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Amar é dar o que não se tem é uma frase musical, exige música, Música Popular
Brasileira, nome próprio.
Encontrei-a no Seminário 17 2, assim por acaso, quando pesquisava a relação entre saber
e gozo, preparando uma aula. Agorinha, enquanto refletia sobre o trabalho a ser escrito
sobre o amor, voltou-me à lembrança. O impacto surpresivo, a subversão do sentido, a
negatividade - coisas tão lacanianas! - associadas à discrição quase triste, quase
romântica, diante da fraqueza e da impotência, me fizeram pensar em conspiração.
1
LACAN, Jacques. O Seminário – livro 17. O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1992, p. 49.
2
Porém, a famosa frase foi cunhada por Lacan durante o Seminário da Transferência.
LACAN, Jacques. O Seminário – livro 8. A transferência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992, p. 41.
2
Diria que a experiência analítica é percorrida pelo amor, de cabo a rabo, esse amor onde
se dá o que não se tem, amor onde se doa a falta, sendo que, no princípio e no final, há
nomes próprios para designá-lo: transferência e desejo do analista, respectivamente.
Lacan, ao falar de O Banquete 6, de Platão, diz haver ali uma teoria do amor, enunciada
por Sócrates e Alcibíades, teoria esta que adotará como própria ao discurso analítico e
como capaz de esclarecer a natureza da transferência. É a teoria do amor como falta:
amar é dar o que não o se tem. É na falta que o amor se junta ao desejo, onde o amante
elege um outro, o amado, como aquele ao qual poderá doar sua própria falta, fazendo
dele o objeto que lhe falta.
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LACAN, Jacques. O Seminário – livro 11. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988, p. 187.
4
LACAN, Jacques. Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola. In: Outros Escritos.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, p. 248.
5
KOOGAN/HOUAISS. Enciclopédia e Dicionário Ilustrado da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora
Guanabara Koogan, 1993.
6
PLATÃO. O Banquete. In: Diálogos. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1950, p. 109.
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incorporá-lo a si. Como um adereço ou uma prótese ou um semblante. Nessa cena Lacan
isola a dialética do amor e as funções do amante e do amado.
A conspiração amorosa poder-se-ia caracterizar, então, pela falta; pela extração do objeto
causa de desejo (a) do Outro e pela conseqüente troca das posições: de amante passa-
se a amado. Como diz Lacan no Seminário 10, a função da angústia é indicar o momento
preciso no qual o sujeito está usurpando o (a) do Outro, doador. Assim, surge o sujeito no
lugar do Outro e introduz-se a divisão, a barra, tanto no sujeito quanto no Outro. 7
...a questão que diz respeito ao que pode ser o desejo do analista, é que é
necessário partir da experiência do amor, como fiz no ano de meu Seminário sobre
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a transferência, para situar a topologia onde essa transferência pode se inscrever.
Então, para se obter algum saber sobre o desejo do analista - essa transferência - é
necessário colocar sua função no plano do amor e não somente no plano da luta, no
plano da conspiração (referência a Hegel, ainda no Seminário 10). 10
7
LACAN, Jacques. O Seminário – livro 10. A angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005, p. 179.
8
LACAN, Jacques. Op. cit., 2004, p. 257.
9
LACAN, Jacques. Op. cit., 2005, p. 170.
10
LACAN, Jacques. Op. cit., 2005, p. 169.
4
O desejo do analista não é um desejo puro. Diferente do desejo puro da lei moral. É o
desejo de obter a diferença absoluta, aquela que intervém quando, confrontado
com o significante primordial, o sujeito vem, pela primeira vez, à posição de se
assujeitar a ele. Só aí pode surgir significação para um amor sem limite, porque fora
dos limites da lei... 12 Esta é uma descrição de Lacan ‘com palavras’ do matema do
Discurso do Analista:
a → s1
s2 $
Penso, com base nas citações e articulações anteriores, poder afirmar que o desejo do
analista, além da transferência, é um dos nomes do amor na experiência analítica. Um
amor sem limite, a princípio com uma função operativa vazia de conteúdo próprio, que
trata de promover no analisando o bem-dizer sobre o desejo, encarnada pelo analista em
posição de objeto (a), causa de desejo. No final, trás em si o resto, o dejeto, a marca do
rebotalho, do gozo intolerável, porém irresistível, do sofrimento do sujeito.
Em 1973, na Nota Italiana, 13 Lacan afirma que aceder ao desejo inédito é saber ocupar
(na análise, ao analisando) o lugar de objeto-rebotalho, objeto perdido, objeto do gozo
intratável pelos dispositivos simbólicos próprios aos discursos social e terapêutico.
11
COSENZA, Domenico. Scilicet dos Nomes do Pai. Volume preparatório ao VI Congresso da AMP. Belo
Horizonte: EBP / AMP, 2005, p. 40.
12
LACAN, Jacques. Op. Cit., 1988, p. 260.
13
LACAN, Jacques. Nota Italiana, Op. Cit., 2003, p. 313.
5
14
LACAN, Jacques. Op. Cit., 1988, p. 240.