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A ÁRVORE DO ENFORCADO

Gesto Primeiro:

... você já sentiu um sopro gelado na espinha?

I – O Deus das Imagens em Preto e Branco

Deus...
Deus...
Deus...
Deus???
Deus!!!

Estou na janela e nem mesmo sei se meus olhos estão abertos ou fechados
A pancada foi ótima, mas a sensação melhora a cada instante
Realmente não sei se estou acordado ou adormecido
Vejo monstros na parede
Não me lembro de minhas últimas seis horas

Minhas mãos tocam o vidro, e o vidro é frio


Vejo gente lá fora e gostaria de dizer “olá!”

Agora quero ser um anjo


Quero ter asas e voar com elas
Há muito tempo quero reclamar de certas coisas lá em cima
Certas coisas lá em cima

Dou uma olhada ao meu redor e capturo com um olhar


Minhas imagens em preto e branco
Sou o único que consegue ver
Minhas imagens em preto e branco

Preto e branco
Mundo preto e branco

Como é que alguém pode ter o Céu e o Inferno como eu tenho?


Viro meu rosto para o velho mundo sem cor

É difícil respirar após ter vomitado em meu aquário


Tenho animais de estimação para provar minha superioridade
Peixes são estúpidos, mas são sempre coloridos
É assim e assim foi em “O Selvagem da Motocicleta”

A pancada foi ótima, mas a sensação melhora a cada instante


Minha vida é um eterno quarto escuro
Oh, mundo em preto e branco
Desprezei a todos?
Aniquilei a todos?
Tenho muito a fazer, pois sou um deus
O deus das imagens em preto e branco
II – O Espantalho

Talvez eu seja um morcego fora do inferno


Uma alma sem luz em busca de encanto
A criatura que Deus fez questão de esquecer
Um soldado esquecido e sem guerras

Olhe bem para meu rosto


Você acha que Deus me criou à sua imagem e semelhança?
Não! Eu digo que não!
Meu deus chama-se ‘Homem’

...Meus braços solitários abraçam os campos


Estes campos... doce purgatório
Sou o dono destes campos
Onde os homens têm plantado a solidão

O Espantalho
Sou o Espantalho
Uma droga de Espantalho
Uma alma perdida aprisionada em um corpo de mentira

... O Espantalho
Sou o Espantalho
Sem nenhum Leão Covarde em meu caminho
Espantalho...
Sou o Espantalho
Nenhuma menina chamada Dorothy e nenhum Homem de Lata
E nenhuma droga de Estrada de Tijolos Amarelos para eu seguir

Sou apenas o Espantalho

Não tenho dor e não tenho deus


Sou a coisa que faz a criança cobrir o rosto com as mãos

No buraco onde meus olhos deveriam estar


Em seu fundo jaz uma luz
E se você olhar bem de perto
Estarei em você e você estará em mim

Sozinho...
Aprisionado...
Sozinho...
Aprisionado...

O Espantalho...
Sou o dono destes campos

Em algum lugar acima do arco-íris...

Acima do arco-íris da nossa planície


III – Peter Pan Contra o Mundo

O Tempo mandou lembranças pelo espelho


O sorriso, agora cheio de cicatrizes, já não tem graça alguma
O ponto de partida ficou para trás há muito tempo
E pés calejados são pés que nunca retornam

... a alma é uma criança chorando em desespero


... havia um ruído na neblina lá fora

O Tempo é como um chicote rasgando a carne


O Tempo é como um furacão espalhando a areia
E quando nos acorrentamos para não sermos arrastados pelo fluxo do Tempo
Todas as gerações são sepultadas por nós
E apenas as palavras sobrevivem
O menino que sempre será um menino
Peter sorri e dança com minha alma dolorida

Peter Pan contra o mundo

... durma, menino!


... acorde, homem!
... durma, menino!
... acorde! acorde! ACORDE!

Ontem eu acordei gritando seu nome


As cicatrizes em meus pulsos sangravam
Ontem eu tive que suportar
Todas estas brincadeiras estúpidas que Deus faz comigo

O Tempo mandou lembranças pelo espelho


O Tempo é como um chicote rasgando a carne
Peter sorri, pois voar é como mágica
O sorriso já não tem graça alguma

... e a terra das correntes em meus pés...


... e a terra das correntes em seus pés...

E o jogo recomeça
Com Peter Pan contra o mundo
IV – Caindo em meu Abismo Interior

Quem dá a mínima para minhas cicatrizes?


Estou vivendo em um mundo de ninguém
Um mundo de desertos infinitos
Estou só neste caminho e, às vezes, paro na estrada
Ouço a canção e me escondo no escuro
Só tenho certeza de que meus pés estão na estrada
Sempre me levando adiante
E quando isso acontece, irmão, esteja certo

Caindo,
Estou caindo em meu abismo interior
Caindo,
Estou caindo em meu abismo interior

O Destino tinha braços que fiz questão de amputar


Neles havia mãos que tentavam me estrangular
O segredo está escondido em algum lugar dentro de nós
Todos nós sabemos todas as respostas
Mas elas sempre brincam de esconde-esconde
Mas se você insistir em me acordar
Uma vez mais há de me encontrar caminhando no escuro
Dirijo a você meu olhar pela última vez
Meu sorriso é meu desprezo
E quando isso acontece, irmão, esteja certo

Caindo,
Estou caindo em meu abismo interior
Caindo,
Estou caindo em meu abismo interior

Viro minhas costas aos anjos e aperto a mão do Diabo


As folhas do meu calendário caem como as máscaras do Enforcado
Temos estado apressados, correndo por aí
Lenços brancos acenam...

Dirijo a você meu olhar pela última vez


Meu sorriso é meu desprezo
E estou sorrindo agora

Quem dá a mínima para minhas cicatrizes?...


V – A Árvore do Enforcado (Primeiro Ato)

... Asas Reais.


... Adeus para sempre às minhas asas de cera.
(para onde hei de ir agora que já não faço mais parte do jogo?
As lágrimas hipócritas dos perdedores não plantarão suas sementes em meu solo.
O solo ao qual eu pertenço agora...
Minha alma está livre!
Não há mais dor!
Há apenas perguntas... perguntas... malditas perguntas...
Para onde hei de ir agora que já não faço mais parte do jogo?)

Gesto Segundo:

VI – O Inferno Onde Vivem os Anjos

Sou como um doente terminal que puxou os fios


Senhoras e senhores, a palavra-chave de hoje é “ADEUS”
Eu gostaria de parar o mundo e gritar: “por quê?”
Agora sei que a palavra mais difícil do dicionário é “VIVER”

Oh, Deus!
Deus, dê mais uma chance para esta alma miserável
Eu gostaria de rastejar e implorar: “não me deixe sozinho”
Mãe, o garoto desconhecido agora é desconhecido para sempre
Agradeço aos velhos amigos pelas facas em minhas costas

As máquinas foram desligadas e meu sorriso congelou-se para sempre

Oh, Deus!
Para onde irei quando todos os lugares estiverem perto de mim?

Amigo, dê lembranças minhas à Solidão


Não acredito mais em lágrimas
Agora vivo entre Deus e o Cão
As velhas palavras renascem para mim
Atirei uma granada em meu velho esconderijo
E vivo agora no inferno
No inferno onde vivem os anjos

VII – Minha Vida é um Eterno Quarto Escuro

Minha vida é um eterno quarto escuro...

VIII – Minha Dor

Minha dor é como a dor de um pai que sepulta seu filho


Minha dor dorme com a Lua e acorda com o Sol
Minha dor vive a todo e cada dia do calendário
Minha dor... ela é um fogo inextinguível
Dor...
IX – A Árvore do Enforcado (Epílogo)

Correndo... correndo...
“Correndo para a luz” – disse o filme

Culpado...
“Culpado!” – sentenciou o júri

Sufocado por uma corda de velhos ressentimentos guardados


Longe do inferno, mas ainda mais longe do paraíso
Vejo espectros em forma de rostos diante de mim
Rostos que amo...
Rostos que odeio...
Estou na Árvore do Enforcado

Sou um corpo ou apenas uma embalagem?


Minhas máscaras caem como as folhas de Outono
Não há mais portas a serem fechadas
Minhas lágrimas...
Já não há razões para mantê-las guardadas
O cadeado que mantinha minha dor aprisionada foi aberto:
Oh... a Árvore do Enforcado

Os olhos do Tempo passaram pelas páginas do livro da minha vida


Quando meus olhos se fecharam,
Uma porta foi aberta
(todos estavam lá!)

“Culpado!” – disse o Homem

Sangue em meus pulsos...


Sangue em minhas mãos...
Minhas máscaras estão caindo...
meu rosto...
meu corpo...

Sei que você está por perto!


Sei que você pode me ouvir!
Minha mente se conecta à sua agora

Se você me ama, dê-me um nome!

Se você me ama, dê-me um nome!


Ou serei eternamente a Árvore do Enforcado
X – Brinquedos Quebrados

Meus olhos...
Você pode ver através deles?
Diga-me o que vê!
Liberte-me!
Mostre-me o caminho a seguir
Meu corpo aprisiona minha alma
Quero correr, mas minhas pernas não obedecem

Mentiras são como pregos


Perfurando minhas mãos e meus pés
A televisão me capturou e trancou o cadeado
Deus lacrou todas as minhas saídas secretas
Por pior que seja o fim de tudo isso
Eu quero que termine agora!

Brinquedos quebrados guardados no armário...


Brinquedos quebrados guardados no armário...

Minha vida é como um circo consumido pelas chamas


Há sempre algum idiota dizendo que o show deve continuar
Mesmo quando o atirador de facas enxuga lágrimas fatais

Lembranças ruins dançam em minha mente


Elas são como brinquedos quebrados guardados no armário
Lembranças ruins dançam em minha mente
Elas são como bonecas decapitadas
E seus olhos de vidro fitam o vazio...

O carrossel gira... e sorrimos por um instante


O salão dos espelhos nos distorce
Tornando-nos ainda menores

E havia algo de maligno naquele palhaço...


Sorrisos desenhados nunca me convenceram...
XI – Deixem-me em Paz

Há um imenso vazio dentro do que outrora poder-se-ia chamar “vida”


Todos fazemos nossas contas
E sempre concluímos que nada valeu a pena
(o que aconteceu com todos aqueles sonhos idiotas)

Mais uma droga de garrafa vazia


Mais uma droga de domingo

Descarrego minha arma


Em tudo o que eu amo

Deixem-me em paz!

O telefone toca
E não há ninguém quando atendo

Tento rir disso


E, desta vez, sem lágrimas!

Estou sentado nu no banheiro


O chuveiro vomitando em mim

Minha vida sempre teve lacunas


E sempre as preenchi com um adeus

Aos velhos amigos,


Um brinde e fodam-se!

A última coisa de que preciso


É de seus olhos piedosos!
(cuidem de suas próprias vidas miseráveis!)

Se vocês não acreditam,


Tentem ler minha mente:

O que mais quero agora


É que vocês dêem meia volta e desapareçam!

Como em um velho filme do Hitchcock:


Sangue se mistura com água...

Olhos embriagados vêem muito melhor


Mas é preciso encontrar a bebida certa

Ergue-se a taça de vinho tinto de sangue!

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