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Informativo 923-STF
Márcio André Lopes Cavalcante

Julgado não comentado considerando que o mérito não foi apreciado em razão da perda do objeto: RCL 26.003/SP.

ÍNDICE
DIREITO CONSTITUCIONAL
CNJ
 O fato de o PCA instaurado no CNJ contar com um número elevado de partes interessadas não significa,
necessariamente, violação ao devido processo legal.

DIREITO ADMINISTRATIVO
SERVIDORES PÚBLICOS
 Não devolução dos valores recebidos de boa-fé por servidor público por força de decisão liminar revogada.
 Os substitutos interinos dos cartórios extrajudiciais devem receber limitado ao teto do funcionalismo público (art.
37, XI, da CF/88).

DIREITO NOTARIAL E REGISTRAL


REGIME JURÍDICO
 Os substitutos interinos dos cartórios extrajudiciais devem receber limitado ao teto do funcionalismo público (art.
37, XI, da CF/88).

DIREITO PENAL
CÓDIGO DE TRÂNSITO
 O art. 305 do CTB é constitucional e não viola o princípio da não autoincriminação.

DIREITO CONSTITUCIONAL

CNJ
O fato de o PCA instaurado no CNJ contar com um número elevado de partes interessadas
não significa, necessariamente, violação ao devido processo legal

Caso concreto: foi instaurado procedimento de controle administrativo (PCA) no CNJ para
apurar a regularidade de 300 serventias judiciais.
O impetrante alega a nulidade do PCA pelo fato de haver um grande número de interessados
no mesmo processo, defendendo a ideia de que deveria ser um procedimento para cada parte.
O STF não concordou com o mandado de segurança impetrado e manteve a decisão do CNJ.
O fato de o PCA instaurado no CNJ contar com um número elevado de partes interessadas não
significa, necessariamente, violação ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla
defesa.
O prejuízo à defesa deve ser analisado concretamente, à luz das especificidades do caso.

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No caso concreto, tendo em vista que todos os interessados foram intimados para se
manifestarem no processo e o que CNJ enfrentou de maneira detida as teses jurídicas por eles
apresentadas, não há que se falar em anulação do ato impugnado.
Como regra geral, o controle dos atos do CNJ pelo STF somente se justifica nas hipóteses de:
a) inobservância do devido processo legal;
b) exorbitância das competências do Conselho; e
c) injuridicidade ou manifesta irrazoabilidade do ato impugnado.
No caso concreto, não se identifica nenhuma dessas três situações. Logo, não há motivo para a
anulação da decisão do CNJ.
STF. 1ª Turma. MS 28.495/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em
13/11/2018 (Info 923).

Serventias judiciais
A Justiça só consegue funcionar se, além do juiz, houver um grupo de pessoas trabalhando nas questões
administrativas e operacionais necessárias à prática dos atos processuais e ao cumprimento das decisões
judiciais.
Em outras palavras, o juiz decide e despacha e, a partir daí, será indispensável o trabalho de servidores
que irão juntar aos autos a decisão, intimar as partes, permitir a carga do processo etc.
Estas atividades são realizadas em um setor chamado comumente de "cartório" da Vara. Obs: na Justiça
Federal não se utiliza a expressão "cartório", mas sim secretaria da Vara.
Este "cartório" da Vara é classificado juridicamente como serventia judicial.
Os cartórios ou serventias judiciais praticam, portanto, serviços auxiliares à função jurisdicional,
praticando atos cartorários relacionados com processos judiciais (protoloco, autuação e tramitação).

Titular da serventia judicial


A serventia judicial possui um dirigente, um "chefe", que coordena e supervisiona o trabalho dos demais.
Na Justiça Federal este papel é desempenhado por um servidor público, titular de cargo, chamado diretor
de secretaria.
Na Justiça Estadual, o dirigente do cartório judicial é, em geral, denominado de escrivão. Pode-se dizer
que o escrivão é o titular da serventia judicial.

Os titulares de serventias judiciais são servidores públicos? Ocupam cargos públicos?


Depende. Atualmente, existem três espécies de titulares de serventias judiciais:
a) os titulares de serventias oficializadas, que ocupam cargo ou função pública e são remunerados
exclusivamente pelos cofres públicos;
b) os titulares de serventias não estatizadas, remunerados exclusivamente por custas e emolumentos; e
c) os titulares de serventias não estatizadas, mas que são remunerados em parte pelos cofres públicos e
em parte por custas e emolumentos.

O cenário acima existe porque antigamente todas as serventias judiciais eram “não estatizadas”
(“particulares”). Isso significa que o titular da serventia judicial era um particular (que não era servidor
nem ocupante de cargo) e que mantinha os custos do cartório com recursos próprios. Em contrapartida,
ele era remunerado com uma parte das custas e dos emolumentos que o Estado arrecadava. Apenas para
você entender melhor, era como se fossem os atuais titulares de cartórios extrajudiciais, porém atuando
no âmbito de cartórios judiciais.
Em 1977 foi editada uma emenda à Constituição Federal de 1967 obrigando que todas as serventias
judiciais passassem a ser estatizadas, respeitado o direito dos titulares de serventias “privadas”. Em outras
palavras, a EC 7/1977 determinou que os titulares de serventias não estatizadas poderiam continuar, mas

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que, ocorrendo a vacância, tais serventias deveriam ser estatizadas, com a presença de servidores
públicos, remunerados pelos cofres públicos.
A Constituição Federal de 1988 também seguiu o mesmo caminho e previu no art. 31 do ADCT:
Art. 31. Serão estatizadas as serventias do foro judicial, assim definidas em lei, respeitados os
direitos dos atuais titulares.

Desse modo, a grande maioria das atuais serventias judiciais são oficializadas. No entanto, existem ainda
alguns titulares de serventias não estatizadas que permanecem trabalhando.
Os titulares dessas serventias não estatizadas podem ser remunerados de duas formas:
1) exclusivamente por custas e emolumentos;
2) em parte pelos cofres públicos e em parte por custas e emolumentos.

Vale ressaltar que a vontade do constituinte (desde a EC 7/1977) é a de que as serventias judiciais sejam
estatizadas. Somente se admitiu a permanência das serventias nas mãos da iniciativa privada por uma
questão transitória, a fim de não prejudicar os direitos dos então titulares. No entanto, trata-se de situação
anômala e que deverá acabar.

Feita esta contextualização sobre o tema de fundo, imagine a seguinte situação adaptada:
O CNJ instaurou um procedimento administrativo para apurar a regularidade das serventias judiciais
existentes no Paraná.
O objetivo do CNJ era verificar quais serventias judiciais no Paraná ainda eram privadas, a fim de que todas
elas se adequassem ao que determina o art. 31 do ADCT da CF/88.
No Estado, existem mais de 300 serventias extrajudiciais e todas elas eram objeto de apuração pelo CNJ.
Assim, como eram muitos interessados em um mesmo processo, a Associação dos Serventuários da Justiça
pediu ao CNJ que desmembrasse este único processo em centenas de outros procedimentos individuais,
ou seja, que fosse formado um processo para cada serventia.
O CNJ indeferiu o pedido argumentando que a questão enfrentada possui natureza eminentemente
jurídica e prescinde de dilação probatória. Logo, não haveria qualquer prejuízo à ampla defesa ou ao
contraditório na reunião de todos em um só procedimento.
O CNJ determinou a notificação de todos os titulares para que se manifestassem.
Após analisar os argumentos suscitados nas defesas, o CNJ fixou prazo de 60 dias para que o TJPR
apresentasse um cronograma de estatização de todas as serventias judiciais que ainda eram exercidas em
caráter privado “cuja titularidade tenha sido concedida após 05.10.1988”.
A Associação dos Serventuários da Justiça impetrou, no STF, mandado de segurança contra a decisão do
CNJ e o principal argumento da impetrante foi a de que teria havido violação ao devido processo legal pela
reunião de todos os casos no mesmo procedimento.

O STF concordou com o pedido da Associação?


NÃO.
O fato de o procedimento de controle administrativo (PCA) instaurado no CNJ contar com um número
elevado de partes interessadas não significa, necessariamente, violação ao devido processo legal, ao
contraditório e à ampla defesa.
O prejuízo à defesa deve ser analisado concretamente, à luz das especificidades do caso.
No caso concreto, tendo em vista que todos os interessados foram intimados para se manifestarem no
processo e o que CNJ enfrentou de maneira detida as teses jurídicas por eles apresentadas, não há que
se falar em anulação do ato impugnado.
STF. 1ª Turma. MS 28.495/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em
13/11/2018 (Info 923).

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Além disso, é razoável a justificativa do relator do PCA que, ao negar o pedido de desmembramento,
afirmou que a autuação e distribuição de trezentos processos de matéria idêntica poderia prejudicar a
análise sistemática da questão, além de inviabilizar, sem qualquer motivação de ordem técnica, a
distribuição de novos processos a ele próprio.

Como regra geral, o controle dos atos do CNJ pelo STF somente se justifica nas hipóteses de:
a) inobservância do devido processo legal;
b) exorbitância das competências do Conselho; e
c) injuridicidade ou manifesta irrazoabilidade do ato impugnado.

No caso concreto, não se identifica nenhuma dessas três situações. Logo, não há motivo para a anulação
da decisão do CNJ.

DIREITO ADMINISTRATIVO

SERVIDORES PÚBLICOS
Não devolução dos valores recebidos de boa-fé por servidor público
por força de decisão liminar revogada

Não deve ser determinada a devolução de valores recebidos de boa-fé por servidor público,
percebidos a título precário no período em que liminar produziu efeitos.
É desnecessária a devolução dos valores recebidos por liminar revogada, em razão de
mudança de jurisprudência. Também é descabida a restituição de valores recebidos
indevidamente, circunstâncias em que o servidor público atuou de boa-fé.
STF. 1ª Turma. MS 32.185/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 13/11/2018 (Info 923).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João, servidor público federal aposentado, impetrou mandado de segurança pedindo que não fosse
descontada de seus proventos uma gratificação que é paga aos servidores da ativa.
Na época, a jurisprudência entendia que essa gratificação era realmente devida aos aposentados.
Em razão disso, foi concedida a medida liminar e, por força dessa decisão provisória, João passou a receber
R$ 2 mil a mais todos os meses na sua aposentadoria.
Essa situação durou 2 anos. Isso porque, quando o Tribunal foi julgar o mérito do mandado de segurança,
a jurisprudência já havia se alterado, passando a entender que a gratificação pedida era, de fato, exclusiva
dos servidores da ativa.
Diante disso, o Tribunal reconheceu que João não tinha direito líquido e certo ao recebimento da
gratificação, negou a segurança e revogou a liminar outrora concedida.
A União pediu, então, que João fosse condenado a devolver os valores que recebeu ao longo dos 2 anos
por força da decisão liminar que foi revogada. Segundo a Fazenda Pública, a devolução é imposta pelo art.
46, § 3º da Lei nº 8.112/90:
Art. 46 (...)
§ 3º Na hipótese de valores recebidos em decorrência de cumprimento a decisão liminar, a tutela
antecipada ou a sentença que venha a ser revogada ou rescindida, serão eles atualizados até a
data da reposição.

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O pedido da União deverá ser acolhido? João terá que devolver os valores relativos aos 2 anos que
recebeu por força da medida liminar posteriormente revogada?
NÃO.
É desnecessária a devolução dos valores recebidos por liminar revogada, em razão de mudança de
jurisprudência. Também é descabida a restituição de valores recebidos indevidamente, circunstâncias
em que o servidor público atuou de boa-fé.
Essa orientação ampara-se na confiança legítima que o beneficiário da decisão tem no sentido de que a
sua pretensão será acolhida.
Assim, os princípios da boa-fé e da segurança jurídica afastam o dever de restituição de parcelas
recebidas por ordem liminar revogada.
STF. 1ª Turma. MS 32.185/DF ED, Redator do acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 13/11/2018 (Info 923).

Veja outros precedentes no mesmo sentido:


(...) 1. Quando da publicação da decisão que deferiu o pedido de medida liminar, a jurisprudência
hegemônica do Supremo Tribunal Federal era no sentido de que a glosa, pelo TCU, de percentuais pagos
em virtude de decisões judiciais transitadas em julgado importava em afronta à garantia prevista no art.
5º, XXXVI, da Magna Carta. Esse contexto, sem dúvida, alimentou no impetrante justificada expectativa
por provimento final favorável, ou seja, pela concessão da ordem, com a confirmação da liminar deferida.
2. Houve, contudo, alteração da jurisprudência desta Suprema Corte, que passou a rechaçar a tese de
afronta à coisa julgada, ao fundamento de que o Tribunal de Contas da União, em casos como o presente,
apenas identifica o exaurimento da eficácia de comandos judiciais transitados em julgado, ante a
superveniência de alterações legislativas que promovem reestruturações remuneratórias e absorvem
parcelas judicialmente reconhecidas.
3. A mudança jurisprudencial solapou projeção razoavelmente nutrida pelo impetrante e descortinou
cenário suscetível de afastar, de modo pontual e excepcional, considerados os princípios da boa-fé, da
segurança jurídica e da proteção da confiança, a regra do art. 46, § 3º, da Lei nº 8.112/1990. (...)
STF. 1ª Turma. MS 30556 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 26/05/2017.

(...) 3. Desnecessidade de restituição das parcelas recebidas por força de medida liminar deferida com
fundamento em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal, cassada em virtude da recente
mudança de entendimento. Projeção do postulado da confiança assentada pelo plenário deste Supremo
Tribunal no julgamento do mandado de segurança n. 25.430 (...)
STF. 2ª Turma. MS 26132 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 18/11/2016.

(...) Quando do julgamento do MS 25.430, o Supremo Tribunal Federal assentou, por 10 votos a 1, que as
verbas recebidas em virtude de liminar deferida por este Tribunal não terão que ser devolvidas por ocasião
do julgamento final do mandado de segurança, em função dos princípios da boa-fé e da segurança jurídica
e tendo em conta expressiva mudança de jurisprudência relativamente à eventual ofensa à coisa julgada
de parcela vencimental incorporada à remuneração por força de decisão judicial. (...)
STF. 1ª Turma. MS 31543 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 14/10/2016.

O STJ possui o mesmo entendimento acima exposto?


NÃO. O STJ, sem enfrentar expressamente o tema referente à mudança na jurisprudência, em regra,
afirma que é devida a devolução. Confira:
Se o servidor público recebe valores por força de decisão judicial posteriormente revogada, tal quantia
poderá ser exigida pela Administração Pública?

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SIM. É devida a restituição ao erário dos valores de natureza alimentar pagos pela Administração Pública
a servidores públicos em cumprimento a decisão judicial precária posteriormente revogada.
O STJ entende que, neste caso, não se pode falar em boa-fé do servidor, considerando que ele sabia que
poderia haver alteração da decisão que tinha caráter precário (provisório).
STJ. 1ª Seção. EAREsp 58.820-AL, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 8/10/2014.

O servidor público recebe valores por sentença judicial transitada em julgado. Posteriormente, esta
sentença é desconstituída em ação rescisória. O servidor deverá devolver as quantias percebidas?
NÃO. A jurisprudência do STJ firmou o entendimento no sentido de que não é devida a restituição dos
valores que, por força de decisão transitada em julgado, foram recebidos de boa-fé, ainda que
posteriormente tal decisão tenha sido desconstituída em ação rescisória (STJ. 1ª Turma. AgRg no AREsp
2.447/RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 17/04/2012).
O entendimento consolidado segundo o qual é legítimo o desconto de valores pagos em razão do cumprimento
de decisão judicial precária, posteriormente revogada, não tem aplicação neste caso porque aqui o pagamento
decorreu de sentença judicial definitiva, que só depois foi desconstituída em ação rescisória.
STJ. 1ª Turma. AgRg no AREsp 463.279/RJ, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 02/09/2014.

DOD PLUS
Outros entendimentos jurisprudenciais que são importantes sobre o tema:
Servidor público que recebe, administrativamente, valores que, posteriormente, se mostram indevidos,
é obrigado a restituir a quantia?
As quantias percebidas pelos servidores em razão de decisão administrativa dispensam a restituição quando:
a) auferidas de boa-fé;
b) há ocorrência de errônea interpretação da Lei pela Administração;
c) ínsito o caráter alimentício das parcelas percebidas, e
d) constatar-se o pagamento por iniciativa da Administração Pública, sem participação dos servidores.
STF. 1ª Turma. MS 33976 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 24/11/2017.

Servidor que recebe indevidamente valores por meio de decisão administrativa (posição do STJ não exige
esses mesmos requisitos do STF)
Se o servidor público recebe valores por força de decisão administrativa posteriormente revogada, tal
quantia poderá ser exigida de volta pela Administração Pública?
NÃO. É incabível a restituição ao erário dos valores recebidos de boa-fé pelo servidor público em
decorrência de errônea ou inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública.
Em virtude do princípio da legítima confiança, o servidor público, em regra, tem a justa expectativa de que
são legais os valores pagos pela Administração Pública, porque jungida à legalidade estrita.
Assim, diante da ausência da comprovação da má-fé no recebimento dos valores pagos indevidamente
por erro de direito da Administração, não se pode efetuar qualquer desconto na remuneração do servidor
público, a título de reposição ao erário.
STJ. 1ª Seção. REsp 1.244.182-PB, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 10/10/2012 (recurso repetitivo).

Súmula 249 do TCU: É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por
servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte
do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão,
à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais.

Súmula 34-AGU: Não estão sujeitos à repetição os valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, em
decorrência de errônea ou inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública.

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Servidor que recebe indevidamente valores em decorrência de erro operacional da Administração


A 1ª Seção do STJ, no julgamento do Recurso Especial Representativo da Controvérsia 1.244.182/PB,
firmou o entendimento de que não é devida a restituição de valores pagos a servidor público de boa-fé,
por força de interpretação errônea ou má aplicação da lei por parte da Administração.
O mesmo entendimento tem sido aplicado pelo STJ nos casos de mero equívoco operacional da
Administração Pública.
Assim, não é devida a devolução de verba paga indevidamente a servidor em decorrência de erro operacional
da Administração Pública, quando se constata que o recebimento pelo beneficiado se deu de boa-fé.
STJ. 1ª Turma. AgRg no REsp 1447354/PE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16/09/2014.
STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp 1560973/RN, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 05/04/2016.

Restituição à Administração Pública de proventos depositados a servidor público falecido


Os herdeiros devem restituir os proventos que, por erro operacional da Administração Pública,
continuaram sendo depositados em conta de servidor público após o seu falecimento.
STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp 1.387.971-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 15/3/2016
(Info 579).

Quadro-resumo
SITUAÇÃO TERÁ QUE DEVOLVER?
1) Servidor recebe por decisão ADMINISTRATIVA depois revogada NÃO
2) Servidor que recebe indevidamente valores em decorrência de erro NÃO
operacional da Administração
3) Servidor recebe por decisão JUDICIAL não definitiva depois reformada SIM
(posição do STJ)
4) Servidor recebe por decisão JUDICIAL não definitiva depois reformada NÃO
(obs: a reforma da liminar foi decorrência de mudança na jurisprudência). (posição do STF)
4) Servidor recebe por sentença TRANSITADA EM JULGADO e que NÃO
posteriormente é rescindida
5) Herdeiro que recebe indevidamente proventos do servidor aposentado SIM
depois que ele morreu

SERVIDORES PÚBLICOS
Os substitutos interinos dos cartórios extrajudiciais devem receber limitado
ao teto do funcionalismo público (art. 37, XI, da CF/88)

Incide o teto remuneratório constitucional aos substitutos interinos de serventias


extrajudiciais.
STF. 2ª Turma. MS 29.039/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 13/11/2018 (Info 923).

Serventias extrajudiciais
Os cartórios ou serventias extrajudiciais praticam atividades extrajudiciais (fora do processo judicial) e que
são necessárias para garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.
Ex: a propriedade do bem imóvel somente é transmitida, por ato entre vivos, com o registro no cartório
extrajudicial de Registro de Imóveis (art. 1.227 do Código Civil).

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As serventias extrajudiciais são os cartórios de Tabelionato de Notas, de Protesto, de Registro de Imóveis,


de Registro de Pessoas Naturais etc.
Os titulares das serventias extrajudiciais são chamados de notários (tabeliães) e registradores.
Apesar de serem aprovados em concurso, eles não são servidores públicos nem ocupam cargos públicos.
São considerados particulares em colaboração com o Poder Público.
Os notários e registradores não são remunerados por recursos públicos. São remunerados unicamente
pelos emolumentos cobrados dos usuários dos serviços. A Constituição Federal determinou que esses
serviços extrajudiciais seriam exercidos em caráter privado:
Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do
Poder Público.

Os rendimentos dos titulares de serventias extrajudiciais estão limitados ao teto do funcionalismo


público (art. 37, XI, da CF/88)?
NÃO. Como vimos acima, os titulares de serventias extrajudiciais não são servidores públicos, não ocupam
cargos nem recebem remuneração paga pela Administração Pública. Eles são remunerados pelo próprio
particular que se utiliza dos serviços do cartório. Por essas razões, os notários e registradores não estão
limitados ao teto previsto no art. 37, XI, da CF/88, que somente se aplica aos servidores públicos (em
sentido amplo). Os titulares de serventias extrajudiciais podem receber acima do teto.

CNJ e fiscalização dos cartórios


As serventias extrajudiciais são fiscalizadas pelo Poder Judiciário estadual, estando vinculadas aos
Tribunais de Justiça. Nesse sentido, veja o que determina o § 1º do art. 236 da CF/88:
Art. 236 (...)
§ 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos
oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

O CNJ é o órgão correicional máximo do Poder Judiciário e, por essa razão, fiscaliza também as serventias
extrajudiciais. Existe, inclusive, previsão expressa no art. 103-B da CF/88:
Art. 103-B (...)
§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e
do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que
lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:
(...)
III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive
contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro
que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar
e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a
remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo
de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;

Fiscalização do CNJ em relação aos concursos públicos e a figura dos interinos


Desde 2009, o CNJ tem intensificado a fiscalização sobre as serventias extrajudiciais a fim de verificar se os seus
titulares estão na função ou não por força de concurso público, conforme determina o art. 236 da CF/88.
Em diversos casos, o Conselho identificou titulares que assumiram a função após a CF/88, sem concurso
público. Por conta disso, o CNJ afastou diversos notários e registradores dos cartórios e determinou que
os Tribunais de Justiça fizessem concurso público.

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Ocorre que, enquanto tais concursos não são realizados, alguém precisa, interinamente, exercer as
funções notariais e registrais no lugar do titular que foi afastado.
Assim, o titular (que estava sem concurso) é afastado e o Tribunal de Justiça deve designar um “interino”
para exercer as funções na respectiva serventia.
O que fez, contudo, o Corregedor Nacional de Justiça: determinou que substitutos que respondem
interinamente pelas atividades da serventia estão sujeitos ao teto remuneratório previsto no art. 37, XI,
da CF/88.
A Associação dos Notários e Registradores do Brasil (ANOREG) impetrou mandado de segurança contra
essa determinação do Corregedor Nacional alegando, entre outros argumentos, que os
substitutos/interinos também são particulares em colaboração com o Poder Público e, por isso, não lhes
é aplicável o teto disposto no art. 37, IX, da CF/88.

O que o STF decidiu? Os substitutos interinos dos cartórios extrajudiciais devem receber limitado ao
teto? O teto se aplica a eles?
SIM.
Incide o teto remuneratório constitucional aos substitutos interinos de serventias extrajudiciais.
STF. 2ª Turma. MS 29.039/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 13/11/2018 (Info 923).

O titular interino não pode ser equiparado ao titular da serventia, considerando que ele não preenche os
requisitos para tanto. Assim, ele está atuando como um preposto do Poder Público e, nessa condição,
deve submeter-se aos limites remuneratórios previstos para os agentes públicos.
Esse é a posição pacífica de ambas as Turmas do STF:
O titular interino não atua como delegado do serviço notarial e de registro porque não preenche os
requisitos para tanto; age, em verdade, como preposto do Poder Público e, nessa condição, deve-se
submeter aos limites remuneratórios previstos para os agentes estatais, não se lhe aplicando o regime
remuneratório previsto para os delegados do serviço público extrajudicial (art. 28 da Lei nº 8.935/1994).
STF. 1ª Turma. MS 30180 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 21/10/2014.

Aplica-se a quem detém interinamente a serventia extrajudicial a limitação do teto prevista no art. 37, XI,
da Constituição.
STF. 2ª Turma. MS 29083 ED-ED-AgR, Rel. Min. Teori Zavascki, Rel. p/ Acórdão Min. Dias Toffoli, julgado
em 16/05/2017.

DIREITO NOTARIAL E
REGISTRAL

REGIME JURÍDICO
Os substitutos interinos dos cartórios extrajudiciais devem receber limitado
ao teto do funcionalismo público (art. 37, XI, da CF/88)

Incide o teto remuneratório constitucional aos substitutos interinos de serventias


extrajudiciais.
STF. 2ª Turma. MS 29.039/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 13/11/2018 (Info 923).

Veja comentários em Direito Administrativo.

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DIREITO PENAL

CÓDIGO DE TRÂNSITO
O art. 305 do CTB é constitucional e não viola o princípio da não autoincriminação

Importante!!!
A regra que prevê o crime do art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) é constitucional,
posto não infirmar o princípio da não incriminação, garantido o direito ao silêncio e
ressalvadas as hipóteses de exclusão da tipicidade e da antijuridicidade.
STF. Plenário. RE 971.959/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 14/11/2018 (repercussão geral) (Info 923).

Evasão do local do acidente para evitar responsabilidade penal ou civil


O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê o seguinte delito em seu art. 305:
Art. 305. Afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou
civil que lhe possa ser atribuída:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.

Em que consiste o crime


O agente se envolve em um acidente de trânsito e foge do local para não ser identificado e não ter que
responder a um processo criminal ou uma ação de indenização.
“(...) o condutor, uma vez verificado o acidente, simplesmente abandona o local, não aguardando a
realização das providências de identificação dos veículos, dos condutores, e demais anotações, a cargo da
autoridade de trânsito, e mesmo dos outros envolvidos.” (RIZZARDO, Arnaldo. Comentários ao Código de
Trânsito brasileiro. 9ª ed., São Paulo: RT, 2013, p. 627).

Bem jurídico tutelado


De forma imediata, o crime protege a administração da justiça, que fica prejudicada pela fuga do agente
do local do evento, uma vez que tal atitude impede sua identificação e a consequente apuração do ilícito,
para fins de se promover a responsabilização cível ou penal de quem, eventualmente, provocar um
acidente de trânsito, dolosa ou culposamente.
De forma mediata, tutela o direito da vítima à reparação do dano.

Sujeitos do crime
Tanto o sujeito ativo como o sujeito passivo podem ser qualquer pessoa.
Trata-se, portanto, de crime bicomum.

Elemento subjetivo
É o dolo.
Vale ressaltar que se exige especial fim de agir (dolo específico), considerando que o agente deve ter saído
do local “para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída”.
Não admite modalidade culposa.

Consumação
É crime material. Assim, o delito se consuma quando o agente consegue se afastar (evadir-se, fugir) do
local do acidente.

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Se ele tenta fugir, mas é impedido pela vítima, por populares ou pela polícia, por exemplo, haverá
tentativa.

Outras informações
• a ação penal é pública incondicionada;
• trata-se de infração de menor potencial ofensiva, de forma que o rito é sumaríssimo (Lei nº 9.099/95),
cabendo transação penal e suspensão condicional do processo.

Discussão quanto à constitucionalidade deste crime


Os Tribunais de Justiça dos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul
possuíam entendimento no sentido de que este crime do art. 305 do CTB seria inconstitucional ou, pelo
menos, inconvencional. Isso porque ele violaria o direito à não autoincriminação.
O direito à não autoincriminação é uma decorrência da ampla defesa, prevista no art. 5º, LV e LXIII.
Além disso, o Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), que vige em
nosso ordenamento jurídico com caráter supralegal, estabelece em seu artigo 8º, inciso II, alínea “g”, que
“toda pessoa tem direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”.

Essa discussão chegou finalmente ao STF. O que decidiu o STF? O art. 305 do CTB é constitucional ou não?
O art. 305 do CTB é constitucional.
O STF, em repercussão geral, fixou a seguinte tese:
A regra que prevê o crime do art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) é constitucional, posto não
infirmar o princípio da não incriminação, garantido o direito ao silêncio e ressalvadas as hipóteses de
exclusão da tipicidade e da antijuridicidade.
STF. Plenário. RE 971.959/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 14/11/2018 (repercussão geral) (Info 923).

Vou fazer um breve resumo dos argumentos invocados.

Flexibilização do princípio da vedação à autoincriminação


De fato, a CF/88 prevê, como uma decorrência da ampla defesa, o direito à não autoincriminação (nemo
tenetur se detegere).
De igual modo, o Pacto de San José da Costa Rica também assegura esse direito aos acusados.
No entanto, para o STF, é “admissível a flexibilização do princípio da vedação à autoincriminação
proporcionada pela opção do legislador de criminalizar a conduta de fugir do local do acidente”.
O legislador, ao exigir que o agente envolvido no acidente continue no local do fato até que sejam feitos
os procedimentos de identificação das pessoas e do sinistro, “não afeta o núcleo irredutível” do direito
fundamental à não autoincriminação.
O direito à não autoincriminação preconiza que jamais se pode obrigar o investigado ou réu a agir
ativamente na produção de prova contra si próprio. Ocorre que o tipo penal do art. 305 do CTB apenas
obriga a permanência do agente no local para garantir a identificação dos envolvidos no sinistro e o devido
registro da ocorrência pela autoridade competente. Assim, ele não viola o núcleo da garantia de não
autoincriminação.

Obriga-se o condutor a permanecer no local, mas não a “assumir a culpa” (continua “garantido o direito
ao silêncio”)
O art. 305 do CTB exige que o agente permaneça no local do acidente e se identifique perante a autoridade
de trânsito. Mas o tipo penal não obriga que o condutor assuma eventual responsabilidade cível ou penal.
Se ele permanecer no local e negar que tenha culpa, não incide o crime do art. 305 do CTB.
Vale ressaltar, inclusive, que o condutor, após sua identificação pela autoridade de trânsito, pode optar por
permanecer em silêncio quanto à dinâmica do acidente e não prestar nenhum esclarecimento sobre como

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ocorreu o sinistro. Em suma, depois de se identificar, pode exercer seu direito ao silêncio, que não significará
confissão nem poderá ser interpretado em prejuízo da defesa (art. 186, parágrafo único, do CPP).

Princípio da proporcionalidade
Eventual declaração de inconstitucionalidade da conduta tipificada no art. 305 do CTB, em nome de uma
leitura absoluta e irrestrita do princípio da vedação à autoincriminação, caracterizaria afronta ao princípio
constitucional da proporcionalidade em sua dimensão que proíbe a proteção deficiente.
Desse modo, o princípio que veda a não autoincriminação pode ser relativizado pelo legislador,
considerando que, segundo a teoria geral dos direitos fundamentais, havendo conflito entre dois
princípios, é necessário um juízo de ponderação. Assim ocorre, por exemplo, com os postulados da
proibição de excesso e da vedação à proteção insuficiente.

Fragilização da tutela penal


A criação de empecilhos à responsabilização penal do condutor que foge do local do acidente fragiliza a
tutela penal do Estado e deixa descoberto o bem jurídico que o referido crime deveria proteger. Além
disso, indiretamente, deixa sem proteção direitos fundamentais que um trânsito seguro busca preservar,
dentre eles o direito à vida.

Negar a vontade do Parlamento


Descriminalizar o crime de fuga significaria efetivamente negar a vontade do Parlamento.
Essa conduta é criminalizada porque a Constituição promete, em nome do povo, uma sociedade justa e
solidária, o que não poderia ser garantido caso afastada a juridicidade de uma conduta de quem abandona
o local do acidente para fugir à responsabilidade penal e civil.

Convenção de Trânsito de Viena


Importante mencionar que existe uma norma de direito internacional que abona (avaliza) essa opção feita
pelo legislador no art. 305 do CTB. Trata-se da Convenção de Trânsito de Viena, promulgada pelo Decreto
86.714/1981.
Esta Convenção prevê que o condutor e demais envolvidos em caso de acidente devem comunicar a sua
identidade, caso isso seja exigido (artigo 31).

Precedente do STF na análise do art. 307 do CP


Vale ressaltar que o STF já tem um precedente análogo. Isso porque o STF reconheceu que o art. 307 do
CP é constitucional e não viola o princípio que veda a autoincriminação.
Relembre o que diz o art. 307 do CP:
Falsa identidade
Art. 307. Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito
próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime
mais grave.

O STF entende que há crime quando o agente, para não se incriminar, atribui a si uma identidade que não
é sua. Essa questão já foi, inclusive, analisada pelo Pleno do STF em regime de repercussão geral:
O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa
identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto,
típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP).
STF. Plenário. RE 640139 RG, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 22/09/2011.

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No mesmo sentido:
Súmula 522-STJ: A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que
em situação de alegada autodefesa.

A persecução penal admite a relativização dos direitos na hipótese de justificável tensão entre o dever do
poder público de promover uma repressão eficaz às condutas puníveis e as esferas de liberdade ou
intimidade daquele que se encontre na posição de suspeito ou acusado.
Nesse âmbito, o direito à não autoincriminação se insere no mesmo conjunto de direitos subjetivos e
garantias do cidadão brasileiro, de que são exemplos os direitos à intimidade, à privacidade e à honra.
Essa relativização é admissível, embora mediante a observância dos parâmetros constitucionais
pertinentes à harmonização de princípios eventualmente colidentes.
Diante desse quadro, trata-se de garantia que não pode ser interpretada como o direito do suspeito,
acusado ou réu a não participar da produção de medidas probatórias. A referida flexibilização possibilita
que se efetivem, em maior medida, outros princípios fundamentais com os quais aquele colide no plano
concreto, sem que isso acarrete qualquer violação à dignidade da pessoa humana.

Mesmo no caso de condutas ativas do acusado/investigado têm sido admitidas flexibilizações


O direito do investigado de não realizar condutas ativas que importem na introdução de informações ao
processo também comporta níveis de flexibilização, muito embora a regra geral seja a da sua vedação.
A jurisprudência do STF, historicamente, adotava uma postura restrita quanto à admissibilidade das
intervenções corporais. Contudo, na linha do que se visualiza no cenário internacional, o STF,
gradativamente, iniciou uma caminhada em sentido oposto.
Um precedente exemplificativo desse processo é a Rcl 2.040/DF, na qual se decidiu que a autoridade
jurisdicional poderia autorizar a realização de exame de DNA em material colhido de gestante mesmo sem
sua autorização, tendo em vista o objetivo de investigar possível crime de estupro.
O direito comparado à luz da legislação e da jurisprudência dos principais países da Europa Continental
admite a intervenção corporal coercitiva, desde que autorizada judicialmente, restrita à cooperação
passiva do sujeito investigado ou acusado e sem ofensa à dignidade humana.

Se o agente fugiu com medo de eventuais agressões ou para cuidar de um ferimento sofrido, não haverá
crime (“hipóteses de exclusão da tipicidade e da antijuridicidade”)
Vale ressaltar, por fim, que o abandono do local do acidente pode ser legitimado em caso de eventual
risco de agressões que o condutor possa vir a sofrer por parte dos populares presentes ou ainda caso ele
esteja ferido e precise se deslocar imediatamente em busca de atendimento médico.
Para o Min. Lewandowski, nos casos concretos em que houver perigo de vida do causador do evento caso
permaneça no local do acidente, o juiz poderá aferir a exclusão da antijuridicidade da conduta, tal como a
legítima defesa ou o estado de necessidade.
Já para o Min. Alexandre de Moraes, essas situações realmente não configuram crime, mas por outra
razão: atipicidade. Segundo o Ministro, esses casos representam condutas atípicas, uma etapa anterior à
excludente de ilicitude, porque o tipo penal exige que o condutor do veículo se afaste do local do crime
“para fugir à responsabilidade penal ou civil”. Havendo necessidade de o agente evadir-se pelas
circunstâncias apresentadas, não ocorre dolo específico do tipo.

Votos vencidos
Ficaram vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Dias Toffoli, que
entendiam que o tipo penal do art. 305 do CTB viola o princípio da não autoincriminação.

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EXERCÍCIOS
Julgue os itens a seguir:
1) A instauração de procedimento de controle administrativo (PCA) pelo CNJ com número elevado de partes
interessadas representa violação ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa. ( ) E
2) O controle dos atos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pelo STF somente se justifica se houver
inobservância do devido processo legal, exorbitância das competências do Conselho e injuridicidade ou
irrazoabilidade manifesta do ato impugnado. ( ) C
3) Segundo o STF, é desnecessária a devolução dos valores recebidos por liminar revogada, em razão de
mudança de jurisprudência. ( ) C
4) Não incide o teto remuneratório constitucional aos substitutos interinos de serventias extrajudiciais. ( )
E
5) (Juiz TJDFT 2016 CESPE) Compete ao CNJ, instituído pela EC 45/2004 – Reforma do Judiciário, receber e
conhecer das reclamações em desfavor de órgãos prestadores de serviços notariais e de registro, sem
prejuízo da competência disciplinar e correcional dos tribunais de justiça. ( ) C
6) A regra que prevê o crime do art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) é constitucional, posto não
infirmar o princípio da não incriminação, garantido o direito ao silêncio e ressalvadas as hipóteses de
exclusão da tipicidade e da antijuridicidade. ( ) C
7) (MPDFT 2015) “João da Silva” constrangeu “Maria”, moça maior e capaz, à prática da conjunção carnal,
sob a ameaça verbal de que mataria sua mãe caso não permitisse o ato sexual. Consumado o crime, fugiu
para não ser preso por populares. Indagado acerca de seus dados pessoais, “João” mentiu e disse
chamar-se “Paulo Amor”, para ocultar seus antecedentes criminais. Conforme entendimento
jurisprudencial dominante nos tribunais superiores, responderá pela falsidade, pois não está acobertado
pelo direito de mentir para não produzir provas contra si mesmo (nemo tenetur se detegere). ( ) C
8) (Delegado PC/RS 2018 FUNDATEC) Larapius foi preso em flagrante pela prática de um crime de roubo.
Ao ser apresentado na Delegacia de Polícia para ser autuado, atribui-se identidade falsa. Nessa hipótese,
de acordo com o entendimento do Superior Tribunal de justiça, estará cometendo o crime de falsa
identidade. ( ) C

Gabarito
1. E 2. C 3. C 4. E 5. C 6. C 7. C 8. C

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