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EPMO COPYRIGHT © JotoFragoto, Mara Fenands Rapti Bio © ‘ara de Fats Si Gove 2001 os, Evol Granaaels RoyeT0 GRACO Evelyn Gremach e foto de Souza Leite Imagem de capa: “ Configuragio que mostca a Entrada do Rio de Ianciro em distancia de meyalegoa do mar. No. 6, Na. Sa. De Copacabana, No. 7, Pio de ‘Assucar, No. Fortaleza de a. Cruz”, de Carlos Jligo, Gabinete de Estudos ‘Arqueolégicos de Engenharia Militar Lisboa ‘CRBRASL CATALOGAGONAFONTE 'SINDICATO NACIONAL DOSEDITORES DELIVROS 8) roy © Antigo Regime nos cépicos a dintmica imperial portugvesa (céculos XVEXVII) 1 Joao Fragoso, Maria Feroande Baptista Bicalho e Maria de Fitna Silva Gouvéa,organizadores.~ Rio de Tsneio: GiviizatSo Brasilia, 2001 Inclot bibliogeatia ISBN #5-200.0564.0 1. Brasil - Hiseéva ~ Perfodo colonial, 1500-1822. 2. Basil ~ Hiséria ~ inpério, 1822-1888. 3. Portugal ~ Coins - Brasil itera. 4: Portugal = Coleniae ~ Historia L Fragoso, Joao 1, Bical, Maria Fernande Baptista. Il. Gouvéa, Maris de Fisima Siva cpp - 981.08 o10918 (€DU = 981"1500N889" ‘Todos os direitos reservados. Proibida a reprodusio, armazenamento ou transmissdo de partes deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia avtorizagio por escrito. Direitos desta edigo adguiridos peta EDITORA CIVILIZAGAO BRASILEIRA tum selo da DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVICOS DE IMPRENSA S.A. Rua Argeatina 171 —Rio de Jancro, RJ, Brasil, 0921-380 ~ Tel PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL, Caixa Postal 23.052, Rio de Janeiro, RJ - 2092-970 Impresso no Brasil 2001 AG.R. Boxer e J. R. do Amaral Lapa } Império centrado, ditigido e drenado unilateralmente pela metrépole. Essa \ agonia dos enviesamentos imperialistas vai obrigar & revisio de uma grande ‘quantidade de trivialidades pouco consistentes sobre o imperialismo ¢ a exploragio metropolitanos ou a redugéo das tens6es politicas no Brasil colonial a tensio entre a colénia e 0 reino. O que leva, por sua vez, a exa- getar as rupturas da independéncia, li a cviruos As camaras ultramarinas e 0 governo do Império* Maria Fernanda Baptista Bicalho TAgradeyo a lca aents eas sugetdes de Nuno Goncalo Monteiro e de José Pessba, 1995, pp. 278-280). Aos rendimentos decorrentes da posse de terras, os senhores dos prazos aliavam os da mineragio ¢ os do comércio a longa distancia — de escravos, marfim ¢ ouro. Mogambique mantinha relagdes comerciais freqiientes com outros portos do oceano indico, sendo uma escala privilegiada nas rotas entre 0 reino e as {ndias orientais. As trocas que mantinha com Goa haviam se constituido numa importante rede mercantil interasistica nos finais do século XVI a0 longo do XVII (Subrahmanyam, 1995, p. 281). Os lucros desse comércio fugiam ao controle metropolitano (cf. capitulo 12). Ape- nas em 1756 receberia o porto daquela regio a primeira tabela aduancira portuguesa de cobranca de direitos de exportagdo sobre escravos (Alen- castro, 2000, p.17). Em 1761, o rei D. José [ ordenava a criagao da vila da camara de Mogambique. Nas regides dos rios de Sena, a implementagao dessas ordens régias resultou na elevagio de algumas povoagées a vilas, dando origem a ins- tituigdo de cimaras nos principais centros — como Sena e Tete sim como na feira de Zumbo. As vilas eram habitadas por uma populagio flutuante, em geral por senhores que se dividiam entre suas casas nos prazos e aquelas que possuiam nas povoagoes; além de homens livres, criados e agentes de comerciantes da capital. Segundo Eugénia Rodrigues, ‘a ctiagéo das cdmaras teria sido uma estratégia de Lisboa no sentido de civilizar — ou seja, de submeter aos preceitos da ordem legal ¢ régia — aqueles stiditos remotos. A seu ver, no entanto, “numa sociedade onde imperavam os senhores de prazos apoiados em exércitos particulares, os senados das camaras tornavam-se instrumento de alguns senbores ou revelavam-se impotentes para fazer executar as decisdes municipais” (Rodrigues, 1998, p. 587). Tais exemplos nos mostram nao apenas a diversidade dos estabeleci- ‘mentos portugueses nos quatro cantos do mundo, mas igualmente a multiplicidade de suas instituigdes concelhias ou municipais. Em meio a tantas singularidades havia, no entanto, algo que fazia das diferentes ca- maras “instituig6es gémeas” — segundo expresséo consagrada por C. R. Boxer —no interior do Império portugués, desde 0 Maranhao até Macau. Eram os preceitos ou pressupostos sobre os quais se pautava sua compo- 202 O ANTIGO REGIME NOS TROPICOS: A OIMAMICA IMPERIAL PORTUGUESA sigio, ou, dito de outra forma, a qualidade daqueles passiveis de repre- sentarem ¢ se fazerem representar nas cémaras. PRIVILEGIOS DE SER “CIDADAO" NO ANTIGO REGIME ‘A cleigéo do corpo governativo da maioria das municipalidades ultrama- rinas respeitava, dentro do possivel, o postulado vigente no reino de que 8 cargos concelhios deveriam ser preenchidos pela “nobreza da terra”. Isso nao significava necessariamente que os oficiais das c&maras, quer em Portugal, quer nas col6nias, fossem todos nobres na concepsao estamental vigente no Antigo Regime. Referindo-se as “oligarquias camararias”, Joa- quim Romero Magalhaes e Maria Helena Coelho chamam a atengio para a cristalizacao de “um grupo social da gente nobre da governanga”, afir- ‘mando que “o novo homem nobre ¢ 0 antigo homem do meio e cidadao”. ‘Argumentam que “este estrato de nobres, junto com o dos fidalgos resi- dentes nos miicleos urbarios sedes de concelhos, vai dominar completamente ‘0s governos municipais ou senados: sao os ‘vereadores homens de capa e espada’” (Coelho e Magalhies, 1986, p. 43). Em estudo sobre o estatuto nobilidrquico em Portugal do Antigo Re- sgime, Nuno Gongalo Monteiro afirma que, diante do progressivo alarga- mento dos estratos tercidrios urbanos e da correspondente ampliagao do conceito de nobreza, se corria o risco de uma total banalizagéo ¢ des- caracterizagio deste estado, ao mesmo tempo em que se reforgava a es- trutura hierérquicae nobiliérquica da sociedade, Nesse sentido, para atibuir ‘um estatuto diferenciado aos titulares dessas novas fungSes sociais, a dou- trina juridica criou, ao lado dos estados tradicionais, um “estado intermé- dio” ou “estado privilegiado” equidistante da antiga nobreza ao povo mecinico. Forjava-se, assim, 0 conceito de “nobreza civil ou politica”, abarcando aqueles que, embora de nascimento humilde, conquistaram um. grau de enobrecimento devido a acées valorosas que obraram ou a cargos honrados que ocuparam, mormente os postos da Repiiblica, diferencian- do-se, portanto, da verdadeira nobreza derivada do sangue ¢ herdada dos avés. Conclui que esse novo conceito, ja largamente incorporado a litera- tura juridica do século XVII, acabaria por se impor na pratica de muitas, carituto 6 i instituigdes portuguesas do Antigo Regime, “contribuindo ndo apenas para it a distingao entre nobreza e fidalguia (mais restrita), mas ainda para a efe- tiva ‘banalizagao’ das fronteiras da nobreza portuguesa, tornadas das mais difusas da Europa” (Monteiro, 1993a, pp. 334-335 ¢ 1998, pp. 22-23).° ‘Chamando a atengio para a diversidade da base de recrutamento das “oli- garquias municipais”, © mesmo autor defende que, em Portugal, a “no- breza institucional” que compunha os cargos de governanga dos concelhos nao correspondia necessariamente aos individuos considerados nobres no plano do direito; sendo que nas pequenas localidades podia haver “pes- oot: mecinicn? com surno nas vreactes Conclui que “nao era o esta- ‘I tuto geral delimitado pela legislacdo, mas sim os ‘usos’ de cada terrae as \\ || relagdes de forca no terreno que definiam o limiar de acesso as nobrezas camarérias” (Monteiro, 1997, p. 356). y Joaquim Romero Magalhaes considera a nobreza constitutiva das cA- maras municipais portugucsas “usa classe social formada dentro da Or- dem ou estado popular e que, pela sua conduta, modo de vida e exercicio do governo concelbio, conseguiu ficar nas bordas da Ordem da nobreza” (Magalhdes, 1988, p. 348). A seu ver, esses “nobres”, também denomina- dos “cidadaos”, sentiam-se participantes do grupo aristocratico ¢ assumiam ‘seus valores, seus padrées de conduta, o viver ao estilo da nobreza. Senti- am e se comportavam como a aristocracia ao considerarem degradante 0 manejo do dinheiro, ao presumirem-se honrados em participar do gover- no municipal, ao poderem — em decorréncia disto — alardear pureza de sangue, prestigio, reconhecimento pablico, insignias, precedéncias e apa- rato no exercicio de fungdes (Magalhaes, 1988, p. 334). ‘A ocupagio de cargos na administrago concelhia constituira-se, por- tanto, na principal via de exercicio da cidadania no Antigo Regime portu- gués. Para Magalhies Godinho, esse exercicio ligava-se 2 nogao de comunidade politica, ou seja, “@ nogdo de comuniidade tal como existia @ “Em outro wibalho, Nuno Monteiro afiema que Melo Freie, ust dos maiores jurists porta= guess do setecenton ala explicitamente em “alargamento da nobresa™. Segundo ele, “sobre- indo melhores temposem que arrfeceuoforor bic, acabou-se por da a devida honra 408, Ucine cargos cvs, surgindo outro gévero de nobres, que nio se podem chamar propria: tnt Cavaleios nem Fidalgor ms gozam de que todosos seus pivilgios direirs” apud ‘Monteo, 1997, p. 343) © ANTIGO REGIME NOS TROFICOS: A DINAMICA IMPERIAL PoRTUGUEEA escala concelbia, pois 0 concelho &.a primeira pessoa colectiva, e no qua- dro do concelho & que surge a nogio de ‘cidadao”.? Os cidadaos eram os responsiveis pela res publica que, traduzida por “coisa publica”, articula- va-se governanca da comunidade! (Godinho, 1978, pp. 46-47). Cida- os etam, em suma, aqueles que, por eleigéo, desempenhavam ou haviam desempenhado cargos administrativos nas cdmaras, bem como seus des- cendentes? (Castro, 1987). Por sua fidelidade e por terem se destacado no ato de servir ao rei, os cidados de algumas cidades portuguesas receberam, em troca, honras, liberdades e privilégios. E 0 caso de Lisboa, de Evora ¢ do Porto. Toman- do como exemplo esta siltima, D. Joio Il justificaria a concessio de tal saga, em 1490, devido aos “muitos e extremados servicos, que sempre os reis passados receberam, e nés recebido temos, da nossa mui nobre e leal Cidade do Porto e cidadaos dela, com muita lealdade e fidelidade” (apud Castro, 1987).!° Em 1642, dois anos apés a Restauragio € a aclamagao de D. Joao IN 0s cidadaos da cidade de Sa0 Sebastiao do Rio de Janeiro recebiam “A Pagmitica — tipo particular e leislagto — de 1340 dstingue os rcos-homens, os cava- leiros, oF excudeitos, 0: eidadiose,abaixo destes, outros grupos ‘ais como os homens que ‘moravam nas is, mas no enhamn “qualidade” para possirem cavalo, e por iso erm pees A nogio de Replica — ou res publica — definiase, portanto, em terms de “comunidad de diet, de leis, em que a muldzo de homens « mulheres vive tob o mesmo principe ob tei" (Godinho, 1978, p. 47) Segundo Francizco Ribeiro d Sia, «qualidade de cdo pods ver adguisia: 1) pelo nas cimenco, de acordo com a expressio bastante corrente“filhos e netos de cidadios"; 2) pelo merecimento,cabeado nacurslmente so fei, 4 quem competa Conceder ae merets, abitear sobre ete melo; 3) por va instruionsl, pelo exercicio de cevasfanpes a governaea, apo veitado come trampolim pars 4 obtengio de privilésios; 4) pelo matrimBnio com fikas de ‘idaddos;§), fnalmente, plas letras, que “fancionavam como fonte de mito para se sbi ta excala social” (iva, 1986, vol. I, pp. 296-301), "Os agraciados com tas privilégios — por serem cidadtos — nto seriam submetidos ato mentos, salvo nos casose modosem que os fidalgs tambéano fossem; quando tivessem de ser press, seria em aa propria case nlo na eadela pli; poderia weir armas, de noite © Adedia, ofensivas oudelensias, nto a6 na su cidade, mas por todo oreino; gozariam de rods 128 grasa, privilgios liberdades que os ees haviam coneedido A cidade de Lisboa, exceto andar em bess muares; 08 seus csecos, amos eLavradores aZo poderam ser coustrangidos 2 eerie nas guerra, ano ae que o cdo em peswoa foe servi, no eeriam obrigados 4 ‘dar pousada nes les tomarim suas adeqas ou eavalargas contra sua vontade. Ex soma, ‘gotariam de todas as iberdades que cabiam em tempos remotos as infangBerericos homens {Sde, 1988, vol-1, pp. 295-296; Casto, 1987).

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