Você está na página 1de 10
Dad intemacionas de Callogaeona Publica (C mara leira do Livro, or) Indices para catélogo sistematico: 1. Cigneias : Ensino : Renovagio 507 Anténio Cachapuz * Daniel ‘Anna Maria Pessoa de Carvalho Jodo Praia * Amparo Vilches egies A NECESSARIA RENOVACAO DO ENSINO DAS CIENCIAS CORTEZ EDITORA €apitulo 1* Importancia da Educacao Cientifica na Sociedade Actual Assistimos actual importante sobre a conveniéncia, ou io, de promover 2 alfabetizaci ica da generalidade da populacao. O “objective deste primeiro capitulo 6 apresentar e discutir em profundidade 05 argumentos esgrimidos a favor e contra, para adoptar uma postura fundamen- tada sobre 0 papel da educagéo cientifica na sociedade actual. Comegaremos pelas razdes habitualmente apresentadas a favor da referida alfabetizacio. Que razées podem avaliar a necessidade de uma educacao cientifica para todos os cidadaos? [As propostas actuals favordveis a uma alfabetizagio cientifica para todos 08 cidadaos vao mais além da tradicional importancia concedicla— mais verbal ido que real —& educagio cientifica e tecnoldgica, para tornar possivel o desen- volvimento futuro. Essa educacio cientifica converteu-se, na opiniso dos espe- cia urgente, num factor essencial do desenvolvimento das também a curto prazo. seguinte trabalho: GIL-PEREZ, D. e VIUCHES, A. (2008) to de la cudadania? Un debate crucial. Cultura y Eduaci ‘Assim se afirma, por exemplo, nos National Science Education Standards, auspiciado pelo National Research Council (1996), em cuja primeira pigina podemos ler: “Num mundo repleto pelos produtos da indagacéo cientifica, a alfabetizacio cientifica converteu-se numa necessidade para todos: todos ne- cessitamos utilizar a informagao cientifica para realizar opcées que se nos de- param a cada dia; todos necessitamos ser capazes de participar em discusses ppiblicas sobre assuntos importantes que se relacionam com a cigncia e com a tecnologia; ¢ todos merecemos compartilhar a emogio e a realizacio pessoal que pode produzir a compreensio do mundo natural”. Por isso, nio se estra ‘nha que se tenha chegado a estabelecer uma analogia entre a alfabetizagao bisi- 2, iniciada no século passado,¢ actual movimento de alfabetizacao cientfica e tecnolégica (Fourez, 1997). ‘Mais recentemente, na Conferéncia Mundial sobre a Ciéncia para o Século 20M, auspiciada pela UNESCO e pelo Conselho Internacional para a Ciéncia declarava-se: “Para que um satisfazer as necessida- des fundamentadas da sua pop a tecnologia é um imperativo estratégico. Como parte dessa educagao cientifica © tecnolégica, os estudantes deveriam aprender a resolver problemas concretos e a salisfazet as des da sociedade, utilizando as suas competéncias e conhecimentos foje, mais do que nunca, é neces ic em todas as culturas e em lhorar a participacao dos cida- aplicagzo dos noves conhecimentos” ia, Budapeste, 1999), A importancia concedida a alfabetizagio cientifica de todas as pessoas tem sido também ressaltada num grande niimero de trabalhos de investigacio, pu blicacdes, congresses ¢ encontros, que se vao realizando, sob o lema de Ciencia para todos (Bybee e DeBoer, 1994; Bybee, 1997; Marco, 2000). De facto, esto a ser levadas a cabo, em muitos paises, reformas educativas que contemplam a alfa- betizacéo cientifca e tecnol6gica como tuma das suas principaisfinalidades. Oreconhecimento desta importancia crescente atribuida a educagio cien- exige 0 estudo atento de como conseguic tal objetivo e, particularmen- te, de quais s8o 0s obstaculos que se ope A sua execusdo, Com efeito, a inves- jn em condigdes: dios na fomada de decisées relativa: (Conferencia Mundial sobre la tigagao em didactica das ciéncias mostrou reiteradamen 80 escolar, assim como a inclusivamente, repulsa, que as, ‘matérias cientificas geram (Simpson etal, 1994; Giordan,1997; Furie Vilches, 1997), o elevado insuces- ssa snag spo ws AS tecnico ard ee de ncaa cen expres que somo ons epee cee Mono ngemene aida m acl eo sede Sonate Que entender por alfabetizacéo cientifica? izacao cientifica, hoje em voga, conta jé com uma tradiggo que Yetno ‘menos, a finais dos anos 50.4DeBoor, 2000). Mas foi, ‘sem diivida, durante a ultima década, que essa expresso adquiriu o estatuto de “slogan, ampla e repetidamente utilizado pelos investigadores, responsé- veis pelos curricula e professores de ciéncias (Bybee, 1977). Segundo Bybee, €a expressio de um amplo movimento educativo que se reconhece e mobiliza atrés do simbolo da “alfabetizagio cientfica”, mas que acarreta, a0 mesmo tempo, 0 perigo de uma ambiguidade que permite a cada pessoa atribuir-Ihe significa- dos distintos, e explica as dificuldades em conseguir um consenso sobre como e para onde direccionar a sua aplicacio. De facto, desde 1995, publicagdes como o Journal of Research in Science ‘Teaching, apresentam editoriais solicitando contribuigdes que fizessem propos igacio e inovacio educativas, tas coerentes neste campo de inv ; Bybee sugere a aproximacio ao conceito aceitando o seu caricter de meti- fora, o que permite, no inicio, afastar a simplificacéo imprépria do conceito de seu significado literal: uma alfabetizagio cientifica, ainda que tenha de incluir 19, nio se deve limitar a essa definiggo funcio _quecer 0 conterido que atribuimnos aos termos, e obriga, 20 mesmo tempo, sua clarificagao. “Podemos assinalar, por exemplo, que a ideia de alfabetizacio sugere uns bjectivos basicos para todos os estudantes, que convertem a educacio cientifi- cam parte de uma educacio geral. O desenvolvimento de qualquer programa de educacio cientifica, como os indica Bybee, deveria comegar com propési- tos correspondentes a uma educagio geral. Mais ainda, falar de alfabetizagao cientifica, de ciéncia para todos, supde pensar num mesmo curriculo basico para todos os estudantes, como propde, por exemplo, © National Science Curriculum Standards (National Research Council, 1996) e requer estratégias queevitam a repercussao das desigualdades sociais no ambito educative (Bybee e DeBoer, 1994; Baker, 1998; Marchesi, 2000). Mas qual deveria ser esse curri ddaos? Marco (2000) assinala certos elementos comuns nas diversas propostas que gerou este amplo movimento de alfabetizacao cientifica: + Alfabetizagio cientifica prati permita utilizar os conhecimentos na vida didria com o fim de melhorar as condigdes de vida, o conheci- mento de nés mesmos, ete. ++ Alfabetizacio cientifica civica, para que todas as pessoas possam inter- vir socialmente, com critério cientifico, em decisdes politicas, ss: Alfabetizagao cientiica cultural, relacionada com os niveis da natureza dda ciéncia, com o significado da ciéncia e da tecnologia e a sua incidén- cia na configuragao social Por outro lado, Reid e Hodson (1993) props < ropoem que uma educacso dirigi- da para uma cultura cientifica bisica deveria conter “sens CConhecimentos de ciéncia —certos factos, conceitos ¢ teorias. ‘+ Aplicagdes do conhecimento cientifico — a utilizagéo de tal conheci- mento em situacées reais e simuladas, + Saberes e técnicas di da ciéncia e a utiliza * Resoluso de problemas — aplicagio de saberes, técnicas e conheci- rmentos cientificos a investigacties reais. cia — far rizagdo com os procedimentos le aparelhos e instrumentos. ‘+ Interacgio com a tecnologia — resolugdo de probl So com « ssolucdo de problemas praticos, €enfatizacao cientifica, econdmica e social e aspectos utiitérios das solu ies possiveis, (Questdes sécio-economico-politicos e ético-morais na ciéncia e na tec- nologia, ento de cigncia e tecnologia da cigncia e a prética cientifica — consideragies centradas nos métodos cientificos, o papel e estatuto da teoria cientifica e as actividades da comunidade cientifica. mos deter-nos no significado que dé a est est Roof HBO OS BAS 3 -tecnolégica multidimensional, como assinala io vocabuldrio, dos esquemas conceptuais e dos métodos procedimentais, para incluir outras dimensdes da ciéncia: devemos ajudar os estudantes a desenvolver perspectivas da ciéncia e da tecnologia que sas, a natureza da ciéncia ¢ da tecnologia e papel de amb: alfabetizacio cient preensio e apreciacéo global da ciéncia e da tecnologia como empresas que foram e continuam a ser parte da cultura’. seciar, pois, uma convergéncia bisica de diferentes autores na, necessidade de ir mais além da habitual transmissdo de conhecimentos cientifi- cos, de incluir uma aproximagéo & natureza da ciéncia e a pratica cient sobretudo, de enfatizar as relagbes ciéncia-tecnologia-sociedade-a modo a favorecet a patticipacdo dos cidadaos na tomada fundamentada de decisées (Aikenhead, ram-se de as dar ao longo dos da argumentagdo ia e, inclusivamente, a pos: quiram uma formacio cientifica res que tém vindo a por em causa a convenién- lade de que a generalidade dos cidadaos ad- Imente itl, Alfabetizacao cientifica e tecnolégica: necessidade ou mito irreal {A possibilidade e conveniéneia de educar cientificamente conjunto da {questionada por alguns autores (Atkin e Helms, 1993; Shamos, wbalhos bem documentados que preten- dem “sacudir aparentes ev ‘como seria, na sua opiniao, a necessidade de aliabetizar cientificamente toda a populagio, algo que Shamos classifica de no seu liveo The Myth of ic Literacy (Ghamos, 1995). Con- star atengao a0s argumentos critics destes autores e analisar mais te as raz6es que justificam as propostas de “ciéncia para todos”. 'Na opinio de Fensham (20028), 0 movimento ciéncia para todos e as psi 1a baseavam-se em duas ideias Freconcebides.Aptimeira, que denomina ese pragmtca, considera que, dado ea eovteiades esto cada vez mais influenciadas pela ieias eprodutos de Sancta, sobretudo, de tecnologia, os futuros cidadios desenvolver se-i0 me- thor se dguiriem uma base de conhecimentos cientficos. A segunda, ou tese democratica, supde que a alfabetizagao cientifica permite aos cidadaos partici- par nas decisées que as sociedades devem adoptar em tomno a problemas sécio- Cientificos e sécio-tecnolégicos cada vez mais complexos, No entanto, a tese pragmatica, como Fensham afirma, nao leva em conta 9 facto de que a maioria dos produtos tecnolégicos sejam concebidos para ue 0s utilizadores nao tenham nenhuma necessidade de conhecer os princt- pios cientificos em que se baseiam para os poder utilizar. Ha que reconhecer qué esta é uma critica fundamentada: ninguém se pode desenvolver hoje sem saber ler e escrever ou sem dominar as operacées matemiticas mais simples. Mas millies dé cidados, incluindo eminentes personalidades, em qualquer -conhecem a sua falta de conhecimentos cientificos, sem que isso io ém nada a sua vida pritica. A analogia entre alfabetizacao bé sica e alfabetizacio cientifica, como concluiram jé Atkin e Helms (1993), no ‘se mantém. No que diz respeito a tese democrética, pensar que tuma sociedade cient ficamente alfabetizada esté em melhor situacao para actuat racionalmente face 208 problemas sécio-cientifcos, constitui, segundo Fensham, uma ilusSo que ignora a complexidade dos conceites cientfcos implicados, como sucede, por exemplo, no Aquecimento Global. F absolutamente irrealista,acrescenta, acre- ditar que este nivel de conhecimentos possa set adquirido, nem sequer nas s escolas. Um facto clarificador a esse respeitoe o resultado de um in- American Association for the Advancement of Sciences fem pedir a uma centena de eminentes investigadores de 3S que enumezassem os conhecimentos cientificos que de- 8 anos de escolarizagdo obrigatoria para garantir uma ientilica das criancas norte-americanas. O niimero to- tal de aspectos a cobrir, assinala Fensham, desafia o entendimento e é superior soma de todos os conhecimentos actualmente ensinados aos estudantes de elite que se preparam para ser os futuroscientstas Argumentos como estes so 0s que levam autores comoShamos, Fershamn, etc, a considerar a alfabetizagio cientfica como um mito ieealizével,alé 50, causador de um gasto desnecessério de recursos. Devemos pois renunci ideia de uma educagio cientifica basica para todos? Nao & essa a nossa opinizo, mas criticas como as de Fensham obrigam, a quem como nds concebe a alfabe. ‘iéagdo cientifica como uma componente essencial das humanidades, assente ‘Ros pontos que recomendam que a educacio cientificae teenoldgica sja parte de uma cultural geral para toda a cidadania, sem a apresentar simplesmente como algo dbvio. est nai 0 HS CRS Contibuicéo da alfabetizacao cientifica para a formacio de cidadaos troponin ests, om ct cad, ogi cso seniors wants poe amen tae fag ds ado veo fein, aero estas, prj oom o Nant Sean Blan Stars (Nona Research Coun, 13) ¢ aaaaer emacs cema Contac Mandl be 9 aro Stun Orc Paap 199), ons ove ee ae ceca ur permit os dads prorated de seit cn stuns guns eonam com aia tecsoga aiezomasamplanent ind por clog como tia component ‘incr BoE Bybee 1997, Deber,20 wesc Fecha 0; 2029) Este argumento “democrat quem reclama a alfabetizaczo ‘outro, £ deste modo que podem contribuir pessoas que néo sejam especialistas, ues que contemplem se ile pa iy coma exempta parigstis, pibema ca gels tates quis pestis q art d Send er ial produzram uma verdad evclacie apres, iesetentande nate entero, condone ques de roan desea com enc, prags, dose anges sero spo nm perenne xine opsiomunfa esin oa cordese igualmente que sguns snes depo a Comisto Mundial do Meo Annet edo esnlimeno G98) areréa que osu curso cael sumac pre hana, pono deste mallorca estes motives, tas substi que e acum no dos dok sre ince chegaram a ser denominados, juntamente com outras igualmente t6; ‘, “Contaminantes Organicos Persis me Este envenenamento do planeta pel: ; neta pelos pro patticular pelo DDI io Carson (1980) no = nocives do DDT... que no impediu que fose sofresse ataques muito duros por parte da industria quimica, dos pe tas, que no deram salva, asim, muitas vidas humanas, No enfano, apenas 10 anos mais tarde recomhceese rigoso veneno e proibiu-se a sua acao no mundo rico, ainda que, infelizmente, continuou a ser utilizado nos paises em desenvolvimento. © que nos intrest destca agi que a bata conte 0 DDT it gore como Rael Carne confiscated ur orm sess sso chads ce senate gunn De Carson € hoje recordada i influ gue eveo sms Coram resin da prt enoninacdo movment CTS (incntcnologia Sociedade ambien). Sem 2 ayo destes grupos de adios com capcidade peta comprennet oy anges menos de Caso, a proibigio tea ocrrido moms tore os fetes ada mals deere, Conv, pos, camara be 4c ests "sve rma en stn nde pupae na a de ess, 20 fazer seus on angumentos de Catson expt conto ds feos do DDT. que scabarun por convener a comunidad ceric c posterion 0s legisladores, obrigando a sua proibigdo. Convém assinalar também que muitos cientistas, com um nivel de conhecimentos sem di muito superior ao desses cidadaos, no souberam ou ndo quiseram ver, inicial- ‘mente, 0s perigos associados ao uso de pesticidas. Podemos mencionar muitos outros exemplos similares, como, entre ou- tros, os relacionados com a construcio das centrais nucleares e © armazena: mento dos residuos radioactives; a utilizagio dos CFC’s, destruidores da cama- da de ozénio; o aumento do efeito de estufa, devido fundamentalmente & cres- cente emisé sequéncias devastadoras; 0s alimentos manipulados geneticamente, etc. etc: Convém deter-se minimamente no exemplo dos alimentos transgénicos, que esta a suscitar actualmente 05 debates mais acesso e que pode ilustrar per~ feitamente o papel da cidadania na tomada de decisdes. Também neste campo 1s coisas apresentam-se como algo positive que, entre outras vantagens, pode- ria reduzie o uso de pesticidas e herbicidas e converter-se na “solucio defini ‘va para o problema da fore no mundo”. Algo que, além disso, abria enormes possibilidades no campo da sate, para o tratamento ¢ cura de doencas incurs eis com os conhecimentos e téenicas actuais. Assim, em 1998, 0 director geral 's mais fortes e conhecidas empresas de organismos manipulados derivados, na assembleia anual da Organi: a, afirmou que, “de algum modo vamos ter ede alimentos uma procura que duplica a duplicar a superficie cultivavel. E também. sando as tecnologias actuais, sem criar ura (,..).Abiotecnologia repre~ so de CO,, que ameaga com uma alteracio climstica global de con- de uma da geneticamente (OGM) e alimen {que pensar em como vamos al endo que & imy impossivel aumentar a pi graves proble senta uma solugdo poten AVilches e Gil-Pérez, 2006). ‘Mas nem todos estiveram de acordo com uma visio tio optimista ¢ rapi- damente surgiram as'preocupagies pelos rscos possiveis para o meio ambien- aa satide humana, para o futuro da agricultura, ete, Uma vez mais, como ‘laram os eriticos, pretende-se proceder a uma aplicago apressacia de tec- rologias cujas repercussées nao foram suficientemente investigadas, sem ter tarantias razoaveis de que no apareceram efeitos nocivos... emo ocorreu com &s pestcidas, que também foram baudados como a “Solus defintiva” no pro- Dblema da fome e de muitas doengas inferciosas. Encontramo-nos, pois, com um amplo debate aberto, com estud bados e resultados parciais contrapostos (muitos dees apresentados pels pré- inaca- =a Ss acon" ‘Mas cabe insistir, uma vez mais, que a tomada de dec das sobre as suas repercussées, recomendat a : peda pads cn gunn dee ng o eon nnte dainves za a demonstrar a se merci en aie Obra denostr segues de corercia o prodtoc ertatie Devemos insstr em que i decsbes, que se tad, em gera emeviarwaplcanioapenada tee gees rae room geal em evita aaplicagto apressad deinovagies ante a proibigso introduzida em alguns pai Pressio de grupos ideolégicos fundamentalistas erspates edo Em definitive, a participagio dos cidadios ‘0, uma garantia de aplicacio do apoia numa crescente sensibilidade social face mento tecno-cientific wae ne none htyadseae mae eo jormasto cetica que tome posivel scomprasuto aos peolones e acs RS NS » copsbes —que se podem e devem expresar com uma linguagem acessivel —e cee hide ver se afastada com o argumento de que problemas como a mudanga SIindtica ou a manipulacio genética sejam de uma grande complexidade. Na- ‘analmente sao precsos estudos cienificos rigorosos, mas tio pouco eles, por si ‘chegam para adoptar decisdes adequadas, posto que, frequentemente, ‘iiculdade fundamenta-se nao na falta de conhecimentos, mas sim na ausén Ga de uma abordagem global que avalie os rscos e contemple as possiveis con- Sequéneias a midio e longo prazo. Muto ilustrativo a ete espeito pode ser 0 tenfoque dado &s catéstrfes anunciadas, como a provocada pelo afundamento de petroleios como o Exxon Valdes, Erika, Prestige. que se tentam apresen- tar como “acidentes” (Vilches e Gil-Pérez, 2003) ‘Tudo isto constitui um argumento decisivo a favor de uma alfabetizagio cientifien do conjunto dos cidadios, cua necessidade surge cada vez.com mais Glareza face A situagao de auténtica “emergéncia planetéria” (Bybee, 1991) que sstamos a viver, Assim, na Conferéncia das Nagdes Unidas sobre Meio Am- biente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992 e conhecida como a Primeira Cimeira da Terra, reclamou-se uma acslo decidida dos educa lores para que os cidadios adquiram uma correcta percepclo de qual é essa Situaglo e possam particpar na tomada fundamentada de decisbes (Edwards et al, 2001; GilePérez et al, 2008; Vilches e Gil-Pérez, 2003). Como assinalam ticks e Holden (1995), se os estudantestém de chegar a ser cidadios responsé- wis € preciso que Ihes proporcionemos oportunidades para analisar os proble- Jas globais que caracterizam essa stuaglo de emergéncia planeta e conse rar as possiveis solucdes. “Assim pois, a alfabetizagio cientifica nao s6 no constitui um “mito it realizavel” (Gharnos, 1995), como se impBe antes como uma dimens3o essen Cal da cultura de cidadania, Cabe assinalar, por outzo lado, que a reivindica cdo desta dimensio nia € ffuto de “uma id © afirmna Fensham (20022; 2002b) rnhecimentos cientificos, que exigem um alto nivel cogn Sbviamente, eserva-los a uma pequena elite, A recusa da alfabetizagao cier ecorda assim a sistemstica rsisténcia historia dos privilegiados a ex- tensio da cultura e 4 generalizagao da educacio (Gil-Pérez e Vilches, 2001- 2001), Asta reivindicagdo faz parte da batalha das forcas progressistas para vencer ditas resisténcias, que constituem 0 verdadeiro prejuizo acti demos recordar a este respeito a frase do grande-cientista francés Langevin, que em 1926 escevia: “em reconhecimento do papel desempenha- «i do pela ciéncia na libertagéo dos e5 Homem, o movimento revolucionéri ‘um exforgo considerivel para into, duzir 0 ensino das. fo e : ncias na cultura geral e dar forma a essas humanidades modernas que ainda nao conseguimos estabelecer” No entanto, nao parece que esse reconhecimento se tenha lizado depois de todos estes anos. Como assinalavamos no inicio do capitulo, sfo nu- ‘merosas as investigagBes que referem a falta de interesse dos alunos para os! estuclos cientificos. Poderiamos perguntar se na realidade nao é de esperar esse desinteresse face ao estudo de uma actividade tho abstracta e complexa como a As acusagdes de dogmatismo, de abstraccio formalista carente de significincia etc., podem considerar-se justas se se referem 20 modo como 0 censino apresenta habitualmente essas inatérias, Mas, como aceitar que o desen- volvimento da Mecanica, ou de qualquer outro campo da ciéncia, constitua uma ‘matéria abstracta, puramente formal? Basta anali historia das ciéncias para se dar conta do caracter de verdadeira aventura, de luta apaixonada e apaixonante pela liberdade de pensamento — em que nao faltaram nem perse- suigdes nem condenagées — que o desenvolvimento cientifico teve. A recuperagio desses aspectos histéricos ¢ de relagbes Ciéncia-Tecnolo- gia-Sociedade-Ambiente (CTSA), sem deixar de lado os problemas que prota gonizam um papel central no questionar de dogmatismos e na defesa da liberda- de de investigacao e pensamento, pode contribuir para devolver & aprendizagem das ciéncias a vitalidade e relevancia do proprio desenv (08 debates sobre o heliocentrismo, o evolucionismo, a gem da vida, ... constituem exer to critico no sentido mais profundo: a aventura que supde enfrentar problemas abertos, participar na tentativa de construgio de solugves ... a aventura, em definitivo, de fazer ciéneia. O problema é que a ureza da empobrecidas da ciénciae prios professores. - tecnologia, socialmente aceites, que afectam os pré- Dedicaremos 0 Capitulo 2 a questionar essas visbes deformadas, mas an- ‘es, para terminar este capitulo, discutiremos outra das razbes esgrimidas con tra a ideia de alfabetizagao cientifica de toda a populacio. i 090 10 so us KES Afabetizacdo cientifica versus preparacio de futuros cientistas [Antes de considerar como valida a ideia de uma alfabetizagio cient de todos os cidadaos, convém reflectir sobre os possiveis efeitos negativos des: ta orientacio sobre a preparacio de futuros cientistas. Uma tese frequentemente aceite por responsaveis dos curricula ¢ pelos professofes de ciéncias é que a educacao cientifica tem estado orientada para preparar os estudantes como se todos pretendessem chegar 2 ser especialistas ‘em Biologia, Fisica ou Quimica, Por isso —afirma-se — 0s curricula apresenta- ites soubessem, fundamental- nent os conceitos, prineipios eles dessas isciplinas. ‘al orientagio deveria modificar-se — explica-se — porque a educacto cientifca se apresenta como parte de uma educagéo geral para todos os futu~ ton eidadtos, £ 0 que jusifca, argumenta-se, a énfase das novas propostas [ates nos agpectos socaise pessoais, uma vez que se trata de ajudar a maioria da populagio a tomar consciéncia das complevasrelagdes entre thes participar na tomada de decisses smo parte da cultuca do nosso tempo. Esta aposta numa educacéo cientifica para a formagao dos ci vez de orientada para a preparagSo de futuros cientistas, gera resisténcias em. snumerosos professores, que argumentam, legitimamente, que a sociedade ne~ cessita de cientistas e teendlogos que tém de se formar e de ser adequadamente seleccionados desde 0s estidios iniciais alfabetizacio cientifica para todos, 10 cientistas — observa-se clara- Tais atitudes — tanto a que defend como a que dé prioridadea formasao d ‘ ‘mente una mesma aceitagio da contraposigdo entre tais objectivos. Mas é pre iso denunciar a falicia desta contraposicao entre as referidas orientagbes cur- riculares e dos argumentos que supostamente a avalizam. que uma educagao cientifica, como a de fendida até aqui, tanto no secundario como na universidade, centrada quase siivamente nos aspectos conceptuais, 6 igualmente criticével como prepa~ Tagdo de futuros cientistas. Esta orientacio transmite uma visio deformada ¢ ‘empobrecida da aetividade cientifica, que no s6 contribu para uma imagem ppblica da ciéncia como algo alheio e inatingivel — quando no recusivel — has tambétn faz diminuir drasticamente o interesse e dedicagao dos jovens (Mathews, 1991 e Solbes e Vilches, 1997). Cabe ‘em primeiro lugar, 8 assinalamos que dedicaremos o préximo capttulo rmagoes,estudando as suas consequéncias e a forma de as s rnaremos insistindo que este ensino centrado nos aspectos ci tamente orientado para a formagso de futuros ciemistas difculta, paradoval ‘mente, a aprendizagem conceptual, Com efito, a investigagéo em didactic das cincias mostra que “os estudantes desenvolvem melhor a sua compreen sfo conceptual e aprendem mais sobre a natureza da ciéncia quando partici pam em investigagbes cientifcas, com tal de que haja suficientes oportunida- des e apoio para a reflexio” (Flodson, 1992). Dito por outras palavras, o que a Jnvestigacdo.esta a mostrar & que a compreensio significativa dos conceitos ‘exige superar o reducionismo conceptual e apresentar 0 ensino das ciéncias como uma actividade, préxima 2 investigagso cientfica, que integre 03 a5 tos conceptuais, procedimentais e axiolégicos. meee ee Por trés da ideia de alfabetizagao cientifica nao deve verse, pois, um “des- vio” ou “rebaixamento” para tornar acessivelaciéncia a generalidade dos cida fos, mas antes una eoientatodoensino absoltamente neces abn para 0s futuros cientistas; necesséria para modifi " para modifcar a imagem deformada da ciéncia hoje socialmente acsite e lular contra os movimentos anti-ciéneia que dat derivam; necesséria, incusivamente, para tomar possivel uma aquisiclo sigificativa dos conceitos. De forma alguma se pode aceitar, pois, que © habitual reducionismo con- ceptual constitua uma exigencia da preparagio de futuros cientistas, contra pondo-a as necessidades de alfabetizacio cientifica dos cidados. A melhor for: ‘macfo cientifica inicial que pode reeeber um futuro cientista & integrado no conjunto dos cidadaos. Esta convergéncia surge de uma forma todavia mais clara quando se analisamcom algum detalhe as propostas de alfabetizacio cien- tifca e teenolbgica (Bybee, 1997). A tese basica de Bybee sencial, com numerosos autores — diz que tal alfabetizacio e te, a imersio dos estudantes numa cultura cientifica. O cor destina-se a apresentar com algum detalhe o que entendemos por essa Referéncias bibliograticas neste capitulo 1 AIKENHEAD, G.S. (1 ctv decison making in ie silent of scence 453-475. * 93) Gating eos about pro ‘Studies in Science Education, 21, 1-20. r sin science education i rong wet ws CLS » BAKER, D.R. (1998), Equity lesues in Science Edueation. Em Fraser, B. J. Tobin, K.G. (Eds), International Handbook of Science Eduction. London: Kluber. BYBEE, RW. (1991), Planet Earth in crisis: how should science educators respond? The ‘American Biology Teacher, 53 (3), 146-153. $7). Towatds an Understanding of Scientific Literacy. Em Graber, W. € teracy, Kiel IPN. BYBEE, & e DEBOER, G. B, (1994). Research on goals for the science curticultm. Em Gabel, DL (Ed. Hanok of Research on Science Teaching and Learning. New York: CARSON, R. (1980), Primavera Silenciose, Barcelona: Grijalbo. (COMISION MUNDIAL DEL MEDIO AMBIENTE y DEL DESARR 8). Nuestro DEBOER, G. B.(2000). Scientific literacy: another lookat its historical and contemporary ‘meanings and its relationship to science education reform. Journal of Research i La Ciencia para el siglo XXt ais, 2000. TILCHES, A., PRAIA, J. VALDES, P, VITAL, M. L, ‘CANAL, P, UEDA, C. e TRICARICO, H. (2001). Una propuest de las percepciones docentes acerca de La Situacion del mundo, Primeros resultados. Didéctca de ls Ciencias Experimentales als, 15, 37-67 19023) Time to change Drivers for Scientific Literacy. Canadian Journal EDWARDS, M, GIL-PEREZ, D, aria, Barcelona: fe de las ciencias de le naturlena en la educacién sec 97). Las cencias y las téenieas en la cultura de los afios 2000? Kiki, 4. GIL-PEREZ, D.e VILCHES, A. (2001). Una Obstéculos y propuestas de actuacién iach para el siglo XXL igncidn en la Escuela, 43, 27-37 ciudadania? Un debate crucial GIL-PEREZ, D,, VILCHES, A., EDWARDS, M, PRAIA, tn teachers’ p results. Environmental Education Reseorch, MARQUES, L. ¢ OLIVEIRA, 2 state ofthe world, First HICKS, D. ¢ HOLDEN, C. (1995). Exploring The Future A Missing Dimension in Environmental Education. Environmental Education Research, 1(2), 185-193. HODSON, D. (1992). In search of a meaningful relationship: an exploration of some in science and science education. Intemationl Journal | S566, LANGEVIN, P1926). La valeur éducative de histoire des sciences, Bulletin dela Société Francaise de Péagogie, 22, décembre 1926. MARCHES, A. (2000) Un sistema de indicadores de desigualdad educativa. Revista Beraamericana de Eduoucién, 23, MATTHEWS, M. R ‘Ciencias. Com NATIONAL RESEARCH COU! ington D.C: National Acader REID, D. V. e HODSON, D. (1993). Ciencia para todos en secundaria. Madtid: Narcea ), 377-386, VILCHES, A. e GIL-PEREZ, D. (2003). Construyamos un futuro sostenible. Didlogos de superoivencia. Madrid: Cambridge University Press. - SSA % SEGUNDA PARTE PAPEL DA EPISTEMOLOGIA NO DESENVOLVIMENTO DA DIDACTICA DAS CIENCIAS E NA FORMACAO DOS DOCENTES Comegaremos esta segunda parte analisando, no capitulo 2, as visdes deforma- das da ciéncia e da tecnologia transmitidas pelo préprio ensino, que esto con- tribuindo para o insucess6 escolar, as atitudes de rejeicio e, consequentemente, fa grave caréncia de candidates para estudos cientificos superiores. Esta andlise mostra a necessidade de uma reorientacio clas estratégias educativas condiuz aoesbogo de um modelo de aprendizagem das ciéncias como investigagio orien- tada, em torno de situagdes problematicas de interesse, Em continuaglo, 08 ea- os 3e 4 aprofundam os aspectos chaves da actividade cientifica, como con- Ibuigdo para a necessiria reorientaclo epistemolégica da educagso cientifica Estes sao, pois, os capitulos que constituem esta segunda parte: CAPETULO 2. Siuperacto das vistes deformadas da ciénciae da tecnologia: urn requ sito essencial para a renooagio da educaso cientfica CAPITULO 3. Problema, Teoria e Obseroagio em Ciéncia: para wma reorientagio epis- temolégica da Educagio em Ciéncia CAPITULO 4. A Hipotese ea Experiéncia Cie ‘butos para uma reorientagio episte xa em Educagio em Ciéncia: co

Você também pode gostar