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Getúlio Vargas: o pai caudilho de Lula – Mídia Sem Máscara

Getulinho era boêmio e levava uma vida agitada em São Miguel Paulista (um bairro paulistano).
Segundo boatos que circulavam no bairro, onde era benquisto, ele pode ter sido vítima de sífilis. Ofi-
cialmente, morreu de neurite infecciosa, em consequência da poliomielite. O presidente norte-
americano Frank Delano Roosevelt (1882-1945), que também sofria de poliomielite, quando se
encontrou com Vargas em Natal, em janeiro de 1943, na volta de um encontro com Winston Churchill
(1874-1965) na Inglaterra, ofereceu-se para tentar tratamento para Getulinho nos Estados Unidos,
mas não houve tempo. A morte precoce lhe garantiu a homenagem na capital de um Estado em que a
principal data cívica é 9 de julho — celebrando a Revolução Constitucionalista de 1932, uma guerra
civil justamente contra o governo Vargas, que envolveu cerca de 135 mil homens.

Por isso, o busto de Vargas inaugurado na cidade não está num espaço público, mas na sede do
Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados e Tecnologia da Informação de São Paulo.
A homenagem a Vargas se deu por ocasião dos 80 anos da Revolução de 30 e contou com a presença
do pedetista Carlos Lupi, então ministro do Trabalho do governo Lula, herdado pela presidente Dil-
ma Rousseff. Por ocasião da inauguração do busto, o ministro Lupi, que ainda estava longe de deixar
o governo por suspeitas de corrupção, fez uma comparação elogiosa entre os presidentes Luiz Inácio
Lula da Silva e Getúlio Vargas, enfatizando o protagonismo social e econômico do Estado comandado
por eles. E a própria direção do sindicato cobriu Lula de elogios por considerá-lo um herdeiro de Var-
gas.

Historiografia canhestra

O paralelo entre a Era Lula e a Era Vargas é inevitável. E foi insinuada — quando não explicitada —
pelo próprio Lula, até como contraponto ao governo de Fernando Henrique Cardoso. O Plano Real,
liderado pelo sociólogo uspiano quando ainda era ministro da Fazenda do presidente Itamar Franco
(1930-2011), foi uma espécie de ponto final no Estado forte implantado por Getúlio Vargas e
continuado pelos governos militares, especialmente pelo general Ernesto Geisel (1907-1996). O golpe
de estado de 24 de outubro de 1930 — corretamente registrado na história como Revolução de 30 —
reconstruiu o Estado brasileiro, que havia sido praticamente destruído pela Proclamação da Repú-
blica, quando o poder se fragmentou entre as oligarquias locais. Uma transformação de mesmo vulto
só voltaria a ocorrer com o regime militar de 1964 — este injustamente reduzido ao golpe de estado
que lhe deu origem, por força de uma historiografia canhestra, produzida por militantes de esquerda
disfarçados de historiadores.

Getúlio Vargas foi um filho de sua época, marcada por uma acentuada expansão do papel do Estado
que levou ao totalitarismo comunista, fascista e nazista. Isso se refletiu diretamente na Constituição
de 1934, que, por sinal, teve vida efêmera, durando somente até 1937, quando foi imposta a ditadura
do Estado Novo. Mas a Constituição de 1891 — a primeira Constituição republicana — já estava
praticamente revogada desde 11 de novembro de 1930, quando o governo provisório comandado por
Vargas (que havia assumido a Presidência em 3 de novembro) baixou o Decreto 19.398, que dissolveu
o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas dos Estados e as Câmaras Municipais. Por meio
deste decreto, também foram nomeados interventores para os Estados (no caso de Goiás, Pedro
Ludovico Teixeira), que, por sua vez, nomeavam interventores nos municípios.

A Primeira Guerra e a Revolução Soviética, seguidas pela crise econômica de 1929, levaram o mundo
a uma espécie de convulsão social, em que a predominância dos valores individuais deu lugar aos di-
a uma espécie de convulsão social, em que a predominância dos valores individuais deu lugar aos di
reitos coletivos. Foi a época dos grandes movimentos operários, movidos pelo ideal da revolução
socialista, influenciando inclusive a cultura, ao inspirar escritores, músicos e artistas plásticos. Os
anseios desse movimento foram além dos conselhos de fábrica e repercutiram no campo do direito,
inclusive nas Constituições do período. O protótipo desse novo constitucionalismo, segundo a
maioria dos juristas, foi a Constituição de Weimar, que vigorou na Alemanha durante a efêmera Re-
pública de Weimar, entre 1919 (após o fim da Primeira Guerra) e 1933 (com a ascensão do nazismo).
Entre outros direitos sociais, ela reconheceu os conselhos de fábrica, sob a insígnia ideológica da
“comunidade de trabalho”, segundo o sociólogo italiano Massimo Follis, professor da Universidade
de Turim e colaborador do Dicionário de Política, de Norberto Bobbio.

Ditadura republicana positivista

A Constituição de 34 teve forte influência da Constituição Mexicana de 1917 e da Constituição de


Weimar, de 1919, criando a representação corporativa, que abriu o parlamento para representantes
classistas. Era uma forma de contrapor a suposta imparcialidade da técnica ao viés passional da
política. Vargas era discípulo do positivista gaúcho Júlio de Castilhos (1860-1903), que presidiu o Rio
Grande do Sul por duas vezes, escreveu praticamente sozinho a Constituição do Estado e, como
jornalista, difundiu o pensamento de Augusto Comte em todo o País. Os positivistas defendiam uma
República ditatorial, com um governo técnico e não político, capaz de incorporar o proletariado à
sociedade moderna. Qualquer semelhança com o stalinismo não é mera coincidência, pois marxismo
e positivismo são filhos siameses da mesma fé cega na ciência que permeou o século 19 e influenciou
profundamente o Brasil, a ponto de seu lema — “Ordem e Progresso” — inscrever-se na própria
bandeira nacional.

Para Benedito Heloiz Nascimento, autor de A Ordem Nacionalista Brasileira (Editora Humanis-
tas/USP, 2002), o Estado Novo, mais do que uma importação do positivismo francês, foi uma
transposição para o plano nacional da ditadura republicana de Júlio de Castilhos, associado ao
nacionalismo e ao militarismo. O conturbado cenário das primeiras décadas da República (em que
uma massa de analfabetos se deixava encabrestar por coronéis locais) acirrou a crença de que só seria
possível tirar o Brasil do atraso a partir das ações vanguardistas de uma elite iluminada. O populacho,
segundo esse pensamento, não reunia as condições mínimas para ter autonomia. A própria
Constituinte refletiu essa tese, sendo formada não somente por representantes diretamente eleitos
pelo povo, mas também por delegados classistas, que ficaram conhecidos como “deputados das
profissões”. Como se vê, o controle corporativo que o PT tenta impor às instituições tem raízes
antigas.

“Dos 254 constituintes, 40 foram indicados: 20 pelos sindicatos (na verdade foram impostos pelo
Ministério do Trabalho) e outros 20 por entidades representativas do empresariado”, escreve o
historiador Marco Antonio Villa n’A História das Constituições Brasileiras (Editora Leya, 2011).
Além da interferência por meio dos representantes classistas, o governo agiu diretamente na
Constituinte por meio de seus ministros, que só não tinham direito a voto, mas podiam comparecer
às sessões e participar dos debates. Osvaldo Aranha, ministro da Fazenda, foi eleito líder da maioria
na Constituinte, o que mostra a total dependência do Legislativo em relação ao Executivo. Também
pudera: os revolucionários de 1930, como diz Villa, acharam necessário “refundar o Brasil”, não
deixando “pedra sobre pedra da estrutura legal do regime anterior”. O Legislativo foi extinto e Var-
gas, por decreto, aposentou seis ministros do Supremo Tribunal Federal.

Violência explícita na Constituição


Marco Antonio Villa faz uma síntese pouco favorável da primeira Constituição da Era Vargas e
segunda da República: “A Constituição de 1934 inaugurou a minúcia e o pormenor, a indistinção
entre legislação ordinária e constitucional. Isso fica evidenciado pelo número e abrangência dos
artigos. Enquanto a Constituição de 1891 tinha 91, a de 1934 mais do que dobrou: 187 artigos. No caso
das disposições transitórias, o crescimento foi ainda maior: saltou de oito para 26 artigos”. Além
disso, a Constituição de 34, dando prosseguimento aos decretos discricionários que inauguraram a
Revolução de 30, restringiu os direitos fundamentais, introduzindo o conceito de segurança nacional,
que teve especial destaque na Carta getulista. O Executivo passou a contar com o instrumento do
estado de sítio e a censura se tornou ampla, geral e irrestrita. Consultado por um constituinte a
respeito dos critérios da censura, o ministro da Justiça, Antunes Maciel, foi muito além do “nada a
declarar” do ministro Armando Falcão (durante o regime militar de 64) e elencou sete situações
passíveis de proibição por parte do governo.

Mas não se limitou a isso. O ministro de Vargas, censor-mor do regime, chegou a alertar o
constituinte que lhe fez a consulta sobre a censura: “Devo frisar que, por dever de cortesia respeitosa,
responderei a este primeiro pedido de informações; mas julgo-me desobrigado de responder a
outros”. E ai de quem não ouvisse o alerta. “O ministro não brincava em serviço. Um ano antes, o
Diário Carioca, jornal crítico do governo, teve suas instalações destruídas, atacado por mais de 150
homens, dos quais 50 eram oficiais do Exército”, conta Marco Antonio Villa. Mais grave era o total
desprezo da ditadura varguista pelo Judiciário. O artigo 18 das disposições transitórias da
Constituição de 34 estabeleceu que todos os atos do governo provisório e dos interventores federais
nos Estados e demais delegados do mesmo governo estariam automaticamente aprovados e fora de
qualquer apreciação judicial. “A violência é explícita. Todas as medidas discricionárias dos governos
federal e estaduais estavam aprovadas constitucionalmente, sem que os prejudicados pudessem aci-
onar a Justiça”, observa Marco Antonio Villa.

A despeito de todo esse poder que concentrou em suas mãos, o ditador não estava contente. “A
Constituição de 1934 era uma espécie de pedra no caminho de Getúlio Vargas”, diz Villa. O
historiador observa que a Constituinte só foi convocada devido à Revolução Constitucionalista de 32,
quando São Paulo pegou em armas contra o governo federal, numa verdadeira guerra civil, em que o
Estado sofreu forte bombardeio e morreram centenas de pessoas. Para Villa, “Getúlio Vargas era mais
do que um adversário dos valores democráticos”, pois tinha o poder de presidente da República e, ao
mesmo tempo em que tramava para se perpetuar no poder, contou com um pretexto vindo da
oposição: os comunistas e o capitão Luís Carlos Prestes, “sedentos para, por meio de um golpe de
mão, chegar também ao poder”. Vargas e seus aliados já vinham dizendo que a totalitária
Constituição de 34 “era liberal demais”, então a Intentona Comunista de 35 forneceu o pretexto para
que ele atirasse o País nas trevas, com uma nova Constituição ainda mais dura, a de 1937.

Ditadura totalitária de 37

Escrita pelo “constituinte solitário” Francisco Campos (1891-1968), a Constituição de 37 tem um


perfil cubano, concentrando todos os poderes no Executivo. Ela previa a existência do Poder
Legislativo, formado pelo Parlamento (Câmara Federal e Conselho Federal — uma espécie de
Senado), além do Conselho Nacional de Economia e do próprio presidente da República. Ou seja, o
Executivo, na pessoa do próprio ditador Getúlio Vargas, tinha um pé dentro do Legislativo. E com
uma vantagem: a prerrogativa de apresentar projetos de lei era do Executivo. Nenhum deputado
podia apresentar um projeto sozinho — precisava do apoio de um terço dos parlamentares.

Mesmo garantindo na própria Constituição a servidão total do Legislativo, Vargas achou por bem
es o ga a t do a p óp a Co st tu ção a se v dão tota do eg s at vo, Va gas ac ou po be
mantê-lo fechado e o Parlamento não se reuniu uma vez sequer. O jurista José Afonso da Silva, no
Curso de Direito Constitucional Positivo (Malheiros Editores, 2005), afirma: “A Carta de 1937 não
teve, porém aplicação regular. Muitos de seus dispositivos permaneceram letra morta. Houve
ditadura pura e simples, com todo o Poder Executivo e Legislativo concentrado nas mãos do
presidente da República, que legislava por via de decretos-leis que ele próprio depois aplicava, como
órgão do Executivo”.

A violenta ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas faz a repressão do regime militar de 1964
parecer castigo de normalista quando existia disciplina nas escolas. Enquanto os militares só re-
primiram para valer quem se envolveu com a luta armada (salvo uma ou outra exceção), Vargas pôs
na cadeia até escritores pacíficos e simpáticos ao regime, como Graciliano Ramos e Monteiro Lobato.
Ainda sob a vigência da Constituição de 34, entre novembro de 1935 e maio de 1937, foram presas
7.056 pessoas. E, após a Constituição do Estado Novo, mais de 4 mil pessoas foram condenadas pelo
Tribunal de Segurança Nacional. Vargas não hesitou nem mesmo em entregar Olga Benário, grávida
de Luís Carlos Prestes, para os campos de concentração de Hitler. Perversidade que o próprio Prestes
— com a ética de esquerda louvada pela filósofa Marilena Chauí — tratou de perdoar, subindo no
palanque de Vargas em 1945, quando o movimento “queremista” tencionava perpetuá-lo no poder.

Adocicando o arbítrio

Para compensar o pior arbítrio de toda a história brasileira, a Constituinte de 33 introduziu o voto
feminino no País, enquanto a Constituição de 37 criou uma série de direitos trabalhistas, ao mesmo
tempo em que encabrestou os sindicatos de trabalhadores ao Estado. Foi esse o pretexto usado pelas
esquerdas para perdoar os crimes de Vargas, chegando ao ponto de considerá-lo como uma espécie
de ancestral político de Lula. O historiador Marco Antonio Villa observa: “A memória repressiva do
Estado Novo foi logo esquecida. As tentativas de levar para o banco dos réus os torturadores
fracassaram”. E afirma que foi esquerda comunista, no calor da hora, com o sangue de Olga Benário
ainda quente, quem inocentou Vargas. “Falar dos crimes políticos do antigo regime passou a ser
considerado revanchismo, recordações inapropriadas e com viés conservador. No maior
deslocamento ideológico da história do Brasil, o ditador virou democrata”.

Mas, nesse ponto, discordo do historiador. O maior deslocamento ideológico de nossa história se dá
no presente, com o embate entre o PT de Lula e o PSDB de Fernando Henrique Cardoso. Somente
uma completa subversão da lógica, da história, do bom senso e dos próprios fatos foi capaz de
transformar os tucanos em neoliberais da direita nacional, quando em qualquer verdadeira
democracia do mundo eles seriam considerados de esquerda. Graças a essa completa deturpação dos
fatos, que anula qualquer possibilidade de oposição à nova Era Vargas (a Era Lula), a esquerda se
sente à vontade para atacar as instituições, começando pela imprensa. E o faz com absoluta
facilidade, pois detém total hegemonia na educação do País, da pré-escola à pós-graduação. Formal-
mente somos uma democracia, mas a sociedade está submetida a uma ditadura ideológica. Por isso, a
liberdade de expressão no País — como já está ocorrendo na Argentina — ainda corre um sério risco
de ser letra morta — por meios sutis, é certo, mas não menos perigosos.

Publicado no Jornal Opção.

José Maria e Silva é jornalista e sociólogo.

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