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Alex Romero

PRIMEIRAS ESTÓRIAS
Guimarães Rosa

1. RESUMO BIOGRÁFICO

João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo, MG, em 27 de junho de 1908. Filho de


um pequeno comerciante da região, o menino cresceu, ouvindo os vaqueiros que vinham contar
casos no armazém do pai. O menino passou a infância na zona do rio Urucuia, evocado muitas
vezes em sua obra madura. Com 10 anos, foi levado para o Colégio Arnaldo, de Belo Horizonte,
onde se destacou pelo estudo de línguas e dos animais. Ainda na escola de Medicina conhece
Juscelino Kubitschek de Oliveira, de quem se fez amigo. Formou-se em Medicina naquela capital,
em 1929. Vai para Itaguara exercer a profissão. Lá não havia médicos. Percorre enormes distâncias
a cavalo para poder visitar os pacientes e aproveita as grandes cavalgadas para estudar. Médico
dedicado, confessa que perder um paciente era, para ele, algo trágico, mas aprende, clinicando na
roça, a conviver com a morte.
Retorna a Belo Horizonte. Em 1932, atua como voluntário, na Revolução
Constitucionalista: segue carreira no exército e, um ano depois, é oficial-médico do 9º Batalhão de
Infantaria, em Barbacena.
Em 1934, tendo em vista seu interesse pelos vários idiomas e estimulado por amigos,
presta concurso e ingressa no Itamarati. Seu conhecimento de línguas estrangeiras muito auxiliaria
na nova carreira. Afinal, ele falava português, espanhol, francês, italiano, inglês, alemão e
esperanto. Além disso, possuía conhecimentos suficientes par ler livros em latim, grego clássico e
moderno, sueco, dinamarquês, servo-croata, russo, húngaro, persa, chinês, japonês, hindu, árabe e
malaio.
Em 1938, segue para a Alemanha, onde serviria como cônsul-adjunto. É “internado” em
Baden-Baden com outros diplomatas até ser trocado por alemães. Libertado, vai para Bogotá e
depois se torna Chefe do Serviço de Documentação do Itamarati. Viaja a Paris como membro da
delegação à Conferência de Paz. Serve em Paris de 1948 a 1951. Volta ao Brasil e fixa-se no Rio,
sendo promovido a ministro de primeira linha (equivalente a embaixador).
Como a literatura, entretanto, não estava ausente das preocupações de Guimarães Rosa,
ele resolveu concorrer a mais dois concursos literários: ao de poesia da Academia Brasileira de
Letras, com Magma, e ao Humberto de Campos, com Contos.
Magma foi classificado em primeiro lugar. Já o livro de contos, inscrito sob o
pseudônimo de Viator, ficou em segundo lugar no parecer da comissão julgadora, da qual fazia
parte de Graciliano Ramos. Quase dez anos mais tarde, com modificações e retirados alguns contos
— inclusive um que Graciliano não gostara —, o livro seria lançado, em 1946, com o nome de
Sagarana.
Em 1963, elege-se para a Academia Brasileira de Letras, mas protela a posse até 1967. O
dia 16 de novembro de 1967 marcou a data da tão esperada cerimônia de posse na ABL; era
também a data do aniversário de seu antecessor, João Neves da Fontoura. No discurso emocionado
que fez, G. Rosa vaticinou: “a gente morre é para provar que viveu. ... As pessoas não morrem,
ficam encantadas”. Três dias depois da solenidade, em 19 de novembro, escritor morria vítima de
um ataque cardíaco, quando trabalhava em seu escritório.
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2. O 3º MOMENTO DO MODERNISMO: “GERAÇÃO DE 45”

Terminada a Segunda Guerra Mundial e, no Brasil, a ditadura Vargas, o mundo


passou a viver a Guerra Fria. O Brasil entra num novo período de sua história, marcado pelo
desenvolvimento econômico, pela democratização (governo de Juscelino Kubitschek – 1956-1961),
política e pelo surgimento de novas tendências artísticas e culturais.
O governo de Juscelino traz o desenvolvimento industrial – “Cinqüenta anos em cinco”- e
o intenso crescimento urbano. Se, de um lado, o Brasil ingressa numa era desenvolvimentista, por
outro, a urbanização traz consigo a subvida das favelas e a intensa migração de nordestinos para o
“sul maravilha”, em busca de oportunidades. Claro que a vida nas grandes cidades, para eles, é
precária, como péssimas são as condições de alimentação, habitação e educação.
A pesquisa estética e a renovação das formas de expressão literária, tanto na poesia
quanto na prosa, são os traços distintivos da Geração de 45. Autores como G. Rosa, Clarice
Lispector, João Cabral de Mello Neto, Mário Palmério, Assis Brasil, O. G. Rego de Carvalho, H.
Dobal, Mário Faustino, por exemplo, relativizam os limites entre a poesia e a prosa e obriga a
crítica literária a rever seus critérios de análise e avaliação da obra literária. A principal distinção
dessa nova geração é a renovação dos meios de expressão a partir de uma pesquisa em torno da
linguagem.
O regionalismo, fortemente explorado pela geração de 30, foi retomado genialmente por
João Guimarães Rosa e outros, que procuraram dar-lhe um tratamento renovado: universal,
cósmico, mítico, simbólico, existencial e poético. É a chamada ficção instrumental que se volta para
uma sondagem da própria linguagem e das estruturas narrativas. Esta geração é marcada pela
invenção lingüística.

3. HOMENAGENS

Um chamado João

João era fabulista?


Fabuloso
Fábula?
Sertão místico disparado
No exílio da linguagem comum?

Projetava na gravatinha
A Quinta face das coisas,
Inenarrável narrada?
Um estranho chamado João
Para disfarçar, para farçar
O que não ousamos compreender?

Tinha pastos, buritis plantados


No apartamento?
No peito?

(...)
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Por que João sorria


Se lhe perguntavam
Que mistério é esse?
E propondo desenhos figurava
Menos a resposta que
Outra questão ao perguntante?
Tinha parte com... (não sei
o nome) ou ele mesmo era
a parte de gente
servindo de ponte
entre o sub e o sobre
que se arcabuzeiam
de antes do princípio,
que se entrelaçam
para melhor guerra,
para maior festa?

Ficamos sem saber o que era João


e se João existiu
de se pegar.

(O poema “Um chamado João”, de Carlos Drummond de Andrade, foi publicado no Jornal Correio da Manhã, Rio de
Janeiro, 22 de nov. de 1967)

A Guimarães Rosa

Rosa dos seus e dos outros


Rosa da gente e do mundo,
Rosa de intensa poesia
De fino olor sem segundo;
Rosa do Rio e da Rua,
Rosa do sertão profundo!
(Manuel Bandeira)

4.OBRA

1. Conto:
• Sagarana (1946) – obra de estréia.
• PRIMEIRAS ESTÓRIAS (1962)
• Tutaméia — Terceiras Estórias (1967)
• Estas Estórias (1969, publicação póstuma)

2. Novela:
• Corpo de Baile (1956)
- Manuelzão e Miguilim
- No Urubuquaquá, no Pinhém
- Noites do Sertão

3. Romance:
• Grande Sertão: Veredas (1956)
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5. Estilo: a revolução lingüística

- Revitalizou a linguagem narrativa com uma linguagem originalíssima e de forte oralidade.


- Explorou as potencialidades da linguagem, recriando o vocabulário e rejuvenescendo as
expressões correntes.
- Fez uma autêntica redescoberta do sentido original das palavras.
- Usou regionalismos e neologismos, eruditismos e arcaísmos, estrangeirismos e hibridismos,
coloquialismos...
- Desintegrou a sintaxe tradicional e subverteu radicalmente a gramática e buscou uma linguagem
capaz de conduzir a alta tensão emocional da narrativa.
- Produziu uma linguagem altamente estilizada, eliminando barreiras entre prosa e poesia,
conferindo à sua ficção múltiplos sentidos.
- Recriou a fala do sertanejo.
- Seu estilo lembra o estilo barroco: os jogos de palavras, o prazer lúdico dos trocadilhos, das
associações inesperadas de imagens, do trabalho sonoro e poético com a prosa.
- A pontuação das frases leva ao ritmo que só pode ser encontrado na poesia do sertão, na marcha
das boiadas, na passagem lenta e imperceptível do tempo, no bater das asas dos periquitos, no
balançar sinuoso das folhas do buriti.
Em síntese, Guimarães Rosa é o criador de uma obra em que elementos da cultura popular e
elementos da cultura erudita se mesclam para reinventar a força da linguagem sertaneja e mineira.
Poucos como ele tem a capacidade de reunir a erudição das reflexões filosóficas à transposição do
imaginário popular, sem menosprezar as primeiras, e simplificando o segundo.
Todos os personagens de Guimarães rosa estão fazendo uma travessia em busca do auto-
conhecimento. Durante essa travessia, o personagem está cumprindo sua sina e só terá plena
consciência do que ela significa quando chega o seu momento de epifania (revelação). Apesar de as
obras estarem centradas no interior de Minas Gerais e, por isso, trazerem uma linguagem
regionalista, a temática em discussão é sempre universalista.

6. O CONTO E GUIMARÃES ROSA

O conto significa uma pequena narrativa; é extremamente econômico com os elementos da


narrativa e foge da linha clássica começo-meio-fim. Assemelha-se à descrição do capítulo de uma
história; é como um corte, uma microvisão do mundo. É como um conflito tomado já perto do
desfecho com o mínimo de personagens e paisagem ou cenário.
É a mais breve e simples narrativa, centrada em um episódio da vida. O crítico Alfredo Bosi,
em seu livro O conto brasileiro contemporâneo, afirma que o caráter múltiplo do conto “já
desnorteou mais de um teórico da literatura ansioso por encaixar a forma-conto no interior de um
quadro fixo de gêneros. Na verdade, se comparada à novela e ao romance, a narrativa curta
condensa e potencia no seu espaço todas as possibilidades da ficção”.
Uma só unidade de tempo e espaço. Unidade de fatos e ações. Número reduzido de
personagens. Narrativas breves. Uma só célula dramática. Em suma, como nos ensina o professor
Afrânio Coutinho, “o contista oferece uma amostra, através de um episódio, um flagrante ou um
instantâneo, um momento singular e representativo. Procura obter a unidade de impressão
rapidamente, à custa da máxima concentração e economia de meios”.
Guimarães Rosa subverte o regionalismo, a partir da cultura popular, com formas pré-lógicas
de conhecimento – um mundo instintivo povoado de lendas e magias. Combina o real e o irreal,
numa atmosfera de lenda, o escritor cria contos, com o ensinamento de “a linguagem e a vida são
uma coisa só”. Sua preocupação era recriar a linguagem como os seus textos recriavam a vida.
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7. PRIMEIRAS ESTÓRIAS (1962)

O livro apresenta um total de 21 contos razoavelmente curtos, mas de grande densidade, e


pode ser encarado como um roteiro inicial para a leitura das demais obras de seu autor, como se
fosse uma travessia preparatória para os que desconhecem a ficção de João Guimarães Rosa.
A partir do título “Primeiras Estórias”, temos o neologismo estórias de sabor folclórico
(em tom de anedota) e o significado de primitivas, de ancestrais de que se reveste a palavra
primeiras constituem elementos que duplamente instauram a “aura mágica” do livro: atmosfera
mítica e poética, que dá unidade à diversidade de temas, de enredos, e mesmo de tipos.
É recomendável que o aluno leia mais de uma vez alguns contos que podem ser
considerados como chaves de compreensão da obra, tais como: “A terceira margem do rio”, “A
menina de lá”, “O espelho”, “Nenhum, Nenhum”, “Sorôco, sua Mãe, sua filha”, “As margens da
alegria”, “Os cimos”, “A partida do Audaz Navegante”, “Famigerado”, Pirlimpsiquice” e “Luas-de-
mel”.
Os personagens dessas estórias são as crianças, os loucos, os velhos, os seres rústicos e
“em disponibilidade”, na expressão de Walnice Nogueira Galvão. Por estarem à margem do
processo produtivo, por não possuírem o que chamamos de “civilização” ou “cultura”, por
pertencerem a universos primitivos, alógicos, estes seres podem ceder ao encanto, à iluminação que
transcende os conflitos, na opinião de Alfredo Bosi.
Uma tentativa de classificação é em relação aos temas centrais: criança, loucura,
violência, amor e misticismo. A metalinguagem é outro momento porque se volta para o próprio
processo de composição do texto literário, para a palavra: “A partida do audaz navegante”,
“Famigerado”, “Pirlimpsiquice” e “A menina de lá”. Outros contos valorizam momentos de
epifania – rupturas do cotidiano banal, acontecimentos inesperados – que modificam a vida das
personagens, como é o caso de “As margens da alegria”, “Sorôco, sua mãe, sua filha”,
“Pirlimpsiquice”, “O espelho”, “Um moço muito branco”, “Substância” e “Os cimos”.
A adesão do narrador ao universo mágico dos personagens, a humanização de bichos, de
plantas, de elementos da natureza, a presença de meta linguagem, a utilização de recursos da
oralidade - como rimas e onomatopéias - a fusão da linguagem popular regionalista com a
linguagem culta, os neologismos, os arcaísmos, o ritmo, dentre outros elementos, dão grande
beleza, grande poeticidade, aos contos do livro.
Das 21 estórias 12 são narradas em terceira pessoa e 9 em primeira pessoa, por
narradores-personagens. O livro organiza-se numa estrutura engenhosa, pois o primeiro (As
margens da alegria) e o último (Os cimos) conto apresentam a mesma personagem – um menino
que viaja com o tio (travessia). O conto intermediário é “O espelho”, que parece projetar os contos
do extremo como imagens reais, porém inversas.
Tudo no livro é rigorosamente planejado pelo autor, desde os menores elementos da
linguagem até as mais amplas correlações de sentido entre os contos. Vejamos: em “As Margens da
Alegria” – primeiro conto - o protagonista vive a experiência da alegria, enquanto em “Os Cimos” –
último conto – a tristeza e o sofrimento com a doença da mãe. “O Espelho” (11º conto) parece
dividir toda a obra, já que os contos vão-se reunindo em pares temáticos: o segundo e o penúltimo;
o terceiro e o antepenúltimo, assim por diante.
O sentido de circularidade é marcante nessa obra, pois o conto “Margens da Alegria” e o
conto “Os Cimos” são os únicos da obra que têm o mesmo personagem, um menino aprendiz que
começa a sua travessia no primeiro conto e só a conclui no último.
Nas 12 estórias em que o narrador não participa diretamente dos acontecimentos narrados,
o seu ponto de vista pode ser percebido pela condição de testemunha que desvenda a
interioridade dos personagens assumindo onisciência pela cumplicidade com a qual acompanha a
travessia. Para tanto, o discurso indireto livre, que indelimita as fronteiras entre sua voz e o fluxo
da consciência do personagem, tornando indelimitadas, ao mesmo tempo, as fronteiras entre
fantasia e realidade.
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7.1. ENREDOS E COMENTÁRIOS

Texto I: As margens da alegria

Tema: a descoberta da perda, da morte.


Tom: lírico-filosófico.
Narrador: 3ª pessoa (adesão e desvendamento da interioridade do personagem)
Protagonista: o menino
Enredo: O título do conto sintetiza os principais elementos do enredo. Numa margem, a alegria do
menino, em viagem de avião - o tema da travessia - para visitar a casa dos tios. Na outra margem, o
desfecho da estória, nova alegria: do meio das trevas da noite vem da mata um vaga-lume, piscando a sua
luzinha verde um instante só, alto, distante, indo-se. Entre as margens, isto é, no desenvolvimento, o episódio
da morte do peru, que o menino tanto admirara, para os festejos do aniversário do tio. O aparecimento de
outro peru, ferozmente querendo devorar a cabeça degolada do primeiro, conclui o episódio ao longo do qual
o menino aprende a dor pelo que se perde: Tudo perdia a eternidade e a certeza; num lufo, num átimo, da
gente as mais belas coisas se roubavam. O menino viaja com os tios para um lugar onde estava sendo
construída uma grande cidade (referência à construção da cidade de Brasília). Viver aquele passeio era um
aprendizado. O menino decorava o nome de cada coisa nova. Cada novidade tinha cheiro de alegria nova.

Texto II: Famigerado (Leia e analise o conto completo, mais adiante)

Tema: a astúcia vence a violência


Tom: do suspense à comicidade (a presença do insólito, do inesperado)
Narrador: 1ª pessoa
Protagonista: um homem instruído e astuto, que por suas atribuições de dar consulta e receita, pode ser um
médico.
Enredo: um matador perigosíssimo, Damásio dos Sequeiras chega à casa do narrador-personagem,
acompanhado de mais três, todos armados, o que lhe desperta medo - a extrema ignorância em momento
muito agudo. Entretanto, o medo se dissolve com o humor, a violência se dissolve com a instrução e a
astúcia. Damásio quer saber a explicação exata da palavra famigerado, ou seria fasmisgerado, ou faz-me-
gerado, ou falmisgerado, ou familhas-gerado... enfim, ele não sabia direito do que, mais queria saber o
sentido do nome com o qual o xingara certo “moço do Governo.” O vocábulo “famigerado” abarca um duplo
sentido antitético: em seu significado original, dicionarizado, denomina aquele que tem fama, “famoso,
célebre, notável”; no significado usual, denota o malfeitor, mal-afamado, perverso, obscuro temível. Mantendo
o seu atento olhar, o narrador entende que sua arma será a palavra. E aqui temos, numa referência ao olhar
metafísico - associação entre ler/ver e conhecer. O personagem-narrador aproveitando-se de suas
observações, por ler muito bem as condições em que se encontra, capacita-se a escolher a acepção de
“famigerado” que melhor se adequará à situação, para que possa livrar-se do perigo. Percebendo a
ignorância e a brutalidade ofendida de Damásio, afirma que famigerado significa importante, que merece
louvor. Apropriando-se desse poder das palavras, devido à sua formação intelectual aliada à sua posição de
“leitor vidente”, o narrador soube administrar a ambivalência de “famigerado” e utilizou-se da acepção que
serviu como um remédio para a situação; optou pela acepção original, menos utilizada, porém mais adequada
ao momento, de forma afastar o perigo – a morte – de si e do moço do Governo, que na verdade usara o
termo em seu sentido usual, depreciativo. O homem amansa, aceita um copo d'água e se vai, aliviado.

Texto III: Sorôco, sua mãe, sua filha

Tema: loucura / solidariedade


Tom: lírico-metafisico
Narrador: 3º pessoa (testemunha)
Protagonista: Sorôco: um homem só e atormentado pela loucura das pessoas que ama
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Enredo: A Filha e a Mãe de Sorôco partem num trem que as levará ao hospício de
Barbacena, com a presença de todo o povoado A moça começa a entoar uma cantiga
incompreensível, acompanhada pela mãe. Após a partida, que é “para sempre”, Sorôco, muito triste,
retoma a mesma cantiga. Todos os presentes também cantam, num momento de solidariedade e
comunhão. Todos, no arregalado respeito, tinham as vistas neblinadas. De repente, todos gostavam
demais de Sorôco (...) A gente, com ele, ia até onde que ia aquela cantiga.

Texto IV: A menina de lá

Tema: loucura / santidade


Tom: lírico-metafisico
Narrador: 3ª pessoa (testemunha)
Protagonista: Nhinhinha, uma menina de menos de 4 anos, que faz milagres
Enredo: Neste conto narra-se acerca de uma estranha menininha que vivia num pequeno sítio com
todos da família em torno dela. Nhinhinha é uma menina que conversa com a natureza e os bichos, que sabe
que vai morrer (como conta ao narrador e à tiantônia) e que faz "milagres" que os adultos não entendem e de
que querem tirar proveito... A menina morre e a mãe espera - o caixãozinho cor-de-rosa com I verdesfune-
brilhos - o que a menina desejara e que aconteceria por mais um "milagre", o de sua filhinha em glória, Santa
Nhinhinha. O nome no diminutivo tem a função de indicar afetividade. Há afinidades entre as duas
personagens: Nhinhinha e Brejeirinha (“Partida do Audaz Navegante”) e com o própria autor porque gostam
de inventar palavras e também criar estórias em que usam a imaginação e o insólito. Podem ser consideradas
como alter-ego do autor – personagens que se colocam como o próprio G. Rosa.

Texto V: Os irmãos Dagobé

Tema: o fraco vence o forte/ o "bem" vence o "mal"


Tom: suspense
Narrador: 3ª pessoa (testemunha)
Protagonista: Liojorge, o agente do "bem"
Enredo: Enorme desgraça. Morre Damastor Dagobé, o mais velho entre os quatro irmãos
absolutamente facínorjas. Todos que vinham ao velório preferiam ficar perto do defundo, temendo muito os
ainda vivos – Dismundo, doricão e Derval. A estória ocorre durante o enterro de um facínora, morto por
Liojorge, homem pacífico e honesto, estimado de todos. O suspense se dá devido à expectativa da vingança
dos três irmãos mais novos do bandido, que os liderava em crueldades. Liojorge, para espanto geral, com-
parece à cerimônia e se oferece para ajudar a levar o caixão, justificando a legítima defesa em que agiu.
Após o enterro, no cemitério, os três irmãos, em vez de punir Liojorge, agradecem e se despedem dele e das
outras pessoas, já que vão para a cidade grande, mudar de vida...

Texto VI: A terceira margem do rio (Leia e analise o conto completo, mais adiante)

Tema: loucura / sina


Tom: lírico-metafisico
Narrador: 1 pessoa (o filho)
Protagonista: o pai
Enredo: o pai, homem calado e cumpridor, constrói para si uma canoa e com ela vai viver no rio. A
família, abandonada, nunca o esquece, especialmente o filho, que lhe leva alimentos com a cumplicidade
silenciosa da mãe (Nossa mãe nunca não se demonstrava), e o justifica aos outros e a si próprio. Sem
compreendê-lo, mas se identificando, cada vez mais, com sua "sina", o filho envelhece e um dia grita ao pai,
da margem do rio, oferecendo-se para tomar-lhe o lugar... O pai vem da parte de além em sua direção,
concordando, e o filho foge num procedimento desatinado. Entre a culpa cujo motivo não sabe, mas intui e o
pedido de perdão, o filho aguarda, após a morte, o cumprimento do destino. O filho primogênito descobre a
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sua sina a partir do momento em que se tornou extremamente parecido com o pai. O momento epifânico da
obra é quando vai à beira do rio e pede para trocar de lugar com ele. Quando o pai aceita, descobre que
jamais seria capaz de cumprir a sua sina por isso a seguir vem a náusea, a febre o delírio.

Texto VI: Pirlimpsiquice

Tema: o encantamento provocado pela arte vivenciada, o "desmedido momento"


Tom: do suspense ao lirismo / loucura criativa
Narrador: 1ª pessoa (um menino)
Protagonista: o menino
Enredo: Neste conto memorialista, o narrador conta um episódio de sua época de colégio. O padre-
diretor escolheu doze meninos para atuar em uma peça chamada os filhos do doutor Famoso, por ocasião de
uma festa no colégio. No colégio interno, o ensaio de um drama. Ao personagem-narrador é dada a função de
"ponto", enquanto Zé Boné - um parvo, um estafermo - consegue um papel. A necessidade de segredo sobre
o enredo da peça faz com que os participantes inventem um enredo falso, para "despistar" os colegas. Uma
turma, a do Gamboa, cria outro enredo, num "clima" de intrigas, disputas, curiosidades, mistério. No dia da
encenação, o pai de Ataualpa, menino que faria o personagem principal, adoece. Ataualpa viaja. No seu
lugar, fica "o ponto". Abrem-se as cortinas e o narrador-personagem, mudo, descobre que não sabia os
versos que iniciariam o drama. Há confusão, vaias, ele grita versos desconexos, o pano não se abaixa e o Zé
Boné, surpreendendo a todos, começa a representar magistralmente. Os outros o seguem e ocorre o
encantamento: representam como se estivessem vivendo, não o enredo verdadeiro, mas o que inventaram,
com sucesso absoluto. Não há início nem fim na magia que confunde e funde arte e vida... O narrador-
personagem, então, para acabar o espetáculo, dá uma cambalhota e. cai, de propósito. E lhe parece que o
mundo também se acabou. Ao menos, o daquela noite. No dia seguinte o Gamboa comenta ter sido a sua a
versão "verdadeira" do drama, a que fora representada...

Texto VIII: Nenhum, nenhuma


Tema: a memória / o amor
Tom: lírico-metafísico
Narrador: 3ª pessoa (espécie de testemunha inconsciente)
Protagonista: o Menino
Enredo: O narrador entrega-se a uma verdadeira luta com a memória, pois não consegue lembrar-se
do que realmente acontecera para poder contar; ensaia uma experiência que vivera quando menino. O
Menino tenta, através de impressões confusas, evocar um lugar: uma velha casa de fazenda, o escritório da
casa, a escrivaninha vermelha cujo cheiro nunca mais houve. No escritório, um homem velho sem aspecto,
que seria o pai da Moça, linda e misteriosa, a qual trocava olhares com o Moço, de quem o menino tem
ciúmes. Um quarto escondido urna velha, uma velhinha - de história, de estória - velhíssima, a inacreditável.
Sem saberem seu nome, chamaram-na "Nenha". A Moça cuida da velhinha, com amor. E pede ao Moço que
a espere, até a hora da morte, não do pai nem da velhinha, mas de ambos, para saberem se era o certo, o
único, o amor de ambos. O Moço, optando pelo viver comum, dá-lhe as costas. O Menino o acompanha,
contra tudo o que sentisse e percebe que se gostasse dele, estaria de alguma forma perto da moça: a mais
formosa criatura que jamais foi vista, que poderia ser a princesa no castelo, na torre. O Menino chega em
casa e desconhece os pais, agredindo-os por eles serem alheios à experiência fantástica que vivenciara, sem
saber quando, onde, nem porque. Destaque também para a cor branca – a moça parece estar vestindo a
roupa de uma madrinha de casamento.
Texto IX: Fatalidade

Tema: A fatalidade / o "agente" do destino


Tom: irônico-filosófico
Narrador: 3ª pessoa (testemunha)
Protagonista: Meu Amigo (poeta, professor, ex-sargento da cavalaria, delegado de polícia)
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Enredo: O narrador conta-nos um episódio em que se envolveu um amigo dele. Segundo ele, o
amigo era delegado de polícia; era também poeta, professor, ex-sargento de cavalaria, homem culto e
inteligente. Em suas reflexões, acreditava que a vida dos homens afigura-se algo impossível, acontece
somente por milagre. Meu Amigo, homem instruído e justiceiro, recebe a visita de um caipira que lhe conta
estar sendo perseguido – ele e sua mulher – por Herculinão, um desordeiro. Meu Amigo afirma a Zé
Centeralfe, o homem rústico e acanhado, que se cumpriria não a lei, mas a graça... E prepara a arma,
sugerindo ao outro as chaves do jogo. Este compreende e se dá o episódio: três pessoa sacam a arma –
Herculinão, Zé Centeralfe e Meu Amigo – e só dois tiros são ouvidos... Herculinão, fatalmente o mais lento,
falecido, merece apenas um comentário de Meu Amigo, conhecedor dos Gregos e dos destinos: o que houve
de fato foi resistência à prisão, constatada. O karma indica que as pessoas colhem sempre o que semeiam.
Afirma que algumas coisas são imutáveis, por isso o mal precisa ser extirpado.

Texto X: Seqüência

Tema: a força do destino e do "acaso"


Tom: lírico
Narrador: 3ª pessoa (onisciente)
Protagonista: uma vaca
Enredo: De madrugada, uma vaquinha foge da fazenda da Pedra, propriedade do seo Rigério, em
busca de sua antiga querência (lugar onde o gado foi criado; é um termo regional gaúcho): a fazenda do
Pãodolhão, de onde viera há algum tempo. Ela foge de uma boiada para voltar ao seu lugar. Nada a desvia,
de todos os empecilhos se desembaraça. Um dos filhos do seo Rigério, o dono da boiada, põe-se a persegui-
Ia, sem saber por que, e chegam à fazenda do Pãodolhão, propriedade do Major Quitério, pai de quatro filhas
moças. Ao transpor a porteira da fazenda, o vaqueiro perseguidor entende o verdadeiro motivo de sua busca:
a segunda filha do fazendeiro. Presenteia-a com a vaquinha vermelha e lhe oferece o “anel dos maravilhados.
Amavam-se”.

Texto XI: O Espelho

Tema: o visível como "ilusão" do real: o invisível


Tom: dissertativo / persuasivo no jogo de oposição entre essência e aparência. Lembre é o décimo-primeiro
do livro e não pó acaso: o título é “O Espelho”.
Narrador: 1ª pessoa
Protagonista: um autodidata, que relata seus raciocínios e intuições
Enredo: Tudo aqui é apenas a ponta de um mistério. O que é um espelho? Num contexto de
polêmica, o narrador-personagem conversa com um interlocutor, cujos argumentos recria e refuta,
defendendo a tese de que é ilusória a imagem que vemos de nós mesmos nos espelhos. Utilizando-se de
argumentos "científicos", de superstições entendidas "como bases de pesquisas", dizendo-se lógico e
racional, o narrador-personagem relata o processo que vivera ao buscar a verdadeira imagem - a imagem não
distorcida - nos espelhos. Para isso, olha no espelho excluindo, abstraindo, os fatores que considera
responsável pela deformação: o bicho com o qual se parece (a onça); os traços hereditários; a materialização,
no rosto, das paixões, das pressões psicológicas, das idéias e sugestões dos outros, dos interesses
efêmeros. Chega, enfim, à total simplificação de sua figura, que é a desfiguração: olha-se no espelho e não
se vê, o que o leva à conclusão terrível da não existência, em si, de uma alma. ...Deixa de se olhar no
espelho por muito tempo. Quando volta a fazê-Io - ao fim de uma ocasião de sofrimentos grandes - vê uma
luzinha... Que luzinha, aquela, que de mim se emitia, para deter-se acolá, refletida, surpresa? Se quiser, infira
o senhor mesmo. Assim, confirma a verdadeira tese que pretende defender, ao longo do conto. Tudo, aliás,é
ponta de um mistério. Inclusive os fatos. Ou a ausência deles. Quando nada acontece, há um milagre que
não estamos vendo (..) porque vivemos, incorrigível, distraídos das coisas mais importantes. O narrador
indignado acusa abertamente o leitor de não ter a sensibilidade necessária para entender suas experiências e
a complexidade dos personagens em questão .
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Texto XII: Nada e a nossa condição

Tema: loucura / santidade


Tom: lírico-metafisico
Narrador: 3ª pessoa (testemunha)
Protagonista: tio Man'Antônio: um fazendeiro que podia ter sido o velho rei ou o príncipe mais moço, nas
futuras estórias de fadas.
Enredo: Conta-se a estória de Man´Antônio, um homem estranho, que vivia com a mulher, tia Liduína
e três filhas. Estranho, pois, vivia pensando e esfregando o dedo na testa e olhando os vales que cercavam a
fazenda Torto-Alto. Esquivo na conversa, "individido", tio Man'Antônio entrava na própria casa como se fosse
alheia, alisava os dedos na testa, enquanto pensava o que não pensava. Ao morrer-lhe a mulher, consola a
filha que lhe pergunta se a vida é feita só de traiçoeiros altos e baixos, dizendo Faz de conta, minha filha...
Faz de conta. E não diz outra coisa além disso, nunca mais. Sem cara de viúvo, reforma a fazenda, des-
manchando o aspecto do lugar e afastando o que lembraria a mulher. No aniversário de sua morte dá uma
festa e, quando as filhas casam e se vão, fica sozinho, mas não triste. Sem olhar para o passado, tio Man'
Antônio, o transitório, doa e distribui suas terras aos servos, que não o compreenderam nem o amaram - o
caduco maluco estafermo. Mesmo assim, deles faz-se capataz e rendeiro. Quando morre, sua grande casa se
incendeia, as mulheres se ajoelham, os homens de cara no chão se prostram, pedindo algo e nada,
precisados de paz...

Texto XIII: O Cavalo que bebia cerveja

Tema: o engano, o mistério que não se desvenda


Tom: suspense / mistério
Narrador: 1ª pessoa
Protagonista: Reivalino Belarmino (o empregado)
Enredo: Reivalino Belarmino narra, em primeira pessoa, o contato que teve com Seo Giovânio,
italiano que chegara ali na região na época da Revolução Espanhola. Tinha vários cães, uma deles chamado
Mussolino, o predileto do italiano. Seo Giovânio, mora numa casa misteriosa, onde nem ele entrava, a não ser
para dormir. Reivalino Belarmino, o personagem-narrador, diz detestá-Io por comer muito e como porco; por
viver lhe pedindo que busque cerveja para o seu cavalo. Entretanto, quando a mãe de Reivalino adoece, seu
Giovânio oferece-lhe dinheiro e, quando ela morre, convida-o para trabalhar na fazenda. Seo Giovânio, que
era sobrevivente de guerra, vivia temeroso, desconfiado. Só o alegrava a cerveja para o cavalo... Chegam
outros estrangeiros, da cidade, e revistam a casa do italiano. Reivalino, sempre desconfiado, conta-Ihes os
mistérios do patrão. Nada, porém, se prova contra ele: há um cavalo que realmente bebe cerveja e, num dos
quartos ocultados, encontram um enorme cavalo branco empalhado. Um dia, morre o irmão de Seo Giovânio,
que também vivia escondido na casa. Os homens vão revistar o cadáver e se horrorizam com o rosto do
falecido, desfigurado pela guerra. Reivalino – a convite do patrão – acaba tomando com ele a cerveja do
cavalo. Seo Giovânio morre, deixa-lhe a fazenda e ele – como para se justificar do engano que sempre o
mantivera de pé atrás com o protetor – bebe todas as garrafas de cerveja que restaram e finge que sempre
consumira, no lugar do cavalo... Fica, assim, o suspense sobre quem de fato bebia a cerveja do cavalo...

Texto XIV: Um moço muito branco

Tema: loucura / santidade


Tom: lírico - metafisico
Narrador: 3ª pessoa (testemunha)
Protagonista: o moço
Enredo: Na noite de 11 de novembro de 1872, uma série de incidentes naturais abalaram Serro Frio,
Minas Gerais: o clarão, o terremoto, o temporal, a enchente – pessoas e animais morreram; o lugar mudou-se
de todo. Destaque para a cor branca, que está intimamente ligada à idéia de pureza. Um moço muito branco -
claro corno o olho do sol, espiador de estrelas - sobrevive a um terremoto e a um temporal ocorridos na
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comarca de Serro Frio, em Minas Gerais. Desmemoriado, passa a viver com Hilário Cordeiro. Todos gostam
dele, silencioso e branco como um anjo. Duarte Dias - um homem mau, perverso - tenta de todas as formas
ficar com o moço, o qual dá sorte e faz milagres: diz blasfêmias a seu respeito; afirma pertencer a sua família
e, quando o moço toca o seio de sua filha Viviana, tomando-a para sempre alegre - quer forçar o casamento.
Nenhuma das artimanhas é bem sucedida. Então, Duarte Dias implora a Hilário Cordeiro a presença do
moço, em nome da muita afeição que lhe tem. O moço o pega pela mão e faz com que ache em sua própria
terra – cavando – uma gupiara de diamantes ou um panelão de dinheiro (depende da tradição dessas antigas
estórias). Após dar a um cego um caroço de árvore que, plantado, transforma-se num azulado pé de flor, o
moço branco desaparece com o preto endoidecido pelas mesmas catástrofes, José Kakende – o qual diz ter
o moço acendido nove fogueiras e outras estranhezas. Duarte Dias morre de dó e os outros experimentam
urna saudade e meia-morte, só de imaginarem nele. Ele cintilava ausente, aconteceu.

Texto XV: Luas-de-mel

Tema: o amor rejuvenescido


Tom: do suspense ao lirismo
Narrador: 1ª pessoa
Protagonista: um fazendeiro velho, de passado violento
Enredo: Joaquim Norberto, personagem-narrador do conto, era lavrador remediado, dono da
fazenda Santa Cruz. Velho e de passado violento, recebe uma carta do amigo Seo Seotaziano, que lhe pede
proteção para um casal. Joaquim arma-se, a mulher faz os preparativos, chegam homens para a prevenção
do perigo iminente. Na verdade, o casal é de noivos. Os três dias em que permanecem na fazenda são de
suspense, de expectativa em relação a uma briga que não acontece, e de festejos que contaminam os donos
da casa, rejuvenescendo-lhes o amor. Há o casamento – até o padre armado – e, em vez do coronel, pai da
moça, de quem esperavam a vingança, aparece-lhe o irmão, em missão de paz. As visitas se vão e a estória
se acaba com duas luas de mel: a do casal novo, apaixonado, e a do casal velho, remoçado.

Texto XVI: Partida do Audaz Navegante

Tema: a magia do universo infantil


Tom: lírico-evocativo
Narrador: 3ª pessoa (adesão e desvendamento da interioridade dos personagens)
Protagonista: a menina Brejeirinha
Enredo: Nesta estória de quatro crianças (Ciganinha, Brejeirinha, Pele e Zito) brincam em torno do
fogão de lenha enquanto a mãe e a empregada preparam um bolo. A fantasia se interpenetra com a
realidade. Num dia chvoso, a menina Brejeirinha – poetiza – conta à mãe, aos irmãos (Ciganinha e Pele) e ao
primo (Zito) um caso que nunca se acaba, e cujo enredo muda várias vezes: a partida, num grande navio, do
Audaz Navegante. Com a estiagem, as crianças vão brincar na beira do rio e Ciganinha e Zito vivem o amor
da história que Brejeirinha continua contando, enquanto Pele colhe flores que vão enfeitar - depois, um
estrume de vaca que "vira"o audaz navegante. Vem outra chuva, a mãe chega para proteger Brejeirinha dos
trovões e a água leva para o mar a fantasia das crianças.

Texto XVII: A Benfazeja

Tema: a "santidade" amaldiçoada, incompreendida


Tom: interpelativo
Narrador: 1ª pessoa (alguém do povoado)
Protagonista: Mula-Marmelo
Enredo: Ao passo que vai contando a estória de Mula-Marmela, o narrador vai conversando com
alguns ouvintes para colher-lhes as impressões sobre a estória que conta. O narrador fala às pessoas do
povoado sobre o engano que cometem ao amaldiçoarem a Mula-Marmelo: uma mulher suja, feia, esfarrapada
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e malquista. Na eloqüência com que argumenta, mostra a sina terrível desta mulher, que mereceria a san-
tificação. Casa-se por amor com um homem perverso, encarnação do Demo, o Mumbungo, que só a ela
teme, cometendo, com os outros, as piores crueldades. Assassina o marido e livra, assim, o povoado de sua
presença. No entanto, sobra-lhe o filho do Demo, do cão, o Retrupé, a quem cega com plantas venenosas,
para lhe evitar a maldade, e de quem se toma guia. Um dia, este também morre, com a ajuda de suas mãos.
Mula-Marmelo, antes de partir, ainda recolhe um cachorro morto, para livrar o logradouro de sua pestilência
perigosa, para piedade de dar-lhe cova em terra, ou para com ele ter com quem ou com quê se abraçar, na
hora de sua grande morte solitária. Trata-se, então, da benfazeja que ninguém compreendeu, do aparo do
ódio que deveria ir só para os dois homens, da abominada cuja expulsão prova que ninguém entende
ninguém: e I ninguém entenderá nada, jamais: esta é a prática da verdade. O narrador indignado acusa o
leitor de não ter a sensibilidade necessária para entender suas experiências e a complexidade dos
personagens em questão.

Texto XVIII: Darandina


Tema: a loucura
Tom: satírico, irônico
Narrador: 1ª pessoa (trabalhador num instituto de doentes mentais)
Protagonista: o louco
Enredo: diante de um instituto de doentes mentais, um homem exato, rápido, podendo-se dizer que
provisoriamente impoluto, afana uma caneta-tinteiro de outro homem e, perseguido, sobe ao alto de uma
palmeira. Lá diz loucuras lúcidas do tipo Viver é impossível... Adalgiso, também do instituto, relata o caso ao
personagem-narrador: - Disse que era são, mas que, vendo a humanidade já enlouquecida, e em véspera de
mais tresloucar-se, inventara a decisão de se internar... para se garantir. Forma-se uma multidão, os médicos
discutem o caso, mostrando-se suas rivalidades e palavrórios especializados. Chega a polícia, o carro de
bombeiros, o secretário das finanças com quem de inicio o "louco" é confundido, e até o secretário de
segurança e justiça. Quando ameaçam resgatá-lo, o homem tira os sapatos e depois as roupas, repetindo
dizeres que o tomam para os estudantes "um dos seus", para os médicos os mais variados diagnósticos, para
o capelão um endemoniado e, para o resto da multidão, um herói... Entretanto, o homem volta do "delírio" e
pede "socorro". A multidão quer linchá-lo, mas "a vida vence" - ele é salvo e protegido, após o último berro:
Viva a luta! Viva a liberdade! O conto termina com uma irônica desconfiança do narrado-personagem sobre o
comportamento do colega Adalgiso: ajuizado, correto, circunspecto demais... Visto que, no sonho geral,
permanecera insolúvel.

Texto VIX: Substância.

Tema: a descoberta do amor / o "desmedido momento"


Tom: lírico-amoroso
Narrador: 3ª pessoa (onisciente)
Protagonista: Maria Exita
Enredo: Sionésio era dono da fazenda Samburá, onde se cultivava mandioca e se fazia polvilho,
emprega Maria Exita, de mãe leviana, pai leproso e irmãos assassinos. Fazendo a pior parte do serviço -
partir o polvilho nas lajes - ela, no entanto, não parecia padecer, antes tirar segurança e folguedo, do triste,
sinistro polvilho, portentoso, mais a maldade Sionésio apaixona-se por sua beleza, pela imensidão de seu
olhar, pela doçura de seu sorriso, artes como um descer de anjos.
Não consegue tirá-la da cabeça, vigia-a nos bailes, mas ela é diferente, ninguém a quer de medo da doença
do pai, da má vida da mãe, da violência dos irmãos. Sionésio, então, procura Maria Exita no trabalho e - antes
de lhe falar - os mencionados motivos o perturbam. Mas era o exato, o grande, o repentino amor - o acima.
Acontece com eles o não-fato, o não-tempo, silêncio em sua imaginação. Só o um-e-outra, um em-si juntos, o
viver em ponto sem parar, coraçãomente: pensamento, pensamor. Alvor. Avançaram, parados, dentro da luz,
como se fosse no dia de Todos os Pássaros. Destaque especial para a cor branca, em que a depuração do
polvilho acaba sendo relacionada, por analogia, à depuração do sentimento.
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Texto XX: Tarantão, meu patrão...

Tema: a "loucura" / a solidariedade


Tom: do suspense ao lirismo
Narrador: 1ª pessoa (Vagalume, o empregado)
Protagonista: Iô João-de-Barros-Dinis-Robertes (o velho patrão)

Enredo: Vagalume, que na verdade se chama João Dosmeuspés Felizardo, conta a aventura de
seguir seu patrão, Iô João de Barros-Diniz-Robertes – um velho, doente, cansado, abandonado pela família,
que num de repente saltou da cama e foi arrear o cavalo para andanças: dizendo ir matar o sobrinho médico,
responsável por sua saúde. Vagalume é obrigado a acompanhar o patrão nesta demência, durante a qual se
diz o demo. Na caminhada, encontram uma mulher pobre e uma criança, uma procissão e depois uma festa -
em casa do referido sobrinho. Durante a trajetória, o patrão vai fazendo o bem e falando o mal: empresta o
cavalo à mulher enquanto Vagalume carrega a criança; sente-se homenageado na procissão e a reverencia.
Então, na festa, com o seu bando que Vagalume chama os palhaços destemidos - o ajudante de criminoso, o
sobrinho da velha que socorrera, dentre outros desvalidos - faz um discurso que ninguém entende, mas
emociona a todos. Principalmente ao Vagalume, que fica em lágrimas e saudade quando, após comerem e se
divertirem - morre Iô João-de-Barros-Dinis-Robertes. Agora, podendo daqui para sempre se ir, com direito a
seu inteiro sossego. Dei um soluço, cortado. Tarantão – então... Tarantão... Aquilo é que era!

Texto XXI: Os cimos

Tema: a magia, a imaginação, superando o medo da dor, da perda


Tom: lírico-filosófico
Narrador: 3ª pessoa (adesão e desvendamento da interioridade do personagem)
Protagonista: o menino da 1ª estória
Enredo: O último conto de Primeiras estórias divide-se em 4 partes - O inverso afastamento /
Aparecimento do pássaro / O trabalho do pássaro / O desmedido momento - esta estória retoma o menino de
As margens da alegria. Agora, uma nova viagem, uma nova travessia, em sentido inverso à primeira. Com a
mãe doente, o tio leva o menino de novo no avião: ele sofre, acompanhado de um brinquedo, um
macaquinho, cujo chapéu joga fora. O trabalho do pássaro - que chegava, a-justo, a-tempo. a-ponto, às seis e
vinte da manhã -. habita o menino que o identifica com a saudade, a vontade da mãe sempre salva. No final,
o desmedido momento, o menino está no avião, de volta para casa, a mãe recuperada, mas sem o tucano e
o macaquinho, que perdera, sendo que acham e lhe devolvem o chapeuzinho jogado fora. Ele, então, associa
o medo da perda da mãe ao macaquinho e ao tucano e, no inesquecível de-repente sorri presenciando todos
ao seu lado... Quando o tio diz Chegamos afinal o menino diz que ainda não. Sorria fechado: sorrisos e
enigmas, seus. E vinha a vida.

S ÍN T E S E D O S C O N T O S

Narração
Título Tema Principal Abordagem
*
Descoberta, novo,
1 As Margens da Alegria 3ª lírico, psicológico
infância, crise
cômico, anedótico,
2 Famigerado 1ª astúcia, violência
satírico
Sorôco, Sua Mãe, Sua
3 3ª solidariedade, loucura dramático, insólito
Filha
4 A Menina de Lá 3ª infância, descoberta místico, fantástico
5 Os Irmãos Dagobé 3ª violência, regeneração suspense, anticlímax
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6 A Terceira Margem do Rio 1ª Misticismo, loucura/culpa insólito, metafísico
7 Pirlimpsiquice 1ª espontaneidade, infância Lírico
8 Nenhum, Nenhuma 3ª memória, descoberta psicológico, insólito
9 Fatalidade 3ª violência, fatalismo suspense, anticlímax
10 Seqüência 3ª amor, destino Lírico
11 O Espelho 1ª inquirição metafísica Psicológico
12 Nada e a Nossa Condição 3ª Loucura, desprendimento Lírico
O Cavalo que Bebia
13 1ª violência, mistério suspense, mistério
Cerveja
14 Um Moço Muito Branco 3ª Loucura, perfeição Fantástico
15 Luas-de-mel 1ª amor senil Lírico
Partida do Audaz
16 3ª infância, descoberta metalingüístico, lírico
Navegante
17 A Benfazeja 1ª Loucura, rejeição Laudatório
18 Darandina 1ª Loucura cômico, satírico
19 Substância 3ª amor juvenil psicológico, lírico
20 Tarantão, Meu Patrão... 1ª Loucura épico, cômico
infância, iniciação,
21 Os Cimos 3ª Lírico
superação

BIBLIOGRAFIA
CASEMIRO, Charles Borges. Literatura Comentada: Vestibulares FUVEST/2001. São Paulo:
Edições Casemiro, 2000.
AMARAL, Emília et alli. Literatura Comentada: Vestibular/98. São Paulo: Nova Cultural, 1998.
CASTRO, Dácio Antônio de. Anglo Vestibulares: Comentários de Primeiras Estórias. São Paulo,
s/d.
ROSA, João Guimarães. Ficção Completa. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, vol. II, 1994.
JÚNIOR, Benjamim Abdala. Contos Brasileiros. São Paulo: Editora Scipione, 2ª edição, 1994.
GALVÃO, Walnice Nogueira. “Do lado de cá”. In: Mitologia rosiana. São Paulo: Ática, 1978.
ROSA, Vilma Guimarães. Relembramentos: João Guimarães Rosa, meu pai. Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1983.

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