aa
u niversidade federal de minas gerais
Reitora: Sandra Regina Goulart Almeida; Vice-Reitor: Alessandro Fernandes Moreira
Faculdade de Letras
Diretora: Graciela Inés Ravetti de Gómez; Vice-Diretora: Sueli Maria Coelho
C olegi a d o do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários
Coordenadora: Maria Zilda Ferreira Cury; Subcoordenadora: Lyslei de Souza
Nascimento; Docentes: Cláudia Campos Soares, Matheus Trevizam, Marcel
de Lima Santos, Gustavo Silveira Ribeiro, Maria Juliana Gambogi Teixeira
(titulares); Marcos Rogério Cordeiro Fernandes, Teodoro Rennó Assunção,
Luiz Fernando Ferreira Sá, Constantino Luz de Medeiros e Márcia Maria Valle
Arbex (suplentes); Discentes: Amanda Pavani Fernandes e Rodrigo Vieira Ávila
de Agrela, (titulares), Nicole Alvarenga Marcello e Alice Bicalho de Oliveira
(suplentes); Secretária: Letícia Magalhães Munaier Teixeira.
C on s elho E d i tor i a l
Ana Lúcia Almeida Gazzola, David William Forster, Eneida Maria de Souza,
Francisco Topa, Jacyntho José Lins Brandão, Letícia Malard, Luciana Romeri,
Luiz Fernando Valente, Marisa Lajolo, Rui Mourão e Silviano Santiago.
Editores
Márcia Arbex
Marcos Antônio Alexandre
O rganização
Marcos Antônio Alexandre (Universidade Federal de Minas Gerais)
Eduardo de Assis Duarte (Universidade Federal de Minas Gerais)
Maria Nazareth Soares Fonseca (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais)
Capa
Imagem da capa: Wanatta Rodrigues
Secretária
Stéphanie Paes Rodrigues
Revisão e Normalização
Marina Lilian Pacheco, Mirian Vanessa Oliveira, Stéphanie Paes
Revisão de Inglês
Marina Naves, Raquel Rossini
Tradução Inglês-Português
Gustavo Bicalho
Diagramação
Alda Lopes, Henrique Vieira
e-ISSN: 2317-2096
a l e t r i a
revista de estudos de literat u r a
aa
A cultura negra na
Literatura e nas Artes
28
Out.-Dez.. 2018
n.4
Copyright © dos trabalhos pertencem aos seus autores.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta revista poderá ser reproduzida
ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados, sem permissão por
escrito.
Espectros de baldwin
Baldwin’s specters
Jânderson Albino Coswosk
Maria Aparecida Andrade Salgueiro ................................................... 31
Dawn Duke
University of Tennessee, Knoxville, Tennessee / Estados Unidos
dduke1@utk.edu
Abstract: Modern urban formations of the Arts (such as the literary published
phenomenon known as Cadernos negros) and activism have roots in the Zumbi-
Palmares legacy. Quilombismo, created by Abdias do Nascimento, serves to explain
this experience. A contemporary philosophy of identity and nationhood, Quilombismo
mirrors Negritude, embracing transformations that erode injustice and inequality. It
emerged as a product of Nascimento’s commitment to politics, the Black Movement,
literature, and theater. He envisioned his art, speeches, essays, and activism as part of the
global anti-racist democratization; his writings reveal influences from Pan-Africanism
and a deep commitment to Afro-Brazil. The elevation of quilombo from maroonage
and black rural communities to the level of philosophy has provided impetus to date,
as literature and activism maintain momentum in an era of diversity. Moving beyond
fleeing black bodies in search of Palmares, an image frozen in time, this thinker has
provoked dynamic perceptions of cultural affirmation, ensuring the survival of values
associated with Zumbi’s Palmares.
Keywords: Quilombismo; Zumbi; Palmares; Adbias do Nascimento; Cadernos negros.
Resumo: Algumas formações urbanas modernas no campo das Artes (tais como o
fenômeno de publicação literária conhecido como Cadernos negros) e do ativismo
têm como fonte o legado de Zumbi dos Palmares. O Quilombismo, criado por
eISSN: 2317-2096
DOI: 10.17851/2317-2096.28.4.11-29
12 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 11-29, 2018
Abdias do Nascimento, tem a capacidade de explicar tal relação. Como uma filosofia
contemporânea de identidade e nacionalidade, o Quilombismo espelha a Negritude,
engendrando transformações que desintegram injustiças e desigualdades. O conceito
emerge como resultado do compromisso de Nascimento com a política, o Movimento
Negro, a literatura e o teatro. Vislumbrando sua arte, seus discursos, seus ensaios e seu
ativismo como parte de um movimento global de democratização antirracista, Abdias
do Nascimento produziu textos que revelam influências do Pan-Africanismo, além de
uma dedicação profunda ao Brasil afrodescendente. A elevação da ideia de quilombo
como prática de resistência ou como comunidade rural a um patamar filosófico gerou
um ímpeto que se mantém na atualidade, à medida que a literatura e o ativismo mantêm
seu elã em uma era marcada pela diversidade. Indo além de corpos negros em fuga na
busca por Palmares, uma imagem congelada no tempo, o pensamento de Abdias do
Nascimento tem provocado percepções dinâmicas de afirmação cultural, assegurando
a sobrevivência de valores associados aos Palmares de Zumbi.
Palavras-chave: Quilombismo; Zumbi; Palmares; Adbias do Nascimento; Cadernos
negros.
1
MARTINS et al. Paving Paradise: The Road from “Racial Democracy” to Affirmative
Action in Brazil; SANTANA. Breve reflexão sobre a Lei 10.639.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 11-29, 2018 13
2
“O primeiro movimento que houve em termos de liberdade no Brasil foi o movimento
do Quilombo dos Palmares” (LEITE; CUTI. ...E disse o velho militante José Correia
Leita, p. 68, my translation).
3
NASCIMENTO. Brazil: Mixture or Massacre? Essays in the Genocide of a Black
People.
4
OJO-ADE. Being Black, Being Human: More Essays on Black Culture.
14 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 11-29, 2018
5
NASCIMENTO. O Quilombismo.
6
NASCIMENTO. African Culture in Brazilian Art; NASCIMENTO. O Quilombismo;
NASCIMENTO; NASCIMENTO. Africans in Brazil: A Pan-African Perspective.
7
“Uma idéia-força, um território discursivo” (RATTS. A voz que vem do interior:
intelectualidade negra e quilombo, p. 90, my translation).
8
NASCIMENTO. Brazil: Mixture or Massacre? Essays in the Genocide of a Black People;
FUNARI. Conflict and the Interpretation of Palmares, a Brazilian Run-Away Polity.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 11-29, 2018 15
hope, essential building blocks for the first independent nations in Africa
and their descendants across the globe.9
The structural similarities between Pan-Africanism and
Quilombismo confirm this thinker’s original plan of creating connections
with global identities while contemplating an original theory of Afro-
Brazilian consciousness. There are various stages to his envisioning
of the quilombo in history, in its original state, and quilombo hoje
(quilombo today); these stages come alive as strategies in social arenas
and as aesthetic points of reference visible in the Cadernos negros series.
Themes in poetry include: creativity and unity; empowering language;
acts of resistance and sabotage; from plantation enslavement to urban
marginalization; moving against Abolition; imagining the heroic black
man; and evocations of those who are absent, silenced, and imprisoned.
Such themes are reminiscent of Nascimento’s literary direction; in his own
words, “it is in the scratches and songs that my art is born”10 Nascimento
has always promoted a philosophy of difference and the nature of the need
he was addressing determined the kind of theorizing he cultivated for it
was never purely abstract, never purely aesthetic. This aim at relevance
is very visible in his theatrical works Sortilégio (1959) and Sortilégio II
(1979), where the art of symbolism and deep knowledge of Afro-Brazilian
ritualism mark such dramatic performance. Sortilégio II was written in the
1970s after the author spent time at the Obafemi Awolowo University in
Ile Ife, Nigeria.11 Both plays focus on the kingdom of Palmares and the
iconic figure of Zumbi whose heroism places emphasis on the struggle
for freedom, human dignity, and the legacy of peoples of African descent.
The act of theorizing the quilombo was the result of an accumulation
of his life’s experiences. Writing on the topic of exile, Nascimento defined
himself as an alienated subject, consequently a political agent for his
country at home and abroad. He claims “nasci exilado” (I was born exiled)12
in reference to historical cultural separation from Africa, oppression,
and discrimination in Brazil, a permanent condition that determined his
9
NASCIMENTO; NASCIMENTO. Africans in Brazil: A Pan-African Perspective.
10
“É nos pontos riscados e cantados que nasce minha arte.” (NASCIMENTO. Abdias
do Nascimento, p. 23, my translation).
11
NASCIMENTO. A questão de gênero na peça Sortilégio (Mistério Negro) de Abdias
Nascimento.
12
NASCIMENTO. Abdias do Nascimento, p. 25.
16 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 11-29, 2018
life struggles and his conscious commitment. This trajectory laid the
roots for the development of his spirit and discourse on Quilombismo.
Quilombismo is his life’s work, experiences, and contribution to the cause.
It bears the marks of his posture of non-conformism and his creativity.
Contemplate his participation in the Frente Negra Brasileira (FNB,
Black Brazilian Front) in the 1930s, his involvement in the development
of black presses and newspapers, his founding and political lobbying
on behalf of the Teatro Experimental do Negro (Negro Experimental
Theatre) in the 1940s and 1950s, and his promotion of black congresses
and caucuses throughout his life.13 Consider also that he was the black
intellectual who dared to incorporate into his writings terms like apartheid,
genocide, and lynching to describe the Afro-Brazilian condition and very
clearly states the aesthetic and artistic implications of cultural rejection.
He was the warrior who intellectualized the struggle through symbolic
reactivation of the old liberation war of Palmares.14 His argumentation
revealed fundamental flaws in the contemporary construction of Brazilian
nationhood and its deeper failure in relation to its people.15 This spirit of
criticism finds duplication in the poetic tones and thematic interests of
the Cadernos negros writers.
Nascimento reveals in his career and his writings a natural
continuum as a citizen, professional politician, activist, and cultivator of
the Arts, especially theater.16 His speeches and texts project what he saw as
the black world divided, the result of separatist hierarchical constructions
implemented by European expansion into Brazil. His paradigm of
Quilombismo totally re-positions Brazil away from the configuration
of passive colonized receptor and allegorically uses Palmares to imply
a legacy of hidden and untold glory and battle, while claiming that the
country’s ethno-cultural identity emerges from this original city’s drive,
vigor, and combative spirit under the inspirational legacy of Zumbi. His
speeches place quilombo and the success of Palmares at the very center
13
NASCIMENTO. Abdias do Nascimento, p. 25.
14
NASCIMENTO. Abdias do Nascimento; NASCIMENTO. Brazil: Mixture or
Massacre? Essays in the Genocide of a Black People.
15
NASCIMENTO. Brazil: Mixture or Massacre? Essays in the Genocide of a Black
People.
16
LARKIN NASCIMENTO. “A questão de gênero na peça Sortilégio (Mistério Negro)
de Abdias Nascimento”.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 11-29, 2018 17
of his political agenda as it relates to the black struggle and his project
of historical re-writing of his people’s role and his nation’s identity. He
defends the cause, ever faithful to the original premise of aggressive
struggle as seen in his employment of notions such as Brazilian apartheid,
the genocide of the black Brazilian, and holocaust in a space that
continues to define itself in terms of democracy, harmony and fusion.17
The Cadernos negros poets in this study align their creativity with
Quilombismo and do not necessarily coincide with other national literary
productions about liberation struggles during Portuguese rule. Cadernos
negros poets Márcio Barbosa and Oubi Inaê Kibuko have expressed
concern about the limiting stereotypical portrayals of Zumbi in works
like João Felício dos Santos’s Ganga-Zumba (1962).18 Their literature
experiments with history and runs parallel to the canonical literary sphere,
left free to abandon itself to the vast, infinite wealth of elements that
could be used to describe this experience. The Afro-Brazilian religion
Candomblé, traditions, rhythm, historical events and personages, myths,
Africa, a whole range of community values, and language form the basis
of the rather flexible and exploratory nature of this writing. Alongside
such literary freedom, there is a definite grounding in reality reminiscent
of approaches found in important African works during the 1970s and
1980s. Poetry, the most popular genre, synchronizes with social reality
and human behavior; verses are both historical and creative, for they
legitimize their place in the social sphere by collaborating with the
process of historical re-writing of the black experience in Brazil even
as they make use of techniques such as exaggeration and timelessness
that immortalize the Zumbi figure.
Poetry promotes glory where before there was disregard. Cuti
comments on how literature is in alliance with the black subject, “o ser
negro,” (the black human being) as a means of counteracting notions
of harmonious cultural hegemony.19 It creates discomfort, questioning,
conflict, even disorientation because this black subject is very specific,
17
NASCIMENTO. Sortilégio: mistério negro; NASCIMENTO. O Quilombismo;
NASCIMENTO. Brazil: Mixture or Massacre? Essays in the Genocide of a Black
People; OJO-ADE. Black Brazil: African Notes on a New Negritude.
18
BARBOSA. Márcio Barbosa, p. 12; KIBUKO. Reflexão sobre literatura negra na
realidade política brasileira, p. 125-140.
19
CUTI. O leitor e o texto afro-brasileiro, p. 28.
18 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 11-29, 2018
20
“Na pele de um negro,” (CUTI. O leitor e o texto afro-brasileiro, p. 28, my translation).
21
“hoje [...] sigo Zumbi, Agostinho Neto, Luther King, Mandela [...] imortais guerreiros
do meu povo” (BARBOSA. A morte, p. 56, my translation).
22
LIMEIRA. Zumbi, p. 107.
23
“Sou descendente de Zumbi”, “Eu trago quilombos e vozes bravias dentro de mim.”
(ASSUMPÇÃO. Protesto: poemas, p. 93, my translation).
24
MINKA. Dos Palmares, p. 85.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 11-29, 2018 19
“Meus dentes brilham na noite escura / Afiados como o agadá de Ogum.” (LIMEIRA.
26
27
“As palmeiras abundavam no antigo quilombo [...] Palmeiras são símbolos de paz
e sossego.” (CONCEIÇÃO, No Nordeste existem Palmares, p. 25, my translation).
28
“Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá” (DIAS. Gonçalves Dias: Poesia
completa e prosa escolhida, p. 103, my translation).
29
“eu, / pássaro-preto, / cicatrizo / queimaduras de ferro em brasa, / fecho corpo de
escravo fugido/ e / monto guarda / na porta dos quilombos.” (VENTURA. A cor da
pele, p. 29, my translation).
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 11-29, 2018 21
30
ALBERTO. “12, 13 e 14 de maio”; CUTI, “O leitor e o texto afro-brasileiro”.
31
“12 de maio chicotearam / 13 de maio alforriaram / 14 de maio assolaram.”
(ALBERTO. 12, 13 e 14 de maio, p. 87, my translation).
32
“Pensávamos ter terminado a escravidão / Mas iniciava neste momento mais uma
escuridão.” (ALBERTO. 12, 13 e 14 de maio, p. 87, my translation).
33
“A liberdade mendiga junto comigo / Pondo à mostra / Seu fascinante umbigo.”
(CUTI. Flash crioulo: sobre o sangue e o sonho, p. 24, my translation).
22 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 11-29, 2018
34
“20 de novembro / é uma canção / guerreira.” (RODRIGUES. Zumbi, p. 25, my
translation).
35
“Demitimos a princesa imposta / fazemos a nova luta / dignidade nossa tem data /
heroísmo crescido no coração da mata.” (MINKA. Novembro, 20, p. 38, my translation).
36
“livros cheios de Zumbilições.” (MINKA. Novembro, 20, p. 38, my translation).
37
TRINDADE. Poesias caderno 5, p. 17.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 11-29, 2018 23
inflationary beasts / There are other kinds of captivity [...]”38 Past sacrifice
meant nothing for they have not eradicated conditions of widespread need
that continue to plague everyone. Poetic discourse is aggressive in its
demands of unity against racism, hypocrisy and oppression, to break the
tragedy, to move past social separations, and strengthen the motherland.
Trindade’s poem indicates that a modification has occurred as
the historical notion of an enterprise associated with enslavement has
been replaced with current contexts in which aesthetic and social arenas
attest to community commitment. Poetry does not remain lodged within
historical fact of Zumbi’s defeat and the destruction of Palmares; poetic
value is in the fact of Palmares’s edification and in symbolic illustrations
of martyrdom, ancestrality, and spiritualization. Quilombo, Palmares, and
Zumbi have fundamental ideological roles within contemporary spaces
of black movement militancy, in politics, and the Arts. Poetry takes on
the challenge of psychological confrontation with pain and suffering,
in the expectation of individual capacity to overcome and thrive. This
poetic context, while specific to Brazil, has a deeper diasporic intention.
Quilombo as interaction and shared legacy makes Palmares an allegory
for Brazil, an extension of Africa, and with potential for duplication
everywhere as the same space repeating itself for a people whose legacy
is connected, complex, and in continuous construction.
Henrique Cunha Jr.’s “Quilombo” and Onawale’s “Quilombo”
bring the seasoned, almost invisible warrior figure out of the historical
settlement into modern urban space. The past legacy haunts the present
for this subject still exists, in the dark shadowy images in the big cities
of today. Aparecido Tadeu dos Santos’s “Olhar para trás” and Miriam
Alves’ “Noticiário” work the harsh reality of contemporary life through
the idea of a community on permanent armed alert, consequences of the
current circumstances of hunger, illiteracy, favelas, mud-slides, urban
violence, and marginality. In Alves’ poem, these are the events that make
the six o’clock news and that really seem to lock the community into a
defensive mode that is so reminiscent of the historical experience. Poetic
tones retain emotional pride even as the images attest to a people under
siege. In these verses there is an internal struggle between poetic tones of
38
“Tristeza: brancos, pretos e amarelos / Enfrentam as feras inflacionárias / Como uns
infelizes polichinelos ... / São outras as formas de cativeiro ...” (TRINDADE. Poesias
caderno 5, p. 17, my translation).
24 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 11-29, 2018
pride emanating from identification with the senzala or the quilombo, and
the tragic imagery of the daily struggle for survival that is nightmarish
in magnitude. “The singing from the slave quarters agitate my dreams /
still / The spears of the Quilombos arm my words / still [...] / The floods
wash away our shacks / disarm our dreams still.”39
Carlos Gabriel continues this thematic trend in “Favelas,
quilombos & senzalas.” Alzira Rufino’s poem “Brasil Palmares” and
Ele Semog’s “Nas calçadas da Lapa” are equally compelling. Symbolic
struggle emanates from between poetic imagery of beauty and the fact
that such imagery is based on stark realistic imagery of tragic proportions.
Historic difficulties of enslavement, abuse, and escape project forward to
the modern experience of abandonment. In Gabriel’s “Favelas, quilombos
& senzalas” urban hostility reinforces the quilombo’s poetic relevance as
salvation, redemption, and paradise: “It is the sun, the sweat, the anxiety
/ It is the pain, the hard walk / It is at last peace, so desired / It is love, it
is the Quilombo, it is freedom!”.40 The narrating strategy of allegorical
representation continues in Rufino’s “Brasil Palmares.” The verses seem
to combine several events into one while focusing on the expression
and mood of the crowd, even on the color of their faces, a mixture and
blend of possibilities. The verses capture the general mood of promise
and expectation that pushes back against negativisms: lyrical celebration
of negritude as identity matches the positive displays of pride and self-
assuredness. “Faces with the immensity of the sea / [...] free their name
/ recently born / like the tree producing flowers / flowers pregnant with
fruit / without the smell of the groaning night / in my chest, a movement
of strength / and the sun mixing / with the flame of Zumbi”.41
Writers such as Semog indicate poetically in works such as A cor
da demanda that there is an Afro-Brazilian condition that extends outward
39
“O canto da senzala abala meus sonhos / ainda / As lanças dos Quilombos armam
minhas palavras / ainda [...] / As inundações desmoronam nossos barracos/ desarmam
nossos sonhos ainda.” (ALVES. Noticiário, p. 47, my translation).
40
“É o sol, é o suor, é a ansiedade / É a dor, é a dura caminhada / É enfim a paz, tão
desejada / É o amor, é o Quilombo, é a liberdade!” (GABRIEL. Favelas, quilombos &
senzalas, p. 25, my translation).
41
“Rostos com a imensidão do mar / [...] libertam seu nome / recém-nascido / como
árvore brotando flores / flores grávidas de frutos / sem cheiro de noite gemida / no peito
movimento de força / e o sol fazendo a mistura / com a chama de Zumbi.” (RUFINO.
Eu, mulher negra, resisto, p. 43, my translation).
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 11-29, 2018 25
42
“Tem dias que olho / Os negros espalhados / Pelas calçadas da Lapa / (Sou eu? Sou
eu?) /bêbados, fétidos... rasgados... / (ai de ti Zumbi! Ai de ti Zumbi!).” (SEMOG. A
cor da demanda: poesia afro-brasileira, p. 134, my translation).
43
“Em defesa da dignidade / um homem deu sua vida / porém seu ato não foi em vão
/ isto é mais cimento, é mais tijolo / pro QUILOMBO em que vamos transformar esta
nação.” (KIBUKO. Em defesa da dignidade, p. 105, my translation).
26 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 11-29, 2018
References
ALBERTO, José. 12, 13 e 14 de maio. In: CADERNOS Negros. São
Paulo: [Author’s edition], 1980. v. 3: Poesia, p. 87.
ALVES, Miriam. Noticiário. In: CADERNOS negros. São Paulo:
[Author’s edition], 1986. v. 9: Poemas, p. 47.
ASSUMPÇÃO, Carlos de. Protesto: poemas. Franca: UNESP, 1988.
BARBOSA, Márcio. A morte. In: CADERNOS negros. São Paulo:
[Author’s edition], 1986. v. 9: Poemas, p. 56.
BARBOSA, Márcio. Márcio Barbosa. In: CADERNOS negros. São
Paulo: [Author’s edition], 1985. v. 8: Contos, p.12.
CAMARGO, Oswaldo de. O negro escrito. São Paulo: Secretaria de
Estado da Cultura, 1987.
CONCEIÇÃO, Jônatas. No Nordeste existem Palmares. In: ______;
BARBOSA, Lindinalva. Quilombo de palavras: a literatura dos afro-
descendentes. Salvador: CEAO/UFBA, 2000. p. 25.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 11-29, 2018 27
Espectros de Baldwin
Baldwin’s Specters
eISSN: 2317-2096
DOI: 10.17851/2317-2096.28.4.31-46
32 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 31-46, 2018
his three best friends: Martin Luther King Jr., Medgar Evers, and Malcolm X. We also
call the reader’s attention to the way the documentary exposes past and present images,
narratives, bodies, and names, inside the same flow, highlighting the importance of
Baldwin’s reflections on the fight against racism and violence that still hang over the
African-American population in contemporary times.
Keywords: James Baldwin; Raoul Peck; racism and violence; imagery and textual
manipulation.
1
MORRISON. James Baldwin: His Voice Remembered; Life in His Language, p. 27.
2
HALL. The Afterlife of Frantz Fanon: Why Fanon? Why Now? Why ‘Black Skin,
White Masks?’, p. 6.
3
DERRIDA. Espectros de Marx, p. 25.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 31-46, 2018 33
4
PECK. Introduction on a Personal Note, p. ix.
5
PECK. Introduction on a Personal Note, p. x.
6
SALGUEIRO. A omissão como presença, p. 53.
34 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 31-46, 2018
7
“I want to make an impossible film. Impossible for many reasons; impossible because I
am going to be inside the head of an author, using only his words, making you see him on
screen, make you hear his voice and convince you he’s talking to you, even though he is
dead. I wanted to completely inhabit Baldwin without translating him, without standing
in front of him. I did something new in my film career, I became modest. I wanted to
let him speak, and not […] finish the book he was trying to write”. (PECK. I Am Not
Your Negro: Director Raoul Peck talks Race, America and Film, p. 2, tradução nossa).
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 31-46, 2018 35
sua irmã Gloria Karefa-Smart. Peck não fazia ideia por onde começar,
pois recolheu um vasto aparato de fotografias, ensaios, cartas, notas e
entrevistas daquele arquivo. Após quatro anos de tentativa de elaborar um
roteiro original e “impossível” para o filme, o diretor recebe de Gloria um
pacote com trinta páginas escritas, denominadas Notes Toward Remember
This House, um projeto de um livro que Baldwin jamais terminaria de
escrever. O principal ingrediente do filme, um livro inacabado, é um
ensaio memorialístico iniciado em junho de 1979, no qual o escritor
desejava expor a história das lutas pela igualdade social entre brancos
e negros nos Estados Unidos, além da fabricação e manutenção do
racismo naquele espaço, através da vida e morte de seus três grandes
amigos: Martin Luther King Jr. (1929-1968), Medgar Evers (1925-1963)
e Malcolm X (1925-1965).
Com a descoberta do texto inacabado, Peck sabia que seu desafio
não era finalizar o texto que tinha em mãos, mas reunir as diversas
vozes – os diversos espectros, a pluralidade, a potência de uma escrita
aparentemente morta, estagnada pela impossibilidade de se ater à
mão física do escritor, mas que ressurge com força ainda mais aguda
e exibe sobrevida em seus traços à medida que é exposta lado a lado
com a nostalgia segregacionista e as novas formas de violência contra a
população negra que emergem na Afro-América contemporânea.
Em cinco anos, Martin, Medgar e Malcolm tiveram suas vidas
ceifadas e impressas naquelas poucas e pesadas letras de Baldwin. O
escritor não se ateve à cor de pele de seus amigos para buscar uma
tangente entre suas vidas e a história do racismo nos Estados Unidos:
eram suas lutas, suas causas, enfrentadas de modos muito diferentes, mas
que no fim desmascaravam as armadilhas do racismo. É exatamente essa
a evidência de que ambos – o escritor e o diretor – precisavam.8 Através
dessas mortes e de suas reverberações, Baldwin desconstrói narrativas e
auxilia Peck a conectar a história do Haiti à dos Estados Unidos, dentro
de seus diferentes esquemas oriundos do doloroso e sangrento sistema
escravista. Quando seguimos essa mesma trilha, Baldwin nos ajuda
também a conectar as nossas histórias daqui – o nosso passado também
doloroso e sangrento, o nosso racismo de cada dia, os nossos afetos.
I Am Not Your Negro, ao mesmo tempo em que parece um diário,
nos sugere uma aproximação com a carta de Baldwin para seu sobrinho,
8
PECK. Introduction on a Personal Note, p. xi.
36 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 31-46, 2018
9
STRAUSS. Editing I Am Not Your Negro, p. xxii.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 31-46, 2018 37
10
PECK. Notes on the Writing Process, p. xvii-xix.
11
PECK. Introduction on a Personal Note, p. xii.
12
DIDI-HUBERMAN. Quando as imagens tocam o real, p. 212.
13
MALRAUX. O museu imaginário.
38 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 31-46, 2018
14
“That’s when I saw the photograph. Facing us, on every newspaper kiosk on that wide,
tree-shaded boulevard in Paris were photographs of fifteen-year-old Dorothy Counts
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 31-46, 2018 39
[…]. It made me furious, it filled me with both hatred and pity. It made me ashamed.
Some one of us should be there with her! But it was on that bright afternoon that I
knew I was leaving France. I could, simply, no longer sit around in Paris discussing
the Algerian and the black American problem. Everybody else was paying their dues,
and it was time I went home and paid mine” (BALDWIN apud PECK. I Am Not Your
Negro: A Major Motion Picture Directed by Raoul Peck, from Texts by James Baldwin,
p. 13, tradução nossa).
15
BALDWIN. The Devil Finds Work, p. 25.
16
BALDWIN. The Devil Finds Work, p. 34.
40 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 31-46, 2018
ato Witness, apresentado por Bob Dylan em Only a Pawn in Their Game
(1964), anúncio da morte de Evers.
Em Purity, terceiro ato do filme, as análises de Baldwin sobre a
infantilização e hiperssexualização do negro no cinema se aprofundam
com a figura de Sidney Poitier, algo que Stuart Hall discutiu de modo
análogo em The Spectacle of the ‘Other’.17 A análise do ato confronta a
perpetuação de um sonho americano associado a um cinema cuja base
deveria reproduzir um estilo de vida à moda Gary Cooper e Doris Day, e
de Ray Charles como metonímia da experiência subterrânea e negada da
história afro-americana.18 Selling the Negro e I Am Not a Nigger, quarta
e quinta etapas do documentário, anunciam a morte de seus dois outros
amigos e, de certa forma, expõem um James Baldwin que se recusa a
se colocar dentro de um discurso adepto ou ao ódio ou ao amor, embora
as cenas televisivas e fotográficas, quando aproximadas de seus textos,
fazem dos olhos do espectador reféns de tamanha violência cravada
na história da inserção do corpo negro nos Estados Unidos. Inúmeras
fotos da escravidão de africanos e afrodescendentes que se instaurou
nas plantations do Norte e do Sul e sua justaposição com fotos de
linchamentos, enforcamentos e paredões de revista policial em negros
seminus instigam a ver que “a história do Negro nos Estados Unidos é
a própria história desse país. E não é bonita.”19
O documentário promove o contato entre o espectador e uma “rede
semiótica do racismo”20 na história pretérita e contemporânea dos Estados
Unidos, que se alastra através da produção fílmica hollywoodiana, do
poder que ela exerce sobre a hegemonia cultural em solo estadunidense e
dos impactos da violência física e psíquica acometidos à população afro-
americana através da ação policial, fincando suas raízes na instabilidade
política gerada a partir da eleição de Donald Trump e nos embates raciais
cada vez mais frequentes naquela nação.
A todo tempo, somos capturados por um framework do passado
que se confunde com imagens, fatos, corpos, nomes do presente,
17
HALL. The Spectacle of the ‘Other’, p. 77.
18
BALDWIN apud PECK. I Am Not Your Negro: A Major Motion Picture Directed by
Raoul Peck, from Texts by James Baldwin, p. 99.
19
“The history of the Negro in America is the history of America. And it is not a pretty
story” (BALDWIN apud PECK. I Am Not Your Negro: A Major Motion Picture Directed
by Raoul Peck, from Texts by James Baldwin, p. 95, tradução nossa).
20
FERREIRA. Livro #Paremdenosmatar evidencia genocídio da população negra, p. 2.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 31-46, 2018 41
21
MBEMBE. Necropolitics, p. 11.
22
FRANCISCO. A utopia pós-racial nos Estados Unidos: reestruturação do racismo e
a ascensão de Barack Obama na era do colorblindness, p. 3.
23
“Baldwin could not have known about Ferguson and Black Lives Matter, about the
presidency of Barack Obama and the recrudescence of white nationalism in its wake,
but in a sense he explained it all in advance” (SCOTT. Review: ‘I am not your Negro’
Will Make You Rethink Race, p. 2, tradução nossa).
42 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 31-46, 2018
24
FANON. Pele negra, máscaras brancas, p. 152.
25
MBEMBE. O devir-negro do mundo, p. 11.
26
“The unique combination of American terrorism” (WEST. Race Matters, p. XIII,
tradução nossa).
27
BALDWIN apud PECK, I am not your Negro: a major motion picture directed by
Raoul Peck, from texts by James Baldwin, p. 35.
28
DU BOIS. The Souls of Black Folk, p. 43.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 31-46, 2018 43
29
FANON. Pele negra, máscaras brancas, p. 102.
30
CAMPOS. Da transcriação poética e semiótica da operação tradutora, p. 57.
31
SCHURMANS. Entre história e ficção: o fracasso do homem de exceção. Une saison
au Congo (Aimé Césaire) e Lumumba (Raoul Peck), p. 86.
32
HALL. Cultural Identity and Cinematic Representation, p. 222.
44 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 31-46, 2018
Referências
BALDWIN, James. Nobody Knows My Name: More Notes of a Native
Son. New York: Dial Press, 1961.
BALDWIN, James. Notes of a Native Son. New York: Bantam Books,
1968.
BALDWIN, James. The Devil Finds Work: An Essay. New York: Vintage
Books, 1976.
BALDWIN, James. The Fire Next Time. New York: The Dial Press, 1963.
CAMPOS, Haroldo de. Da transcriação poética e semiótica da operação
tradutora. In: OLIVEIRA, Ana Cláudia de; SANTAELLA, Lucia (Org.).
Semiótica da Literatura. São Paulo: EDUC, 1987. p. 53-74.
COATES, Ta-Nehisi. Between the World and Me. New York: Random
House, 2015.
DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx: o estado da dívida, o trabalho
do luto e a nova Internacional. Trad. Anamaria Skinner. Rio de Janeiro:
Relume-Dumará, 1994.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Quando as imagens tocam o real. Tradução
[do espanhol] de Patrícia Carmello e Vera Casa Nova. Pós: Revista do
Programa de Pós-graduação em Artes da Escola de Belas Artes da UFMG,
Belo Horizonte, v. 2, n. 4, p. 204-219, nov. 2012.
DU BOIS, William Edward Burghardt. The Souls of Black Folk. New
York: Dover, 1994.
33
SCHURMANS. Entre história e ficção: o fracasso do homem de exceção. Une saison
au Congo (Aimé Césaire) e Lumumba (Raoul Peck), p. 98.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 31-46, 2018 45
PECK, Raoul. I Am Not Your Negro: Director Raoul Peck Talks Race,
America, and Film. Newshub, 20 set. 2017. Entrevista concedida a
Finn Hogan. Disponível em: <https://www.newshub.co.nz/home/
entertainment/2017/09/i-am-not-your-negro-director-raoul-peck-talks-
race-america-and-film.html>. Acesso em: 27 mar. 2018.
PECK, Raoul. Introduction on a Personal Note. In: ______ (Ed.). I Am
Not Your Negro: A Major Motion Picture Directed by Raoul Peck, from
Texts by James Baldwin. New York: Vintage Books, 2017. p. iii-xv.
PECK, Raoul. Notes on the Writing Process. In: ______ (Ed.). I Am Not
Your Negro: A Major Motion Picture Directed by Raoul Peck, from Texts
by James Baldwin. New York: Vintage Books, 2017. p. xvii-xix.
SALGUEIRO, Maria Aparecida Andrade. A omissão como presença.
Cult, São Paulo, ano 20, n. 222, p. 52-55, abr. 2017. Entrevista concedida
a Helder Ferreira.
SCHURMANS, Fabrice. Entre história e ficção: o fracasso do homem
de exceção. Une saison au Congo (Aimé Césaire) e Lumumba (Raoul
Peck). Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, v. 106, p. 85-104,
maio 2015.
SCOTT, A. O. Review: ‘I Am Not Your Negro’ Will Make You Rethink
Race. The New York Times, New York, 2 Feb. 2017. Disponível em:
<https://www.nytimes.com/2017/02/02/movies/review-i-am-not-your-
negro-review-james-baldwin.html>. Acesso em: 27 mar. 2018.
STRAUSS, Alexandra. Editing I Am Not Your Negro. In: PECK, Raoul
(Ed.). I Am Not Your Negro: A Major Motion Picture Directed by Raoul
Peck, from Texts by James Baldwin. New York: Vintage Books, 2017,
p. xxii-xxviii.
TILLIS, Antonio D.; HARRIS II, Emmanuel (Ed.). The Travon Martin
in US: An American Tragedy. New York: Peter Lang Publishing, 2015.
WARBURG, Aby. Atlas Mnemosyne. Madrid: Akal, 2010.
WEST, Cornel. Race Matters. Boston: Beacon Press, 2001.
Abstract: Relying on the testimony of artists and historians, the article argues that
artistic objects can contribute both to reinforce and to contest traditions enshrined in
the collective memory of nations. The text recalls the role of visual arts as no less
important than that of written documents. For instance, it focuses on different forms of
representing negroes in slavocratic societies, starting with the nineteenth-century work
of Jean-Baptiste Debret, following an analysis of the role of photography, art that was
invented in the same century which proved equally intertwined with social facts. In
contemporary art, the article discusses the contesting function of the North-American
artist and historian Fred Wilson´s work, as well as that of Adriana Varejão and of poets
Márcio Barbosa and Oliveira Silveira.
Keywords: Representations of negroes; slavocratic societies.
eISSN: 2317-2096
DOI: 10.17851/2317-2096.28.4.47-63
48 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 47-63, 2018
1
“Painting contains a divine force which not only makes absent men present […] but
moreover makes the dead almost seem alive” (ALBERTI. On Painting, Book II, p.
63, tradução minha). Em sua introdução ao livro de Alberti, John R. Spencer, tradutor
e pesquisador de sua obra, observa que essas palavras remetem a uma afirmação de
Cícero, em De amicitia, vii, 23 (ALBERTI. On Painting, Book II).
2
Para acessar as imagens analisadas neste trabalho, clique sobre seus títulos. As
referências completas encontram-se ao final do texto [N.E.].
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 47-63, 2018 49
3
MÜLLER. Intermidialidade revisitada, p. 76.
4
PORTELLA. Gilberto Freyre e a renovação do romance brasileiro, p. 400.
5
BANDEIRA. Gilberto Freyre, poeta, p. 79.
6
LINS. Breve contribuição a um possível estudo acerca da influência de Gilberto Freyre
sobre a literatura brasileira, p. 306-311.
50 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 47-63, 2018
7
“[…] photographs are texts inscribed in the photographic discourse, but photographic
discourse, like any other, is the site of a complex intertextuality, an overlapping series
of previous texts […] at a particular cultural and historical conjuncture […] inextricably
caught up within the specificity of the social acts” (STILES. Language and Concepts.
p. 854).
8
“Theories of intermediality today look at literature and photography (among others)
as important media of cultural self-reflection and self-expression, vital for the building
of cultural memory and identity […] Thus, both in Britain and the United States,
photography often turned to the socially deprived, showing slums, the poor in the
factories and streets or shabby housing conditions, thereby opening up a panoramic
view of society that struck many viewers as more sincere and ‘honest’ than, for
instance, paintings of similar subjects.” (STRAUB. Nineteenth-century Literature and
Photography, p. 158, tradução minha).
52 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 47-63, 2018
9
PONTES. Introdução, p. 22.
10
PONTES. Introdução, p. 22. Ver também COELHO. Imagens da nação, p. 49, 114.
11
MAUAD. Imagem e auto-imagem do Segundo Reinado, p. 185.
12
FREYRE. Sobrados e mucambos, p. 482.
13
MAUAD. Imagem e auto-imagem do Segundo Reinado, p. 203.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 47-63, 2018 53
14
FREYRE. Sobrados e mucambos, p. 466-467.
15
SLENES. Senhores e subalternos no Oeste paulista, p. 266.
54 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 47-63, 2018
– Ó Fulô? Ó Fulô?
Cadê meu lenço de rendas
Cadê meu cinto, meu broche,
Cadê meu terço de ouro
Que teu Sinhô me mandou?
Ah! Foi você que roubou.
Ah! Foi você que roubou.16
16
LIMA. Essa negra fulô, p. 25
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 47-63, 2018 55
Irene no Céu
Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.
lo com sua nudez, mata o senhor e vai se deitar com um negro. Em outro poema, “O
que não dizia o poeminha do Manuel”, Márcio Barbosa (1959-) imagina a mãe preta
chegando ao céu, quando chama São Pedro de racista e o manda para o inferno.
21
BANDEIRA. Irene no céu, p. 220.
22
LEITE. Retratos de família, p. 69.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 47-63, 2018 57
23
LEITE. Retratos de família, p. 69-70.
24
DESAI; MATTISON; HAMLIN. History as Art, Art as History, p. 3.
25
Ver INSTALLATION view: “Cabinetmaking, 1820-1960”. Clique sobre o título
para acessar [N.E.].
58 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 47-63, 2018
26
Ver o verbete “Filho bastardo” da Enciclopédia Itaú Cultural de arte e cultura
brasileiras. Clique sobre o título da imagem para acessar [N.E.].
27
Ver PAZETO. Instalação na arte contemporânea. Clique sobre o título para acessar
[N.E.].
60 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 47-63, 2018
pintar seu retrato em três poses diferentes: como negra, como índia e
como uma branca de feições achinesadas (fruto provável de casamentos
mistos), lembrando a chinoiserie frequente no barroco brasileiro. Esse
tipo de retrato remonta a um gênero colonial praticado na América
espanhola, onde casais de raças diferentes costumavam encomendar
retratos de si próprios junto aos filhos mestiços, com informações
sobre suas etnias escritas na tela. Testemunhas oculares X, Y e Z alude
também a uma lenda segundo a qual a imagem do agressor permanece
gravada na retina da vítima. Isso explica a fenda no rosto de cada mulher,
mostrando o lugar de onde foi extraído um dos olhos. À frente de cada
retrato, numa superfície de vidro sustentada por uma moldura de metal,
encontra-se uma lente de aumento – que permite ao espectador examinar
um pequeno objeto representando o olho arrancado. O objeto também
funciona como um minúsculo porta-joias. Levantada, a tampa deixa ver
uma miniatura de gravuras de Theodore de Bry que ilustraram livros do
mercenário Hans Staden sobre suas viagens pelo Brasil do século XV.
A história de Staden é uma das famosas narrativas sobre canibais nas
terras do Novo Mundo – histórias usadas para legitimar a violência da
conquista. Não admira que, conforme sugere a instalação de Varejão, os
culpados tenham querido mutilar as mulheres estupradas, impossibilitá-
las de denunciar os abusos sofridos. Nisso, contudo, os criminosos não
tiveram êxito. No rosto de cada mulher, um olho, contendo a imagem do
agressor, permanece intacto. A vítima pode fixá-lo no espectador, apelar
silenciosamente para seu apoio. Surradas e violentadas, essas mulheres
viram seus maridos, irmãos e filhos assassinados ou escravizados. A
arte, entretanto, lhes prolongou a vida. Na obra de Varejão sua história
continua a ser contada. Por outro lado, ao incluir sua própria imagem
em três versões, a artista, sugerindo sua identificação com as etnias
representadas, acena para um ideal igualitário, no qual as discriminações
raciais tenham sido finalmente eliminadas.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 47-63, 2018 61
Referências
ALBERTI, Leon Battista. On Painting. Tradução, introdução e notas de
John R. Spencer. rev. New Haven, CT: Yale University Press, 1966. Book
II, p. 62-85.
ALENCASTRO, Luiz Felipe. Epílogo. In: ______. História da vida
privada no Brasil Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997. v. 2, p. 468-469.
BANDEIRA, Manuel. Gilberto Freyre, poeta. In: GILBERTO Freyre:
sua ciência, sua filosofia, sua arte. Ensaios sobre o autor de Casa-grande
& senzala, e sua influência na moderna cultura do Brasil. Rio de Janeiro:
José Olympio Editora, 1962. p. 79-84.
BANDEIRA, Manuel. Irene no céu. In: ______. Libertinagem: poesia
completa e prosa. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1986. p. 220.
BARBOSA, Márcio. O que não dizia o poeminha do Manuel. Cadernos
Negros, São Paulo, v. 15, p. 64, 1992.
CHALITA, Pierre. Nega fulô. Pintura, óleo sobre tela. Publicado por
blogmundoa no Instagram, 3 jun. 2016. Disponível em: <https://www.
instagram.com/p/BGQiQAdtA5I/>. Acesso em: 23 maio 2017.
COELHO, Maria Beatriz. Imagens da nação: brasileiros na fotodocu-
mentação de 1940 até o final do século XX. Belo Horizonte: Editora
UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Edusp,
2012. p. 19-31.
DEBRET, Jean-Baptiste. Castigo de escravo. Pintura. Disponível em:
<http://historiahoje.com/wp-content/uploads/2014/06/0021.jpg>. Acesso
em: 30 abr. 2018.
DEBRET, Jean-Baptiste. Pelourinho. 1835. Pintura, aquarela. Disponível
em: <https://rrupta.files.wordpress.com/2012/10/pelourinho-jean-
baptiste-debret.jpg>. Acesso em: 23 fev. 2018.
DEBRET, Jean-Baptiste. Um jantar brasileiro. 1827. Pintura. Disponível
em: <http://3.bp.blogspot.com/-_gbSllND7bM/TpVoKzTPedI/
AAAAAAAAAHU/QWZ6FA_G3Xc/s1600/JantarBrasil.jpg>. Acesso
em: 24 mar. 2018.
62 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 47-63, 2018
Resumo: Com uma poética calcada no transplante cultural africano, Ana Maria
Gonçalves leva a cabo, em Um defeito de cor, a tarefa titânica de recontagem da
resistência negra no país a partir de um ponto de vista feminino e negro. No relato de uma
narradora octogenária, ex-escrava de nação jeje, o fôlego monumental do romance perfaz
aprofundada vivência de culturas originárias, incorporando léxicos de etnias traficadas
e ritualísticas totêmicas, em tentativa de representação da importância de tal legado
para a integração negra no Brasil. Sustentamos que a originalidade daí desprendida é
capaz de contraditar um dos marcos da sociologia crítica brasileira: a tese A integração
do negro na sociedade de classes, de Florestan Fernandes. Essa complementação
fundamental a historiografias consagradas sobre as populações afro-brasileiras depende
das possibilidades do registro ficcional, as quais, no entanto, ficam obstadas por escolhas
formais conservadoras, que limitam, sem anular, a potência literária da obra.
Palavras-chave: Um defeito de cor; Ana Maria Gonçalves; literatura afro-brasileira
contemporânea; resistência cultural; representação.
Abstract: With a poetics based on African cultural transplant, Ana Maria Gonçalves
carries out in Um defeito de cor the titanic task of recounting Brazilian black resistance
from a feminine and black point of view. In the report of a former octogenarian Jeje
nation slave, the monumental breath of the novel fulfills a thorough experience of
eISSN: 2317-2096
DOI: 10.17851/2317-2096.28.4.65-85
66 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 65-85, 2018
native cultures, incorporating lexicons of trafficked ethnic groups and totemic rituals,
in an attempt to represent the importance of such a legacy for black integration in
Brazil. The originality that emerges therefrom is capable of contradicting one of the
Brazilian critical sociology milestones, the thesis A integração do negro na sociedade
de classes, by Florestan Fernandes. This fundamental complementation to consecrated
historiographies on Afro-Brazilian populations depends on the possibilities of the
fictional record, which, however, are obstructed by conservative formal choices that
limit, without annulling it, the literary power of the work.
Keywords: Um defeito de cor; Ana Maria Gonçalves; Afro-Brazilian contemporary
literature; cultural resistance; representation.
1
Cf. DALCASTAGNÈ. Um mapa de ausências. As pesquisas de Regina Dalcastagnè,
reunidas no livro Literatura brasileira contemporânea: um território contestado,
têm demonstrado não só a homogeneidade do perfil autoral brasileiro publicado
pelas grandes e prestigiosas editoras locais. Masculino e branco, tal perfil – aferido
quantitativamente (DALCASTAGNÈ. Um mapa de ausências, p. 162) – prolonga-se
no espaço composicional das obras, determinando a matéria ficcional e a maneira de
formalizá-la. O que se tem de modo majoritário são dramas pequeno-burgueses narrados
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 65-85, 2018 67
A narrativa de Kehinde
Kehinde narra sua saga desde um navio, em 1899, quando tentará
sua última chegada ao Brasil, já cega e com cerca de 89 anos.3 Da viagem,
que talvez não se complete para a protagonista (há uma indeterminação
4
Ver LIMA. Desvendando Luíza Mahin.
5
Ver, por exemplo, LUÍSA Mahin.
6
Ver revisão bibliográfica de Dulcilei da Conceição Lima em Desvendando Luíza
Mahin, p. 39-47.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 65-85, 2018 69
7
GAMA. Carta a Lúcio de Mendonça, p. 199-204 apud LIMA. Desvendando Luíza
Mahin, p. 142-143.
8
FERREIRA. Luiz Gama por Luiz Gama, p. 304; AZEVEDO. Orfeu de carapinha,
p. 69 apud LIMA. Desvendando Luíza Mahin, p. 40.
9
GONÇALVES. Um defeito de cor, p. 404.
10
GONÇALVES. Um defeito de cor, p. 630-634.
70 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 65-85, 2018
11
GONÇALVES. Um defeito de cor, p. 9-17. No romance de Gonçalves, grafa-se
“Luísa”, ao invés do original com “z” utilizado por Luiz Gama. A diferença, embora
mínima, é estratégica, como notou Fabiana Carneiro da Silva, posto que reafirma
uma relação de “similaridade não idêntica” entre o romance e sua matéria (SILVA.
Maternidade negra em Um defeito de cor, p. 92). Voltaremos com vagar a esse ponto.
12
Seguindo a cosmologia iorubá, nomeia-se o primeiro gêmeo vindo à luz como Taiwo.
O segundo é Kehinde (OGUNYEMI. Africa Wo/Man Palava, p. 74). São ibêjis (gêmeos)
(GONÇALVES. Um defeito de cor, p. 19, nota).
13
GONÇALVES. Um defeito de cor, p. 22, grifo da autora.
14
FERRETI. Repensando o sincretismo, p. 117.
15
GONÇALVES. Um defeito de cor, p. 22, nota.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 65-85, 2018 71
por meio de sua avó.16 Com a mãe e o irmão mais velho assassinados,
Kehinde parte para o litoral, em Uidá, com a avó e a irmã gêmea. Sofrerá,
por fim, revés definitivo. Em cenas que reconstroem o vultoso mercado de
escravos do golfo do Benim, já no século XIX, a narradora é capturada por
traficantes. Sobrevive ao “tumbeiro”, mas chega ao continente americano
sem os familiares, vítimas da travessia e seu horror.
Em uma reconstrução à altura de suas exigências, reconstrução
que contamos rara em toda literatura brasileira – há, com efeito, os versos
de Castro Alves17 e, antes deles, o romance pioneiro de Maria Firmina
dos Reis18 –, é com sentidos colapsados que o leitor se aproxima da
experiência (apenas, contudo, literária).
A comida começou a apodrecer por todo o chão do navio,
porque muitos, e eu também, já não tínhamos mais apetite,
e ao cheiro dela se juntava o cheiro de xixi, de merda,
de sangue, de vômito e de pus. Acho que todos nós já
queríamos morrer no dia em que abriram a portinhola e
mandaram que nos preparássemos para sair. Foi preciso
repetir a ordem novamente, e novamente, porque faltava
ânimo, faltava força [...]. Disseram que iam nos levar para
tomar banho, beber água e ficar um pouco ao sol. Foi o
sol que me animou a sair, e também fez com que nossos
olhos ardessem ao deixarmos o porão, a ponto de não
conseguirmos abri-los, andando e caindo uns por cima
dos outros [...] não só por causa da fraqueza, mas porque
as pernas pareciam ter se desacostumado do peso do corpo,
sempre deitado.19
16
GONÇALVES. Um defeito de cor, p. 131, 596, 782-785.
17
ALVES. O navio negreiro.
18
REIS. Úrsula. Para uma análise deste que é o primeiro romance afro-brasileiro
publicado – embora, e de modo sintomático, ausente das principais historiografias da
literatura nacional –, ver DUARTE. Maria Firmina dos Reis e os primórdios da ficção
afro-brasileira.
19
GONÇALVES. Um defeito de cor, p. 56-57.
20
GONÇALVES. Um defeito de cor, p. 72-73.
72 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 65-85, 2018
21
GONÇALVES. Um defeito de cor, p. 185.
22
GONÇALVES. Um defeito de cor, p. 166-172.
23
GONÇALVES. Um defeito de cor, p. 77.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 65-85, 2018 73
24
GONÇALVES. Um defeito de cor, p. 83-84, grifo da autora.
25
GONÇALVES. Um defeito de cor, p. 502.
26
São essas as formas empregadas por Gonçalves em seu romance para designar a
nação jeje mahi (ver GONÇALVES. Um defeito de cor, p. 133, 498, 502).
27
GONÇALVES. Um defeito de cor, p. 90.
28
GONÇALVES. Um defeito de cor, p. 213, 227.
29
FERRETTI. Querebentã de Zomadônu, p. 54.
74 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 65-85, 2018
30
GONÇALVES. Um defeito de cor, p. 599.
31
Para mais detalhes a respeito de Nã Agontimé, personagem histórica evocada pelo
livro de Gonçalves, é preciso consultar Querebentã de Zomadônu, de Sérgio Ferreti. E
também do mesmo autor Repensando o sincretismo, em que o estudioso recupera tese
de Pierre Verger, em “Uma rainha africana mãe de santo em São Luís”, sobre a provável
fundação da Casa das Minas pela rainha daomeana, “viúva do rei Agonglô e mãe do
futuro rei Ghezo [regência: 1818-1858]” (FERRETTI. Repensando o sincretismo,
p. 117). Em contraste, todavia, com a forma escolhida por Gonçalves em seu romance,
a memória oral da Casa maranhense registra sua fundadora como Maria Jesuína. A
escolha de Gonçalves curiosamente replica o samba-enredo da Beija-Flor no Carnaval
de 2001, denominado “Agotimé Maria Mineira Naê” (FERRETTI. Beija-flor e a Casa
das Minas). Vale frisar que a Casa das Minas talvez seja “o único lugar fora da África
em que são cultuados voduns da família real de Abomey” (FERRETI. Querebentã de
Zomadônu, p. 20).
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 65-85, 2018 75
32
GONÇALVES. Um defeito de cor, p. 600-601, grifos da autora.
33
FERNANDES. A integração do negro na sociedade de classes, v. 1, p. 304-327.
34
Vejamos passagem em que há referência direta ao herói da Abolição recuperado pelos
movimentos sociais negros: “Ao desmascaramento na ordem moral, correspondiam a
laboriosa reconstrução do papel histórico desempenhado pelo ‘negro’ no passado da
sociedade brasileira e a exigência de verdadeiro respeito mútuo nas relações raciais.
Assim, datas como o 28 de Setembro e o 13 de Maio adquiriram nova significação;
pessoas como Patrocínio, Luís Gama (sic), Rebouças, e tantos outros, receberam
um autêntico preito engrandecedor; e os fundamentos axiológicos da ordem social
competitiva e democrática sofreram uma reinterpretação realmente íntegra e puritana”
(FERNANDES. A integração do negro na sociedade de classes, v. 2, p. 127, grifos
nossos). É no mesmo flanco simbólico dessa luta que Ana Maria Gonçalves almeja
posicionar-se.
76 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 65-85, 2018
35
FERNANDES. A integração do negro na sociedade de classes, v. 1, p. 277.
36
FERNANDES. A integração do negro na sociedade de classes, v. 1, p. 120, grifo
do autor.
37
FERNANDES. A integração do negro na sociedade de classes, v. 2, p. 64 passim.
38
Nesse ponto, é central o contato constante com os escravos mulçumanos
(GONÇALVES. Um defeito de cor, p. 455-568), cuja crença em Meca e a leitura
sagrada do Alcorão são trazidas do continente africano. Isso porque seu letramento é
outro ponto de partida para a composição na sociedade brasileira.
39
FERNANDES. A integração do negro na sociedade de classes, v. 1, p. 320-321.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 65-85, 2018 77
40
O êxito comercial começa com uma banca móvel de cookies – receita aprendida na
casa britânica em que trabalhara – e avança, ainda em São Salvador, para uma padaria;
ao final, a grande senhora, estabelecida em Lagos, envia os filhos mais jovens para
estudar em Paris (GONÇALVES, Um defeito de cor, p. 914-916). Sendo em tudo
pioneira, a personagem tentará o último retorno ao Brasil: país de sua afirmação como
sujeito da história, mas também de sua maior derrota.
41
GONÇALVES. Um defeito de cor, p. 60-61.
42
Cf., por exemplo, as pesquisas pioneiras de Octávio Ianni (As metamorfoses do
escravo) e Fernando Henrique Cardoso (Capitalismo e escravidão no Brasil meridional).
78 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 65-85, 2018
Limites formais
Todavia, se com Ana Maria Gonçalves escapamos, assim, de
limitar a experiência afro-brasileira à marginalidade e desagregação
socioeconômicas – e há indícios desse viés de redução fatalista até
mesmo, como vimos, na acurada tese de Florestan Fernandes46 –, seria
43
SILVA. Maternidade negra em Um defeito de cor, p. 70. Um curioso mea culpa,
acionado em determinado momento da tese de Florestan Fernandes, recupera a
importância dos “traços culturais transplantados” para a adaptação das populações afro-
brasileiras, mas é, a nosso ver, de todo insuficiente quando contraposto à orientação geral
do estudo: “[N]ão ignoramos a influência dinâmica de traços culturais transplantados
da África e reelaborados no Brasil, embora isso possa parecer pouco evidente na
apresentação dos resultados de nossa investigação. Julgamos que M. J. Herskovits tinha
razão quando ressaltava a conotação etnocêntrica das reconstruções ou das explicações
que negam o ‘passado histórico do negro’ e sua importância nos processos adaptativos
ou integrativos ocorridos nas Américas. [...] [A]s questões suscitadas pela plasticidade
do comportamento humano diante de condições anômicas de existência podem ser
focalizadas na literatura etnossociológica brasileira [...], que nos mostra como um
povo tribal enfrenta os efeitos da desorganização permanente do sistema sociocultural”
(FERNANDES. A integração do negro na sociedade de classes, v. 1, p. 425-426).
44
GONÇALVES, Um defeito de cor, p. 308, 515.
45
GONÇALVES, Um defeito de cor, p. 501, 690-693.
46
Muito comum e de efeitos devastadores para a imagem e autoimagem do povo
negro no Brasil, tal linha de entendimento fatalista, que pode, como no caso da tese
de Fernandes, ser balanceada pelo destaque concomitante do poder negro de agência,
sedimenta-se também de maneira extremada e não apenas em registro científico/
sociológico, mas igualmente em elaborações artísticas e literárias. Na literatura de
autoria negra, por exemplo, obra de maior destaque nas últimas décadas, o romance
Cidade de Deus, de Paulo Lins, erige figuração estritamente marginal e pré-política da
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 65-85, 2018 79
população negra carioca (ver LINS. Cidade de Deus). Uma comparação entre os livros
de Lins e Gonçalves é, nesse sentido, programa crítico de extrema produtividade, que
infelizmente deixamos apenas indicado nesta ocasião.
80 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 65-85, 2018
47
SILVA. Maternidade negra em Um defeito de cor, p. 117.
48
SILVA. Maternidade negra em Um defeito de cor, p. 116.
49
SILVA. Maternidade negra em Um defeito de cor, p. 116.
50
SILVA. Maternidade negra em Um defeito de cor, p. 117.
51
Podemos indicar como exemplo a narração da experiência da viagem no navio
negreiro, segundo trecho que destacamos no início do artigo.
52
Em oposição ao “regramento” de tipo literário – “stilus primus, doctrina ultimus” –,
que tende a indicar a insuficiência do discurso científico na representação da realidade
(WAIZBORT. As aventuras de Georg Simmel, p. 61). Nesse jogo diferenciador entre
campos de produção cultural, são relevantes as restrições que – em período heroico
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 65-85, 2018 81
Considerações finais
A despeito de tais indicações, a crítica é menor se bem vista
a importância incontornável de Um defeito de cor para os campos de
produção simbólica desse início de século no Brasil. “Acerto de contas”
com a história da participação negra no país, o que assume como memória
ficcional é tudo aquilo que as mãos brancas e masculinas – não mais
“versadas”, como quer a sabotagem racista: simplesmente privilegiadas
– registraram a seu modo implicado. Sendo possível identificar numa das
cenas em que a narradora relata a busca por seu filho perdido, no Rio de
Janeiro dos anos 1840, a inscrição do motivo central ao romance, figurado
no ímpeto narrativo de Kehinde: resposta massiva que se constrói em
alerta às redutoras hegemonias da história.
Será que você gosta de ler? O que será que você gosta de
comer? Será que encontrou uma boa esposa? Teve filhos?
Quantos? São muitas as minhas perguntas e sei que ficarão
sem resposta. E como sei que isto é ruim, tento me lembrar
de cada detalhe importante da minha vida, para responder
a todas as dúvidas que você pode nem saber que tem. Sabe
que tenho realizado um grande sonho? Não exatamente
como o sonhei, mas já é alguma coisa, porque naqueles dias
em São Sebastião eu pensava muito em quantas coisas teria
para te contar quando nos encontrássemos, em todos os
lugares a que eu queria te levar, nas pessoas a quem queria
te apresentar. De certo modo é o que faço, embora quase
56
GONÇALVES. Um defeito de cor, p. 16-17.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 65-85, 2018 83
Referências
ALVES, Antônio de Castro. O navio negreiro. In: ______. Os escravos.
São Paulo: L&PM, 1997. p. 92-101.
AZEVEDO, Elciene. Orfeu de carapinha: a trajetória de Luiz Gama na
imperial cidade de São Paulo. Campinas: Unicamp, 1999 apud LIMA,
Dulcilei da Conceição. Desvendando Luíza Mahin: um mito libertário
no cerne do feminismo negro. 2011. 161 f. Dissertação (Mestrado em
Educação, Arte e História da Cultura) – Universidade Presbiteriana
Mackenzie, São Paulo, 2011. Disponível em: <http://tede.mackenzie.br/
jspui/bitstream/tede/1821/1/Dulcilei%20da%20Conceicao%20Lima.
pdf>. Acesso em: 12 jun. 2018.
CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e escravidão no Brasil
meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. 4.
ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
DALCASTAGNÈ, Regina. Um mapa de ausências. In: ______.
Literatura brasileira contemporânea: um território contestado. Vinhedo:
Editora Horizonte; Rio de Janeiro: Editora da UERJ, 2012. p. 147-196.
DUARTE, Eduardo de Assis. Maria Firmina dos Reis e os primórdios da
ficção afro-brasileira. IN: REIS, Maria Firmina dos. Úrsula. Florianópolis:
Mulheres; Belo Horizonte: PUC Minas, 2004. p. 265-281.
DUARTE, Eduardo de Assis. Na cartografia do romance afro-brasileiro,
Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves. In: TORNQUIST Carmen
Susana. et al. (Org.). Leituras da resistência: corpo, violência, poder.
Florianópolis: Mulheres, 2009. p. 325-348.
FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes.
São Paulo: Globo, 2008. v. 2: No limiar de uma nova era.
57
GONÇALVES. Um defeito de cor, p. 662.
84 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 65-85, 2018
eISSN: 2317-2096
DOI: 10.17851/2317-2096.28.4.87-101
88 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 87-101, 2018
has apparently forgotten, and present slavery by narrating black experience from their
point of view. The Underground Railroad and Underground rethink national history
and present alternative versions to the dominant reports. Moving beyond the official
version of events, both narratives create spaces and times of resistance, committed to
underscoring the specific circumstances of enslaved women.
Keywords: Colson Whitehead; Misha Green; Joe Pokaski; slave narratives; television
series; resistance; empowerment.
2“
How does one revisit the scene of subjection without replicating the grammar of
violence?” (HARTMAN. Venus in Two Acts, p. 4, tradução minha).
3
Cf. HARTMAN. Venus in Two Acts.
4
Cf. GATES JR. Introduction.
90 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 87-101, 2018
5
“[Each slave narrative] tells the story of a black slave’s struggle for literacy and
freedom, while testifying against the ‘peculiar institution’, which in practice meant
human bondage and humiliation.” (GATES JR. Introduction, p. ix, tradução minha).
6
Cf. RUSHDY. Neo-Slave Narrative.
7
“The major characteristic of the neo-slave narrative is [...] the representation of
chattelhood as a historical phenomenon that has lasting cultural meaning and enduring
social consequences” (RUSHDY. Neo-Slave Narrative, p. 533, tradução minha).
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 87-101, 2018 91
8
“In shaping the experience to make it palatable to those who were in a position to
alleviate it, they were silent about many things, and they ‘forgot’ many other things”
(MORRISON. The Site of Memory, p. 91, tradução minha).
9
“But let us drop a veil over these proceedings too terrible to relate” (MORRISON.
The Site of Memory, p. 91, tradução minha).
92 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 87-101, 2018
10
“In The Underground Railroad, freedom is always precarious, safety merely
temporary” (BENNETT. Ripping the Veil, tradução minha).
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 87-101, 2018 93
11
WHITEHEAD. Undergound Railroad: os caminhos para a liberdade, p. 125. No
original: “[...] nobody wanted to speak on the true disposition of the world. And no one
wanted to hear it. [...] The whites came to this land for a fresh start and to scape the
tyranny of their masters, just as the freemen had fled theirs. But the ideals they held up
for themselves, they denied others. [...] [T]hey snatched away what belonged to other
people, whether it was something you could hold in your hand, like dirt, or something
you could not, like freedom. [...] Stolen bodies working stolen land. It was an engine
that did not stop, its hungry boiler fed with blood” (WHITEHEAD. The Underground
Railroad: A Novel, p. 116-117).
12
WHITEHEAD. Undergound Railroad: os caminhos para a liberdade, p. 134-135. No
original: “Cora selected one patron per hour to evil-eye. [...] She picked the weak links
out from the crowd, the ones who broke under her gaze. The weak link − she liked the
94 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 87-101, 2018
ring of it. To seek the imperfection in the chain that keeps you in bondage. [...] The
people she chose, young and old, from the rich part of town or the more modest streets,
did not individually persecute Cora. As a community, they were shackles. If she kept at
it, chipping away at weak links wherever she found them, it might add up to something.
/ She got good at her evil eye. [...] They always broke, the people, not expecting this
weird attack. [...] It was a fine lesson, Cora thought, to learn that the slave, the African
in your midst, is looking at you too” (WHITEHEAD. The Underground Railroad: A
Novel, p. 125-126).
13
Cf. HARTMAN. Scenes of Subjection: Terror, Slavery, and Self-Making in
Nineteenth-Century America.
14
“[...] these performances were sometimes turned against their instrumental aims, [...]
indicating the repressive construction of contented subjection [...] and creat[ing] a space
for action not generally available” (HARTMAN. Scenes of Subjection: Terror, Slavery,
and Self-Making in Nineteenth-Century America, p. 8, tradução minha).
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 87-101, 2018 95
15
Underground estreou em março de 2016 no canal de TV a cabo WGN America. Desta
data até quando se decidiu pelo seu cancelamento, em maio de 2017, a série contou
com duas temporadas e 20 episódios.
16
Cf. BORDEWICH. Bound for Canaan: The Underground Railroad and the War for
the Soul of America.
96 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 87-101, 2018
17
“You’ve never seen this time period portrayed with those who are enslaved having
personal agency. [...] [A] show about the Underground Railroad naturally focuses on
those with hope, those with a will to fight, those who took a chance to rebel” (LOGAN.
Underground Isn’t Afraid To Challenge What a TV Show About Slavery Should Be
Like, tradução minha).
18
William Still é homem negro livre cujo sucesso se estende a diversas arenas, entre
elas, o empreendedorismo, o ativismo e a filantropia. Sobre seu ativismo, interessa
destacar, em especial, sua participação na Underground Railroad que atravessava o
estado da Pensilvânia. Além de colaborar no planejamento e execução de ações de
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 87-101, 2018 97
resgate, Still, ao longo dos anos, também abriga centenas de fugitivos em sua residência,
a quem entrevista, e cujas respostas ele transcreve para a posteridade. Tais depoimentos,
em conjunto com biografias e relatos dos que escapam, integram depois volume de
valor inestimável, intitulado The Underground Railroad. A Record of Facts, Authentic
Narratives, Letters, & C., Narrating the Hardships, Hair-Breadth Escapes and Death
Struggles of the Slaves in their Efforts for Freedom, as Related by Themselves and Others,
or Witnessed by the Author; Together with Sketches of Some of the Largest Stockholders,
and Most Liberal Aiders and Advisers, of the Road (1872). Cf. BORDEWICH. Bound
for Canaan: The Underground Railroad and the War for the Soul of America.
19
“Back on the plantation, I was so scared. Wasn’t no time to feel nothin’ else. You just
had to keep your head down. ‘Yes, massa.’ Look away. Bear it. But every slight, every
insult, every time they used that word ‘girl’ in a way that made me hate the word, all
that anger just waitin’ below the surface. All that [ain’t] behind [me]. I can’t look away
no more. And if I stay up here and try to start a new life, that’s all I’m gonna be doin’.
I’m goin’ back” (THE WHITE whale, tradução minha).
20
Cf. BORDEWICH. Bound for Canaan: The Underground Railroad and the War for
the Soul of America.
98 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 87-101, 2018
21
“There ain’t no negotiations on freedom. [...] There ain’t no compromises or no half
measures that mean anything, not to those in bondage. And not for any of us either.
‘Cause a country built on bodies will always need more for the slaughter. As long as
slavery stands, ain’t none of us, no matter hue, man or woman, be free. [...] [I]f you
don’t have it in you to take up arms against the injustice, then you got to pray another
prayer. And you got to walk in it with conviction. He will provide, but you got to do
your part. You got to find what it means for you to be a soldier. Beat back those that are
tryin’ to kill everything good and right in the world, and call it makin’ it great again.
We can’t afford to be just citizens in a time of war. That’d be surrender. That’d be
givin’ up our future and our souls. Ain’t nobody get to sit this one out, you hear me?”
(MINTY, tradução minha).
22
COATES. Entre o mundo e eu, p. 19-20. No original: “[...] the elevation of the belief
in being white was [...] achieved through [...] the flaying of backs; the chaining of limbs;
the strangling of dissidents; the destruction of families; the rape of mothers; the sale
of children [...]” (COATES. Between the World and Me, p. 6).
100 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 87-101, 2018
Referências
BENNETT, Brit. Ripping the Veil. New Republic, Washington, New York,
2 Aug. 2016. Disponível em: <https://newrepublic.com/article/135708/
colson-whiteheads-fantastic-voyage>. Acesso em: 25 jun. 2018.
BORDEWICH, Fergus M. Bound for Canaan: The Underground Railroad
and the War for the Soul of America. New York: Harper Collins, 2005.
COATES, Ta-Nehisi. Between the World and Me. New York: Spiegel &
Grau, 2015.
COATES, Ta-Nehisi. Entre o mundo e eu. Tradução de Paulo Geiger. Rio
de Janeiro: Objetiva, 2015.
GATES JR., Henry Louis. Introduction. In: GATES JR., Henry Louis
(Ed.). The Classic Slave Narratives. New York: Mentor, 1997. p. ix-xviii.
HARTMAN, Saidiya V. Scenes of Subjection: Terror, Slavery, and Self-
Making in Nineteenth-Century America. New York: Oxford University
Press, 1997.
HARTMAN, Saidiya V. Venus in Two Acts. Small Axe, Durham, NC, v.
12, n. 2, p. 1-14, 2008. doi: https://doi.org/10.1215/-12-2-1
LOGAN, Elizabeth. Underground Isn’t Afraid To Challenge What a TV
Show About Slavery Should Be Like. IndieWire, 18 Apr. 2016. Disponível
em: <http://www.indiewire.com/2016/04/underground-isnt-afraid-to-
challenge-what-a-tv-show-about-slavery-should-be-like-289780/>.
Acesso em: 25 jun. 2018.
23
COATES. Entre o mundo e eu, p. 107. No original: “In America, it is traditional to
destroy the black body [...]” (COATES. Between the World and Me, p. 103).
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 87-101, 2018 101
Abstract: This article analyzes the story “Pixaim”, extracted from the collection
Espelhos, miradouros, dialéticas da percepção (2011), by Cristiane Sobral. In this
story, there is a conflict between the black protagonist and her white mother. In
this relationship, the act of the mother’s subjection of her daughter’s hair to several
straightening processes, trying to tame the rebellion of the curly strands, metaphorizes
the struggle of white women to accept the phenotype of black children. In this analysis,
we tried to understand the narrative strategies used by the author to stage the violence
of racism that is manifested in the context of an interracial family. We aimed at an in-
eISSN: 2317-2096
DOI: 10.17851/2317-2096.28.4.101-117
104 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 103-117, 2018
1
HOOKS. Alisando o nosso cabelo.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 103-117, 2018 105
2
No artigo “Nega do cabelo duro, qual é o pente que te penteia?”, resultado de uma
pesquisa que levantou dados sobre as denominações referentes ao cabelo das pessoas
negras, os pesquisadores chegaram à alarmante conclusão de que “das 49 (quarenta e
nove) denominações diferentes para cabelo crespo, 21 (vinte e uma) fazem referência
à falta de limpeza, higiene, falta de zelo ou descuido. Das mesmas 49 (quarenta e
nove), 07 (sete) fazem referência a animais como macaco, rato, cupim, leão, chegando
a alusões escatológicas como bosta de pássaro. De todas, 05 (cinco) fazem referência
a materiais como esponjas de aço, ferro, alumínio e arame, numa alusão clara que
justifica o “cabelo duro”. Apenas 06 (seis) não são pejorativas, como anelado, crespo,
ondulado, cacheado, afro e black power”. (ARAÚJO; SANTANA; KATRIB. Nega do
cabelo duro, qual é o pente que te penteia?, p.8-9).
3
GOMES. Educação, identidade negra e formação de professores/as: um olhar sobre
o corpo negro e o cabelo crespo”, p. 173.
106 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 103-117, 2018
4
SOBRAL. Espelhos, miradouros, dialéticas da percepção, p. 21.
5
SOBRAL. Espelhos, miradouros, dialéticas da percepção, p. 21.
6
GOMES. Educação, identidade negra e formação de professores/as: um olhar sobre
o corpo negro e o cabelo crespo, p. 172.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 103-117, 2018 107
dizer isso aos outros?”.7 Pelas pistas deixadas pela narradora, ficamos
sabendo que ela tinha consciência da sua negritude e que o seu tipo de
cabelo não era discordante com a sua identidade. No prosseguimento do
texto, a narradora revela que a sua mãe era branca e o seu pai era negro.
Sendo branca e tendo uma menina negra, mais escura do que os outros
filhos, a mulher vive o conflito de uma relação interracial, metaforizada
no conto pela luta que trava contra o cabelo da filha. Podemos inferir
que esta conduta da mãe da personagem, “ao invés de ser um vetor para
desconstrução e reelaboração do racismo, é o espaço onde o mesmo é
reposto, já que a raça e o racismo modulam os vínculos afetivos”.8 Esse
comportamento da personagem adulta motiva a percepção da criança de
que a mãe, embora o amasse, não sabia lidar com as suas diferenças.9
Um aspecto que chama a atenção no conto é o fato da protagonista
não ser nomeada. Entendemos essa estratégia como uma tentativa da
autora representar, através da personagem, todas as meninas negras
que sofrem com a violência de terem os cabelos crespos forçosamente
alisados. Diante da brutalidade da violência racista, a menina vai perdendo
a sua capacidade de lutar: “Eu já não resistia e comecei a acreditar no
que diziam. Todos os dias eram tristes e eu tinha a certeza de que apesar
do cabelo circunstancialmente “bom”, eu jamais seria branca”.10
Outra estratégia literária utilizada por Sobral se refere à posição
da narradora do conto. No primeiro e último parágrafos da história,
temos uma voz narrativa onisciente, em terceira pessoa, que apenas narra
os fatos, sem participar diretamente da história. Do segundo parágrafo
ao penúltimo, a história é contada em primeira pessoa. Ao valer-se da
narração em terceira pessoa, no início e no final do conto, aparentemente,
a intenção da voz narrativa é manter certa distância daquilo que conta,
interessada apenas em situar o leitor nos contextos específicos nos quais
a história se passa, respectivamente, Rio de Janeiro e Brasília.
Ainda nos referindo aos aspectos estéticos e estilísticos que
marcam o processo de construção narrativa do conto “Pixaim”, podemos
notar que uma das estratégias utilizadas por Cristiane Sobral para
7
SOBRAL. Espelhos, miradouros, dialéticas da percepção, p. 21.
8
SCHUCMAN; GONÇALVES. Racismo na família e a construção da negritude:
embates e limites entre a degradação e a positivação na constituição do sujeito, p. 68.
9
SOBRAL. Espelhos, miradouros, dialéticas da percepção, p. 21.
10
SOBRAL. Espelhos, miradouros, dialéticas da percepção, p. 24.
108 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 103-117, 2018
11
SOBRAL. Espelhos, miradouros, dialéticas da percepção, p. 23.
12
COSTA. Da cor ao corpo: a violência do racismo, p. 9.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 103-117, 2018 109
17
SEN. Identidade e violência: a ilusão do destino, p. 13.
18
SOBRAL. Espelhos, miradouros, dialéticas da percepção, p. 21.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 103-117, 2018 111
19
SOBRAL. Espelhos, miradouros, dialéticas da percepção, p. 22.
20
SOBRAL. Espelhos, miradouros, dialéticas da percepção, p. 22.
21
SEN. Identidade e violência: a ilusão do destino, p. 24.
112 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 103-117, 2018
22
SCHUCMAN; MANDELBAUM; FACHIM. Minha mãe pintou meu pai de branco:
afetos e negação da raça em famílias interraciais, p. 451.
23
SCHUCMAN; GONÇALVES. Racismo na família e a construção da negritude:
embates e limites entre a degradação e a positivação na constituição do sujeito, p. 77.
24
SOBRAL. Espelhos, miradouros, dialéticas da percepção, p. 24.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 103-117, 2018 113
25
SOBRAL. Espelhos, miradouros, dialéticas da percepção, p. 24.
26
SCHUCMAN; MANDELBAUM; FACHIM. Minha mãe pintou meu pai de branco:
afetos e negação da raça em famílias interraciais, p. 446-447.
27
SCHUCMAN; GONÇALVES. Racismo na família e a construção da negritude:
embates e limites entre a degradação e a positivação na constituição do sujeito, p. 74.
114 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 103-117, 2018
28
SOBRAL. Espelhos, miradouros, dialéticas da percepção, p. 25.
29
GOMES. Educação, identidade negra e formação de professores/as: um olhar sobre
o corpo negro e o cabelo crespo, p. 180.
30
SOBRAL. Espelhos, miradouros, dialéticas da percepção, p. 25
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 103-117, 2018 115
31
SOUZA. Tornar-se negro: as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em
ascensão social, p. 77.
32
HOOKS. Alisando o nosso cabelo.
116 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 103-117, 2018
Referências
ARAÚJO, Maria de Lourdes Bertoni; SANTANA, Wylliane Estelaide
Paixão de; KATRIB, Cairo Mohamad Ibrahim. Nega do cabelo duro,
qual é o pente que te penteia?. CONGRESSO Internacional de História:
Cultura, Sociedade e Poder, 4., Jataí, 2014. Anais eletrônicos... Jataí:
UFG, 1014. p. 1-10. Disponível em: <http://www.congressohistoriajatai.
org/anais2014/Link%20(180).pdf>. Acesso em: 5 mar. 2018.
COSTA, Jurandir Freire. Da cor ao corpo: a violência do racismo. In:
SOUSA, Neusa Santos. Tornar-se negro: as vicissitudes da identidade
do negro brasileiro em ascensão social. Rio de Janeiro: Edições Graal,
1983. p.135-153.
GOMES, Nilma Lino. Educação, identidade negra e formação de
professores/as: um olhar sobre o corpo negro e o cabelo crespo. Educação
e Pesquisa, São Paulo, v. 29, n. 1, p. 167-182, jan./jun. 2003. Disponível
em: <http://www.scielo.br/pdf/ep/v29n1/a12v29n1.pdf>. Acesso em: 1
mar. 2018.
HOOKS, bell. Alisando o nosso cabelo. Tradução de Lia Maria dos
Santos. Geledés, [S.l.], 10 jun. 2014. Disponível em: <https://www.
geledes.org.br/alisando-o-nosso-cabelo-por-bell-hooks/>. Acesso em:
8 fev. 2017.
SCHUCMAN, Lia Vainer; FACHIM, Felipe Luis. A cor de Amanda:
identificações familiares, mestiçagem e classificações raciais brasileiras.
Interfaces Brasil/Canadá, Florianópolis, Pelotas, São Paulo, v. 16, p.
182-205, n. 3, 2016. Disponível em: <https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/
index.php/interfaces/article/view/10001/6763>. Acesso em: 9 jan. 2018.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 103-117, 2018 117
Paulo Dutra
Stephen F. Austin State University, Nacogdoches, Texas / Estados Unidos
dutrap@sfasu.edu
Abstract: In the twenty-first century some scholars started revisiting the works of
the mulatto Machado de Assis through discussions about his racial identification and
posture with regard to race. As a consequence a new range of reading possibilities has
been released. The racial identification of the characters, hence, their interpretations,
customarily based on an ideal hegemonic white model of society, began to be revised
and challenged. Having racial marks attributed to the characters as the starting point
while approaching them reveals Machado’s keen eye on the tension involved in
the negotiations of spaces in the not always harmonious relations developed in the
extremely mixed-race nineteenth-century Brazilian society. This essay resorts to the
short story “Noite de almirante,” hitherto excluded from this perspective, as a case
study to demonstrate the potential of such a reading.
Keywords: race; Afro-Brazilian literature; Machado de Assis.
Resumo: Com o advento do século XXI, uma parcela dos estudiosos da obra do
mulato Machado de Assis iniciou um processo de arejamento das discussões sobre sua
identificação racial e postura diante da questão da raça. Um novo leque de possibilidades
de leitura foi aberto e a identificação racial das personagens, e por conseguinte suas
1
I would like to thank my colleagues Joyce Johnston and Paul Dixon for carefully
reading previous versions of this article and for their enlightening comments.
eISSN: 2317-2096
DOI: 10.17851/2317-2096.28.4.119-136
120 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 119-136, 2018
2
DUARTE. Machado de Assis’s African Descent, p. 134.
3
DUARTE. Machado de Assis’s African Descent, p. 134.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 119-136, 2018 121
4
It does not appear in the anthology Machado de Assis afrodescendente: escritos de
caramujo (2007) prepared by Eduardo de Assis Duarte. In fact, it is not listed with
any of the works that deal with race. Not even Selma Vital’s book, published in 2012,
dedicated to the racial question in Machado’s short stories, mentions Deolindo Venta-
Grande’s and Genoveva’s adventures.
5
There is also the famous episode in Memórias póstumas de Brás Cubas.
6
“Cândido Neves e a escrava fujona fazem ambos parte dessa porção marginalizada.
O que dá alternativas [...] a Cândido Neves e a sua descendência [...] é a cor e anomia”
(FANTINI. Machado de Assis, p. 157, my translation).
7
DIXON. Machado de Assis’ Early Mulato Narratives, p. 41.
122 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 119-136, 2018
8
“[...] não se centralizam na questão étnica, mas no problema do egoísmo humano e da
tibieza de caráter” (PROENÇA FILHO. A trajetória do negro na literatura brasileira,
p.172, my translation).
9
Duarte is the organizer of Literatura e afrodescendência no Brasil (published in 2011)
and has worked on the still under development concept of Afro-Brazilian literature
(see DUARTE, 2008). Although I am aware of the problems the use of the terminology
“afro” and “negro” as synonyms posits, I decided to avoid the latter here due to the
historical load imposed on the word in English. For a discussion on the implication of
the terminology in Brazil see Cuti’s Literatura negro-brasileira.
10
“não nos esqueçamos de que Machado é homem de seu tempo e de seu país. Os
signos ‘branco’ e ‘negro’ só aparentemente estão fora da narrativa ... A mulher pálida”
(DUARTE. A capoeira literária de Machado de Assis, p. 36, my translation).
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 119-136, 2018 123
11
“Deolindo Venta-Grande (era uma alcunha de bordo) saiu do arsenal de Marinha
e enfiou pela rua de Bragança” (ASSIS. Noite de almirante, p. 170, my translation).
12
DUTRA. Cervantes’ Heritage in Latin America: A Reading of Machado de Assis’
and Jorge Luis Borges’ Cervantine Literature, p. 66.
13
“Pois, sim, Deolindo, era verdade. Quando jurei, era verdade” (ASSIS. Noite de
almirante, p. 174, my translation).
14
DIXON. Os contos de Machado de Assis: mais do que sonha a filosofia, p. 92.
15
“o modo como tal triângulo se comporta faz pensar [...] em certos valores estéticos e
ideológicos do nosso Oitocentos, um pensar que podemos estender, com as mediações
necessárias, aos tempos atuais” (SALGUEIRO. Nomes não mentem (quase nunca),
p. 31, my translation).
124 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 119-136, 2018
their lords were enlisted as sailors and cabin boys”.16 Gilberto Guizelin
and José Arias Neto add that presenting “men of the ‘second class’,
mixed with blacks and browns – in short, the nation’s maritime forces
were completely mixed”.17 Although it is less explicit in Deolindo,
the characterization of the protagonists of the tale as a cabocla18 and
a black (or at least mixed-race) man is a crucial interpretative key that
has, hitherto, broadly gone unnoticed. Machado did not categorically
state that Deolindo was a black or mixed-race man. However, there is
abundant supporting evidence for us to secure this line of interpretation.
The key is audaciously put before our eyes and therefore Machado hides
it, employing explicit exposition, so to speak, in the last place that one
would think: right before us. For those who will remember that Machado
de Assis avidly read Edgar Alan Poe and the plot of Poe’s short story
“The Purloined Letter”, Machado’s artifice of hiding Deolindo’s race in
plain sight may become more evident.19
Reading Deolindo as black or mixed-race allows for an immensely
enriched understanding of Machado’s literary technique, Machadian
criticism’s alignment thus far, and, more importantly, Machado’s keen eye
to his country’s and time’s social configuration. According to Moratori, “the
sailor Deolindo corresponds to the model of predictable character, of which
the narrator (and [...] the reader) knows every movement of interiority:
thoughts, doubts, hatred, despair, hope”.20 Because we intimately know this
character that truly fits into such a model, we readers forget to pay attention
16
“os oficiais e marinheiros brasileiros constituíam número reduzidíssimo, aceitaram-
se até como marinheiros e grumetes, escravos oferecidos por seus senhores” (MAIA.
Através da história naval brasileira, p. 29, my translation).
17
“homens de ‘segunda classe’, misturados a negros e pardos –, enfim, as forças
marítimas da nação mostravam-se totalmente mescladas”. (GUIZELIN; NETO. “Negros
na Marinha de Guerra do Brasil (1822-1831)” online, my translation).
18
Strictly speaking: someone of mixed Indigenous Brazilian and European ancestry.
19
It is worth mentioning that the meanings of the verb aventar range from “insinuar”
(insinuate), “enunciar” (enunciate), “expor” (expose), “sugerir” (suggest), and “prever”
(predict), to “captar” (capture), “notar” (notice) or “descobrir pelo faro” (sniff out) ou
“olfato” (smell).
20
“O marujo Deolindo corresponde ao modelo de personagem previsível, do qual
o narrador (e [...] o leitor) conhece todo movimento de interioridade: pensamentos,
dúvidas, ódio, desespero, esperança” (MORATORI. Machado de Assis, a moral e a
transgressão: O ethos de uma arte afirmativa, p. 169, my translation).
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 119-136, 2018 125
to his outward characterization and his big nostrils. Not even Salgueiro,
who stopped for a few moments to inspect the majestic external openings
of the sailor’s nasal cavities, thought of such a possibility. Although it is
in the body of the character, and while Salgueiro21 intuits that Machado
refers to the “sailor’s huge nostril”22 and not the nose, it should be duly
noted that the possible and subtle23 allusion to the physical characteristic
associated with Afrodescendants escapes him.24 Salgueiro evidently does
not take into account the possibility of Deolindo being a black man. As
a result, we are presented with an important but incomplete appraisal of
the situation Machado de Assis portrayed.
How can one explain why, for over a hundred years, we have
turned a blind eye on Deolindo’s big nostrils and the characterization of
Genoveva as a cabocla? The answer lies in the breadth of the “process
of identity whitening that occurred in lands south of the equator”.25 Such
a process developed mechanisms intrinsically linked to our perception
of the world, history, literature, and Machadian literature. That is why
“we believe[d] that this mulatto author deals exclusively with white
people like ‘us’”.26 We were indeed awfully accustomed to believing
that Machado deals exclusively with white people like “us”. As a result,
we failed to cogitate the possibility of Deolindo being a black character,
and we forgot that Genoveva was a cabocla.
21
SALGUEIRO. Nomes não mentem (quase nunca).
22
“narina avantajada do marujo” (SALGUEIRO. Nomes não mentem (quase nunca),
p. 36, my translation).
23
In case it has not become clear, the reference to the size of the opening of the nasal
cavity and not the nose itself is a crucial element here. While a big nose is a general
characteristic that can be found in any individual, the “venta” i.e. both the opening
and the vulgar terminology used to refer to it subtly points to a characteristic usually,
broadly, and racist one may say, associated with blacks in Brazil.
24
After this manuscript was completed, The Collected Stories of Machado de Assis
came out. It is worth mentioning that the translators (Margaret Jull Costa and Robin
Patterson) also missed this detail and translated venta as “nose”, which reinforces
traditional assumptions on the alleged lack of racial issues in Machado’s work (see
ASSIS. Admiral’s night).
25
DUARTE. Machado de Assis’s African Descent, p. 234.
26
“[...] acreditamos que este autor mulato trata exclusivamente de gente branca como
‘nós’” (VITAL. Quase brancos, quase pretos: representação étnico-racial no conto
machadiano, p. 32, my translation).
126 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 119-136, 2018
27
See Hélio de Seixas Guimarães’s note to his translation of “Our American Cousin,
Machado de Assis” (CALDWELL. Nosso primo americano, Machado de Assis, p. 1).
28
See CALDWELL. Nosso primo americano, Machado de Assis.
29
“Genoveva disse a verdade dos fatos quando abordada por Deolindo, não porque
fosse cândida, não porque fosse naturalmente incapaz de mentir, mas simplesmente
porque já mentira o bastante [...]” (BOSI. O enigma do olhar, p. 115, my translation).
30
“[...] mal disfarçando uma perspectiva cristã, se enclausura numa análise moral do
personagem feminino” (SALGUEIRO. Nomes não mentem (quase nunca), p. 38, my
translation).
31
“[...] uma visão do mundo está concentrada na personagem de Genoveva. [...] O
mundo, como Genoveva, não é cruel, é inconstante” (DIXON. Os contos de Machado
de Assis: mais do que sonha a filosofia, p. 95, my translation).
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 119-136, 2018 127
32
See FLYNN; GONZÁLEZ; SOUZA. Whiter Shades of Pale: “Coloring In” Machado
de Assis and Race in Contemporary Brazil.
33
For a reading of Cândido Neves as an “afro-descendant” see ROCHA. “Father versus
Mother”: Slavery and its Apparatuses.
34
FLYNN; GONZÁLEZ; SOUZA. Whiter Shades of Pale: “Coloring In” Machado de
Assis and Race in Contemporary Brazil, p. 17.
128 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 119-136, 2018
35
FLYNN; GONZÁLEZ; SOUZA. Whiter Shades of Pale: “Coloring In” Machado de
Assis and Race in Contemporary Brazil, p. 8.
36
FLYNN; GONZÁLEZ; SOUZA. Whiter Shades of Pale: “Coloring In” Machado de
Assis and Race in Contemporary Brazil, p. 5.
37
FLYNN; GONZÁLEZ; SOUZA. Whiter Shades of Pale: “Coloring In” Machado de
Assis and Race in Contemporary Brazil, p. 17.
38
FLYNN; GONZÁLEZ; SOUZA. Whiter Shades of Pale: “Coloring In” Machado de
Assis and Race in Contemporary Brazil, p. 17.
39
FLYNN; GONZÁLEZ; SOUZA. Whiter Shades of Pale: “Coloring In” Machado de
Assis and Race in Contemporary Brazil, p. 17.
40
Runaway. One who repeteadly attemtps to escape.
41
Selma Vital’s accurate assessment of Machado’s position may clarify the point: “unlike
most of his critics, Machado lived the reality of being a mulatto in nineteenth-century
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 119-136, 2018 129
Brazil and [...] for that reason any intervention on his part would be interpreted before
as pamphleteer, overshadowing its intrinsically literary value” (“ao contrário da maioria
dos seus críticos, Machado vivia a realidade de ser um mulato no Brasil finissecular
e [...] por essa razão toda e qualquer intervenção de sua parte seria interpretada antes
como panfletária, ofuscando seu valor intrinsecamente literário” (VITAL. Quase
brancos, quase pretos: representação étnico-racial no conto machadiano, p. 25, my
translation, my emphasis).
42
“[...] uma recatada heroína alencariana” (SALGUEIRO. Nomes não mentem (quase
nunca), p. 5, my translation).
43
“[...] visão do mundo [que] está concentrada na personagem de Genoveva” (DIXON.
Os contos de Machado de Assis: mais do que sonha a filosofia, p. 95, my translation).
130 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 119-136, 2018
44
“[...] quando jurei, era verdade” (ASSIS. Noite de almirante, p. 174, my translation).
45
The Portuguese word for Muscat, a city in Oman, is Mascate, which also means
“peddler”.
46
See HISTÓRIA Geral da África, v. VI, p. 889-890.
47
MAURO. O Brasil no tempo de D. Pedro II, 1831-1889, p. 78-79.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 119-136, 2018 131
racial make-up), and white (José Diogo’s possible but not explicit racial
make-up) are only apparently outside the narrative. Machado introduces
a cabocla i.e. mixed-race, and two characters that indeed, according
to the reasoning exposed so far, can represent the white and the black
components of urban Rio de Janeiro society. And considering Machado’s
literary pattern and the fact that the mixed-race completion of Genoveva
was unequivocally presented, it even strengthens the possibility of
Deolindo being black (not even mixed-race) and José Diogo being white.
“Noite the almirante” does not conform to the most common
traditions of depicting blacks in Brazilian literary history. Blacks are
usually portrayed either as exotic or stereotyped characters in Brazilian
literature. “Noite de almirante” does not present the massively imposed
stereotypes or exoticism to which we, ultimately, grew accustomed. If we
do not see them, we are unable to see the characters as blacks and mixed-
race. Machado does not elevate the characters of “Noite de almirante”
to the status of “epic heroes of the race or Maroon leaders”.48 Machado
“does not limit them to the narrow format coming from the dominant
stereotypes in the social imagination of the Second Reign”.49 Therefore,
he does not jeopardize the “likelihood of the urban and bourgeois
universe”50 because in the micro universe of the story it is simply absent
and, therefore, uncompromised.
Notwithstanding Duarte’s, and his followers’ efforts and
compelling evidence, there seems to be a tacit reluctance on accepting
Machado’s Afro-Brazilian literature as such. Consequently it has been, at
best, perceived either as a charming but minor and expendable trait, or as
solely a lesser fragment of his broader work (or even ignored altogether).
Such a practice may have its roots in the “accusations that [Machado]
refrained from supporting abolition, and therefore betrayed his racial
heritage”,51 a notion upheld by some of his fellow writers throughout the
twentieth century. However as Dixon and others have already shown,
48
“[...] heróis épicos da raça ou a líderes quilombolas”. (DUARTE. Machado de Assis
afro-descendente: escritos de caramujo, p. 265, my translation).
49
“[...] não os limita ao formato estreito advindo dos estereótipos dominantes
no imaginário social do Segundo Reinado” (DUARTE. Machado de Assis afro-
descendente: escritos de caramujo, p. 265, my translation).
50
“[...] verossimilhança do universo citadino e burguês” (DUARTE. Machado de Assis
afro-descendente: escritos de caramujo, p. 265, my translation).
51
DIXON. Machado de Assis’ Early Mulato Narratives, p. 40.
132 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 119-136, 2018
such allegations are the result of facile, hasty and ideologically charged
mischaracterizations of Machado and his work. The reclamation of
Machado’s black literature should not be seen as a way of discarding
the immense critical production his life and works have fomented so
far. Serious readers of Machado de Assis cannot interpret it as a threat.
Reading Machado’s literature as black literature, on the contrary, will
immensely enrich the established mainstream criticism while exposing his
work to an expanded readership. This reading of Deolindo and Genoveva,
which enriches Salgueiro’s enlightening appraisal of the short story (and
that would not even be possible without it), is but one illustration of what
we can all achieve and how much we can profit from such a posture.
Dixon correctly posits that Machado “never assumed his own
persona when he wrote”.52 Moreover “there is little or no evidence
that Machado identified himself in a public way with the descendants
of Africa”.53 The same rationale can be applied, nonetheless, to the
opposite possibility: Machado’s identification with descendants of
Europe. Machado indeed “resorts to irony, humor, diversity of voices,
and other devices to inscribe his positioning”. 54 The evidence of
Machado’s identification is to be found in the context of his indirect
discourse as Dixon pointed out.55 Why, then, is he still openly depicted
and imagined as a white man?56 That is a simple question that cannot
be easily answered. Possibly the answer partly lies in the fact that “the
lusophone literatures of the nineteenth century have long been considered
an essentially ‘white world’”.57 It is also undeniable that “Brazil’s literary
52
DIXON. Machado de Assis’ Early Mulato Narratives, p. 52.
53
DIXON. Machado de Assis’ Early Mulato Narratives, p. 52.
54
“[...] vale-se da ironia, do humor, da diversidade de vozes, e de outros artifícios para
inscrever seu posicionamento” (DUARTE. Machado de Assis afro-descendente: escritos
de caramujo, p. 253, my translation).
55
DIXON. Machado de Assis’ Early Mulato Narratives, p. 52.
56
Caixa Econômica Federal’s TV ad is probably the most blatant example outside
academic circles. Since he was a former client, Caixa Econômica Federal aired a
commercial in 2011 whose protagonist was Machado de Assis. To the surprise of a
portion of Brazilian society, the actor chosen to represent him was white. Subsequently,
this version of the commercial was removed. The new version presented Machado de
Assis in darker complexion.
57
DUARTE. Machado de Assis’s African Descent, p. 134.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 119-136, 2018 133
58
DUARTE. Machado de Assis’s African Descent, p. 134.
59
DUARTE. Machado de Assis’s African Descent, p. 134.
60
DUARTE. Machado de Assis’s African Descent, p. 134.
61
DIXON. Machado de Assis’ Early Mulato Narratives, p. 40.
62
“[...] a nosso ver, a perspectiva afro-brasileira orienta boa parte da obra machadiana,
sem que isto tenha logrado até o momento impactar a cadeia de sentidos construída
pelo binarismo nacional/universal” (DUARTE. Memórias póstumas da escravidão,
p.16, my translation, myemphasis).
63
It would be contradictory to sustain in the twenty-first century that the best Brazilian
author would have ignored the most important issue in Brazilian history: race and its
role in the formation of Brazil.
134 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 119-136, 2018
remain accustomed to and awfully comfortable with, and see race, at least
until otherwise proven, as the dominant theme; and, from there, start a
refreshed scrutiny of “one of the richest oeuvres in all of the Americas”.64
Works cited
ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Admiral’s Night. The Collected
Stories of Machado de Assis. Translation by Margaret Jull Costa and
Robin Patterson. New York: Liveright, 2018. p. 586-592.
ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Noite de almirante. In: ______.
Histórias sem data. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.
p. 170-176.
BOSI, Alfredo. O enigma do olhar. São Paulo: Ática, 1999.
CALDWELL, Helen. Nosso primo americano, Machado de Assis.
Translation and presentation by Hélio de Seixas Guimarães. Machado
de Assis em Linha, São Paulo, v. 6, n. 11, p. 1-13, fev, 2013.
CUTI. Literatura negro-brasileira. São Paulo: Selo Negro, 2010.
DIXON, Paul. Machado de Assis’ Early Mulato Narratives. Afro-Hispanic
Review, Nashville, v. 29, n. 2, p. 39-45, 2010.
DIXON, Paul. Os contos de Machado de Assis: mais do que sonha a
filosofia. Porto Alegre: Movimento, 1992.
DUARTE, Eduardo de Assis. A capoeira literária de Machado de Assis.
Machado de Assis em Linha, São Paulo, v. 2, n. 3, p. 27-38, 2009.
DUARTE, Eduardo de Assis. Literatura afro-brasileira: um conceito em
construção. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília,
v. 31, p. 11-23, 2008.
DUARTE, Eduardo de Assis. Literatura e afrodescendência no Brasil:
antologia crítica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.
DUARTE, Eduardo de Assis. Machado de Assis afro-descendente:
escritos de caramujo. Rio de Janeiro/Belo Horizonte: Palas, Crisálida,
2007.
64
DIXON. Machado de Assis’ Early Mulato Narratives, p. 52.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 119-136, 2018 135
Roniere Menezes
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG),
Belo Horizonte, Minas Gerais / Brasil
roniere.menezes@gmail.com
eISSN: 2317-2096
DOI: 10.17851/2317-2096.28.4.137-154
138 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 137-154, 2018
Abstract: This article discusses the concepts of symptom and survival – as they have
been elaborated by Georges Didi-Huberman – through comparing the social status of
three different musical movements strongly associated with blackness: samba, rap and
funk carioca. We suggest that the highly discriminatory treatment given to samba in
the past, as well as to rap and funkin the present, is a good example of the symptomatic
racism which characterizes social relations in Brazil. Although a discourse which
disseminates the idea of Brazil as a racial democracy has been developed in the country
since the 1930s, racism insists on reappearing in several social situations, from the
much higher probability of death through violent means faced by the black population
to the difficulties imposed on their artistic productions.
Keywords: black culture; racism; symptom; survival; racial democracy.
1
BARROSO. Aquarela do Brasil, p. 49-50.
2
MACHADO. Projeto de lei de criminalização do funk repete história do samba, da
capoeira e do rap.
3
SCHWARCZ. Complexo de Zé Carioca: notas sobre uma identidade mestiça e
malandra.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 137-154, 2018 139
4
SCHWARCZ; STARLING. Brasil: uma biografia, p. 284.
5
FREYRE. Casa-grande & senzala, p. 367.
6
SCHWARCZ. Complexo de Zé Carioca: notas sobre uma identidade mestiça e
malandra.
7
SCHWARCZ. Complexo de Zé Carioca: notas sobre uma identidade mestiça e
malandra, grifos nossos.
140 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 137-154, 2018
8
MENEZES. Imagens e ritmos afro-brasileiros em Orson Welles e Waldo Frank, p. 217.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 137-154, 2018 141
2 Racismo sintomático
Ao se considerar a história da música popular brasileira ao
longo do século XX, poder-se-ia pensar numa trajetória evolutiva em
que, aos poucos, músicos, políticos e sociedade vão se abrindo para o
novo, para possibilidades estéticas diversas, para misturas e aceitação
das mais diferentes propostas. Contar hoje que o samba era alvo de
forte preconceito durante as primeiras décadas do século XX, ou que se
organizou uma passeata contra a guitarra elétrica nos anos 1960, pode
surpreender até mesmo os ouvidos mais conservadores. Afinal, quem
não respeita um samba de raiz?
Georges Didi-Huberman alerta-nos, contudo, para a estreiteza de
se conceber a história apenas como um processo de evolução cronológica,
como uma linha do tempo em que eventos se dão de forma consecutiva,
um como consequência do outro. Tão importante quanto compreender
a concatenação de eventos consecutivos que constroem uma visão
cronológica da história é atentar para os anacronismos. E a história está
repleta deles. Não existe sem eles. Para o autor:
Falar assim do saber histórico é, então, dizer algo sobre
seu objeto: é propor a hipótese de que só há história
de anacronismos. Quero dizer, ao menos, que o objeto
cronológico não é pensável senão em seu contrarritmo
9
FRANK. South American Journey, p. 35, tradução nossa.
10
Waldo Frank, em South American Journey, observa que, ironicamente, Maurício
Nabuco era filho do abolicionista Joaquim Nabuco.
11
FRANK. South American Journey, p. 35, tradução nossa.
142 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 137-154, 2018
12
DIDI-HUBERMAN. Diante do tempo, p. 43, grifos do autor.
13
DIDI-HUBERMAN. Diante do tempo, p. 44, grifos do autor.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 137-154, 2018 143
14
MAIA; MEDEIROS; FONTES. O conceito de sintoma na psicanálise, p. 54, grifos
nossos.
15
MAIA; MEDEIROS; FONTES. O conceito de sintoma na psicanálise, p. 55-56.
144 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 137-154, 2018
16
Chamamos atenção para este objetivo de se fazer do Brasil uma réplica do continente
europeu: ter a Europa como objetivo final não é exatamente negar por completo o
processo de mestiçagem que se deu no Brasil? Esconder a Pequena África é esconder
o que, anos depois, Gilberto Freyre afirmou ser nossa principal e melhor característica.
Mas, mesmo depois de Gilberto Freyre, esse desprezo permanece, como se nota no
episódio da Praça Onze e tantos outros que se deram depois.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 137-154, 2018 145
17
GOMES. Modernização e controle social, p. 204.
146 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 137-154, 2018
18
GOMES. Modernização e controle social, p. 207.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 137-154, 2018 147
19
NAVARRO. Fim da picada, grifos nossos.
20
RESENDE. Comentando Argullol, p. 64 apud GOMES. Modernização e controle
social, p. 207.
21
VIANNA. Funk e cultura popular carioca.
148 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 137-154, 2018
22
Vale dizer que esta associação do samba à criminalidade não foi completamente
deixada de lado. Mais um exemplo do racismo-sintoma que insiste em sobrevir de
forma anacrônica numa sociedade que, pela lógica, pela cronologia, já deveria ter se
livrado dele é a declaração dada por um cantor sertanejo no programa Altas Horas, de
Serginho Groisman, na TV Globo, de que “samba é música de bandido” (Ver CÉSAR
Menotti se desculpa após citar que ‘samba é música de bandido’).
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 137-154, 2018 149
23
FENERICK. Nem do morro, nem da cidade, p. 98.
24
LIMA. Um projeto de lei quer criminalizar o funk.
25
SENADO FEDERAL. Sugestão n. 17 de 2017.
26
DALAPOLA. Romário conclui relatório e rejeita criminalização do funk.
150 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 137-154, 2018
27
DIDI-HUBERMAN. Sobrevivência dos vaga-lumes, p. 29.
28
MONTEIRO. A gambiarra como destino, p. 200.
29
ROSE. Um estilo que ninguém segura, p. 192 apud GANHOR; LINSINGEN. Sentidos
sobre ciência, tecnologia e sociedade no rap nacional, p. 6.
30
DIDI-HUBERMAN. Sobrevivência dos vaga-lumes, p. 20.
31
DIDI-HUBERMAN. Sobrevivência dos vaga-lumes, p. 25.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 137-154, 2018 151
Referências
BARROSO, Ary. Aquarela do Brasil. In: FOLHA DE S. PAULO (Org.).
Ary Barroso. Texto por Moacyr Andrade. Rio de Janeiro: Editora
MEDIAfashion, 2010. (Coleção Folha Raízes da Música Popular
Brasileira, 9).
BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito da história. In: ______. Magia e
técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 7.
ed. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994.
(Obras escolhidas, v. 1).
32
DIDI-HUBERMAN. Sobrevivência dos vaga-lumes, p. 72.
33
DIDI-HUBERMAN. Sobrevivência dos vaga-lumes, p. 31.
34
BENJAMIN. Sobre o conceito de história..
35
DIDI-HUBERMAN. A imagem sobrevivente.
152 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 137-154, 2018
Abstract: This paper aims to characterize and discuss the performance strategies of
the editorial houses or “quilombos” responsible for the transmission of a significant
part of Afro-Brazilian cultural production, especially literature. The analysis of the
houses or editorial “quilombos” performance points to the peculiar nature of their
attitude towards: a) the market; b) the autonomy necessary for its production; c) the
contribution of working capital; d) the cultural agent role necessary in an ethnically well-
demarcated space; e) professionalism in the conduct of activities, given the absence of
public policies to support Afro-Brazilian issues. Our theoretical reference is formed by
Pierre Bourdieu; Henrique Cunha Jr.; and Hernán López Winne and Victor Malumián.
Keywords: editorial quilombos; independent initiatives; edition.
eISSN: 2317-2096
DOI: 10.17851/2317-2096.28.4.155-170
156 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 155-170, 2018
1
BOURDIEU. A economia das trocas simbólicas, p. 72.
2
BOURDIEU. A economia das trocas simbólicas, p. 72-73.
3
CUNHA JR.. Quilombo: patrimônio histórico e cultural, p. 163.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 155-170, 2018 157
4
BOURDIEU. As regras da arte, p. 137; 141.
5
LÓPEZ WINNE; MALUMIÁN. Independientes, ¿de qué?: hablan los editores de
América Latina, p. 14.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 155-170, 2018 159
7
ANTUNES, O editor Francisco de Paula Brito.
8
Segundo a fortuna crítica disponível, dentre os autores brasileiros publicados por Paula
Brito, destacam-se: “Joaquim Manoel de Macedo, Casimiro de Abreu, Gonçalves de
Magalhães, José de Alencar, Martins Penna, Machado de Assis, Manuel de Araújo Porto-
Alegre, Domingos Alves Branco Moniz Barreto, Augusto Emílio Zaluar. Foi o editor de
uma das primeiras peças de teatro brasileiro, Antônio José ou o poeta e a Inquisição, de
Gonçalves de Magalhães, em 1839; do que é considerado o primeiro romance brasileiro,
O filho do pescador, de Teixeira e Souza, em 1843; e daquela que é tida como a primeira
ópera brasileira, a comédia lírica A noite de São João, de José de Alencar, apresentada
sob a regência de Carlos Gomes em 1860. Também é dele a primeira edição de Últimos
cantos, de Gonçalves Dias, em 1851; a edição completa, em 2 volumes lançados em
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 155-170, 2018 161
1851, das Mauricianas, do Padre José Maurício Nunes Garcia; e a sexta edição de O
Uraguai, de Basílio da Gama, lançada em 1855” (ANTUNES. O editor Francisco de
Paula Brito (1809-1861). Paula Brito foi ainda poeta, contista e tradutor. “Entre seus
contos publicados em jornais, estão ‘O enjeitado’ e ‘A mãe-irmã’ (ambos no Jornal do
Comércio, Rio de Janeiro, 1839). Já seus poemas, foram compilados por Moreira de
Azevedo, na obra póstuma Poesias de Francisco de Paula Brito, publicada em 1863.
Traduziu diversos autores, como Frederic Soilié, Cordelier Delanoue, Pitre Chevalier,
Alexandre Dumas, Emile Silvestre, Julis A. David e Cretineau July.” (ANTUNES. O
editor Francisco de Paula Brito (1809-1861)). A este respeito, vale conferir: MARTINS.
Corpo sem cabeça: o tipógrafo-editor e a Petalógica; HALLEWELL. O livro no Brasil:
sua história; GONDIM. Vida e obra de Paula Brito.
9
MARTINS. Os artifícios da voz: Francisco de Paula Brito e a Sociedade Petalógica,
p. 141.
10
BRAGANÇA. Sobre o editor: notas para sua história, p. 224.
162 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 155-170, 2018
11
ANTÔNIO. Cadernos Negros: esboço de análise, p. 13.
12
COSTA. Uma história que está apenas começando, p. 19.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 155-170, 2018 163
13
PALLAS EDITORA. A editora.
14
PALLAS EDITORA. A editora.
164 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 155-170, 2018
15
MAZZA EDIÇÕES. Editora.
16
Conceição Evaristo foi publicada pela primeira vez pela Mazza Edições, mas
atualmente não tem os direitos ligados a essa casa editorial.
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 155-170, 2018 165
17
CICLO CONTÍNUO EDITORIAL. [Texto de apresentação].
18
O site da Ciclo Contínuo traz o histórico de atividades culturais por ela promovidas.
19
NANDYALA LIVRO. Missão.
166 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 155-170, 2018
20
EDITORA OGUMS. Somos Ogums.
21
EDITORA OGUMS. Somos Ogums.
22
OLIVEIRA; RODRIGUES. Panorama editorial da literatura afro-brasileira através
dos gêneros romance e conto. Para se ter dimensão da concentração editorial, Oliveira
Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 155-170, 2018 167
Referências
AMARO, Vagner. Editora Malê – Entrevista com Vagner Amaro.
Literafro, Belo Horizonte, 30 jan. 2018. Entrevista concedida a Luiz
Henrique Silva de Oliveira. Disponível em: <http://www.letras.ufmg.
br/literafro/editoras/1034-editora-male-entrevista-com-vagner-amaro>.
Acesso em: 9 abr. 2018.
ANTÔNIO, Carlindo Fausto. Cadernos Negros: esboço de análise. 2005. 262
f. Tese (Doutorado em Literatura Geral e Comparada) – Instituto de Estudos
da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005.
ANTUNES, Cristina. O editor Francisco de Paula Brito (1809-1861).
Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, São Paulo, [20--?]. Disponível
em: <https://www.bbm.usp.br/node/69>. Acesso em: 13 dez. 2018.
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Tradução de
Sérgio Miceli. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1982.
BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo
literário. Tradução de Maria Lucia Machado. 2. ed. São Paulo: Cia. das
Letras, 2005.
BRAGANÇA, Aníbal. Sobre o editor: notas para sua história. Em
Questão, Porto Alegre, v. 1, n. 2, p. 219-237, jul./dez. 2005.
CICLO CONTÍNUO EDITORIAL. [Texto de apresentação]. Issu:
Ciclo Contínuo Editorial. [2015?]. Disponível em: <https://issuu.com/
ciclocontinuoeditorial>. Acesso em: 17 nov. 2017.
COSTA, Aline. Uma história que está apenas começando. In: RIBEIRO,
Esmeralda; BARBOSA, Márcio (Ed.). Cadernos Negros: três décadas:
ensaios, poemas, contos. São Paulo: Quilombhoje, SEPPIR, 2008.
CUNHA JR., Henrique Antunes. Quilombo: patrimônio histórico e
cultural. Revista Espaço Acadêmico, Maringá, n. 129, p. 158-167, fev.
2012.
EDITORA OGUMS. Somos Ogums. Disponível em: <http://www.
editoraogums.com/somos-ogums>. Acesso em: 17 nov. 2017.
GONDIM, Eunice Ribeiro. Vida e obra de Paula Brito. Rio de Janeiro:
Livraria Brasiliana Editora, 1965.
170 Aletria, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 155-170, 2018