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Artigo: Método da suspicácia, Mário Ferreira dos Santos, 1956.

Em face da heterogeneidade das ideias, das estéreis, ou não, disputas de escolas, da diversidade
de perspectivas, que podemos observar em toda literatura filosófica, com a multiplicidade de vetores
tomados, impõe-se ao estudioso a máxima segurança e o máximo cuidado para não deixar-se arrastar,
empolgado pela sugestão e até pela sedução das ideias expostas, que o leve naturalmente, a cair em
novas unilateralidades ou a prendê-lo nas teias de uma posição parcial, que não permitiria surgir aquela
visão global e includente, que temos proposto em todos os nossos livros. São as seguintes regras da
suspicácia, que propomos:

I- Suspeitar sempre de qualquer ideia dada como definitiva (ideia ou opinião, ou teoria, ou explicação
etc.).

II- Pelos indícios, buscar o que a gerou. Ante um conceito importante procurar sua gênese (sob todos os
campos e planos da decadialéctica e da pentadialéctica):
a-) Verificar se surge da experiência e se se refere a algo exterior a nós, por nós objetivado;
b-) Se surge por oposição, (ou negação), a algo que captamos ou aceitamos;
c-) Se é tomado abstratamente do seu conjunto;
d-) Se o seu conjunto está relacionado a outros, e quais os graus de coerência que com outros
participa.

III- Não aceitar nenhuma teoria, etc., que só tenha aplicação num plano, e não possa projetar-se,
analogicamente, aos outros mais elevados, como princípio ou postulado ontológico.

IV- Suspeitar sempre, quando de algo dado, que há o que nos escapa e que precisamos procurar, através
dos métodos da dialéctica.

V- Evitar qualquer ideia, ou noção caricatural, e buscar o funcionamento dos esquemas de seu autor
para captar o que tem de mais profundo e real, que às vezes pouco transparece em suas palavras.

VI- Devemos sempre suspeitar da tendência abstracionista da nossa intelectualidade, que leva a
hipostasiar o que distinguimos, sem correspondência na distinção real, no complexo concreto do existir.

VII- Observar sempre as diferenças de graus da atualização de uma ideia, pois a ênfase pode emprestar
à essência de uma formalidade o que, na verdade, a ela não pertence. Assim, o que é meramente
acidental, modal ou peculiar, que surge apenas de um relacionamento, pode, em certos momentos, ser
considerado como essenciais de uma entidade formal, permitindo e predispondo, que, posteriormente,
grande erros surjam de um ponto de partida, que parecia fundamentalmente certo. Ao defrontarmo-nos
com um absurdo ou com uma posição abstracionista absolutista podemos estar certos que ela parte de
um erro inicial. Remontando às origens, aos postulados iniciais, não será difícil perceber o erro.
VIII- Na leitura de um autor, nunca esquecer de considerar a acepção em que usa os conceitos. Na
filosofia moderna, cuja conceituação não adquiriu ainda aquela nitidez e segurança da conceituação
escolástica, há uma multiplicidade de acepções que põe em risco a compreensão das ideias. E muitas
polêmicas e diversidade de posições se fundam sobre a maneira pouco clara de apanhar o esquema
noético-eidético de um conceito, o que decorre da ausência da disciplina, que era apanágio da
escolástica em suas fases de fluxo.

IX- No exame dos conceitos, nunca deixar de considerar o que incluem e o que excluem, isto é, o
positivo incluído no esquema conceitual, e o positivo, que a ele é recusado.

X- Nunca esquecer de considerar qualquer formalidade em face das formalidades que cooperam na sua
positividade, sem estarem inclusas na sua tensão. Assim, por exemplo, a rationalitas, no homem,
implica a animalitas, embora formalmente, no esquema essencial, a segunda não inclua
necessariamente a primeira, enquanto a primeira implica, necessariamente, a segunda. Mas, como
esquemas formais, ambas se excluem, apesar de a primeira exigir a presença da segunda para dar-se no
compositum, isto é, na humanitas.

XI- Sempre cuidar, quando de um raciocínio, a influência que possa ter, em nossas atualizações e
virtualizações, a inércia natural do nosso espírito, o menor esforço, sobretudo nos paralogismos e nas
longas argumentações.

XII- Toda afirmação que apresente cunho de verdade, verificar em que plano esta se verifica: se no
ontológico, no ôntico, no lógico, no formal, no gnoseológico, no material, no axiológico, no simbólico,
no pragmático, etc. Estabelecida a sua positividade, procurar as exigências para que se obtenha um
critério seguro.

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