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Resumo do Texto Trabalho e Ergologia

SCHWARTZ, Yves; DUC, Marcelle; DURRIVE, Louis. Trabalho e Ergologia. In: SCHWARTZ, Yves; DURRIVE,
Louis. (Orgs.). Trabalho & Ergologia: conversas sobre a atividade humana. 2. ed. Niterói: Ed. UFF, 2010. p. 25-46

Capítulo 1 – Trabalho e Ergologia


Uma conversa entre Yves Schwartz (filósofo), Marcelle Duc e Louis Durrive, dia 6 de abril de 2000, em Aix-
em-Provence.

Louis Durrive – A “ergologia conforma o projeto de melhor conhecer e, sobretudo, de melhor intervir sobre
as situações de trabalho, para transformá-las”, como você já disse em um determinado momento. Para abordar
a questão sob um ângulo panorâmico, eu gostaria que nós desenvolvêssemos um ponto de vista ergológico
sobre as evoluções atuais. Diz-se por toda parte que o trabalho se modifica...
Yves Schwartz – Sim, é certo o trabalho se modifica. O trabalho foi sempre apreendido de mudança.
Entretanto, é verdade que existe ritmos, períodos em que se tem o sentimento de que as coisas mudam bem
mais rápido. A partir dos anos 80, alguma coisa se modifica na relação do trabalho humano com um ambiente
mecânico, na relação do corpo humano com o trabalho. As competências solicitadas são outras.

Louis Durrive – Pode-se dizer que as evoluções vão num sentido positivo ou negativo? A um melhor ou pior?
Pode-se falar alguma coisa do valor da transformação em si?
Yves Schwartz – É preciso evitar falar em melhor ou pior, ou isso se modifica ou se moderniza deixando
subtendido que é melhor. As mudanças são conduzidas por quem não sofre suas consequências. Eu penso que
essas formas de abordar as mudanças do trabalho são ambas unilaterais e de todo modo elas colocam entre
parênteses as situações reais de trabalho ou atividade. Se não ver de perto como cada um se submete, vive e
tenta recriar sua situação de trabalho, interpreta-se, julga-se e diagnostica-se no lugar das próprias pessoas e
isso não pode produzir resultados positivos.

Marcelle Duc – Certas teses nos anunciam o fim do trabalho, mas isso não é apagar de certa forma a
experiência humana que se vai operar nas atividades?
Yves Schwartz – Talvez não seja o fim, mas o declínio de certas formas clássicas de trabalho.

Marcelle Duc – O fim do trabalho talvez envolva também as fábricas sem homens?
Yves Schwartz –É verdade que hoje já não se sabe mais muito bem o que é classe operária. É então
fundamental levarmos em conta as dimensões dessas mudanças e aceitarmos a ideia de que as formas de
atividade humana se deslocam. Daí a falar de fábricas sem homens... São extrapolações que, eu creio, não são
confirmadas na realidade, mesmo se há uma parte de verdade. Em contrapartida, é preciso reconhecer, ao
mesmo tempo, que “o trabalho se desloca”, isto é, que não se para de inventar”

Louis Durrive – Pode-se também falar de um certo paradoxo, porque se exigem mais iniciativas e ao mesmo
tempo há um fenômeno de aumento dos procedimentos a serem seguidos. O que é que se pode pensar dessa
espécie de contradição entre cada vez mais decisões a tomar na base e simultaneamente cada vez mais
restrições?
Yves Schwartz – É necessário aceitar a ideia que não existe um modelo de interpretação único, que ninguém
é expert no que tange a mudança, porque não se trata de apenas uma, mas de mudanças. Estamos sempre em
situações de trabalho que tem histórias, particularidades, dentro de relações econômicas em que as exigências
e as formas de regulação continuam a pesar. É fácil ser profeta, mas é uma maneira de não compreender a
atividade das pessoas que trabalham, de não estar atento a tudo o que está em jogo cotidianamente nesta
atividade.

Louis Durrive – Em relação ao valor do que observamos, isso significa que não podemos dizer a priori que
um trabalho é mais monótono ou menos monótono do que antes, mais interessante ou menos interessante,
mais intenso ou menos intenso?
Yves Schwartz – Será que podemos falar do trabalho sem o trabalhador, de um certo modo, dizendo: “o
trabalho é realizado em tais condições. Isso é o que se pede à pessoa, logo esse trabalho é assim: interessante
ou não, intenso ou não”?
... não sabemos o que é “a intensidade” do trabalho, porque não sabemos muito bem o que é trabalho. Existe
o trabalho intenso e um trabalho que se intensifica.
É por isso que não podemos julgar o valor das mudanças. Podemos ter hipóteses, é normal, mas julgar de
maneira definitiva é realmente julgar no lugar de quem trabalha, sem trabalhar.

Marcelle Duc – Finalmente, você insiste muito sobre a prudência na maneira de qualificar as mudanças. Mas
no fundo, qual é o significado desta prudência do ponto de vista da Ergologia? Sobre quais elementos um
pouco positivos isto desemboca?
Yves Schwartz – Uma das bases do que nós podemos chamar de perspectiva ergológica é a constatação de
que somos sempre apanhados pela retaguarda, no que tange à atividade humana. Ela está sempre, em um dado
meio, em negociação de normas. Trata-se de normas anteriores à própria atividade: a atividade negocia essas
normas em função daquilo que são as suas próprias. Qualquer que seja a situação, há sempre uma negociação
que se instaura.
Logo, por trás da prudência há este elemento positivo: reconhecer alguma coisa que é um tipo de re-criação
permanente. A ergologia é a aprendizagem permanente dos debates de normas e de valores que renovam
indefinitivamente a atividade: é o “desconforto intelectual”.

Louis Durrive – Não se pode falar de um tipo de miopia no plano social ou de um olhar excessivamente perto
do infinitamente pequeno quando aborda a história que se desenvolve? Será que a chamada à prudência, o
olhar dirigido a tudo o que está em jogo e se recria frequentemente no infinitamente pequeno no trabalho, não
será uma maneira, enfim, de se desinteressar pelas grandes questões em escala global e por tudo o que se vive
hoje, por exemplo, no que diz respeito à globalização?
Yves Schwartz – Uma situação de trabalho contém a questão da sociedade. Inversamente, pela maneira como
se trabalha, cada um toma posição nestes debates da sociedade e os recompõe na sua escala.
Toas as escolhas que serão feitas no micro trabalho, são uma maneira de gerir – e então de ponderar – o
resultado dessas transformações ou a sequência da história dessas transformações – que ninguém pode prever
precisamente porque não se sabe como vão se operar as escolhas e as decisões nesse tipo de situação.
Não se trata, portanto de miopia. A perspectiva ergológica obriga, ao contrário, a colar permanentemente o
micro e o macro, a partir do momento em que ela aponta o fato de que toda atividade de trabalho encontra
escolhas, debates de normas e logo encontros de valores.

Louis Durrive – Isso quer dizer que encontramos as questões e os debates de escala macro no mais simples
dos atos de trabalho, e inversamente – o mais simples dos atos de trabalho pesará nas mudanças mais globais.
Yves Schwartz – Há situações em que o micro e o macro são bastante próximos e bastante claros para as
pessoas e outras em que são muito distantes. Mas há sempre alguma coisa da ordem do viver junto e dos
valores do viver junto na menor das situações de trabalho.

Louis Durrive – Finalmente, a partir do momento em que conceituamos a mudança, há de alguma forma um
risco de fazer um julgamento de valor. E, no limite, se falaria de mutação: como tal, isso significaria que as
coisas se impõem por elas mesmas, que a mudança é uma necessidade lógica e que de fato não há debate sobre
eventuais alternativas.
Yves Schwartz – Não há “mutação” que nos dispensaria de ir ver a atividade de perto, mas tendências que se
efetivam nas situações singulares.

Marcelle Duc – Em que apropriação do conceito de atividade como ponto de partida – o que é um pouco uma
definição da perspectiva ergológica – é ao mesmo tempo um encaminhamento de conhecimento e uma
incitação à transformação, uma abordagem da transformação?
Yves Schwartz –Ter um olhar ergológico sobre as transformações em curso nos conduz a recusa de
categorizá-las antecipadamente, de pré recortar as mudanças por categorias que poderiam ser desenvolvidas
antes mesmo que as atividades se desenvolvam ou existam: precisamente porque deixa de considerar aquilo
que, em toda atividade, é já um “trabalhar ou um fazer de outra forma”. Logo, o ponto de vista da atividade,
“descategoriza”. Ele nos impede, nos proíbe totalmente de embarcar em um modelo de análise única.
O olhar ergológico descategoriza e ao mesmo tempo nos permite recategorizar de outra forma estas
transformações, apoiando-se justamente sobre o fato de sempre haver este “trabalhar de outra forma” em toda
atividade de trabalho.
Louis Durrive – Justamente, a propósito de categorias: falou-se da atividade, que ela descategoriza. Pode-se
então perguntar o que é feito dos conceitos, o que é feito dos saberes nessa análise, nesse olhar ergológico?
Yves Schwartz –Temos necessidade de conceitos. Temos necessidade de competências disciplinares.
Para compreender o trabalho, os saberes disciplinares são necessários, mas é com aqueles que trabalham que
se validará conjuntamente o que se pode dizer da situação que eles vivem.
Enfim, a diferença é esta: ou dizemos que estes conceitos são suficientes para compreender o que se passa
numa situação de trabalho, ou dizemos sim que é no retrabalho e no contato com as situações concretas que
as pessoas recompõem tudo isso.

Louis Durrive – Mediante o que, se compreendemos bem onde estavam as mudanças, pode-se também
debatê-las.
Yves Schwartz – Esta visão sobre a atividade humana, esta perspectiva ergológica, este pôr em trabalho as
experiências e os conceitos uns pelos outros, faz surgir o que podemos chamar de debates de normas ou
debates de valores. E é preciso fazer emergir esses debates porque é a realidade da vida. Se não o fazemos,
haverá estragos em algum lugar, certamente.
É preciso criar lugares em que esses debates emerjam, para em seguida se possa conduzir políticas acerca de
bens comuns que estejam no nível microscópico, em relação dialética com o nível mais político, o mais
macroscópico – isso acontecendo nos dois sentidos.

Anexo Capítulo 1
Reflexão em torno de um exemplo de trabalho operário

 O taylorismo coloca a questão da relação homem-trabalho.

Um exemplo numa fábrica com trabalho prescrito, racional, lógico, “científico”.

Esquema 1 – o prescrito e o real

O esquema 1 resume semanas de trabalho e representa o espaço percorrido pela placa ao longo
do ciclo de trabalho.

 A primeira constatação a fazer é a diferença entre os esquemas, o que quer dizer que a ordem seguida
pelas trabalhadoras é diferente do que é determinado pelo setor responsável pela prescrição de
métodos de trabalho (setor de métodos).

 No esquema de baixo tem 86cm, que representa a distância percorrida por um ponto qualquer da
placa em 120 seg., no curso dos quais deve-se realizar 27 inserções.
Aqueles que conceberam isso pensaram que esta seria a melhor maneira de sequenciar, considerando
as operações a realizar no tempo do ciclo sem perda de tempo.

 O esquema de cima não é o mesmo. Ele mostra o trabalho real, aquilo que a operadora realmente fez
naquele dia. Ele ilustra uma característica geral da atividade dessas operadoras: elas reorganizam
permanentemente seu posto de trabalho.
Concentrou em um espaço menor o conjunto de operações.

A questão é a seguinte: porque as operadoras passam de um esquema a outro, e qual é a significação


dessa mudança?

Quatro proposições são possíveis:

1ª A distância entre o prescrito e o real.


2ª O conteúdo da distância é sempre parcialmente ressingularizado.
3ª A distância remete à atividade do corpo-si.
4ª A distância remete a um debate sobre valores.

 Por fim, atividade humana teria estas quatro características:


 Existe sempre uma distância (entre o trabalho prescrito e o realizado)
 Esta distância é sempre ressingularizada;
 A entidade que conduz e que arbitra essa distância é uma entidade simultaneamente alma e
corpo, como dizia a filosofia;
 E a arbitragem mobiliza um complexo de valores; o trabalho é sempre encontro de valores.

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