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Ajamin1
Larissa Sarmento Lira2
1
Trabalho apresentado na 30ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de
agosto de 2016, João Pessoa/ PB.
2
Graduada em Filosofia (UEPB), Pós-graduada em Design de Moda (SENAI Cetiqt-Rj) e mestranda do
Programa de Pós-graduação em Ciências das Religiões – PPGCR (UFPB). Integrante do Raízes: grupo de
pesquisa sobre religiões mediúnicas e suas interlocuções, vinculado ao PPGCR. (axeiarte@gmail.com).
1
O germinar de um campo...
Este artigo tem como objetivo apresentar o Terreiro Senhor do Bonfim Ilê Oxum
Ajamin em vista a pesquisa que vem sendo realizada no Programa de Pós Graduação em
Ciências das Religiões (PPGCR). Nesta ocasião a história apresentada é fruto da coleta
de diálogos gravados com adeptos do grupo pesquisado, relatos orais que contemplam o
objetivo da pesquisa que é de registrar a memória desta tradição, assim também como
pela coleta de fotografias, vídeos, documentos, e por pesquisas pioneiras que
exploraram o campo afro-religioso na cidade de Campina Grande (PB), assim também
como o campo afro-pernambucano, haja vista a relação importante que o estado da
Paraíba terá com Pernambuco no processo de desenvolvimento da religião do
Candomblé Nagô e a também influência dos estudos afro-brasileiros na construção
desta pesquisa de caráter histórico-antropológico.
Julgo pertinente esclarecer neste espaço um pouco da metodologia que vem
sendo utilizada para coleta de dados que compõem o enredo desta pesquisa em seu
primeiro ano de germinação, mais que já se apresenta de maneira bastante fecunda. A
definição da metodologia nos possibilita reconhecer a importância de áreas afins ao
estudo das ciências das religiões, a exemplo da história e da antropologia, seus aportes
teóricos e metodológicos que vem colaborando para que a pesquisa se realize na
combinação que envolve teoria e pesquisa empírica. As discursões que envolvem o estar
em campo variam de modo a nos fornecer diversas formas de pensar esta inserção e
contato com o nosso objeto de pesquisa. Para o antropólogo Vagner Gonçalves da Silva;
2
reflexões epistemológicas. No percurso que vai do campo ao texto a performance indica
um modelo de ação.
A observação participante, técnica esta que vem colaborando com o
desenvolvimento da pesquisa, nos permite um estudo singular quando se fala da
presença do observador em grupos e comunidades, o observador participante tem
condições de compreender hábitos, atitudes, características da vida diária de um grupo
quando no seu envolvimento direto, na experiência real o observador passa de
espectador de fato a ser estudado se nivelando a condição do outro, que compõem o
universo a ser observado.
Alguns autores consideram o trabalho de campo como um rito de passagem.
Mesmo desmistificando a imagem do antropólogo a terras longínquas e a aventura de
estar entre povos desconhecidos, SILVA (2015, p.26) considera que este deslocamento
do antropólogo mesmo que para pesquisar grupos sociais que habitam o mesmo local
que ele habita, ainda está impregnado da magia que envolve este ato de iniciação do
aspirante a antropólogo. O reconhecimento do trabalho de campo não só como um
processo de construção de um trabalho científico, mais também de um processo de
construção de uma persona, faz reconhecer que este processo de iniciação é também
importante para o ser humano que está se formando com a experiência do viver o
trabalho de campo. Ao se deparar inicialmente com o campo o observador passa a
reconhecer algumas fragilidades em suas concepções, conceitos construídos
previamente que por vezes atrapalham o processo de absorção do real. O tempo de
convívio com o grupo vai mostrando que a lapidação destas ideias nada mais é que a
construção não só de uma etnografia como de um novo eu. Conhecer o outro é um
processo de conhecer-se a si mesmo e reconhecer a importância dessas experiências
vividas passa a ser de extrema importância nos resultados que serão colhidos com o
trabalho de campo. Segundo Silva:
3
observação participante proporciona muito se assemelha a forma de absorção dos
valores transmitidos nas religiões de matrizes africanas, para citar o Candomblé em
especial, não há como um futuro Iaô3 aprender preceitos sem que esteja vivenciando
eles no espaço religioso, os adeptos aprendem na prática diária seus ensinamentos. Estar
munido de sensibilidade e intuição aguçada é essencial para captar lições que muitas
vezes são transmitidas de formas inusitadas, num momento de descontração um pai de
santo pode está falando um importante preceito ao seu filho.
Para obter uma descrição densa que o processo que esta etnografia exige, vem
sendo necessário colocar em prática a observação, o refinamento do olhar, do ouvir,
essenciais para a escrita etnográfica a que se propõe este trabalho. A realização de
diálogos gravados, como assim preferimos chamar o ato das entrevistas, inspirada por
Vagner Gonçalves da Silva (2015) que assim classifica este processo de modo a
considera-lo como algo mais informal, mais que não deixa de ter a formalidade e rigor
exigido pela pesquisa, a análise dos discursos dos interlocutores, a investigação dos
detalhes dos fatos e a interpretação dos significados e das práticas sociais são
fundamentais para o nascer deste processo. O diário de campo é uma das técnicas que
vêm sendo utilizada e que já tem me favorecido bastante no que diz respeito às
lembranças de detalhes, nomes, datas, locais e outros dados que normalmente tendem a
escapar da memória quando não escrito e registrado. Pesquisas realizadas no campo
afro-brasileiro, afro-pernambucano e afro-campinense (trabalhos pioneiros que
exploraram o campo da religiosidade afro em Campina Grande), vem nos servindo
como valiosa fonte de pesquisa.
Ao falar da importância dos trabalhos pioneiros que colaboram com o
desenvolvimento deste, vale destacar os autores do campo afro-pernambucano e a vasta
literatura existente sobre o Xangô4 Pernambucano. Muito nos inspira o trabalho
realizado pela professora Drª Zuleica Dantas Pereira Campos, que dedicou boa parte do
tempo das suas pesquisas a casa matriz do Xangô Pernambucano, comumente
conhecido como Sítio do Pai Adão5, primeira casa de culto oficialmente declarada na
3
Iyawô, Yao e Iaô são palavras de origem ioruba que designam os filhos de santo iniciados no
candomblé. O ciclo do Iaô conclui-se quando cumpre a obrigação após sete anos da sua primeira feitura,
neste momento ele terá a cabeça raspada novamente e vai tornar-se um ebomi ao receber das mãos do pai
de santo o decá; instrumentos rituais que atestam sua aptidão a se tornar chefe de culto (Opipari, 2009,
p.112-15).
4
Xangô é a denominação utilizada, no Recife para conceituar as religiões de origem afro-brasileiras
(CAMPOS, 2005, p.31).
5
Localizado na Estrada Velha de água Fria, nº 1644, no bairro de Água Fria, periferia da cidade do
Recife.
4
cidade do Recife (PE), e que contribuiu na formação e desenvolvimento do Ilê Oxum
Ajamin, casa que carrega em seu princípio a tradição do Nagô Pernambucano, advinda
do Ilê Obá Ogunté, ou Sítio, hoje tombado como patrimônio do Estado de Pernambuco,
terreiro fundado por volta de 1875 por uma africana chamada Inês Joaquina da Costa,
morre em 1916, Pai Adão assume em 1920 tornando-se o primeiro chefe masculino do
terreiro em Água Fria.
Algumas pesquisas registram e atestam a influência do nosso objeto de estudo
neste contexto, porém nenhuma que privilegie de fato um estudo profundo e de forma
pormenorizada desta “raiz”, onde a partir deste universo mágico religioso foi
consolidada uma tradição local com identidade forte e uma memória de valor
indispensável a uma pesquisa de nível acadêmico. Esse reconhecimento apontou a
necessidade de preencher esta lacuna, registrar essa memória, dar voz aos personagens,
a exemplo de Pai Vicente, que aos 88 anos de idade, em pleno cumprimento de suas
atividades religiosas passa a ser um importante arquivo-vivo para coleta de dados que
vislumbram aspectos importantes para construção da memória desta tradição na cidade
de Campina Grande e porque não dizer no estado da Paraíba.
O Tatalorixá6 Vicente Mariano destaca ser o primeiro abrir casa de Candomblé
de tradição Nagô na cidade de Campina Grande na década de 607, em entrevista8
Vicente Mariano diz que se iniciou em Recife, sua Mãe de santo; Lídia Alves da Silva,
Pai de santo; José Romão Felipe da Costa, Padrinho; Malaquias Felipe da Costa,
madrinha de filha; Amália filha de Yemanjá Ogunté, todos de origem do Sítio de Pai
Adão. Diz ter iniciado num terreiro de nagô africano, depois que ele fez o santo se
dedicou e abriu um terreiro em Campina Grande;
6
É a expressão utilizada para designar a pessoa que já alcançou o grau mais elevado na hierarquia da
religião, já fez a camarinha (ritual de passagem que entre outras coisas, demarca a mudança de nível
hierárquico) de reforço de vinte e um anos. Representa um pai de santo com netos de santo, alguns de
seus filhos já fizeram filhos de santo, sem que isso configure num distanciamento do terreiro, pelo
contrário, pode resultar numa ampliação da família de santo dentro do terreiro. Mesmo sendo uma
expressão utilizada com maior expressão nas nações de Candomblé Angola, ela está sendo apresentada
pelos membros de nação Nagô em Campina Grande para denominar o cargo hierárquico que ocupa
Vicente Mariano. Em entrevista realizada no dia 22/06/16 com Josefa Henrique de Oliveira, filha de santo
de Vicente Mariano afirma: “Vicente Mariano é antigo dentro de Campina Grande, ele é um tatalorixá,
ele é o maior tatalorixá em Campina Grande é ele”.
7
A década de 60 representou uma época de mudanças na estrutura social tanto nacional como local, em
1966 os praticantes conseguiram auxílio político para legalizar e firmar a Federação dos Cultos afro-
brasileiros na Paraíba. João Agripino, governador do estado na época surge como interventor conhecido
como “Salvador” por ter legalizado a prática religiosa no espaço social da Paraíba, assina a lei nº 3443,
que além de liberar estas práticas religiosas, tinham o objetivo de disciplinar e homogeneizar os cultos no
Estado. É também o período em que a maioria das independências foi conquistada por países então
colonizados.
8
Realizada dia 17/02/2015.
5
Depois que eu fiz o santo, o santo veio pra casa com sete anos,
foi quando comecei, o povo de D. Lídia vinha, mais Sr. José
Romão pros toques, pra tudo, orientando as coisas como eram,
tudo isso. Eu só tocava pro santo quando Sr. José Romão mais
D. Lídia e todo mundo vinha, neste tempo o povo não sabia
tocar africano em Campina, só aqui. Essas vindas de
Pernambuco pra cá foi tudo conduzido por mim.
Enfatiza-se a relevância que esta pesquisa pretender dar a uma tradição religiosa
local, fomentando o debate de existência, permanência e uma memória de resistência no
desenvolvimento das tradições de matrizes africanas nesta localidade. Nossa pesquisa
não se trata apenas do resgate de uma memória pessoal, de tonalidade intimista, mas a
abordagem de traços que brotam de uma vivência coletiva, ao universo cultural que
abrange a existência do Ilê Oxum Ajamin na cidade de Campina Grande.
Para obtenção dessas informações considero bastante elucidativo esclarecer
mesmo que brevemente sobre a minha inserção ao campo pesquisado, que começou
antes do meu embarque nesta pesquisa, como sócia9 do Terreiro Senhor do Bonfim Ilê
Oxum Ajamin, por guardar na memória um sentimento já herdado da minha avó que
também mantinha uma afinidade especial com este espaço e posteriormente a minha
condição de abiã10 no grupo. Nesta imersão foi onde o campo se mostrou fértil para a
atual pesquisa que deseja plantar uma semente para colher os frutos de uma etnografia
abundante em informações para o campo afro-religioso em Campina Grande. Esse estar
inserida vem facilitando o trafegar no espaço do terreiro, fazendo amadurecer as
relações com os membros do grupo, brotando assim uma relação de confiança que
facilita essa convivência. A permissão da participação a determinados rituais privados e
a realização destes diálogos com o grupo é fruto deste convívio.
Percebi que após a aceitação e disponibilidade de Vicente Mariano em conceder
o espaço para a realização da pesquisa, inclusive da sua disponibilidade como
participante, houve um estímulo maior à minha participação na vida religiosa não só do
Ilê Oxum Ajamin como também na participação de rituais em outros terreiros que são
ramificações desta raiz, de pais-de-santo, filhos deste Ilê. A permissão para fotografar,
filmar rituais privados, festas públicas e já ter gravado alguns diálogos é fruto de uma
9
Como sócio os adeptos recebem uma carteira com os dados do Terreiro Senhor do Bonfim Ilê Oxum
Ajamin, foto do associado e assinatura do Tatalorixá Vicente Mariano.
10
Aqueles que não são feitos, aqueles que estão lá para aprender, para conhecer a casa, mas que não estão
verdadeiramente engajados. Abiã é o início, a primeira parte (OPIPARI, 2009, p. 112-113). Na condição
de sócia e pelo tempo em que me encontro na casa e por já ter passado por um ritual de lavagem de
contas sou uma Abiã, que é quando se é considerada filha de santo do Ilê mesmo sem ter passado pelo
ritual de iniciação.
6
relação de confiança, reciprocidade e intimidade que vem sendo fecundada nos oito
anos de vivência no Ilê Oxum Ajamin. Vagner Gonçalves da Silva vai chamar de rede
de campo;
(...) o conjunto das relações que permite a realização do
trabalho etnográfico, para tal a necessidade de um acesso ao
grupo, à familiarização, o estabelecimento de uma confiança
mútua e a colaboração de variados membros do grupo (2016,
p.32).
No destrinchar da história...
7
recordá-las a qualquer momento e quando o desejamos (HALBWACHS, 2003, p.67). A
esse respeito Ecléa Bosi, sobre o pensamento de Halbwachs, afirma que: o autor
“amarra a memória da pessoa à memória do grupo; e esta segunda à esfera maior da
tradição, que é a memória coletiva da sociedade” (1994, p.55). Desse modo o sujeito
nunca está isolado, pois na perspectiva halbwachiana todas as referências dele advém
deste acordo substancial entre este e o coletivo, dessa forma podemos confirmar a ideia
de que não há memória sem sujeito e suas relações.
Dentro desse contexto, os mais velhos ganham status de uma posição social
ativa, de forte contribuinte no que diz respeito à transmissão de crenças, valores que
contribuem para a formação de indivíduos conscientes de suas raízes, ajudando a
construir seus referenciais sociais. Segundo Ecléa Bosi:
Um mundo social que possui uma riqueza e uma diversidade
que não conhecemos pode chegar-nos pela memória dos velhos.
Momentos desse mundo perdido podem ser compreendidos por
quem não os viveu e até humanizar o presente. A conversa
evocativa de um velho é sempre uma experiência profunda, é
semelhante a uma obra de arte. Para quem sabe ouvi-la é
desalienadora, pois contrasta a riqueza e a potencialidade do
homem criador de cultura com a mísera figura do consumidor
total (1994, p.82-83).
O velho que Bosi nos trás, é aquele que através de suas lembranças contribui
para transmissão de histórias, forte contribuinte no que diz respeito à transmissão de
crenças, tradições, mitos, enfim, toda espécie de conhecimento que possa trazer consigo
e que contribuem para a formação de indivíduos conscientes de suas raízes, ajudando a
construir seus referenciais sociais. O papel de guardião do passado sugerido por
Halbwachs (2003), para os orquestradores dos referenciais dos quadros sociais da
memória, é certamente desempenhado pelos mais velhos que vivenciaram e são
transmissores vivos dessa história. Para tal, nos inspira a trajetória do Tatalorixá Vicente
Mariano, personagem que marca a vida da religião dos orixás na Rainha da Borborema,
as suas experiências relacionadas às demais constroem meios para uma identidade
comum, o vínculo com tantas pessoas de uma localidade é pressuposto para se pensar as
articulações decorrentes de suas memórias expressas em termos comunitários.
A importância de salvaguardar fontes, o zelo pelo patrimônio que garantem a
sobrevivência de um grupo social, também foi e é papel do antropólogo, onde a
preocupação com o desaparecimento fruto da forte tendência a desvalorização da
memória na sociedade moderna incumbe à etnografia e aos antropólogos uma missão
salvacionista. Como bem expressa às etnografias pioneiras, inicialmente o fascínio era o
8
primitivo, visto como uma espécie de laboratório cultural (ROCHA, 2016, p.100). Com
a expansão cada vez maior dos campos de pesquisa e o também estreitamento das
fronteiras, a saída do gabinete sim, mas a expedição etnográfica já não se faria
extremamente necessária para o conhecimento do outro, o grupo de interesse poderia
estar habitando o seu país, cidade ou até mesmo o seu bairro. A importância da
etnografia como fonte de registro e memória é expressa por ROCHA;
A etnografia está inextricavelmente, presa ao campo da escrita.
Na verdade, trata-se de uma escrita que guarda a memória da
experiência etnográfica agora traduzida para uma forma textual.
Assim a etnografia é também, além do registro textual de uma
fala, um modo cultural de escrita antropológica (2006, p.106).
9
outros) que remontam a uma determinada história
(CAMPELLO, 2010, p.48).
10
Ao identificar as modalidades ritualísticas presentes nos terreiros de Campina
Grande a autora identifica a vertente nagô segundo seus interlocutores como a primeira
vertente do Candomblé a aqui aportar. Também na literatura que envolve as pesquisas
afro-religiosas em Campina Grande, destaca-se a de Cibelle Jovem Leal (2012), que se
dispôs a analisar a espacialidade dos terreiros campinenses, enfocando os espaços
externos referentes aos bairros onde estão concentrados e nos internos em relação à
organização simbólica dos materiais sagrados, identifica Campina Grande como zona de
contato (p.75) para falar do encontro da Jurema, remanescente do catimbó, do
Candomblé trazido com a imigração de mães e pais de santo de Pernambuco e a
Umbanda, propagada no Estado posterior a sua oficialização com a criação da
Federação dos Cultos Afro-brasileiros da Paraíba em 1966. Segundo Barros;
11
Sobre o primeiro toque de Candomblé na cidade Vicente Mariano afirma:
A primeira mãe de santo que teve em Campina Grande foi Dona
Lídia. Sr. José Romão, Sr. Malaquias, Das Dores de Recife da
Linha do Tiro, Dona Janda, Zefa filha de Xangô, tudo isso, isso
foi tudo aqui, aqui em casa, aqui no Terreiro Senhor do Bonfim,
o primeiro toque de Nagô de Candomblé em Campina Grande.
Saiam de Recife direto pra aqui, vieram por vários anos
seguidos. Tudo que vinha de Recife vinha pra essa casa.
D.Lídia vinha, passava oito dias, passava dez, ficava nessa casa
aqui.
12
Como também é conhecida a cidade de Campina Grande, localizada na Serra da Borborema, a maior
cidade do interior do nordeste.
13
Data que consta em documentos que fazem parte do acervo do Ilê Oxum Ajamin, registros oficializados
pela Federação. Porém antes disso Vicente Mariano declara já fazer trabalhos de Jurema em seu Terreiro.
12
O nome tem que tirar de origem africana né? Terreiro Senhor
do Bonfim é Oxalá, que é o Pai do Universo. Oxum Ajamin é a
dona desta casa, é a entidade que incorpora na casa. A origem
vai jogar no pé do santo para saber a origem (17/02/15).
Comecei tudo aqui nessa casa velha, esse espaço aqui era um
beco, não era assim não. Essa casa não foi herança de família,
foi um cliente que eu tinha em Mossoró, ele veio pra aqui, fazer
um negócio, foi e mim deu esse terreno pra Sr. Antônio, isso
aqui foi doado pra Sr. Antônio, àquela outra parte era alugada,
eu pagava aluguel. Depois comprei aquela outra parte, quer
dizer quem comprou foi Valdemir (seu filho) foi dezenove mil
réis quando ele comprou e hoje é no nome dele. Ele fica brabo
quando eu digo que é dele (risos) (17/02/15).
Quando ele afirma que a casa foi doada para Sr. Antônio está se referindo a
doação feita não para ele, mais para o seu Mestre da Jurema. Neste caso fica claro
pensar que Vicente Mariano já trabalhava com Jurema antes mesmo de ser iniciado no
Candomblé e de posteriormente ter trazido os orixás para Campina Grande, como o
mesmo afirma, pois para a chegada do Candomblé já tinha a espera a casa construída de
modo a já adquirir certa estrutura que comportasse cultuar duas linhas sagradas em um
mesmo espaço litúrgico, a jurema e o candomblé.
13
tudo esses espírito. Eu devo tudo que eu tenho a esses espírito
que trabalha comigo. Essa mesa foi onde tudo começou! Hoje é
assim; se tiver bombo, se tiver cachaça, se tiver cerveja pra
beber, se não tiver não vai, se tiver bombo pra pular defronte os
bombos, mais no meu tempo não tinha bombo não. Isso aqui era
barro vermelho, mais hoje tem azulejo, tem cerâmica pra dançar
e ainda acham ruim. Vamos simbora dar de comer ao povo!
(MARIANO, 26/07/15).
Nesta oportunidade pude perceber que aquele trabalho seria um dos primeiros
rituais realizados por Vicente Mariano, a sessão que se estendeu por quase duas horas,
entre cânticos, defumações e rezas, orações, agradecimentos e rogos pela proteção e
saúde de todos os presentes e ausentes. Na medida que entoavam os cânticos algumas
manifestações iam acontecendo, em determinado momento Pai Vicente recebe um
preto-velho, a partir daí vai-se iniciando uma fila para que todos os presentes se
dirigissem a ele um a um para ser abençoado pela presença daquele manifestação, feita
uma limpeza com um galho de manjericão e uma colônia que parecia uma lavanda iam
voltando aos seus lugares para dar continuidade a sessão. O momento contemplava uma
volta ao passado representava uma memória de religiosidade, perseverança na fé e
confiança que um dia daquela mesa de orações iriam brotar e frutificar uma tradição
religiosa fortalecida e com bons frutos.
Imagem 1 - Mesa Cigana, Ilê Oxum Ajamin, 26/07/15. Foto de Larissa Lira.
Sobre a construção e espaço físico do Ilê Oxum Ajamin é composto por duas
casa, repartidas por um corredor. O portão principal é de entrada para este corredor que
nos leva a passar pela cozinha, por onde através de uma janela visualizamos uma grande
mesa de centro, panelas grandes penduradas na parede e um local que já parece ter a
14
presença de Vicente Mariano, mesmo que ele não esteja presente, pois é um lugar da
mesa que é dele e que normalmente as pessoas evitam sentar, numa cadeira que fica a
ponta da mesa onde nela permanece sempre pendurada uma espécie de chicote. Ao
observar este espaço percebemos que sua construção é bem mais antiga que a da casa ao
lado. Chegando ao final deste corredor nos deparamos com um espaço de socialização
que em dias de festa é ornamentado com mesas e cadeiras, toalhas nas cores que
combinam com o dia da festividade e que servem de espaço para que os convidados se
confraternizem, mais que em dias de obrigação serve de espaço para grande parte do
serviço, inclusive neste local está o fogão de lenha, onde são cozidas as comidas
sagradas. Do lado esquerdo ao final do corredor nos deparamos com uma ante-sala com
uma mesa pequena e algumas cadeiras, local onde diariamente clientes se reversam à
espera do seu atendimento. Do lado esquerdo temos a porta de acesso a sua residência e
do seu lado direito a porta de entrada do salão principal. Do lado esquerdo da entrada do
salão reside a Jurema Sr. José, e do lado direito se encontra Jurema de Sr. Antôntio, são
estes os Mestres da jurema que trabalham com Vicente Mariano. Á frente, ao final do
salão uma porta que dá acesso ao quarto de santo (peji). Desde sua construção inicial o
salão já tem passado por várias reformas. Sobre as mudanças ocorridas no espaço
sagrado em decorrência da própria mudança do tempo, Vicente Mariano afirma que;
14
Tema que será mais bem discutido na dissertação.
15
Realizada dia 01/08/2015.
16
É o ápice da iniciação no Candomblé, momento tão esperado pelo filho de santo, como também pelo
seu orixá, pois garantem elevação na hierarquia do Candomblé, contudo deve-se ressaltar a importância e
15
Recebi o deká no Ilê Oxum Ajamin, fui à primeira
mulher a receber deká dentro de Campina Grande, dado
por Lula da Mangueira e Vicente Mariano. Recebi o
título de Yalorixá pela Federação de Sr. Bastos, pela mão
de Vitalzinho do Rêgo.17
Dessa forma tem-se a Yalorixá Alice Mendes como sendo a primeira mulher a
receber seus direitos sacerdotais na cidade de Campina Grande. A tradição tem um
sentido todo especial e permite confirmar informações.
De fato a tradição representa a perpetuação da memória de um grupo, dá o
sentido da sua existência, porém ultrapassa o propósito de transmissão de conhecimento
e propicia a inter-relação de valores entre gerações, evidenciando aspectos históricos e
culturais. Ao indagar o Babalorixá Ubirajara Alves18 sobre o que ele entende por
tradição, responde;
É aquilo que você aprendeu como eu falei, e é aquilo que você
procura praticar e botar em prática e passar para os seus filhos,
passar a diante e manter todos os anos.
as responsabilidades que este passo requer. Entre os vários deveres, destaca-se a tarefa de zelar pelo culto,
pela religião, mantendo seus conceitos, preceitos e corrigindo deformidades que denigrem a religião.
Após sete anos de iniciado tendo cumprido todas as obrigações o filho ou filha de santo se recolhe para o
recebimento dos seus direitos sacerdotais. É uma obrigação sem a qual uma pessoa não pode ser sacerdote
ou sacerdotisa do orixá, pois são entregues neste momento os fundamentos pertinentes para que se possa
exercer o sacerdócio. É o momento em que a pessoa deixa de ser um yawô ou noviço para ser Ebomi
(irmão mais velho). O Ebomi recebe durante a cerimônia elementos de fundamental utilidade para que
exerça a função sacerdotal entre eles, os seus búzios, e navalha, é justamente o conjunto destes elementos
que origina o nome Deká ou Cuia. Outras duas obrigações são necessárias a este novo Ebomi, quando for
completados catorze e vinte e um ano de santo.
17
Vereador na época
18
Filho de santo do Tatalorixá Vicente Mariano, em entrevista realizada no dia 17/11/2015.
16
relacionam e dialogam, favorecendo perspectivas dinâmicas para a sua compreensão e
valorização. Nas Ciências das Religiões, segundo (FERREIRA; SENRA, 2012);
17
santo desta localidade. A pesquisa visa conquistar o espaço da escrita para viabilizá-la
como canal de transmissão para a voz desta causa que por tanto tempo fora obrigada ao
silêncio. Se falando da escrita como mantenedora da oralidade nas religiões de tradição
oral. Dilaine Soares Sampaio de França afirma;
A meu ver, as religiões afro-brasileiras ao longo de sua
trajetória, enquanto realidades vivas e dinâmicas foram
aprendendo a trabalhar de modos diferentes a questão da
tradição oral e escrita, percebendo nesta última um instrumento
eficaz de preservação da memória (...) (2012, p.177).
18
Referências Bibliográficas
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: Lembrança dos velhos/ Ecléa Bosi. – 3.ed. – São
Paulo: Companhia das Letras, 1994.
CAMPELLO, Alexandre José M.C. Entre memória e História: O sítio de Pai Adão
através da perspectiva de Pierre Nora “Lugares de memória”. Universidade Católica
do Pernambuco, Paralellus – Ano 1. N.1. Jan./Jun.(45-57), 2010.
NORA, Pierre. “Entre Memória e História: a problemática dos lugares”, In: Projeto História.
São Paulo: PUC, n. 10, pp. 07-28, dezembro de 1993.
19
ROCHA, Gilmar. A etnografia como categoria de pensamento na antropologia moderna.
Cadernos de campo, São Paulo, n.14/15, p. 1-382, 2006.
SILVA, Vagner Gonçalves da. O antropólogo e sua Magia: Trabalho de Campo e texto
Etnográfico nas Pesquisas Antropológicas sobre Religiões Afro-Brasileiras/ Vagner Gonçalves
da Silva. – 1ª ed., 1ª reimpr., - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2015.
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