns so mais detalhistas, outros menos. Ainda hé muita especulago sobre o assunto, por isso sio necessérios mais estudos para compreender (0s simbolos e criar uma tradido na Sociedade para o letramento na es- rita de sinals. Sua importancia, entretanto, 6 sem sombra de divida, um ‘bem cultural com positivas implicagBes para ofortalecimento e a emanci: pagio lingufstica do grupo minoritario surdo. O surdo Emo nual Ags oven com ‘ns raze co of asd qu com ‘os cana Evo com os ahs" (Cama Sr sted, 269) Surdo, surdo-mudo ou deficiente auditivo? maioria dos ouvintes desconhece a carga se- mantica que os termos mudo, surdo-mudo, e deficiente ouditivo evocam. £ facilmente obser- vivel que, para muitos ouvintes alheios 8 dis- cussio sobre a surdez, 0 uso da palavra surdo ir mais preconceito, enquanto 0 ivo parece-lhes ser mais “urd mas, no conviéncia com as pripriassurds, ful oprendendo que eles preferem mesmo & que os chamein de surdos e uns fcom atéiritados quando so chomodos de deficientes. Sobre essa questio terminol6gica, muitos surdos téma oportunidade 3s de LIBRAS que mi de se posicionarem nos cu ssa histria de dizer que sur ro surdo-mudo ndo & correto porque osurdo tem aporelno fonador, se do ele pve iodo endo ougo nada, mas @ ea de 3 2003). 6 ees 1X8 WOK 900 4s falas acima caminham no trilho que rejeita a ideologia dominan- te vinculada aos estereétipos que constituem o poder e o saber clinico (Lane, 1992),e mostram outro lado da discussio: 0 reconhecimento da ddimensio politica, linguistica, social e cultural da surdea, eque a nomea- 0 surdo, apropriadamente, conota: ‘Adeficéncta¢ uma marca que historicamente nfo tem pertencido os sur dos. Essa marca sugere autorrepresentacBes,pollticase objetivos no fami- liares ao grupo. Quando os surdos discutem sua surdes, usam termos pro fundamente relacionados com sua lingua, eu passado,e sua comunidade (Padden & Humphries, 1988: 44), Pensar tais termos ¢ de suma importincia, uma vez que eles tém im- plicagbes eruciais para a vida dos surdos (Gesser, 2006, 2008). £ disso {que fala Laborrit (1994), quando diz: Recuso-mea ser consideradaexcepcional deficient. NBo sou Sou surda, Para ‘mim, a lingua de sina corresponded minha voe, meus oot $80 meus ouv dos. Sinceramente nada me ait, 69 sociedade que me tna excepcional. sido encarado em uma perspectiva audiso), dentro de um discurso de lades ndo depende sim de complexas relagos ou, como bem expressa Lat ‘a sociedade que me torna excepcional’ ammo 47 CO intérprete é a ‘voz’ do surdo? 0 intérprete tem tido uma importinciavaiosa nas interagBes entre surdos e ouvintes. Na maioria dos casos, os intérpretestém contato com lingua de snaisa partir dos laos familiares eda convvéncia social com vizinhos e amigos surdos (ocorrendo geralmente em espagos escolares € religiosos). No Brasil ainda no ha tradigdo na profissio ou formagso espectica para esses profssonais, da mesma forma que hé para inté- pretes de linguas oras de prestigio como, por exemplo, intrpretes de lingua inglesae francesa, No caso da umnas, a interpretago ocorre geralmente de maneira Informal, em momentos em que o surdo estéinteragindo com outros in-

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