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_ ENSAIOS SOBRE BRECHT Nritease aren Corer ae TEL ce nO) amigo (upiniao de Adorno), Benjamin se estorga On Ue Reson tase TCo ee reunidos, pois se airibuiu a tarefa de conceituar, oat ease Me Koctise citar) Brat rn Eee temccon este Pree oneeteotartie ner Ta) plea eet sae ee la rent Ramet Cerca beget Clee dae rani ce are Gee cree BAe eerie tee tac tere Ere secre ene trtees otis tn ere unger anuito euidado, como o gesto citavel ¢ 0 avanto aos Deron Ct OC areas Os actrresse! Rea en ree een ibe Conran ce Geeta Reet eet eno eat ee Uri oer ae on eres Cece eis Lats Pre oe ote ee ee ea ea AUP ese ue sere oresccuseUnt rec Cri ns Greer Oke rear Gren t ceeurnciacy DOS reson eee mene cca c ys aces oit weiner nalsdeme ener) Perera etn eer ker hacen ea ic eC ROC ares asec eect DUG ham aaa nun Rete care ote ee ees RUF ae eel cece aren Roos eo resister callie esol erect a evi) ¢ tatieas de lufa, inclusive a clandestina; poe-se Gr tte tse carte Ore ee Cea CamecE (econ Trriorey io Careers eo MrpeaD sete retary Duero eR suncsal EMCO eC ee st RegeR ce ct Rpm eu a a ascshareat eseie ei (or) Do ec iae ee Cent reesei oniiecar tele Ee ae Ee ete errr en ct heer ee Pen tee ecR tute ead Reena arctan Cec cet Se sn Benjamin, trata-sc de sétira inspirada no maior Peter ee ieee Cecol ae ec rCE CaCl eee Certs ar Ronnr eons arcu renee te CCRtaa ONL a Pree er Gee CeCe Coy comportamental. a nova enciclopédiae a eritica das Pen ee ca eee Ee que seu amigo Brecht é um eritivo do stalinismo que. antes de mais nada, rejeita a politica do socialismo ee a Oe enter EROS as diretrizes de Lukes para a Titeratura e as artes. (OePteet eee ree cr ba od do desaparecimento do proletariado. da lnta de BR er oe eC cornices livra, pois ele é veneno puro. Ou melhor: a estes Pee ere mn mare kc can Rene ome ee iat cee Cd Pre irr erectcrO mcr cca eras Peer crac ics perdidas na histéria. Aos que aderem a essa pauta Pree nce etree ao CR Cha aay Pree oscar ee recomendacdo terapéutica de se envolver com Beckett Pere crc mika euro POOR eC CoCr ete y PR Meee Res io tare cna kei Perec ier to rc eae a Preece eee Cc a de tdo, Brecht considerava que a luta contra 0 fag Seon evo Sc arcuc PI ae Maree Cech roa Oar Pere cre ENSAIOS SOBRE BRECHT WALTER BENJAMIN tradusio Claudia Abeling © desea edigio, Boitempo, 2017 Posficio e noras @ Subrkamp Verlag, Frankfurt am Main, 1966 Ficulo original: Veeuche ier Breck Diregto editorial Edict Assnténcia ediorial Headache Proparagio Revise Coordenagio de produsdo Capa Diagram drama Jinkings Isabella Marcatti ¢ Ancié Albert Thaisa Burani ¢ Artur Renzo (Claudia Absting Thais Rimkus Daniela Uemura Livia Campos David Ami subre forngrafia de Walter Benjamin ¢ Berle Bresh er Svendborg, Dinamatca, 1944, de autor desconlvecid, Ceayon Fidicoxial Equipe de apoio lan Jones, Ana Yanai Kaiki, Tibiana Leme, Camilla Rilo, Pare Marquess Ehine Ramos, Frederico Ladiant ni Andrade, [sabella Barbora, Ivam Oliveira, Kim Dori. ‘Marlene: Baptista, Mauricio Barbosa, Renaco Soares, Thats Barros, Tulie Candiotto CIRBIASIL. CATALOGAC SINDICE NA-FONTE, Ee Bal be SBerjacn, Wales, 1892-1940 Enuios sobre Breche / Waleer Benjamin s tradusio Claudia Abeling. — 1. od. — S10 Paulo: Boitenypo, 2017. CMaraismo literatura) ‘Tradugi des Veesche tr Brecht Inclu: biblogrsta Cronolegis ISBN: 978-85-7559-560-4 1 Brechts Bercul, 1898-1156 - Civica cinterpresci. 2 Texraalemaio - Hissisha & rae "cTAbeling, Cleucia, i, Tul, TE. Série cpp: 832, E vedada » reprodusio de qualquer parte deste iuro sem a expresst autorizacaa da edizors & rie A sradusio desta obra reve 0 apoio do Goethe-Institur, que é SHIT Fnanciaco pelo Ministério das Rela,bes Lxteriores da Alemankia, 1 edigos julho de 2017 BOITEMPO EDITORIAL Jinksings Editores Associados Lada Rua Pereira Leite, 373 (054442-000 Sio Paulo SP. Tel. fae (11) 3875-7250 3875-7285 edigor@bcitempoedicoria.com.br | ;wworcboitempoeditora).com br ‘ewer blogdaboicempo.com br | wwviéacebook.comrbaitesnpe snewwcvecter co coraboitemipe | ww. yousube.com/evboirempe Sumario a edigdo brasileira. 4 primeira edicao alema, de 1966.. F £0 TEATRO EPICO? UM ESTUDO SOBRE BRECHT (PRIMEIRA VERSAO) ... QUE £ © TEATRO EPICO? (SEGUNDA VERSAO) UDOS PARA A TEORIA DO TEATRO EPICO. HO pe “ComenTARIO SOBRE BRECHT’ DRAMA FAMILIAR NO TEATRO EPICO. pais EM QUE 0 PROLETARIADO NAO PODE SER MENCIONADO: (ENTARIOS SOBRE POEMAS DE BRECHT. ANCE DOS TRES VINTENS, DE BRECHT......... io da edigao alema, Rolf Tiedemann jectos da representacdo brechtiana, Sérgio de Canalo ; 26 deo. 2016. No artigo, o tradutor ressalta: “A ttadugio que se segue ¢ literal & procura corresponder, na medida do possivel, & sugestao brechtiana de salvaguarckar ao menos acesso er a teansposieio dos "pensamentos' da ‘postural do pocta. Isso nao significa, evidentemente, afestar a possibilidade de uma tradugio mais bem elaborada, que dé conta também da estru- cura titmica ¢ rimica do original”, ON. T) no quarto dia, numa penedia aduaneiro barrou-lhe 0 caminho: a declarar?” — “Nenhum.” © menino, que conduzia o bei, falou: “Ele ensinou.” assim também isso ficou explicado. {as 0 homem, tomado por alegre impulso inda perguntou: “E o que ele tirou disso?” Falou o menino: “Que a agua mole em movimento Vence com o tempo a pedra poderosa. Tu entendes, @ que é duro nfo perdura.” 6 Para que nao perdesse a tiltima luz do diz O menino foi tocando 0 boi. E os trés ja desapareciam acrés de um pinheiro escuro Quando de repente dew um estalo no nosso homem E ele gritou: “Ei, tu! Alto la! 7 O que esta por trés dessa agua, velho?” “Tsso te interessa?” Deteve-se 0 velho Falou o homem: “Eu sou apenas guarda de aduana Mas quem vence a quem, isto também a mim interessa Se tuo sabes, entio fala! 8 Anota-o para mim! Dita-o a este menino Coisa dessas nao se leva embora consigo. Papel ha em casa, ¢ também tinta E um jantar igualmente haveré: ali moro eu. E entio, é a tua palavra?® a 9 Por sobre o ombro, o velho mirou O homem: jaquera remendada, Descalgo. Ea testa, uma cuga 86, ‘Ah, nio era um vencedor que dele se acercava. E cle mutmurou: “Tarmbém ta?” 10 Para secusar um pedido gentil © velho, como parecia, ja estava demasiado velho. Entdo, disse em vor alta: “Os que algo perguntam Merccem resposta.” Falou o menino: “Também vai ficando frio. ‘4 bem, utna pequena estada.” 1 Fo sibio apeou do seu boi Por sete dias escreveram a dois. F 0 aduanciro travia comida (e nesse tempo todo apenas Praguejava baixo com oy contrabandisras). E entio chegou-se ao fim. 12 Eo menino entregou ao aduaneiro Numa manha oitenra e uma sentengas E agradecendo um pequeno presente Entraram pelos rochedos atris daquele pinheiro. Dizci agora: € possivel ser mais gentil? 13 Mas nao celehremos apenas 0 sibio Cujo nome resplandece ne livto! Pois primeiro é preciso arrancar do sabio a sua sabedoria. Por isso agradecimento também se deve ao aduaneiro: Flea exraiu: daquele. © poema pode dar opostunidade de mostrar © papel especial que a gen- Jeza ocupa ao imaginario do poeta, Brecht coloca-a num lugar elevado. Se a vislumbrarmos a lenda que ele conta, entio de um lado esté a sabedoria de Lao-tsé— que, no poema, nav é citado pelo nome, Essa sabedoria esté prestes a the custar 0 exilio. Do outro lado, estd a avidez pelo conhecimento do aduanei- ro, que no final recebe um agradecimento, porque foi o primeiro a arrancar do sibio sua sabedoria, Mas isso nao teria sido possivel sem um terceiro elemento, que 6a gentileaa. Mesmo se fosse injustificade dizer que 0 conteiido do livro Tao Te Ching é a gentileza, seria correto afirmar que, segundo a lenda, 0 Tao Te Ching se preservou gracas ao expirito da gentileza, Aprendemos muita coisa sobre a gentileza no poema. Em primeiro lugar, ela nfo € ressaltada de maneira irrellexiva. Por sobre o ombro, 0 velho miro O homem: jagueta remendada. Descaleo. O pedido do acluaneizo pode ser 0 mais educado possivel, mas Lao-tsé pri- meiro se assegura de que é alguém vocacionado que © faz. Em segundo lugar, a gentileza nfo consiste em realizar coisas menores casualmente, mas coisas grandiosas como se fussem algo menor. Depois de Tao-tsé ter examinado 0 direito do aduaneiro em pezguntar, ele marca os dias seguintes — dias de imporrancia historica mundial, nos quais ele interrompe sua jornada — sob o seguinte lema: “Extd bem, uma pequena estada.” Em terceiro lugar, descobrimos que a gentileza néo elimina a distancia entre og homens, mas a torna viva. Depois de o sibio ter feito algo tao grandiose para o aduaneito, sua relagio com o aduaneito € pouca; nao é ele quem lhe centrega os 81 lemas, mas seu ajudante. “Qs clissicos’, disse um velho filésofo chinés, “viviam nos tempos mais sangrencos e obscures, ¢ cram as pessoas mais amaveis ¢ alegres de que se tinh conhecimento”, © Lao-tsé dessa lenda parece disseminar a alegria por onde anda e esti, Alegre € seu boi, para o qual o peso de seu dono nio o impede de se alegrar pelo capim fresco. Alegre € seu ajudante, que néo deixa de justificar a pobreza de Lao-tsé com a observagio seca: “Fle ensinou”. Alegre se torna 0 aduaneiro diante de sua cancela, € essa alegria inspira-o & feliz pergunta sobre 05 resultados das pesquisas de Lao-tsé. Por fim, como o proprio sahio (que na primeira curva jé se esqueceu do vale que havia pouco 9 animara) nao seria ale- gre, de que adiantaria sua sabedoria, caso no se esquecesse das preocupacbes pelo fururo assim que as pressentisse? Em Brevidrio doméstico, Brecht escreveu uma balada das amabilidades do mundo, Sio trés: a mac coloca a fralda; o pai dé a méo; pessoas jogam terra no vimulo. E isso € v suficiente. Pois no final desse pocma, lemos: Quase toda a gente tém amor & Terra Se the daa dus maos de terra. As relagées de amabilidade do mundo acontecem nos momentos mais du- ros da existéncia: no nascimento, nos primeiros passos para a vida ¢ no dltimo deles, que a encerra, Trata-se do programa minimo de humanidade. Ele ressur- ge no poema de Lao~Tsé na seguinte frase: Tu entendes, o que é duro néo perdura. © poema é escrito numa poca em que essa afirmagao atinge 0 ouvido das pessoas como uma proiessa que nao fica a dever nada a uma promessa mes sidnica. Para o leitor atual, porém, nao é apenas uma promessa, mas também um ensinamento. “Que a sige mole vin movimenta Vence com o tempo a pedret poderasa” Aprendemos a nao perder de vista o inconstante ¢ 0 temporario das coisas e entendemos que € preciso nos aliar ao insignificance © prosaico, também inexaurivel, como a agua. O dialético materialista peusaré na questao do opri- mido. (Fla é uma questo insignificance para o dominados, prosaica para 0 oprimida e, no que diz respeito as consequéncias, a mais inexaurivel.) Em terceiro lugar, por fim, ao lado da promessa cas lado da teoria estd a moral que sobressai do poema. Quem quer subjugar o que ¢ duro nao deve deixar passar nenhume oportunidade de ser amavel, Romance dos trés vinténs, de Brecht ito anos ito anos sepatam Opera dos trés vinténs de Romance das trés vinténs, obra que desenvolveu a partir da antiga. Mas isso nao se deu da maneira mirabolante © imaginamos ser a maturagio da obra de arte. Esses anos foram politica te decisivos. O autor apropriou-se da ligéo deles, chamou os crimes neles corridos pelo nome, jogou luz. sobre suas vitimas. Ele escreveu um romance irico de grande formato. Para esse livro. cle volrou muito atrés. Pouco restou das bases ¢ das agoes dpeta. Apenas as personagens principais permaneceram as mesmas. Afinal, ram elas que, nesses anos, cresceram diante de nossos olhos ¢ de maneira tao sanguindria criaram espago para seu crescimento. Quando Opera dos trés vin- én: foi apresentada pela primeira vez, na Alemanha, 0 gangster ainda era um osto desconhecido por ali. Nesse meio-tempo, ele se aclimatou e organizou a barbarie. Apenas mais tarde a barbérie apresenta, do lado dos exploradores, aquele estado drastico que caracteriza a miséria dos explorados jé no inicio do capitalismo. Brecht lida com os dois; por essa razdo, ele junta as épocas ¢ am- bicnta scus gingsteres numa Londres que segue o ritmo e tem a aparéncia da cidade de Dickens. As circunstancias da vida privada sio as ancigas, as da luta de classe atuais. Esses londrinos nao tém telefone, mas sua policia jé conta com, ranques. Na Londres atual, dizem, fica evidente que ¢ bom para o capitalismo manter certo atraso, Esse faro teve valor para Brecht. Ele povoa os escritérios mal ventilados, os banheiros timidos ¢ quentes, as ruas enevoadas com tipos de aparéncia muitas vezes antiquada, mas de atitudes modernas. Tais deslocamen- ra, Brecht a sublinha por meio de liberdades tos fazer parte da éptica da que tomou com a topografia londrina, © comportamento das personagens inspiradas na realidade é bem mais inverossimil — 0 satirico pode falar assim —do que uma Brobdingnag ou uma Londres que ele possa ter construido em sua cabega. 71 Velhos conhecidos Entio aquelas personagens postaram-se novamente diante do posta. Ha Pea- chum, que sempre fica de chapéu, porque imagina que todos os telhados vao cair em sua cabega, Ele desprezou sua loja de insrrumentos ¢ envolveu-se com navios de transporte por causa de um negécio de guerra; durante essa emprei- tada, sua guarda de pedintes Ihe foi tril em momentos criticos como “excitado grupo de populates”. Os navies destinam-se ao transporte de topas durante a Guerra dos Béeres. Mas, como esto podres, afundam com a tripulacto, nao distante da for. do Tamisa. Peachum, que faz questio de ir 3 ceriménia fiinebre dos soldados afogados, escuta ali, juntamente com muitos outros — entre cles um tal de Fewkoombey —, 0 setinio do bispo sobre a exortagao biblica de fazer frutificar os talentos que nos so confiados. Por essa época, jé tendo eliminado © sécio, Peachum estava seguro contra as consequéncias duvidosas do negécio de transporte, Mas cle nao comeren: o assassinato pessoalmente, Também sua filha, “Péssego”, se envolve em atos criminosos — apenas até 0 ponto conve- niente para uma dama: em um caso de aborto ¢ em um de adultéio, Conhe- cemos 0 médico a quem cla confia o procedimento, ¢ da boca dele sai um discurso que é 0 oposto da fala do bispo. O her gem em Opena dos trés vinséns, O romance os recapitula apenas brevementes Macheath ainda estava muito préximo de seus anos de aprendiza- ele honra o siléncio sobre varios “grupos de anos (...], que tornam as biografias de nossos homens de negécios, por muitas paginas, téo carentes de contetido © deixa em aherto se 0 assassino Stanford Sills, chamado “Navalha”, estava na origem das mudangas que transformarm o comerciante de madeiras Beckert no atacadista Macheath. Esté claro apenas que o negocianie mancém sua 6- delidade a deverminados amigos do pasado que nfo enconcraram 0 caminho da legalidade, O que vale a pena, visro que esses roubam a seu pedido muitas mercadorias que a cadeia de lojas de Macheath vende sem concotzéncia. © negocio de Macheath ¢ formado pelas lojas B, cujos proprietérios — an- ténomos — sio obrigados apenas a adquirir suas mercadorias e pagar o aluguel dos estabelocimentos. Em algumas entrevistas de jocnais, cle se manifestou so bre “sua decisiva descoberta a respeito do instinto humano de autonomia”. Entretanto, esses individuos autonomes estao mal, ¢ um deles se joga no Tami- sa porque Macheath interrompeu a entiega de mercadorias temporariamente por motives comerciais. H4 suspeita de assassinato; abre-se uma ocorréncia criminal, Mas esse crime passa diretamente ao projeto satirico. A sociedade procura o assassino da vitima que cometeu suicidio nunca sera capaz de mnhecé-lo em Macheath, que apenas exerceu seus direitos contratuais. “O sinato da pequena comerciante Mary Swayet” ndo apenas esta no centro agio, como também contém sua moral. Os espoliados donos das lojas, os idados que sao amontoados em navies danificados, os ladroes cujo mandante 1g o chefe da policia — essa massa cinzenta, que na romance acupa 0 espaco coro na dpera —, esses entregam suas vitimas aos dominadotes. E contra clas ue 0s crimes sé0 cometidos. Obrigada a cair na agua, Mary Swayer é uma das ‘vicimas da massa; de seu meio sai Fewkoombey, que para o préprio espanto & enforcado pelo assassinato da mulher. Um novo rosto O soldado Fewkoombey, que no prélogo é mandado ao esconderijo de Pea- chum chamado “abrigo” ¢ que no epilogo sc Ihe revela, num sonho, “o talento dos pobres”, € um novo rosto. Ou, melhor, quase nao é um rosto, mas alguém “uransparente € sem expressio”, como os milhdes que enchem as casertias 0s porées. Encostado na moldura, trata-se de uma personagem em tamanho natural que aponta para o quadro. Fle aponta para a sociedade burguesa de criminosos, no centro. Ele rem a primeira palavra nessa sociedade, j4 que ela nao geraria lucros sem sua presenga; por isso Fewkoombey estd no prélogo. E no epilogo aparece como juiz, caso contrario a tiltima palavra seria da so- ciedade burguesa de criminosos. Entre os dois, hé 0 breve perfodo de meio ano, que ele desperdica com procrastinagées; enquanto isso, determinados assuntos dos superiores se desenvolveram em tio larga medida ¢ de manciza tao favoravel que culminam com sua execugao, sem que um “salvador mensa- geiro do rei” atrapalhe. Pouco antes disso, como ja foi dito, ele term um sonho, Trata-se de um pro- cesso judicial sobre um “crime especial”. Como ninguém pode impedit um sonhador de vencer, nosso amigo tornou-se presidente do maior tribunal de todos os tempos, 0 tinico realmente necessério, abrangente ¢ justo [...]. Apés demorada reflexio, que durou meses, 0 juiz supre- mo determinou iniciar com um homem que, segundo o testemunho do bispo na cerimOnia finebre pelos soldados nauliagados, tinka inventado uma parébola que havia sido usada nos piilpivos por 2 mil anos e que, segundo v parecer do juiz supremo, trarava-se de um crime especial. © juiz defende esse parecer & medida que cita todas as consequéncias da pardbola e interroga as muitas testemunhas que devem fazer declarag6es sobre seus talentos. — seus talentos se muleiplicaram? — perguntou o juiz supremo, com severidade. Eles se assustaram ¢ responderam: —Nic. — Fle viu que nao se multiplicaram? — Referia-se 20 acusado Eles no souberam de pronto 0 que responder. Depois de um tempo pensando, porém, um garoto deu wn passo a frente [...]. “Deve ter visto, pois passamos frio quando estava frio e passamos fome antes € depois da comida. Veja 0 senhor mesmo se colocou dois dedos na boca ¢ assobiou [...] Uma mulher muixissimo semelhante para notar isso em nds. — O garoro com Mary Swayer, a pequena comerciante, aproximou-se. Quando, por causa dessas provas ‘o agravantes, 0 acusado tem direito a um defensor — “Mas ele tem de set adequado a yoct”, diz Fewkoombey — ¢ 0 or. Peachtim se apresenta como tal, a culpa do cliente torna-se incontestivel. Fle deve ser acusado de cumplicidade, porque entregou a seus homens essa pardbola, que também é um calento, diz o juiz supremo. Em seguida, ele o con- dena a morte. Ao cadafalso, porém, vai apenas sonhador, que no minuto em ue se enconcrava desperro compreendeu o quanto volcam na historia pistas de crimes dos quais cle e seus iguais sio vitimas. O bando de Macheath Nos manuais de criminalistica, os criminosos siio caracterizados como asso- ciais. Isso pode valer para a maioria, Na histéria contemporinea, porém, al- guns refuraram essa condicao, Com tantas pessoas criminalizadas, elas se tor haram exemplos sociais. Eo que acontece com Macheath, Ble vem da nova escola, enquanco seu sogro — de igual condigéo ¢ que durante muito tempo foi seu inimigo — ainda far parte da escola antiga. Peachum nao sabe se apresentar Esconde sua avidez atras do senso de familia, sua impoténcia ards da ascesc, suas atividades chantagistas atrés do cuidado com os pobres. Prefere, isso sim, desaparecer em seu eseritério, Nao se pode dizer 0 mesmo de Macheath, lider por natureza, Suas palavras tm a marca do estadisra; seus atos, a marca do cometciante. As mais diversas tarefas que Ihe sfo confiadas nunca foram t4o dificeis para um lider quanto agora. Nao basta empregar a violéncia para man- ror as relacdes de propriedade, Essas varefas préticas tém de set resolvidas. Mas, assim como exigimos que uma bailarina nfo apenas dance, como também seja 80 bonita, 0 fascismo exige nao apenas um salvador do capital, como também que este seja um homem honrado, Bis por que alguém como Macheath é inestimé- vel nestes tempos. Ele sabe exibir aquilo que o grotesco pequeno-burgués entende por perso- nalidade, Governado por centenas de instancias, joguete de ondas de carestia, vitima de crises, tal habitwé de estatisticas procura um Gnico homem a quem se apegar. Ninguém quer se justificar diante dese homem, mas alguém deve farée-lo, F. esse alguém sabe como, Pois eis a dialética da coisa: os pequenos- -burgueses agtadecem sua disposigio de assumir as responsabilidades nao exi- gindo qualquer cxplicagéo. Abrem mao de apresentar reivindicagoes, “porque isso mostraria ao sf, Macheath que perdemos a confianga nele”. Sua narnreza de lider & o reverso do comedimento dos outros. Esse comedimento satisfaz Macheath incessantemente. Ele néo perde nenhuma oportunidade de se s0- bressair. Ea cada vez ¢ outro, diante dos diretores de banco, diante do tribu- nal, diante dos membros de seu bando. Ele comprova “que podemos dizer qualquer coisa, basta ter 0 desejo inquebranttvel”; por exemplo, o seguinte: Segundo minha opiniao, que é a opiniso de nm homem de negécios que trabalha com scricdade, nao contamos com as pessoas certas no controle do Estado, To- das clas fazem parte de algum partido, ¢ os partidos sao egoistas. Precisamos de homens que estejam acima dos partidos, assim como nés, homens de negécios. Nés vendemos nossas mereadorias para ticos ¢ pobres. Vendemos para qualquer pessoa cem quilos da hatatas, sem nas preocuparmos com sua situagai a luz elétrica para ela; pintamos a casa. A condugio do Estado é uma rarefa moral. Precisamos fazer com que os empresirios sejam bons empresirios ¢ os funcionsirios sejam bons funciondrios: em resumo, que os ricos sejam bons ricos. ¢ os pobres, bons pobres. Eston convencido de que chegar4 o dia de tal forma de governo. Fla contaré comigo come apoiador. »; instalamos Pensamento tosco Brecht colocou em itdlico tanto o programa de Macheath quanto intimeras outras consideragées, realcando esas passagens do texto narrativo. O resultado é uma coletinea de discursos e sentencas, confissées e chamamentos que pode ser considerada nica. Ela em si ja asseguraria a permanéncia de sua obra. Ninguém ainda expressou tudo aquilo que esta escrito, embora todos falem dessa maneira, O texto é interrompido; & semelhanca de uma ilustragio, trata- -se de um convite ao leitor para vez ou outra abrir mao da ilusio. Nada é mais adequado num romance satirico. Alguns desses trechos iluminam de maneira 81 duradoura 05 pressupostos aos quais Brecht deve seu impacto. Por exemplo: “© principal é aprender a pensar de maneira tosca. O pensamento tosco € 0 pensamento dos grandes”, Ha muitas pessoas que entendem o dialético como um amante de sutilida des, Nesse sentido, é absoluramente titil que Brecht aponte para o “pensamen- to twosco”, que a dialétiea produ como seu oposto, que nela esti abrangide ¢ do qual cla tem necessidade. Pensamentos woscos fazem parte da econo- iia doméstica do pensamento dialérico porque nao apresentam nada além da aplicacgao da teoria sobre a pratica: sua aplicagao sobre a pratica, nao sua dependéncia dela (Auf die Praxis, nicht an sie); evidentemente, 0 agir pode ser tao sutil quanto o pensar, mas um pensamento tem de ser tosco a fim de ser justificado na agio. ‘As formas do pensamento tosco mudam devagar, pois foram criadas pelas massas. E, possivel aprender a partir do que s¢ entorpecen. Uma delas é 0 di- tado, € 0 ditado é uma escola do pensamento tosco. “O sr. Macheath tem a consciéncia pesada em relagao a Mary Swayer?”, perguntam as pessoas. Brecht esftega o nari delas na resposta ¢, sobre esse pardgrafo, escreve: “Onde 0 potzo se afogou havia égua’. Outro poderia dizer: “Onde se aplaina ha cavacos”. Trata-se do pardgrafo em que Peachum, “a primeiia autoridade no campo da miséria”, examina os fundamentos do negécio da mendicancia. Ele diz: ‘Também sel por que as pessoas nao investigam melhor 0s machucados dos mendi- gos antes de dar. Afinal, esto convencidas de que hé feridas onde elas os machu- caram! Onde uns fazem negécios outros nfo acabam arruinados? Se uns euidam de suas familias, outras familias no acabam debaixo da ponte? Todos esto con- vencidos, de antemao, de que sua pripria mancira de viver resulta, pot todos os lados, em feridos de morte ¢ inacrediraveis necessitados. Para que perder cempo cxaminando? Os centavos quie esto dispostos a dar nao valem o esforgo! A sociedade dos criminosos Peachurn cresceu desde Opera dos trés vinténs, Seu olhar infalivel fita tanto as condigoes de suas especulacées exitosas quanto os erros daquelas malsucedi- das. Nenhum véu, nem a mais minima ilusio, oculta-the as leis da explozagao. Assim, essa pequena pessoa fora de moda, apartada do mundo, se credencia como pensador muito moderno, Ele poderia se comparar a Spengler, que mos- trou quao iniiteis as ideclogias humanicirias ¢ filantr6picas dos primérdios da burguesia se tornaram para o empresirio atual. As conquistas da eéenica 82 eficiam, em primeiro lugar, as classes dominantes. Isso vale tanto para as mas avancadas de pensamento quanto para as formas modernas de locomo- Os homens em Romance dos trés vinténs nao tém automéveis, mas todos cabecas dialéticas. Peachum, por exemplo, diz a si mesmo que assassinos recem punicao, “Mas os nio assassinos”, diz cle, “também sao punidos, das neiras mais terriveis. [...) Decair para as favelas (slums), como eu e toda mi- a familia fomos ameacados, no é menos do que entrar num presidio. Séo O romance policial, que em seu inicio com Dostoiévski muito fez pela icologia, coloca-se — no dpice de seu desenvolvimento — & disposigio como itica social. Se 0 livro de Brecht utiliza o género de maneira mais exaustiva lo que Dostoigvski, & porque nele (assim como na realidade) o criminoso tira seu sustento da sociedade; a sociedade (como na realidade) leva um quinhio de seu roubo, Dostoigvski estava interessado na psicologia; ele revelava a parte criminosa intrinseca ao ser humano. Brecht se interessa por politica; ele revela a parte criminosa intrinseca ao negécio. A ordem juridica burguesa ¢ 0 crime sio opostos, de avordo com as regras do romance policial. O procedimento de Brecht consiste em manter a técnica altamente desenvolvida da romance policial, mas nao obedecer a suas regras. Nese romance, a relagdo entre a ordem jutidica burguesa ¢ 0 crime é apresen cada de maneira objetiva. Esse tiltimo aparece como um caso especial da espo- liagdo, sancionado pela primeira. Vez ou outra acontecem transigdes espont neas entre ambos. O reflexivo Peachum descobre como complicados ncgécios muitas vezes se transformam em azées simples, desde sempre usuaisl [..] © inicio conton com contratos ¢ cakimbos oficiais ¢ no Final foi preciso haver latrocinio! © quanto som contra assassinatos! [..] E pensar que celebramos negécios entre nds! E claro que, nesse caso-limite do romance policial, nao hé lugar para o detetive. O papel que as tegras Ihe reservavam, de agente da ordem juridiea, € assumido pela concorréncia. O que ocorre entre Macheath ¢ Peachum € uma batalha de dois bandos, ¢ o final feliz é um acordo de cavalheiros que registra em cattério a distribuigio do butim. A satira e Marx Brecht desnuda de drapejados de conceitos juridicos as telagées sob as quais vivemos. O humano emerge dali despido, tal como chegara & posteridade. 83 Infelizmente ele é desumanizado — 0 que nfo ¢ culpa do satiro, Sua tarefa € despir 0 concidadio. Quanto ele o rearruma de uma nova maneira, assim co- mo Cervantes com 0 cio Berganza, como Swift com os cavalos Houyhnhnms, como Hoffmann com seu gato, no fundo o que lhe importa é apenas a postura na qual o mesmo concidadéo esté nu entre seus figurinos. © sitiro se basta com a nuder do outro, mostrando-a4 ele pelo espelho. Sua tarefa nao vai além. Dessa maneira, Brecht se satisfaz, com uma pequena troca de figurinos dos contemporaneos. Bla é suficiente apenas para criar a continuidade com o séeu- lo XTX, que fez surgir néo apenas o impetialismo, como também o marxismo = marxismo que tem tantas perguntas interessantes a fazer ao imperialismo. “Quando o imperador aleméo telegrafou ao presidente Kriiger, quais agbes subiram e quais baixaram?” “Claro que somente comunistas perguntariam tal coisa.” Mas Marx, que foi o primeiro a recolocar sob a luz da critica as relagées humanas a partir de sua degradagao ¢ seu ofuscamento na economia capitalis- ta, torou-se professor dos sdtiros c esteve perto de tornar-se mestre no género. Brecht frequentou sua escola. A sétira, que sempre foi uma arte materialista, tornou-se também dialética em suas m4os. Marx esti ao fundo de seu romance — mais ou menos como Cenfticio e Zoroastro para os mandarins ¢ os xas que analisam os franceses nas stiras do Iluminismo. Marx determina aqui 0 tanto de distancia que © grande escritor, mas principalmente o grande sitiro, toma em relacdo a seu objeto. A distancia sempre tinha sido aquela que a posteridade usou para chamar um autor de cléssico. Provavelmente a posteridade se orien- tard com bastante facilidade em Romance dos trés vinténs. 84 O autor como produtor! U sagit de gaguer les intellectuels a la classe ouritre, en lens fiisans prendre conscience de Lidentité de leurs démarches spirituelles et de leurs conditions de producteur.” Ramon Fernandes, Voces se lembram de como Platio procede com 95 poctas em seu projeto de Estado, Em nome do interesse da comunidade, hes & negado o direito de per- manéncia. Ele tinha em alsa conta o poder da poesia, mas a considerava pre- judicial, supérflua — numa coletividade perfeiea, bem entendido. Desde entio, CTT 0 6 eal equncenense com a mesma énfase; hoje, porém, ela se apresenta. Sem duivida, raras vezes dessa forma, Porém, ela é mais ou menos conhecida de todos voces como a fo- cs nao estéo inclinados a lhe consentir essa liberdade, Vorés acreditam que a situagdo social no presente obriga-o a decidir a setvico de quem ele quer exercer sua atividade. no reconhece essa alt Vocés Ihe demanstram ce Contorme se coloca do lado do proletariado, sua decisio se baseia na hata de classes. F. assi Ele direciona sua ativi- dad que ele segue u His a palayra-chave ao redor da qual h muito se movimenta um debate Costumamos dizer que lhes conhecido. Vocts o conhecem e, por essa raz4o, esto cientes de seu. tanscurso infrutifero. Esse debate nao conseguiu se desvencilhar do tedioso: de um lado, de outro lado. De som lado exigimos que o trabalho do pocta siga smo, Paris, 27 a | Palestra proferida no Instituto para o Estudo do Fs preciso trazer os intcloctuais para o lado da classe trbalhadora, a0 fazé-los tomar consciéneia de identidade de suas ineursbes espitituais ¢ de sua condigéo de produtores.” (N. E.} 85 a tendéncia correta, de outro lado estamos no dircito de esperar qualidade desse trabalho. Evidenremente, a formula sera insatisfatézia enquanto nao nos tiver- GIRBe. Podemos decretar sua relasao, claro. Podemos afirmar: uma obra que mos dado conta da relaci segue a tendéncia correca ndo precisa apresentar outras qnalidades. Também Basa segunda formulagao nao deixa de ser interessante; além do mais, ¢ correta, Aproprio-me dela, Mas, a0 faver isso, recuso-mea decretd-la, Essa afir- magao tem de ser comprovada. Peco sua atengao a fim de tentar comprové-la, Vocés talvez objetem que se trata de um tema muito especifico, até distante. F. perguntario: é com uma comprovagio dessas que voce quer avangar no estude do fascismo? Sim, 0 que pretendo fazer. Pois espero conseguir mostrar que sentado © conceito de tendéncia, na forma sumdria em que geralmente é aj no debate jé mencionado, é um instrumento totalmente inadequado da erftica politica da lirerarara. Quero mostrar que a rendéncia de uma poética s6 pode set cortera politicamente se também for correta liccrasiamente. Isso quer dizer Facres- que a tendéncia politicamente correta engloba uma tendéncia litersri: cento desde ja+ essa tendéncis literdria, que esté contida de maneira implicica ou explicita em cada tendéncia politica correta, por si s6 define a qualidade da obra. Por essa razo, a tendéncia politica correta de uma obra abrange sua qualidade literdria — porque ela abtange sua tendéncta literdria. Espeto poder Ihes prometer que essa afirmagio logo se tornard mais clara. No momento, acrescento que também poderia ter escolhide outro ponto de pattida para minhas consideragées, Parti do debace infiutifero em meio av qual a rclacio entre tendéncia ¢ qualidade da criagdo poética se encontra, Poderia ter partido de um debate ainda mais antigo, no menos infrucifero, GHEE) desacreditado, com azo. f considerado exempio didatico para a teutativa de se aproxim) com clichés, de maneira nfo dialética, de relagées licerarias. Bem. Mas como é 0 tratamento dialético dessa questao? (CORPRERERRBGIIEMERPARIGUERAD — ¢ agora estou chegando ao assunto propriamente dito — nao tira proveito dos objetos rigidamente isolados: obra, romance, liveo. Ele precisa integié-los nas relagées sociais vivas. Com razio, vacés explicam que isso foi feito, reiteradas vezes, no circula de nossos ami- gos. Certo, Muiras vezes, porém, a discussio avancou para questées maiores is sho © por essa Lazio, necessariamente vagas. Como sabemos, relagdes soci 86 frata-se de uma questao importante, s também muito dificil. Sua resposta nem sempre ¢ inequivoca. F. gosta- de Ihes propor uma questo mais préxima, Um pouco mais modesta, de ‘objetivos menores, mas que me parece ofetecer mais chances & resposta. Em vez de perguntar: “Como a obra se situa adiante das relagées de produgio da Epocai”; “Ela esta de acordo com essas relagées, & reaciondria, ou aspira sud transformasio?”; “E revolucionéria?”. Em ver dessas perguntas, ou pelo menos antes delas, sugiro outra. Antes de perguntar como uma criagio poética se situa diante das eclacoes de producio da es RSE EARNED Essa pergunta mira diretamente na funcio da obra dentro das relagbes de producéo literdria de uma época, Em outras palavras, cla mira Ao mencionar o conceito da os produtos literdrios acess{veis a uma andlise social imediata; portanto, mate- ‘a. a = dialético; desse ponto, a infrutifera oposicao de forma e contetido pode ser su- | rid, Aes, oe const de teica nora cot determina das aa sobre as quais perguntamos no comego. Se antes éramos capazes de dizer que a tendéncia politica correta de uma obra abrange sua qualidade literéria porque abrange sua tendéncia literdria, agora somos mais acurados ao dizer que essa tendéncia literdria pode consistir num avango ou num retrocesso da técnica literdria Certamente terei sua aquiescencia 20 apresentar aqui, apenas supostamente de chofre, relacionamentos literdzios bem concretos. Russos. Gostaria de guiar oolhar do leitar a Serguei Tretiakov e ao autor “operative”, definido ¢ personifi- cado por cle nas um exemplo; Tomo a Ttherdade de reservar outros. (Ete. Sua missio no ¢ iALSHRARERSESRABMe; nao a de fazer o papel de espectados, mas de agir ativamente. Ele a caracteriza por meio dos informes a respeito da préptia atividade, Em 1928, na época da colerivizacio oral da agri- culzura, quarido o lema “Esctitores aos coleozest” foi langado, ietiakov foi a co- muna “Farol Comunista” e, durante duas estadias mais prolongadas, iniciou os seguinntes traballos: convocacio de reunides de massa; coleta de dinheiro para a 87 aquisigio de tracores: convencimento de agricultores individuais a se juntar 20s colcozes; inspecao de salas de leitura; criagéo de jornais murais ¢ diteyao do jor- nal do colcoz; reportagens para jornais moscovitas; introdugao de emissora de radio e cinema itinerante etc, Nao surpreende que o livio Leld-herren [Coman- dantes do campo], que Tictiakov escreveu ao final dessas estaclias, supostamente exerceu considerdvel influéncia na constituigéo de economias coletivistas. Vocts podem apreciar Tretiakov e ainda assim ser da opiniao que sen exemplo no clarifica muita coisa nesse contexto. Talvez vocds contestem dizendo que as tarefas que ee s de propésito, a fim de thes demonstrar (SaaS ONT Ge rs condo atual ¢ de enconcrar as formas de expressio «jue se tornem © pento de apoio para as energias literarias do presente. No passado, nem sempre existiram romances, tampouco necessariamente hio de existir; nem sempre existiram tragédias; nem sempre existitam grandes épicos; nem sempre as formas do comentario, da we dusio, mesmo as das chamadas falsificagbes, foram forinas kidicas 4 margem da literatura, mas rivera seu lugar nao apenas na escrira filoséfica, como também ica da Ardbia ou da China, Nem sempre a terética foi uma forma na escrita po irrelevante; na Antiguidade, cla assentou sua mazca em grandes provincias da li- teratura.’ Tudo isso para familiasizé-los com a ideia dé que estamos em meio a um poderoso proceso de refundisae de formas literdrias, no qual varios ancagonis- nos en que nos habituamos a pensar podem perder impacto, Permitam-ine dat um exemplo da esterilidade de tais antagonismos € de processo de sua superagao dialética. E serd novamente Tretiakov. Esse exernplo € 0 jornal. Escreve um autor de esquerda’, Em nossa literatura, os antagonismos que se frutificavam mutuamente em épocas mais felizes woritaranse antinomias insoldveis. Dessa maneira, ciéncia e belas- -letras, critica e produgéo, educacto e politica se apartam sem quaisquer conexdes ede maneira desordenada. O cendrio dessa confusdo literdria ¢ o joenal. Seu con tetido & “matétia’, que malogea em qualquer outta forma de organizacio, a nio ser naquela imposta pela impaciéncia do leiror. FE essa impaciéncia nao ¢ apenas a do politico que aguarda uma informacso nem a do especulador que aguarda uma dica, mas por tr4s dela avoluma se aquela do homem excluido que eré ter o direito de fazer uso da palavea a partir de seus interesses pessoais. Hd muito as sedag tiram proveico de que nada liga tanto 0 leitor aa jornel quanto essa impaciéncia que © “autor de esquerds” 60 préprio Benjamin, (N. E,) 88 diariamente demanda por novo alimento, & medida que elas abrem constantemen- te novas coltinas para perguntas, opinioes, protestos. A assimilagao desordenada de fatos segue de maos dadas com a igualmente desordenada assimilagio de leitores, que em pouquissimo tempo se veer aleados & condigio de colaboradores. Um romento dialético esconde-se ai: a derrocada da literanura n= imprensa burguesa se apresenta como a formula de sua restauragéo na imprensa russorsoviética A proposcio que a literatura ganha em abrangéncis o que perde em profundidade, 2 diferenciacio entre antor ¢ pablico — que a imprensa urguesa mantém viva de ma- neira convencional — comeca 2 sumir na imprensa soviética. O leitor, entrctanto, tatd sempre digpostoa se tomar alguém que escreve (ei Schreibender) —sejaalguém que descreve (cin Beschesbende), sea alguém que prsscisye (cin Vorschreibender) ‘Na qualidade de especiales ~ mesmo se néo de wna matéria, mas apenas do paste aque almeja~, cle ganbia acesso 3 condigio de auror- O trabalho em si é colocade fem palavras. E sua apresentagio em palavras € parte da habilidade necessixia para seu exercicio. A competéncia lteraria ndo se justifica mals pela formacto especiali- veda, mas pela politécnica; dessa mancira, woma-se um bem commun. Resumindo, vestecee da Titeralizacio das selagGes de vida que se assenhora das antinomias até vrigo ingolives,e sua savagio se prepara no cenério do rebafxamenso mais ines- ceupuloso da palaves: 0 jornal.? Espero com isso ter mostrado que a apresearasso do autor como produtor deve retroceder até a imprensa. Pois na imprensa, a0 menos na russo-soviética, Teconhecemos que 0 podsiaso processo de refuncligao, 0 qual mencionei ha pouco, ndo passa por cima apenas de divisbes convencionais entre as generos, intro escritor e poeta, enere pesquisador ¢ divulgador cientifico, mas revisa até mmestno a divisio entre autor € leivor, A imprensa é a instineia definidora desse processo ¢, por essa razao, toda consideracao de autor como produtor deve avangar até ela. Enueranto, mio é possivel parar por aqui. Na Europa ocidental, 0 jomal ainda é um instrumento de produgio adequado mas méos do autor. Fle ain- da pertence ao capital. Visto que © jornal, de um lado — do ponto de vista tecnico —, € 2 mais importante posigio da escrita, mas, de outro lado, essa posicdo estd nas mos do inimigo, ninguém deve se espancar com 0 fato de que acompreensao do autor sobre seu condicionamento social, seus meios técnicos «sua tarefa politica enfcente as maiores dificuldades. Um dos processos mais Secisivos dos tilimos dez anos na Alemanha foi o de parre significariva de suas cabecas produrivas, ob a pressio das condiges ecomdmicas, Pass? por um de- “Wales Benjamin, Schrifen (Crankurt ara Main, Subrkarpp, 1959): 1, p. 384. 89) senvolvimento revoluciondrio no plano de suas convicgGes, sem estar apta, ao mesmo tempo, a tepensar de maneira realmente revoluciondria seu proprio tra- balho, sua relacio com os meios de producéo, sua técnica, Como veem, falo da chamada inteligen burguesa. Na Alemanha, os movimentos politico- de esquerda, ¢ vou me limitar 4 inteligencia de esquerda fierdrios decisives da hima década nasceram dai. Vou citar dois deles, o ativismo ¢ a nova objetividade (neue Sachlichkei), a fim de mostrar, a partir de seu exemplo, que a tendén- cia. politica — independentemente de quio sevoluciondria parega — funciona de maneira contrarrevolucionaria enquanto 0 autor vivencia sua solidariedade com o proletariado apenas segundo suas convicgécs, mas no como produtor. © lema que resume as exigéncias do ativisme chama-se “logoctacia” cu dominio do intelecto (Herrschaft des Geistes). Gostamos de traduzi-lo como dominio dos intelectuais (Herrschaft det Geistigen). O conceito de intelectual (der Geistige) se fixou na area da inteligéncia de esquerda e domina seus ma- nifestos politicos, de Heinrich Mann a Dablin, Podemos perceber facilmente que esse conceite foi criado sem levar em conta a posigéo da inteliggncia no processo produtivo. Hiller, a tedrico do ativismo, no quer que os intelectuais sejam entendidos como “pertencentes a determinados ramos profissionais”. mas como “representantes de certo tipo caracteroldgico”, Evidentemente esse tipo caracteroldgico encontra-se, como tal, entre as dasses. Ele abrange inti- metas existéncias privadas, sem thes oferecer 0 menor apoio a sua organizagao. Quando Hiller formula sua recusa perante os lideres partidarios, admite que os outros dispéem de alguma vantagem,; eles podem “ter mais conhecimento em coisas importantes [...] falar com maior proximidade ao povo [...] Intar com mais coragem” do que cle, mas de uma coisa tem-se certeza: eles “pensam de miancira defeituosa’, Provavelmente, mas qual &o sentido disso, j4 que 0 deci- sivo na politica nao ¢ 0 pensamento individual, e sim — coma Brecht afirmon certa ver —a arte de pensar dentro da cabeca dos outros"? O ativismo comecou a substituir a dialérica materialista pelo bom senso, valor indefinivel em termos de classe. Seus intelectuais representam, no melhor dos casos, um grupo, Em outras palavras, o principio da formagao dessa coletividade é reaciondrio; nao surpreende que 0 efeito desse coletivo nunca poderia ser revolucionario. Imente, no lugar da fiase seguince, outra frase, posteriormente ris- cadaz “Ou, para falar como Tidtski: ‘Quando os iluminados pacifistas temtam encerrar a guerra mediante argumentos racionais, eles se tormam ridicules. Mas quando as mascs armaclas enime- © manuscrte treri origina ‘cam a apresentar argementos da razo contra a guerra, entio isso significa o fim da guerra”. cum 2 apr a eu Rt 90 Mas o principio funesto de tal eriagao coletiva continua agindo, Foi pos- cl dar-se conta disso ha trés anos, quando da publicagao de Wise und indern! (Conhecer ¢ modificar'}, de Dablin, Esse texto surgi noradamente mo resposta a umn. jovem — Dablin o chama de sr. Hocke ~, que havia se igido a um autor famoso com a pergunta “E entio2”. Déblin convida-o a tunstincias questiondveis. Socialis- juntar a causa do secialismo, mas sob ci , segundo Dablin, é “Liberdade, uniae espontines das pessoas, recusa de alquer coagio, indignacéo contra injustiga ¢ consteangimento, humanidade, ", Seja como for, cle parte desse socialismo jlerincia, sentimento de toleranci fazer frente A teoria € 4 pratica do movimento trabalhador radical. Segun- Déblin, “de nenhuma coisa pode surgir algo que jd nde estivesse dentro Ja — da luta de classes encarnigadamente exacerbada pode surgi justiga, mas socialismo”. Dblin formula da segninte maneiza a sugestdo que, por esse outros motivos, dé ao st. Hocke: O senhor, meu caro, néo pode executar seu “sim” de principio av combate (da pro- letariado) A medida que se integra & linha de frente proletiria, E preciso dar-se por satisfeiro com a aprovagio acalorada e amarga dessa batalha, mas 0 senhor também sabe: ao fazer mais que isso, uma posigo extremamente importante permanecerd vaya [..] a posigao comunista prinoudial da Hiberdade humana individual, da so- lidasiedade ¢ da associagéo espontineas dos homens. |...] Essa posigae, meu caro, é a Gnica que the cabe. Aqui se torna palpdvel petezber onde desemboca a concepsio do * tual” como tipo definido por suas opinides, suas intengdes ou suas dispo gOes, mas N4o por sua posigae no processo de produgao. Ele deve — como diz Dablin — encontrar seu lugar «o lado do proletariado. Mas que lugar & esse? O de proretor, de mecenas ideolégico. Um lugar impossivel. F assim recornamos 4 tese apresenttada no infcio: o lugar do intelectual na Inra de classes s6 pode ser definido — ou melhor, escolhido — por sua posigée no processo producivo. Brecht criou 0 conceito de “mudanga de fungio” (Unfiuaktionierung) para a transformagio de formas € instrumentos de producio no sentido de uma inteligencia mais progressista — por essa razao interessada na libertagio dos meios de producao e amante na luta de classes. Ele foi o primeire a dirigir aos intelectuais a exigéncia abrangente de nao abastecer © aparelho de producto sem simultaneamente, na medida do possivel, 0 modifica: no sentido do so- cialismo. “A publicagéo de Versuche”, assim 0 autor introdus os textos reunt- «dos sob 0 mesmo scorre num momento em que determinados traba- thos nao devem éncias to individuais (ter 0 cardter de obra). destinando-se, antes, a utilizagdo (wansformagao) de determinados institutes ¢ instituig6es”. O que se deseja nao é a tenevagao espiritual, como proclamam, os fascistas, mas sao sugeridas inovagdes técnicas. Concento-me aqui com a observagdo sobre a diferenca decisiva existente entre o mero abastecimento de um aparelho de produgdo © sua trausformacao. E quero iniciar minhas con- sideracées sobre 2 “nova objetividade” dizendo que abastecer um aparelho de producao sem o modificar — na medida do possivel —, ainda assim, é um pro- cedimento altamente controverso, mesmo que os materiais que abastecem esse aparclho parecam ser de narureza revolucionéria. Estamos diante do fato (para © qual a dltima década na Alemanha proporeionou muitas comprovagées) de que 0 aparelho burgués de produsao ¢ publicagéo assimila impressionances quantidades de temas revoluciondtios e até consegue propagé-los sem questio- nar seriamente sua propria existéncia ou a existéncia da classe que o detém. De todo modo, ii 10 permanece coreto enquanio for abastecide por especialistas (Routiniers), ainda que especialistas revolucionarios. Mas defino o especialista como homem que se nega, pot questio de prinetpio, a afastar o aparelho de produge da classe dominante por meio de melhorias em favor do socialismo. E afirmo novamente que uma parte considerével da assim chamada literatura de esquerda nao cinha outra fungao social que nao a de sacar continuamente novos efeitos da situacio politica a fim de distrair o pitblico. Chego, assim, & nova objetividade. Ela criou a reportagem. Vamos nos perguntar a quem serviu essa técnica? Para melhor entendimento, coloco sua forma fovogrifica em primeizo pla- no. O que vale para ela pode ser cransferido & forma lierdria, Aimbas deve seu extraordindrio crescimento técnica de publicacao: 0 ridio ¢ a imprensa ilustrada, Vamos remontar aos dadaistas. A forga tevoluciondsia dos dadafstas consistia em checar a autenti idade da arte, Naturezas-mortas eram compostas de tiquetes de entradas, carretéis de linha, guimbas de cigarro, tudo associado a elementos pictéricos. O todo cra emoldurado. F.assim se mostrava ao priblico: vejam, sua mofdura implode o tompo; o menor dos fragmentos auténticas da vida real diz mais do que a pintura. Da mesma mancira que a impressao digital ensanguentada de um assassino sobre uma pagina de livro diz mais do que texto. Muito dessa conduta revoluciondria foi resguardado pela foromontazem. Basta pensar nos trabalhos de John Heartfield, cuja zécnica transformou a capa dos livros em instrumento politico. Mas voltemos a acompanhar o camino da fotografia. O que vemos? Ela se torna cada vez mais nuangada, mais moderna: como resultado, néo consegue forografar mais nenbum conjunto habitacional 92 monte de lixo sem o transfigurar, E com relagéo a uma barragem ou fé- ‘ca de cabos elétticos, muito menos declarar algo diferente de “o mundo ¢ Jo” — que-vem a ser 0 titulo de um conhecido livro de imagens de (Albert) nger-Patzsch, no qual a forografia da nova objetividade esti em seu Apice. Ao jecrar a miséria da maneira em voga, perfeccionista, ela logrou tansformé-la mesmo em objeto de fruigao. Pois, se uma fungéo econdmica da forografia oferecer is massas contetidos cujo consume Ihes era negado no pasado — a rimavera, os famnosos, paises estrangeiros — por meio de elaboragoes na moda, ‘enrio uma fancao politica que cla tem € a de renovar o mundo tal qual, a partir “de seu interior; em outras palavras, renové-lo de acoudo com a moda. “Temos um exemplo dristico do que isso significa: abastecer im aparelho de produgéo sem 0 modificar. Modificé-lo significatia desrubar novamente una de suas barreisas, superar uma de suas contradigées que aprisionam a produgio da inteligencia. Nesse caso, a barteita entre a escrita ¢ a imagem. que temos de exigir da fotografia é a capacidade de dar ao instantanco aquela legenda que Ihe subtraia o desgaste da moda e lhe confira 0 valor de uso revoluciondtio. Essas exiggncias, porém, serio colocadas mais enfaticamente quando nés ~ escritores — comecarmos a forografar. Também aqui, para o autor como produtor, 0 pro- greso técnica & a base de seu progresso politico. Fm outras palavras, apenas a superacfo daquelas competéncias que, no processo da produsso intelectual, for- mam sua ordem segundo a nogio burguesa torna essa produgio politicamente adequada, E as barreiras de competéncia de ambas as forgas produtivas, que tt nham sido e1guidas para separi-las, tém de ser quebradas conjunramente, A medida que vivencia sua solidariedade com o proletariado, © autor como pro~ dutor vivencia diretamente uma solidariedade simultinea com determinados produtores que no passado nfo the diziam muito respcito. Falei de fodgrafoss quero me referit muito brevemente a uma citagio de Eisler sobre 0 miisica: Também no desenvolvimento da misica, tanto a producao quanto na reprodu- cao, temos de aprender reconhecer umn processo de racionalizacéo cada vex mals forte. [...] O disco, a filme sonoro € as, jtskebox podem distribuir execugies musicais notaveis como mercadorias em latas de conserva. Esse processo de racionalizayio far com que a reprodugéo musical se limite a grupos de especialistas cada vez menotes, mes também mais qualificados. A crise da miisica de concerto é a crise superada, ultrapassada por novas invengbes técnicas. de uma forma de produ: ‘A tarefa consistia, cntéo, numa mudanga de fungio da forma dos concer- tos, que deveria preencher dois requisitos: primeiro, eliminar a oposicdo entre executores € ouvintes; segundo, entre técnica e conteddo, Eisler faz a seguince 9 observac: ‘Devemos atentar para nao supervalorizar a musica orquestral ¢ considera a dinica arte clevada, A musica sem palavras aleangou sua grande importincia e expanséo total apenas no capitalismo”. Ou seja, a tarefa de modificar 0 concerto nao é possivel sem a aio conjunta da palavra. Nas palavras de Eisler, essa colaboragio é a Ginica maneira de tansformar um concerto num encontro politico. A partir da pega didatica A decisao, Brecht & Fisler comprovaram que tal wansformacao representa, na realidade, um feito elevado da técnica musical ¢ literdria. Se vocés arentarem para 0 processo de refiundi¢ao de formas literiirias do qual faldvamos, sera possivel ver como a fotografia ¢ a miisica foram incorpo- radas naquela massa fluida ineandescente, da qual as novas formas sio molda- das, ¢ avaliar 0 que mais as segura. Vocés teréo a confirmagio de que apenas a literalizagio de todas as relac6es da vida di a dimensao coreta da abrangéncia desse processo de fundicao, cuja temperatura de realizagao — de maneira mais ou menos completa ~ é determinada pela situacao da luta de classes. Referieme aos procedimentos de certa forografia que esta em moda, a de transformar a miséria num objeto de consumo. A medida que me aproximo da nova objetividade como moyimente literario, tenho de dar um passo 2 frente ¢ dizer que ela transformou a Auda contra a miséria num objeto de consumo. Na realidade, em muitos casos, ela consumiu seu significado politico com a conversio de reflexus revoluciondrios que surgiam na burguesia em objetos de distra 40, do laver, inseridos sem dificuldades no negécio de cabaré das gran- des cidades. A transformacio softida pela luta politica — de uma obrigagao por decidir em um objeto do prazet concemplativo, de um meio de producao em um artigo de consumo — caracteriza essa liveratura. Um critico sagez’ explicou isso a partir do exemplo de Erich Kastner da seguinte maneir: Essa inteligéncia de esquerda radical nao tem nada que ver com o movimento dos rrabalhadores. Como um fendmeno de decomposigao burguesa, ela é muito mais a contrapartida do mimetismo feudal que o império admirou no tenente da reserva Os publicitérios da esquerda tadical do quilate de Kastner, Mehring ou Tucholskey so 0 mimetismo proletirio de camadas decadentes da burguesia. De ponte de vista politico, sua fungao nao é a de engendrar partidos, mas grupos: do ponto de ‘CE Waltce Benjamin, “Linke Melancholic, Zu Erich Kise Gasellchath do novo livro de pocmas de Erich Kisner’, trad. Sérgio Paulo Rouanet, em Magia e récnica, rnewem Gedichthuch”, em Die 1,8. 8, 1931, p. 182 € seg, (ed, bras.: “Mclancolia de esquerda: a propésito arte politica, v. \- Eustis sobre literatura e bastivia da culvara, So Paulo, Brasiliense, 1986); a autocitagio modificon o texto original 04 vista literdrio, nao escolas, mas modas; do ponto de vista econémico, néo produ- tres, mas agentes. Agentes ou especialistas (Roatiniers) que fazem muito alarde de sua pobreza ¢ transformam 2 monotonia sonolenta em uma festa. Impossivel arranjar-se mais comodamente 1uima situacio incémoda. . Dessa mancira, Essa escola, como eu disse, fez muito alarde de sua pobrez afastou-se da tarefa mais urgente do autor de hoje: o reconhecimento do quan- 10 pobre e de quae pobre precisa ser, a fim de conseguir comecar do zero. Pois esse € 0 ponto. Embora o Estado soviético nao va expulsar os poetas, como fer © de Plato, vai the passar tarefas — € por isso me recordei do Estado plardnico no inicio — que néo lhe permitem apresentar a riqueza ha tempos falsificada da personalidade criativa em novas obras-primas, Esperar uma renavagéo no sentido dessas personalidades, obras assim, ¢ um privilégio do fascismo, que cria formulagées tio toscas como aquela com que Ginter € ariindel encerra sua rubrica literdria em Sendung der jungen Generation [Missio da jovem geragao]: “Nao poderiamos fechar melhor esse panorama senio atentando para 0 fato de que 0 Wilhelm Meister ou 0 Verde Henrique de nossa geragio até hoje nao foram esctitos”, Nada esta mais distante do que aguardar ou desejar tais obras do autor que refletiu sobre as condigées atuais de produgio. Seu trabalho nao envolverd apenas os produtos, nas sempre, simultaneamente, os meios de pro- dugéo, Em outras palavras, ao lado do carter de obra, scus produtos devem ter uma fungdo organizadora. F de modo nenhum sua utilizacdo oxganizativa pode limitar-se & propagandistica. $6 a tendéncia nao garante nada. O exce lente Lichtenberg afirmou: néo importa a opiniée da pessoa, ¢ sim que tipo de pessoa essa opinifo faz. dela, Claro que a opinio tem muita importincia, mas mesmo a melhor delas no serve de nada se néo tornar dtil aqueles que as +ém. A melhor tendéncia € errada se nao mostra a atitude com a qual temos de segui-la. Eo escriror sé pode apresentar essa atitude quando faz alguma coisa: ou seja, quando escreve. A tendéncia éa condigao necessiria, nunca suficiente, de uma fungdo organizativa das obras. Essa exige ainda 0 compostamento die retivo, instrutivo, daquele que escreve. Um autor que néo ensina nade aos que escrevem no ensina nada a ninguém. Dessa maneira, o caréter de modelo da produgio decisivo: primeiro, deve-se orientar os outros produtores na pro- dugéio ¢, em segundo lugar, disponibilizar-Ihes um aparelho melhorado. F esse aparelho € tanto melhor quanto mais consumidores levar de volta & producio; ou seja, quanto mais for capaz de transformar leitores ou espectadores em co- laboradotes. J dispomos de um modelo desse tipo, mas ao qual aqui s6 posso fazer alusdes. Trata-se do teatro épico de Brecht, 95 Vex ou outra, sio escritas tragédias ¢ 6peras as quais aparentemente se dis- ponibiliza um aparato cénico jé bastante garantido, mas na realidade elas sao abastecidas por um aparado obsoleto. “Essa falta de clareza reinante entre mi- sicos, autores ¢ criticos sobre sua situagio”, diz Brecht, tem extraordindrigs consequéncias pouco levadas em. consideracio. Ao acteditar que estfo de posse de um aparetho que, na realidad, os possui, cles defendem um apaiclho tobre o qual néo tém mais concrole, que nao é mals ~ como ainda acredi- tam — um meio para os produtores, mas que se wunou meio contra os produrores. O teatro das engrenagens complicadas, do enorme engajamento de figuran- tes ¢ dos efeitos refinados tornou-se um meio contra os produtores no apenas porque procura recrutar os produtores para a concorréncia desesperangada na qual 0 cinema € 0 ridio os meteram. Fsse reatro ~ independentemente de pensarmos naquele de formagao ou naquele de lazer, pois ambos sto comple- mentares — é 0 de um estrato saturado; tudo 0 que cai em suas mdos se torna estimulance. O lugar que ocupa é um lugar perdido, Nao é esse o caso de um teatro que, em vez de concorrer com os novos instrumentos de publicagéo, procura aplicé-los ¢ aprender com eles, ou seja, confronti-los. O teatro épi- co tomou esse confronto como causa. Comparando-o com o estégio arual do desenvolvimento do cinema e do radio, ¢ 0 mais contemporanco. No interesse daquele confronto, Brecht se voltou aos elementos mais pri- mordiais do teatro. De certa maneita, ele se contentou com um pédio. Abriu mio de ages espagoses. Assim, foi possivel modificar a relagéo funcional entre palco ¢ pliblico, texto ¢ encenagio, director ¢ atores. O teatro pico, ele explicou, tem menos de desenvolver agdes do que apresentat situagées. Ele obtém tais situag6es, como veremos a seguit, ao interromper as ages, Recordo-thes aqui as anges, que tém como funcio principal a interrupsio da ago. Nesse momen- to, fica claro que o teatro épico — ou seja, que aplica o principio da interrupgao — adota um procedimento que lhes é conhecido nos iiltimos anos de cinema ¢ radio, imprensa e fotografia, Refiro-me ao procedimento da montagem: a montagem interrompe o contexto no qual ¢sté inscrida. Petmitam-me justificar breverente por que esse procedimento tem agui sua legitimidade total. Ainterrupgio da acéo, motivo pelo qual Brecht designou scu teatra como épico, confronra constantemente a ilusio do priblico. E que tal ilusio é ina- dequada para um teatro que pretende examinar os elementos da realidade no sentido de uma ordenagao experimental. Mas as situagGes est4o no final dessa experiéncia, nao no comeso, Situagées essas que, de uma mancira ou de outra, %6 pre sto as nossas. Elas nao sto aproximadas do publico, clas se distanciam jc. Com espanto, o piiblico as reconhece como as verdadeiras siragies — nado como no teatro do naturalismo, com presungao. O teatro épico nao roduz as situagées; antes, as descobre. A descoberta das situagdes acontece meio da interrupgao do curso dos acontecimentos. Entreranto, a interrup- ¢20 aqui nao tem um cardter de excitac4o, mas uma fungae organizativa. Ela congela a aco que se desenrola, obrigando o espectador a tomar posi¢so em relacdo & acdo ¢ ao ator, em relagao a seu papel. Quero Ihes mostrar, com um. exemplo, como adescoberta c a figuragto do gestual de Brecht so uma revon- versio dos mérodos de montagem (decisivos no cinema e no ridio), pasando de mero procedimento que muitas veres est em voga para wm acontecimento humano. Imaginem a seguinre cena de familia: a mulher est cin vias de pegar uma estatueta de bronze para langé-la contra a filha; o pai, prestes a abrir a janela para pedir ajuda, Nese momento, um estranho entra, A agso é inter- rompida; o que surge em seu lugar & situagio sobre a qual 0 olhar do estrantio recai: expressées altetadas, janela aberta, méveis danificados. Mas hé um olhar io tao diferentes. diante do qual nem mesmo as cenas mais convencionais s Trata-se do olhar do dramaturgo épico. Ele opée a obra de arte total ao laboratério dramatico. Ele recrocede, de uma nova maneira, 4 antiga grande chance do teatro — 4 exposigao do que & presente, © ser humano est4 no centro de suas experiéncias. O homem de resfriado num ambiente frio, Mas coma hoje: ou seja, um homem reduzid esse ¢ 0 tinico que esté & disposicao, temos interesse em conhect-lo. Ele passard por provas, avaliagdes. O resultado € 0 seguinte: 0 acontecimento nao pode ser alterado em seus pontos altos, néo por meio da virtude e deciséo, mas simplesmente em seu transcurso rigidamente habitual, por meio da razéo & do exercicio. © sentido do teatro épico € construir a partir dos menores ele- mentos dos madas de comportamento aquilo que na dramaturgia aristottlica é chamado de “agit”, Por essa raziv, seus meios sio mais modestos que os do teatro tradicional — seus objetives também. Seu objerivo é mnenos preencher © piiblico com sentimentos, ainda que de revolta, do que fazer com que esse pliblico sinta um estranhamento duradouto em relagio as condigées em que vive, Observeuios, ainda que de modo casual, que para o pensar ndo ha melhor comego que o rit. E uma agitacéo do diafragma geralmente ofeccce melhores condicées ao pensamento do que a apitagao da alia, O teatro épico ¢ copioso aperias em motivos para rir, 7 Talvez. voces tenham notade que os processos de pensamento — de cujas conclusées nos aproximamos ~ apresentam 20 autor apenas uma exigéncia, a cxigéncia de refletir, de meditar sobre seu lugar no processo de producto. Po- demos nos fiar nisto: essa teflexio faz com que os autores qite /mportam — quer dizer, os melhores técnicos de sua especialidade — cheguem, cedo ou tarde, a conclusées que justificam da maneira mais sébria sua solidariedade com 0 proletariado. Por fin, gostaria de apresentar uma comprovagéo acual na forma de um pequeno trecho da revista local chamada Commune, que organizou uma pesquisa: “Para quem voct escreve?”. Cito a resposta de René Maublanc, bem como as observagées suplementares de Aragon. Maublane diz: “Sem divida, escrevo quase cxclusivamente para um publico burgués. Primeiro, porque te- nho necessidade” — aqui, Manblanc aponra para suas obrigagées profissionais come professor do gindsios segundo, porque sou de origem burgnesa, rive educagéo burguesa ¢ venho de um meio burgués; desse modo, tendo naturalmente a me dirigir 4 classe & qual per- tengo, a que melhor conheco ea que melhor consigo compreender. Mas isso nao significa que cu escrevo para agradé-la nem para apvid-la. De um lado, estou con- vencido de que a revolucée proleraria é necesséria ¢ desejavel; do outro, que seré mais rpida, facil, vitoriosa e menos sangtenta quanto mais fraca for a resisténcia da burguesia, [..} © proletariado necesita hoje de aliados do lado da burg exatamente como no século XVIII a burguesia necessitou de aliados do lado feudal Quero fazer parte desses aliados. Aragon observa 0 seguinte: Nosso camarada toca aqui sum assunto que diz respeito a um grande niimero de esctitores atuais, Nem todos tém a coragem de encarar isso de frente, [...] S4o raros aqueles que dispdem de tanta clareza em relacio & propria situagio como René Maublanc. Juscamente deles é que temos de exigir ainda mais, [,..] Nao € suficicate enfraquecer a burguesia de dentro para fora, é preciso combaré-la juntamente com o prolerariado. |...] Diante de René Maublane ¢ de muitos amigos nossos entze os escritores que ainda estio indecisos, ha o exemplo dos autores russos que sairam da burguesia russa ¢ que, apesar disso, se tornaram pionciros da construgao socialista. Foi o que disse Aragon. Mas como eles se tornaram pioneiros? Certamente nao sem batalhas muito amargas, discussdes dificeis. As reflexdes que lhes apre- sentei tentam tirar proveito dessas batalhas. Flas se apoiam no conceito que dlareou decisivamente o debate sobze a postura das inrelectuais russes: 0 con- ceito do especialista. A solidariedade do especialista com o prolerariado — eis 0 inicio dessa clatificacio — 86 pode ser uma solidariedade mediada. Os ativistas 98, 0s representantes da nova objetividade podem comportar-se como quiserem: es é impossivel eliminar do mundo o fato de que mesmo a proletarizacio dos celectuais quase nunca cria um proletrio. Por qué? Porque a classe burguesa enttegou, por meio da educacio, um meio de produgio; ¢ o privilégio da lucacao torna o intelectual solidario a classe burguesa ¢, mais intensamente, torna solidéria a ele, Por essa raz, ¢ absolutamente correto quando Aragon Ideclara, em outro contexto; “O intelectual revoluciondrio aparece primeizo, ¢ ‘acima de tudo, como traidor de sua classe de origem”. Essa traicio consiste, no caso do autor, num comportamento que o transforma de fornecedor do apare- Iho de produgdo num engenheiro que considera sua rarefa adequi-lo aos obje- ja, Trata-se de uma eficécia mediada, mas que acaba, tivos da revolugao prole! por libertar o intelectual daquela tarefa puramente destrutiva & qual Maublane e muitos colegas consideram necessirio ter de se limitar. Seta que ele consegui- 14 incentivar a socializacao dos meios de produgio intelectual? Ele enxerga os caminhos p2ra organizar os trabalhadores intelectuais no proprio processo de producdo? Tem sugesrées para a mudanca de fungao (Umfunkeionierung) do romance, do drama, do poemia? Quanto mais ele for capaz de adequar sua atividade cm relacéo a essa tarefa, mais correta estard a rendéncia, maior tam- bém serd, necessariamente, a qualidade técnica de seu trabalho. Por outro lado, quanto mais ele estiver ciente de seu posto no processo de produgio, menos se apresentard como “representante do ‘espirito” ("“Geistiger”). O espitito que se rorna perceptivel em nome do fascismo tem de desaparecer. O espitito que enfrentard o fascismo confiando em sua propria forga milagrosa vai desapare- cer. Pois a batalha revolucionaria nao se dé entre 0 capitalismo ¢ espirito, mas entre 0 capitalismo ¢ 0 proletariado. JL KORRERTUR: Sreadbryes bitte Conversas com Brecht Anotagées de Svendborg 1934 4 de julho. Longa conversa na enfermaria de Brecht em Svendborg, ontem, sobre meu ensaio “O autor como produror”. Na opinifo de Brecht, a teotia ali desenvolvida — a de que umn ciitério decisive de uma funcio revolucionizia da literatura consiste nos progressos écnicos que resultam em. uma mudanga de funcéo das formas artisticas ¢, portanto, dos meios de produgio intelectual ~ vale apenas para um tipo: o do escritor da grande burguesia, no qual cle se inclu. “Esse”, disse ele, é de fato solidétio com 0s interesses do proletariado em um ponte: 0 ponte do desenvolvimento de seus metas de produgao. Mas, na medida em que esté nesse ponto, esté também proletarizado como preduror, por completo, nesse mesmo ponto, Essa proletarizacdo integral num ponto torna-o solidario com toda linha do prolerariado. Brecht considerou muito abstrata minha critica aos escritores proletarios de observancia becherista. Ele procurou cortigi-la por meio de uma aniilise do poema de Becher publicado num dos tiltimos nimeros de uma das revistas oficiais de literatura proletéria, intitulado “Ich sage ganz offen...” (Digo aber- tamente], Brecht comparou-o, de um lado, com seu poema diditico sobre a arte dramitica para Carola Neher, De outro, com “Le Bateau ivre” [“O barco ébrio”, de Rimbaud]. “Ensinei varias coisas a Carola Neher”, disse. Ela nfo apenas aprendeu a representar; comigo, aprendeu, p. ex. a se lavar, E que ela se lnvava pata deixar de estar suja. Isso estava fora de questio. Ensinci-the como lavamos 0 rosto. Depois, ela o fer com tanta perfeicio que quis filmé-la em acao. Mas nao foi possivel, porque na epoca cu néo estava com vontade de filmar, ¢ ela nao queria ser filmada por outra pessoa. Esse poema didético pode servir de modelo, Cada aprendiz, estd determinado a ficar no lugar do “eu” do poe- ma. Ao dizer “eu”, Becher — na qualidade de presidente da Unido dos Fscricores Proletatios-Revolucionarios da Alemanha — considera-se modelo. $6 que ninguém quer imité-lo, Apenas somos informados de que ele esté sarisfeito consigo mesmo. 101 ) de escrever Nessa ocasifio, Brecht declarou que ha tempos tem intenga uma série de poemas modelates para profissdes diversas — 0 engenheiro, 0 escri- cor. Por outro lado, compara 0 poema de Becher com o de Rimbaud. Em sua opiniao, se Marx e Lenin tivessem lido este tiltime, teriam percebido o grande movimento historico do qual ¢ expressio. Eles teriam reconhecido facilmente que 0 que se descreve nae € © passcio cxcéntrico de um homem, mas a fuga, 0 vagabundear de um homem que nao suporta mais as barteiras de uma classe que comegava— com a Guerra da Crimeia, com a aventura mexicana ~ a abrir também os destinos exdticos da Terra para seus interesses mercantis. Trava- -se de algo da ordem do impossivel integrar na representacio modelar de um batalhador proletario os gestos do vagabundo sem amarras, que confia suas questées ao destino, que dé as costas 4 sociedade. 6 de julho. Brecht, no transcorrer da conversa de ontem: Muitas vezes penso num cribinal me interrogando. “Explique melhor, © senhor sti falando sério?” Eu teria de reconhecer: nao roralmence série. Afinal, tam- bém penso muiro no arristico, naquilo que beneficia 0 teatro, ¢ nio di para ser totalmente sério assim. Mas, 20 negar essa importante pergunta, eu acabaria por actescentar uma afirmagao ainda mais importante: a de que meu comporiamento é permitido. Trata-se, por certo, de uma afirmacéo feita com a conversa jf adiantada. Brecht no comegou duvidando da licitude de sua atitude, mas de seu impac- to, A partir de algumas observagdes que fiz sobre Gerhart Hauptmann, ele afirmou: “As vezes me pergunto se esses nZo sao mesmo os tinicos poetas que realmente alcangam alguma coisa: os escritares de substéncia (Substanz-Dichter), quero dizer”. Para Brecht, esses sao os que levam as coisas totalmente a sério, ‘A fim de explicar essa nogao, cle parte da fantasia de que Confiicio haveria escrita uma tragédia — on Lénin, um romance. Fle explica que isso Thes seria tido como imprdprio ¢ um comportamenta indigno Vamos supor que voc leia um extraordindrio romance politico ¢ mais tarde des- cubra que é de Lénin: sua opinido a respeito mudaria e se tomnaria desfavordvel aos dois. Confitcio também nao poderia escrever uma pega de Eurfpedes, pois seria considerada indigno. Mas suas pardbolas nao 0 séo. Resumindo, trata-se da diferenciagao de dois tipos literérios: de um lado, © visiondrio, que leva as coisas a sério; de outro, 0 refletido, que ndo leva tudo tao a sécio, Nesse ponto, levanto a questao sobre Kafka. A qual dos grupos ele 102 pertence? Sei que a pergunta nao tem resposta, E exatamente sua indetermina- géo € 0 sinal, para Brecht, de que Kafka —que ele considera um grande escritor, como Kleist, Grabbe ou Biichner — é um fracassado. Seu ponto de partida é realmente a pardbola, a alegoria que deve responder razo ¢, por esse motivo, néo pode ser Icvada totalmente a sério no que diz respeito a sua literalidade. ‘Mas essa parabola estd submetida, ainda, a composicao. Ela toma a dimensio de um romance, do qual carregava desde 0 inicio uma semente. Nunca foi totalmente transparente, Alids, Brecht est4 convencido de que Kafka nao teria encontrado sua propria forma sem o gtande inquisidor de Dostoiévski ¢ aque- las outras pardbolas de Or irmaos Karamdzov, em que 0 cadaver do santo anciao comega a feder. Em Kafka, 0 parabélico esté em conflito com o visiondrio. Mas Brechr diz que, como visionario, Kafka viu que estava por vir, sem ver 0 qui Ele enfatiza, como fez antes em Le Lavandou, mas de mancira mais clara para mim, o lado profético em sua obra, E diz que Kafka tem um problema, ape- nas um, o da organizagio. Ele se abalou com 0 medo do Estado das formigas: como os seres humanos se distanciam mutuamente (sich selbst entfremden) por meio das formas de sua vida colctiva. E certas formas desse distanciamento tinham sido previstas por ele, como o método da (policia secreta russa] GPU. Mas ele nao encontrou uma solucio e nao despertou de seu pesadelo. Sobre a precisio de Kafka, Brecht diz que ela é da ordem do impreciso, do sonhador. 12 de julho. Ontem, apés 0 jogo de xadrez, Brecht disse: Bem, se Korsch vier, teremos de inventar um navo jogo com ele, Um jogo em que as posigdes ndo sejam sempre as mesmas; cm que a funeSo das pegas se modifique depois de terem permanecido no mesmo lugar durante certo periodo: elas se torna- riam mais cficazes ou mais fracas. Nao é assim que funciona; as coisas permanecem iguais por um tempo longo demais. 23 de julho. Ontem, visita de Karin Michaelis, que acabou de regressar de sua viagem & Riissia e est4 exultante. Brecht se recordou da sua, guiada por Tretiakov. Esse Ihe apresentou Moscou, orgulhoso do que mostrou ao visi- tante — independentemente do qué: “Nao € ruim’, disse Brecht, “pois indica que pertence a ele. Nao temos orgulho das coisas dos outros”. Depois de um tempo, ele acrescentou: “Sim, mas no final fiquei um pouco cansado. Afinal, sho seus soldados, seus caminh6es. Infelizmente nao s4o meus”. 103 24 de julho. $ estiio desenhadas as palaveas: “A verdade & conesera’. Um peqneno burro de obre uma das vigas que suscentam teto do escritério de Brecht, madeira que balanca a cabeca esté junto & janela, Brecht colocou uma plagui- aha nele, na qual escreveus “Tambem eu tenho de entender isso” 5 de agosto. Hé trés semanas entreguci a B. meu ensaio sobre Katka. Ele certa- mente o Jeu, mas munca puxou esse assunto ¢, nas duas vezes que tentei condu- 2ir a conversa pata isso, respondeu de forma cvasiva. Por fim, sem dizer nada, peguei de volca o manuscrito, Ontem & noite, ele volrou de sibito a esse ensaio. ‘A transigo, um tanto direca ¢ arriscada, veie na forma de uma observacio de que também eu nao podia me sentir cotalmente isento da reprovagae de escre- ver na forma de didrio, no estilo de Nietzsche. Segundo ele, meu ensaio sobre Kafka, por exemplo — que se ocupeu de Kafka apenas do lado fenomenologico — pega a obra como algo que cresectt por si—o homem também -, dissociando-a de todas as conexdes, inclusive da conexio com sout autor. Brecht disse que eur me ocupo somente da exséncia, Por outro lado, a maneira cocreta de abordar rema, em sua opiniao: é preciso se aproximar de Kafka perguntando: “O que ele fa7?”; “Como se comporra?”. E, no comego, deve-se focar mais ne geral do vordvel que no particular. Pois, encio, conclui-se: ele viveu em Praga num dest ambiente de jornalistas, de literatos presungosos; nessc mundo, a literatura cra a realidade principal, sendo a anica; as forcas e as Flaquezas de Kafka estio ligadas a tal concepsao; seu valor art(stico ¢ cambém sua inutilidade miltipla. Ele € um rapaz judeu — assim como também seria possivel cunhar o termo rapaz atiano —, uma criatura fragil, desagradivel, uma bolha sobre o pantano cintilance da culzura de Praga, apenas isso. E ele continua: também ha deter- minados lados, muito interessantes. F possivel ressalté-los; é preciso imaginar uuma conversa de Lao-tsé com o discipulo Kafka. Lao-tsé diz: Bem, discipulo Kafka, as organizagaes, as formas sociais ¢ econdmices nas quals vood vive se tornaram angustiantes? — Sim. — Vocé mio consegue mais se oriencar nelas? ~ Nao. — Agoes da Bolsa Ihe so estranbas? ~ Sim. — E agora vacé pede um. lider ao qual vacé pode se apoiar, discipulo Kafka Clato que isso € reprovavel, diz Brecht, E mais: afinal, eu zejeizo Katka, Ele cita a paribola de um filésofo chinés sobre “os softimentos da utilidade”. Na floresta, ha diversos eroncos. Dos mais grossos, yém as rabuas de barcos; dos troncos menos grossos, mas ainda imponentes, as tampas de caixas ¢ fretros, dos hem finos, as-varetas; dos tortos, entretanto, nao vem nada — cles escapam dos softimentos da utilidade. 1o4 E preciso olliar para aquilo que Kafka escreyeu como estando em meio a tal flores- ta, Vamos encontrar um tanto de coisas muito ites. As imagens sf0 boas. O resto, porém, & dissimulacio (Geheimniskrimerei). OQ que € bobagem. fi preciso deixar feso de lado. Nao se avanga com a profindidade. A profundidade ¢ uma dimensio para si, € apenas profundo — [4 onde nada emerge. No final, expliquei a B. que me aprofundar meu jeito de chegar aos an- tipodas. Em meu trabalho sobre Kraus, cheguel ali. E sabia que 0 ensaio s0- bre Kafka nao fora vio bem-sucedido: nao era possivel negar as anotacoes no estilo de didrio, Na realidade, me interessa 0 confronto no epago fronteirigo de ourte modo, por Kafka. Por fim, que no caso de Kafka ainda nio analisei esse espaco. B que tenho consciéucia de que hi muito entulho ¢lixo, muita dissinula¢éo pura ¢ simples. Mas o que impor’ é e meu trabalho tocou nisso em alguma medida. Disse de Brecht devetia ser avaliado na interpretagio de “A proxima aldeia’. Pude observar 0 conflito em que B. se meteu com a proposta. Ele rejeirou com veeméncia a conclusao de Fisler de que essa historia seria “sem valos". Por outto lado, mo quis definir seu disse ele. Em seguida, a conversa determinado por Kraus ¢, certamente outra coisa, ainda que o questionamento ‘ema obra especifica. Propus valor. “Setia preciso estudé-la com exatido”, vessous eram de horas, tempo das noticias radjofOnicas de Viens em, um louge e animado debate sobre mes Kafka, Sua base: 31 de agosto, Anteont De que amplia ¢ dissemina 0 obs- ‘qacusacio de que ele Favorece o fascismo judeu. caro a0 redor dessa figura em vex de dissipicto, Diante disso, alou Brechs, 0 que quer dizer, formular as sugestées pratiitveis que podem importa ¢ ihuminar Kafka: demos extrair sugestoes delas, scr extraidas de suas historias. E de se supor que po tpem que seja em razao da calma soberania que determina a atitnde dessas narrativas. gestées no sentido das grandes catéstrofes Entretanto, é preciso procurar essas su Brecht procura registro delas na gers que se abatem sobre a humanidade hoje soca de Kafka. Ble se atém basicamente & abra Q proceso. Em sua opinilo, nela se conta, sobrerudo, o medo do crescimento incessant: cirefreivel das grandes oi- “dades, Fe diz conhecer, pot experiencia propria, o pesadelo que essa ideia provoca ‘bo cer humano, As excessivas mediagoes, dependéncias, compartimentagbes que os homens enfrentam por meio de suas formas consemporaneas de exisréncia encon- ram expressio nessas cidades, Estes, por su vez, encontrar vam “fer” — mim mundo em que tins acusam 03 outros ¢rodos se safama este pado por todos imo representa para o pequeno-burgués aquele que pode ser aul considera () proceso um livto profético, “Sabemos pelo expresso no desejo seus fracassos. Brecht 405 exemplo da Gestapo 0 que a Tehcka pode se rornar” A perspectiva de Kafka: a do homem que cai debaixo das rodas. Odradek é caracteristico: na interpretacio de Brecht, a preocupagio do pai de familia std representada pelo 2elador do imével O pequeno-burgués tem dese dar mal. Sua siruagao éa de Kafka. Mi 5, enquanto © tipo corrente de pequeno-burgués — ou seja, 0 fasclsta ~ decide, por causa da situa- 0, aplicar sna vontade férrea, inquebrantivel, Kafka é sibio, mal se opée. Onde o fascista emprega o herofsmo, ele emprege perguntas, Ele pergunta por garantias para sua condicéo. Mas essa € ral que as garantias teriam de ir além de qualquer pa- dria razoavel. ‘Trats de uma ironia kafldana que o homem que nao parece estar convencido de nada, exceto da caducidade de todas as garantias, fosse um agente de seguros. Alids, seu pessimismo ilimirado esté livre de qualquer sentimento tagico de destino. Pois nao apenas a expectativa do insucesso esté calgada empiricamer te — entretanto, ali consumada -, mas de mancira incorrigivelmente ingénua cle deposita o critério do sucesso final nes eventos mais insignificantes ¢ cotidianos: a visita de um caixeiro-viajante ou algum questionamento numa reparti¢ao, A con- versa se conecntrou por algum tempo no conto “A préxima aldeia’, Brecht explica: cle 0 oposto da historia de Aquiles ea tartaruga. Ninguém chega 2 aldeia seguinte juntando as menores partes de sua cavalgada, sem contar os contratempos. Por sa razo, a vida é muito curta para a cavalgada, Mas ba um crro nesse “ainguém’”, Assim como a cavalgada é decomposta, o cavaleiro tumbérn é. E, quando a unidade da vida some, também some sua brevidade, Fla pode ser breve & vontade. Isso nao imporra, pois outra pessoa (que no € a que saa cavalo) chega a aldcia, De minha parte, dou a seguinte interpretagio: Olhando para «rds, ela atravessa a vida como um raio, Com a mesma rapidez que a verdadeira medida da vida ¢ a lembranga. folheamos algumas piginas pata tds, cla foi da aldeia seguinee ao lugar do qual 0 cavaleito decidiu partir. Aqueles cujas vidas se eransformaram cm eserita, como 0 velho, querem ler essa escrita apenas de tris para frente. Somente entéo encontram asimesmius © somente entio—na fuga do presente — conseguem entendé-la. 27 de setembro, Drager. Numa conversa noturna que aconteceu ba alguns dias, Brecht expas a inerivel indecisio que no momento atrapalha a determinagio de seus planos. © que causa essa indecisdo sie — como ele mesmo afirma—os privi- légios que diferenciam sua situacdo pessoal daquela da maioria dos emigrantes. Se, no geral, ele pouco admite a emigragao come base de agées ¢ planos, scrvir- se dela, em seu caso, éalgo irrevogavelmente dencgado. Seus planejamentos sto ais abrangentes. Ele esta diante de uma alcernativa. De um lado, aguardam es- bocos de prosa, O menos, Ui— uma sétira de Hitler no estilo dos historiégrafos 106 do Renascimento -, ¢ 0 maios, o romance de Tui*, O romance de'Tii pretende dar uma visio geral enciclopédica sobre os disparates dos Telectuais-In (dos in- telectuais); parece que se passard, a0 menos em parte, na China. Um pequeno modelo dessa obra esti pronto. Ao lado dos projetos de prosa cle esta ocupado com aqueles que remoncam a estudos ¢ reflexdes muito antigos. Enquanto as reflexes, que suxgiram no Ambito do teatro épico, puderam ser registradas, no pior dos casos, nas notas ¢ nas introdugdes de Versuche, as reflexées que se origi- naram dos mesmos interesses desde que se uniram ao estudo do leninismo, de um lado, ¢ as tendéncias das ciéncias naturais dos empiricos, do outro, suplan- taram esses contextos to limitados, Hii anos elas se agrupam sob esse ou aquele conccito, de modo que a ldgica nao atistorélica, a teoria comportamental, a nova enciclopédia, a critica das ideias alternaram-se no centro do trabalho de Brecht. Essas diferentes ocupagoes convergem arualmente na ideia de um poe ma didatico filoséfico. Os escrtipulos de Brecht partem da seguints questo: se cle—em fungéo de sua produgéo até o momento, mas principalmente tendo em vista suas partes satiticas ¢ Romance dos és vinténs — conseguitia obrer o crédito nocessério junto ao piiblico para tal empreitada. Essa davida conjuga dois pea samentos diferentes, Primeiro, conforme cresce o envolvimento de Brecht com 0 problema e os mérodos da luta de classes proletasia, manifestam-se algumas consideragées sobre a expressio das posturas satirica ¢ irénica como tais. Mas essas consideragées — que sio de natureza pratica — nao seriam compreendidas caso fossem identificadas com outras, mais profundas. As consideragées de uma camada mais profunda se ditigem ao clemento artistico ¢ lédico da arte, mas ptincipalmente aqueles momentos que a rornam parcial ¢ ocasionalmente re- fratdtia a rarao. Esses esforgos herciileos de Brecht, de legitimar a arte perante a razdo, remetiam-no a cada vez & parabola, na qual a maestria artistica se jus tifica porque os elementos da arte desaparcoem dela no final. E. sio exatamente esses esforgos pela pardbola que se impéem atualmente com forma radical nas reflexées que despontam no pooma didatico. No transcorrer da conversa, tencei explicar para Brecht que tal poema diclético deveria buscar sua aprovagiio menos entre 0 publico burgués do que entre o proletatio, que supostamente vai fixar seus critérios menos na produgéo anterior de Brecht, em parte de orientagao burguesa, do que no contetido clogmtico e teérico da poesia didtica em si. “Se (O romance de Tui no chegaria a ser concluldo, Ja a sitira de Hitler se tornow uma pera — into mais em moldes renascentistas, mas ambientada na Chicago dos gingsteres—, A resistin ascensio de Arturo Ui, que Brecht escreveu em 1941. (N. B.) 107 esse pocma didético conseguir mobilizar a autotidade do marsismo para si”, eu Ihe disse, “entio sua produgio anterior pouco podera abal4-a” 4 de outubro, Ontem Brecht partiu para Londres. Aquilo que ele propric chama de atitude provocadora de seu pensamento se torna agora muito uais perceptivel na conversa do que antes ~ scja porque Brecht se sence tentado a is- so devido a minha prescnca, seja porque estd mais disposto a tanto nos dltimos tempos. Sim, nora um vocabulétio especial, surgido dessa atitucle. Ele gosta de usar o rermo “linguicinha” (“Wiirstohen™*) com essas intengoes. Em Dragos, ii principal responsével por minha doenga. E, para reforgar, contou como uma “yime ¢ castigo, de Dostoiévski. Psimeiro, ele afirmou que essa leitura era a doenga (que provavelmente jf 0 havia infectado tempos atrés) se manifestou nele quando certa tarde um colega de escola tocou Chopin ao piano; ele estava fiaco demais para protestar, Brecht considera que Chopin e Dostoidvski tém influéncias malignas sabre a salide, Mas ele também se posicionow de todas as maneiras em relacéo a minha leitura ¢, visto que ao mesmo tempo ele estava endo Schweyk, néo se furtou em comparat o valor dos dois aurores. Assim, Dostoiévski nao seria pareo para Hasck ¢ deveria ser incluido sem mais aos “Whirstohen”; ¢ nao falrou muito para que tivesse sido estendida a suas obras a denominagio que Brecht ultimamente reserva aquelas sem carter explicativo ou que o negam: ele as chama de “magaroca” (“Kiump"). 1938 28 de juno. Eu estava no meio de um labirinto de escada . Esse labirinto nao estava totalmente coberto. Subis outras es cadas levavam para baixo. Em um pacamar, percebi que chegara ao ponto mais alto. Abriu-se uma visio sobre toda a area. Vi ontras pessoas sobre outros picos. Uma delas foi subitamente acometida por tonturase caiu. Essa tontura cspalhou-se; outras pessoas cafratn de outros picos. Quando também eu fui cometido dessa sensacio, acordei. Em 22 de junho, encontrci-me com Brecht. Brechr aponta para a elegancia c a despreocupacio na aritude de Virgilio ¢ de Dante e as caracteriza como 0 fando do qual se exgue o grande “gestus® de Virgilio, Ele channa os dois de “promencurs”. E enfatiza a categoria classica de Inferno: “Dé para lé-lo ao ar livre”. +“ hasichen” € usado coloquialmente como sindnimo de “pobre coitado”, “pessoa insign:fi- 108 Breche fala de seu enraizado édio, berdado da avé, pelos padres, Ble deixa entrever que agueles que se apropriaram do ensinamento ceérico de Marx ¢ 0 manejam sempre formario uma camarilha de padres. O marxismo se presta muito facilmente a “interpretagao”, Ele tem cem anos de idade e deu mostres... (nesse momento, somos incetrompidos). “O Estado deve sumir.’ Quem diz isso? O Estado.” (Aqui cle s6 pode estar se refetindo & Unido Soviética.) Brecht se coloca diante da polrrona na qual estou sentado, sagaz, dissimulado — esti representando “Estado” — ¢ com um olhar de soslaio desvonfiado, e diz a um mandante imagindrio: “Sei que devo desaparecer” Uma conversa sobre os novos romances soviéticos. Nao os acompanhamos mais, Daf chegamos @ lirica ¢ & tradugio lirica russo-soviética a partis das mais diversas inguas, que inundam a Das Wort”. Brecht acha que os autores Id estio em: dificuldades. “Considera-se algo premeditado quando o nome de Stélin nao aparece num poem.” 29 de junho. Brecht fala do teatro épicos cita o teatro infantil, no qual os exros da montagem, funcionando como efeitos de estranhamento, conferem tragos €picos & apresentagio. Pode acontecer algo parecido no teatro mambembe (Schmiere). Lembrei-me da apresentacéo de El Cid em Genebra; quando olhei la primeira vez para a coroa torta na cabega do rei, surgiram as primeiras leias daquilo que escrevi, nove anos depois, no livro sobre o drama bartoco. Brecht, por sua vez, citou 0 momento no qual esta ancorada a ideia do teatro ico. Foi um ensaio da montagem de Munique de Eduardo HI. A batalha que awece na peca devia ocupar o palco por 45 minutos. Brecht nao conseguiu conta dos soldados. (Asja [Lacis], sua assistente de direcio, tampouco.) 1 fim, ele se dirigiu a [Karl] Valentin, a época seu amigo intimo, que estava confuso, perguntou: “Entio, que tal? Como estio os “Estao pélidos; tém medo”. Essa observagao foi decisiva. resente no ensaio, Idades?”. Valentin: recht acrescentou: “Esto cansados’. Cs rostos das soldados receberam uma cossa camada de giz, E, nesse dia, o estilo da montagem foi encontrado. Logo a seguir surgi o velho tema do “positivismo légico”. Mostrei-me bas- cc intransigente, ¢ a conversa ameagou tomar um rumo desagradavel. Ele i evitado quando Brecht admitiu pela primeira vez a superficialidade de sua rmulasdo. ko fez com a bela formula: “A profunda necessidade corresponde ’ intervengdo superficial”. Mais cade, quando nos transferinmos para sua Revista meusal literdsia de auvozes exilados, publicads em Moscou. (N.'T) 109 i casa — pois a conversa acontecia em meu quarine uma po- sigio excrema, somos apanhados por uma ¢poca de reagia. Chegamos, nto, a uma ponto intermediario”. Foi assim que se passou com ele; Brecht disse ter se tornado tolerante, A noite: quero encregar a alguém um pequeno presente para Asja; luvas. Brecht acha que isso € complicado. Poderia surgir 2 ideia de que Jahna! teaha The pago servigas de espionagem com duas luvas. “O pior: direcivas? inteiras sto sempre desperdigadas. Mas suas instrucdes provavelmente permanccem validas.” 1? de julho. Recebo respostas muito céricas todas as vezes que me refiro a con- digdes russas. Hé pouco, quando perguntei se Otewald ainda estava preso*, a resposta foi: “Se ainda puder sentar, estard sentado”, sobre Baudelaire): 4 de julho. Ontem 4 noite. Brecht (durante uma convers “nao sou contra 0 associal; sou contra o no social”. 21 de julho. As publicagdes de Lukiics, Kurella ¢ outros causam muito desgos- toa Brecht. Mas ele acha que nao se deve confronté-los no terreno da teoria. Levo a pergunta ao terreno da politica, Ainda assim, ele nao faz. mistério de suas formulagées. A economia socialista nao precisa da guerra, por isso também nio a suporta, O “amor a paz” do “povo russo” expressa isso, apenas isso, Nao € possivel haver eca- nomia socialista em um s6 pais. O armamento fez com que o prolerariada russo hecessariamente rettocedesse muito — cm parte, para estagios ha muito superados do desenvolvimento histérico. O mondrquico, entre outros. O regime personalista domina a Ritssia, Apenas os cabecas-duras podem negar isso. Toi uma conversa breve, que logo se interrompeu. No mais, Brecht ressal- tou nesse contexto que, com a dissolugao da Primeira Internacional, Marx ¢ Engels foram arrancados dos contextos de agao do movimento trabalhista ¢, dai em diante, distribuiram apenas conselhos — além do mais privados, nao destinados a publicacao —a lideres individuais. Também nao ¢ por acaso, em- bora seja lamentavel, que no final Engels tenha se voltado as ciéncias naturais. Nao suber 1os com certezt 0 nome do portador inaginada; calver Hans Heany fal Leitura duvidosa. O vetbo sitzen (sensar-se") também é usado cologuialmente para se refevir & condigio de preso ou de repecéneia escolar. (N.T) 110 Brecht disse que Bela Kun é seu maior admirador na Rissia. Brecht ¢ Heine s4o 08 tinicos poetas liricos alemies aos quais ele se dedica [sie]. (Ocasional- mente Brecht alude a determinado homem no comité central que 0 apoia.) 25 de julho. Ontem pela manhé Brecht veio aré mim com seu poema sobre Stalin, intitulado “Discurso do camponés a seu boi”, No primeiro momento, néo comprcendi seu sentido; no segundo, quando me passou pela cabesa 0 pensa- mento a respeito de Stilin, nao ousei seguri-lo. ‘Tal efeito correspondeu aproxi- madamente d inrengio de Brecht. Fle a explicou na conversa a seguit, na qual ressalrou, entre outros, justamente 06 momentos positivos no poema. Trata-se, na verdade, de uma homenagem a Sxélin, que, de acordo com sua opinido, tem imensos méritos, Mas ainda nao esté orto. A ele, Brecht, ndo cabe outra forma mais entusidstica de honrarias est no exilio, a espera do Exército Vermelho. ‘Acompanka os eventos na Ritssia ¢ também os escritas de'Tistski. Bles compro yam que ha uma suspeita, uma suspeita justificada que exige uma observacio cética das questées russas, Tal ceticismo esté no espirivo dos clissicos. Caso um dia se compzove, entéo seria preciso combater 0 regime — aberiamente. Mas, “infelizmente, ou gracas a Deus, como queira’, essa suspeita ainda nao € certeza hoje. Derivar dai uma politica como a trotskista nao € algo justificivel, “Por ou- tro lado, no hé diavida de que na propria Réssia certos bandos criminosos agem. Por fim, Brecht enfatiza que somos especialmente atingidos pelos retrocessos dentro de nosso Percebemos isso de tempos em tempos a partir de seus crimes proprio pais. “Pagamas por nossa posicio; etamos cobertos de cicatrizes. Evi- dente que também estamos especialmente sensiveis.” ‘No fim da tarde, Brecht me encontrou no jardim lendo © capital. Brecht: “Acho muito bom vocd estudar Marx agora, quando topamos cada vez menos com cle e particularmente pouco entre nossa gente”, Respondi que prefiro ler 9s livros mais comentados depois de safrem de moda. Passamos 4 politica lite- rdzia cussa. “Com essas pessoas”, falei, referindo-me 2 Lukécs, Gabor, Kurella, “nao d4 para fazer um Estado”. Brecht: Ou apenas um Estado, néo uma comunidade, Eles so inimigos da producto, A producio Ihes € suspcita. E 0 imprevisivel. Nunca se sabe seu resultado. E eles pré- prios nfo querem produzir. Querem se fazer de appanitehik ¢ controlar os outros Cada critica deles contém uma ameaga. Chegamos, nao sei por que caminhos, aos romances de Goethe; Brecht conhece apenas As afimidader elesivas. Nele, admirou a elegincia do jovern. qi Quando lhe contci que Goethe escrevera a obra aos 60 anes, ele ficou muito espantado. Disse que o livto néo tinha nada de filistino, Tratava-se de um feito cxtraordinério, Falou ainda que poderia desfiar um rosario a respeito, visto que 9 drama alemAo, até nas obras mais significativas, carrega tracos desse espirito. Observei que a recepeio de As afinidluctes eletivas foi a esperada, ou seja, muito ruim, Brecht: Fico contente em saber. Os alemaes so um povo desprevivel (Scheifovlk). E nao 6 verdade que mio se podem tirar conchusées sobre os alemées a partir de Hitler ‘Yambém em mim tudo que ¢ alemio € ruim. © insuportével nos alemées & sua autonomia torpe. Algo como as cidades livres de Império, por exemplo, essa cidade: despreaivel de Augsburg, nunca houve em lugar nenbbum; Lyon nunca for uma cidade livre; as cidades anténomas do Renascimento eram cidades-Estado. Lukacs um alemfo por adogao. Scu alento* desapareceu por completo. No caso de Schinsten Sagen vom Riuber Woynok [As mais belas lendas do salteador Waynok], de [Ania] Seghers, Brech: elogiou a libertayao da autora de sua encomenda. “Seghers no consegue produzit sob encomenda, assim co- mo cu nao saberia nem comegar a escrever sein uma encomenda.” Ele também clogion o fato de um turiéo solitério ser a figura principal nessas narrativas. 26 de julho. Brecht, ontem & noite: “Nao & mais possivel duvidar de que 0 combate 4 ideologia tornou-se uma nova ideologia” 29 de julho. Breche lé para mim varias discusses polémicas com Lukécs, estu- dos para um ensaio que deve publicar na [Das] Wart, So araques dissimulados, porém veementes. Brecht me pede conselhos sobre sua publicagio, Visto que ao mesmo tempo me conta que Lukdcs est4 com bastante prestigio “Li” (“drii- ben"), cu Ihe respondo que nfo poderia Ihe dar nenhum conselho. “Mas sao questées de poder. Alguém do lugar tinha de se manifescar a respeito. Vooé tem amigos 14,” Brecht: “Na verdade, no tenho amigos Li. E os moscovitas ct si também nao tém, como os mortos”. 3 de agosto. Em 29 de julho, a0 anoitecer, entabulamos uma conversa no jardim sobre se parte do ciclo “Cangées infantis” tinha de ser publicada num No original, Pusee, “alento”, “respiracio’, “Iblego", “estado de espirita”. Pelo contexto, po- rém, fica a divida se Brecht néo queria dizer Puseta, uma tradicional paisagem hiingara — (NT) parte plana da grande plinicie hinga 2 fo livro de poemas, Eu no fui favordvel, porque achei que o contraste entre poemas politicos ¢ pessoais sessaltava especialmente a experiéncia do exilio, e néo deveria ser reduzida por uma sequéncia disparatada. Provavelmente ixei ransparecer que nessa sugestio estava em jogo outra ver 0 carter des- tivo do Brecht questionador daquilo que havia recém-conquistado. Brecht: Eu sei, vio falar de snim: ele era um maniaco, Se este tempo for legado, entao a compreensio por minha mania serd legada junto. Os dias de hoje serao 0 pano de fando para o maniaco, Mas 0 que eu realmente quero é que algum dia se diga: cle era um maniaco modentdo. Segundo ele, 0 conhecimento da moderacao também nao poderia ser negli- genciado no livro de poemas de que a vida, apesar de Hitler, continua, de que sempte haveri criangas. Brecht pensa na época sem histéria, da qual seu poema ofetece una visio aos artistas plésticos; alguns dias depois, ele me disse que considerava seu in{cio mais provavel do que a vitéria sobre o fascismo. Mais tarde, ainda como justificativa para a entrada de “CangGes infantis” em Poemas do exiliot, Brecht, em pé no gramado, anunciow com um taro arrebatamento um novo argumento: Na luta, nada pode ficar de fora, Eles nio planejam mada pequeno. Planejam para daqui a 30 mil anos. Monstruosidades. Crimes monstruosos. Nade os frela, Ats- cam tudo. Cada célula eseremece sob seus golpes. Por essa t2740, nic podemos nos cequecer de nada, Eles murilam o flho no venere da mae. Ndo podemos debear as criangas de fora, de maneira nenbunra Enquanto ele falava assim, senti agit sobre mim wna violéncia & altura da violéncia do fascismo; quer dizer, uma violéncia que emerge de profunde- zas histdricas néo menores daquelas do fascismo. Foi uma sensagao estranha, inédita para mim, Em seguida, elzs cotresponderam 20 rumo tomado pelos pensamentos de Brecht. Eles plancjam devastagies de proporgoes glaciais. Por essa razio, nao conseguem se juntar a Igreja, que também é uma marcha milenar. Eles também me proletasizaram ‘Néo me tiraram apenas minha casa, meu lago de peixes ¢ meu automével, como também roubaram meu palco e meu piblico. De onde estou, nao posso confinmar que Shakespeare tena sido, basicamente, um talento maior. Mas também ele ndo teria escrito para a gaveta. Allis, suas personagens 0 rodeavam. As pessoas que ele replesentava caminhavam por ali, A duras penas ele conseguiu extrait alguns cragos de seu comportamento; alguns, {gualmente importantes, foram defxados de lado. © Publicado como Poemas de Seendborg. (N.E) 413 Inicio de agosto. Existe na Ritssia uma diradura sobre o proletaziad. E preciso evitar desligar-se dela ‘enquanto cla ainda faz um trabalho pratico ao proletariade — quer dizer, enquanto contribui para um equilibrio entre 0 prolecariado ¢ © campesinato ao representar predominantemente os interesses prolecdrios. Alguns dias depois, Brecht falou de uma “monarquia trabalhista’, ¢ on comparci esse oxganismo com os grotescos jogos da natureza em forma de um peixe com chiftes ou outras monstruosidades que séo tiradas de alto-mar hoje em dia. 25 de agosto, Uma maxima brechtiana: nao partir do antigo bom, mas do novo ruim. 4 Posfacio da edigdo alema Rolf Tiedemann O realizado pode er exquecidlo e guardado no presente. Antiquado sempre é apenas o que deu errado, a frustrada promesta de novidade. Adorno ‘Ao nos embrenharmos hoje em discussdes como aquelas dos anos 1920 1930 entre os teéricos marxistas, a maioria delas nos pareceré curiosamente cnvelhecida, quigé arcaica, A impressio nao é subjetiva, mas historicamente produzida. Nesse meio-tempo, enquanto na Alemanha cada qual assume vo- luntariamente sua falta de liberdade, ¢ um capitalismo transformado, mas de- finitivamente consolidado, parece ter impedido qualquer perspectiva de socie- dade politicamente livre, os assim chamados Estados socialistas — enquanto avancam em sua libertagao do stalinismo — de inicio pouco sabem lidar com a liberalizagio de uma mancira que ndo seja.a de assimilar, preferencialmente o méximo possivel, as relagdes capitalistas-liberais do Ocidente. Mas 0 que se dé no Ambito ccondmico ¢ social encontra equivalente no campo ideoldgico. O ptimado da producio orientada a exportagio para além das reais exigéncias de consumo, no Leste, ¢ da estabilizagio de relagdes de producao objetivamente superadas, no Oeste, corresponde no Oeste [“aqui”, hier] 4 onipresenga de uma cultura de massas que no Leste ["l2’, dorf| também ao menos se prepara — por exemplo, com o surgimento de uma subcultura na qual os adolescentes de Praga ou Leningrado mal s¢ diferenciam dos de Frankfurt ou das cidades dos colleges estadunidenses. Esse truismo materialista de que base ¢ superestrurura estio relacionadas foi gradualmente apropriado pela consciéncia teérica ¢ mes- mo pela consciéncia publica também do lado da cortina que deixou de ser de + Texto escrito para a primeira edigdo alemni-ocidental desta compilagio, publicada em 1966, (N.E) 5 ferro em relagéo aos produtos da industria cultural — tclevisio, ridio, cinema, Dessa maneira, iniimeras investigagGes sociolégico-empiricas sto dedicadas aos meios de comunicagio de massa; entretanto, uma sociologia da arce pouco avangou até agora: a falta de uma reoria desenvolvida sobre a relacio entre so- ciedade € arte se 1eflete no ambito da pesquisa. Quando vez ou outra sociélo- gos € especialistas em arte trabalham cm conjunto, os aspectos tedricos de seus traballios exaurem-se em grande parte em declaragées abscratas a respeito de a arte auréntica estar frente a frente, de maneira mais ou menos aurénoma, a constituicao real da sociedade, a qual por sua vez deve possuir, junto ao ser da obra de arte, um ser auréntico para o ser extraordindrio (¢in vor blossen Sein “firr anderes dausgenommenes Sein an dem der Kunstwerke besitzen soll). Hexdeira da consciéncia burguesa desde 0 idealismo e do classicismo alemao, a ideia da auronomia estérica sobrevive na arte contemporinca mesmo quando a obra fechada em si deixou de ser representativa: na medida em que esta € definida em sua totalidade eassociada de maneira pouco feliz com a palavra “abstracdo”, tal ideia concorda com as obras de arte burguesas 20 reconhecer que a Gnica norma obrigatéria da congrugneia artistica ¢ a imanéncia estéri “a; apenas a esfera na qual tal congruéncia se manifesta parece ser intereambidvel: uma vez éa csfera formal; outra vez, uma esfera do material. Desde 0 recolhimento da bandeira do realismo socialista do ourro lado, no Leste — ¢ as evencuais recai- das, com decisées do partido ¢ do comiré central tentando levar os artistas pelo cabresto, s6 arestam quo definitivamente a bandeira foi arriada —, lé também parece haver progressa na linha de fuge de uma autonomizagio da producio artistica (apesar de ainda fragil, excessivamente exposta a sungoes, mas sem sombra de divida ganhando terreno). Sao justamente as resistencias que prerensées como a da “auronomia do poets’, “liberdade de escrever 0 que quiser”!. encontram em instancias do Estado © do partido que evidenciam © inicio da cis’o entre os intclectuais ¢ a sociedade também na zona oriental. Quase nenhum artista que se torna conseiente de sua autonomia pode ser se- duzido pela antiga politica cultural marxista, que exigia do artista decisées “baseadas na luta de classes”, “decisées” que em geral haveriam nao apenas de se referir a caracteristicas do politico (que cada artista também o é), como tam bém de fazer parte integral de suas obras. Lemas como o da tendéncia ou 0 do partidarismo, com os quais Lukes outrora arremeteu contra Trdtski, ov as | Walter Benjamin, “O autor como produtor”, p. 85 deste volume. Idem. 116 entativas brechtianas de atair “mais de 3 mil esportistas do movimento ope- nirio (Arbeitersporiler) da segao Fichtewandres”? para a produgao de wn file" ¢ de debater com alunos da escola Karl Marx no baitto de Neukalln, em Ber lim, modificagdes de Aquele que diz sim, aguele que diz nao, estao sob uma camada de patina. Eles tocam com a violéncia do recém-ocorride no que é menos distante que 0 verdadeiro pasado, pois no decorrer do tempo esse tempo faz, frontcira imediata, possivel de ser vivenciada, com o presente, mas simultaneamente é ainda mais estranho do que a totalidade dos séculos passa- dos, que nao nos diz mais respeito. A patina sobre o mazxismo de 1930 docu- menta que o que antes parecia estar diante da porta esti obstruido até como possibilidade, mesmo se o fracasso da revolugio alema ja tivesse decidide 0 contritio; entretanto, ela igualmente 0 recobre para que também hoje a oricn- tasio racional — quer dizer, socialista — da sociedade nao permancca menos abandonada, Se Brecht, no periodo das pecas didaticas, compreendia a tearia (sim, a arte) como indicagéo direta pritica, e Benjamin — cujos trabalhos sobre Brecht focam em grande parte nesse perfado — tentou legitimar critica- mente tal pretensio, entao nao é tanto a impoténcia estérica dessas empreita- das, sua indiferenciagdo ¢ as vezes seu primitivismo que os entregaram ao es- eu envelhecimento deve estar muito mais enraizado no quecimento ilegitim envelhecimento da prépria pritica na mitica sociedade aual. Essa, economica- mente algemada ¢ ao mesmo tempo levada a seu limite; gerando nas formas da produgio em massa, sob a impressao de novo, somente mais do mesmo; apesar de toda a expansio, provavelmente tendendo a tegredir ao estado da mera re- ptodugao; mal deixa espago, de maneira objetiva, 4 condugao racional ¢ a0 argumento tedrico enérgico. O artista nao pode mais decidir seguir sua auto~ nomia ou orientar “sua atividade de acordo com o que é titil pata o prolecaria- do na luta de classes”, ¢ 0 desaparecimento tanto do proletariado quanto da luta de classes — se néo das classes — é o menor dos motivos para isso, Envelhe- cida: utrapassada pelas relagées reais, sem ser efetivada por nenhuma, surge nesse meio-tempo aquela atitude do pensamento voltada 2 objetividade, na qual como nas revolugées burguesas — 0 poder do pensamento podia quebrar © poder real, a conscitncia podia deverminar 0 sex, “Como ha de ser detide quem sua condigio reconheceu? / Pois os vencidos de hoje sao os vitoriosos de 2 Bertolt Brecht, Schrifien zum Theaier 2 (Franklurt am Main, Sulukamp, 1963), p. 226. * Traca-se de Kishle Wamspe, de 1932. (N.T.) * Walter Benjamin, “O autor come produtor’, cit 117 amanhi, / Fo nunca se twansformard: hoje aindal”, Se um dia tais versos en- toaram em mi bemol maior aquilo que antes do estabelecimento do fascismo nao carecia totalmente de chances coneretas —a conetetizacio da utopia — eles se tomaram veladamente o desvait do tarde demais (Zu spd), lembranga das possibilidades perdidas da histéria, Aquela hist6ria marcada pela burguesia conservava, nesse sentido, 0 chamamento em suas grandes obras de arte, que nunca foram apenas ideologia, mas que sempre se serviram, simmultaneamente, de maneira abstrata (begriffilos) dos conceitos da critica da ideologia, Tais ver- che: simular (tr als sos inspiraram também a concepsio do teatro épico de ob) para identificar o real simulado (das reale Abs 06) (0 social vivenciado como primeira narureza) em sua ideologia. Mas a sociedade tornou-se a propria ideo. ismo da economia, conduzido pela produgao e per investimentos logia. O dirig excessivos, por meio do qual, unicamente, a vida da sociedade ainda pade ser reproduzida, rompe © principio liberal da concorréncia ¢ recebe como paga mento 2 imagem de um mercado racional. A racionalidade da sociedadle con- temporanea é uma racionalidade particular, exigida pela irractonalidade do todo. Mas que a saciedade como um todo — que devora o que é verdadcira- mente particular — se disponha, por fim, a se reproduzir segundo ordenagées intacionais tanbém destitui o fundamento in 7e da critica da ideologia de tipo tradicional. Se as criagdes tradicianais do espitivo objetivo, a0 confrontar sua pretensio imanente com stia fungibilidade social, petmitiam a invocagao 20 potencial racional da infracstrutura social econémica durante a cra da socieda- de conglomerada (Evmheitsgeselischafi), essa infraestrutura veio 2 ser uma histé- ria natural que se concretiza, sobre a cabeca das pessoas, como relacao do des- tino, A obrigacio de se adaptar ds regtas do jogo a fim de ao menos sobreviver devolve a pergunta sobre 0 uso pattidario de criacdes da superestruturas ela tende a aproximar o pensamento como um todo as tentativas de orientagio da crianga num mundo cadtico, O engajamento do artista ¢ do filésofo na politi- ca revoluciondria procura 9 opeste, mas acaba se confundindo sobre © que € objetivamente possivel hoje. Sua categoria nao é invaridvel, a-histdrica; sob as condigdes da sociedade contemporanea, néo ¢ possivel criar, de maneira autoritdria-hereronémica, por meio de um golpe de violéncia, aquilo que ape- nas a autonomia, que foi negada, podia executat. > Bertolt Brecht, Atnderr Gedichte (Berlim, Aufbau, 1952), p. 2 118 Ele tinha tanto humor que, por exemplo, néo conseguia imaginar algo como ordem sem desorder, Ele sabia que imediatamente ao lada da maiar ardem esté a maior desordem; ele cvancou tanto que chegou a dizer: no mecmissimn lugart Brecht Longe de ser desprezado, por um tz 0 coneeito de arte politicamente engajada receberia o mesmo direito que a auténoma seivindica — hoje principalmente por causa do caniter duvideso da arte. Tedricos nao dignos de desprezo (wn- verichiliche) ve coutrapoem nio apenas a Brechr, mas também a Sartre e, entre 05 mais jovens, por exemplo, a Riihmkorf, a uma arte pela arve hicraticamente estilizada. A cooperacao politico-artistica entre Brecht ¢ Benjamin ocorre antes de Auschwitz ¢ Hiroshima. Ela nao pode ser retirada de seu contexto historico, mas certamente também foi menos problemética do que os textos fazem supor. No final, esses textos também se tornam um testemunho a mais de como artis- tas— caso cinicamenre abrissem mao de qualquer pendor politico — se vingavam_ daquilo que a politica fizera com seu ttabalho, na snedida em que se constituiam nos individuos menos confidveis possiveis para o partido. Existem alguns indi- clos de que, para Brecht, no decorzer dos anos, o artistico estava cada ver. mais a frente do politica: mesmo para comprovar sua distancia da politica comunista rotineira ndo sio necessdrias as anotagées do diario benjaminiano: Fritz Stern- berg relata algo similar em relacao ao tempo anterior ao fascismo. Dispomos ainda das palayras do esctitor, em sen tiltimo ano de vida, de que os alemacs continuavam navistas, independentemente de carregarem a caderveta da CDU ED (Partido Socialista Unificade). O en- gajamento propagandistico-politico de Benjamin eca ainda significativamente (Unidy Crista-Demoerstica) ou do $ mais enigmético, um verdadeiro dervatus prodev. Ele chegou ao materialismo dialético relativamente tarde, quando seu tempo heroico na Alemanha era pas- sado, ¢ se manteve agarrado a ele enquanto alguns renegades jé montavam uma nova idcologia a partir do anticomunismo; outros, antes socialistas empederni- dos, como Dablin, havia muito tinham se postado a caminho de Roma. Tal ex- temporaneidade pode ser 0 estigma daquele que de mado nenhum quer nadar com a corrente, que nunca fi “ciéncia segundo a moda”. A opgéo de Benjamin pelo matetialismo se deu menos por solidariedade com os representantes do marxismo politico ¢ cientifico do que por uma rebeldia contra o resto. 119 A propaganda mais forte que se possa imaginar de uma ideologia mavetialista me tocou [...] na forma das obras “representacivas’, que vieram & tona do la burgués em minha cignucia — historia da literatura ¢ eririea — nos sshimos vinte anos. Tenho € do ) poucy que ver com « producto de orienta, com 0s monnmentos que tipos como Gundolf ou Bertram ergueram —e, paca me diferenciar de mancira precoce ¢ clara contra a medonha monoronia desse fazer jo académica quanta oficial e nao oficial, nao foram necessirios pracessos merxistas de pensamento [..] mas agradego 3 oricniaedo metafisica bisica de minha pesquisa.” O materialista histérico também observa as cicatrizes nas obras de arte que a separaciio do trabalho intelectual em relagdo a0 corporal — condigio da arte, alids — deixon na histéria. Como estudioso da estética, porém, ele esta igual- mente interessado na salvagio dialética da obra de arte; a teotia brechtiana ¢ sua adaptacfo por Benjamin estavam em busca de uma nova definicao de atte capaz de suscentur » eponence burgués tardio. Também cra preciso reparar algo daquela injustiga infligida contra a propria obra de arte & medida que foi sub- metida A mediacio na qualidade de “bem cultural” c acabou levada aos museus de formagae. Nesse sentido, a intransigéncia com a qual tanto Brecht quanto Benjamin n3o permitiam a diminuicio do comprometimento social da arte tem uma parte de verdade, Especialmente porque os escriros politico-artisticos de Benjamin protesravam de antemdo em nome da arce contra as formas tradi- cionais de sua recepeao, contra o membro da elite cultural (Bildumgsbiizger) que em seu tempo livre ou porque estava oficialmente designado para tanto sente “empatia” (sieh ‘einftihis") no contetido das criacbes, destilando-lhes “va- lotes erernos” ¢ “ideias atemporais”, Jao tedlogo Benjamin nio deixou dvidas de que a atte néo cxiste para climinar o pensar, Os argumentos mais fortes a favor dessas opiniGes certamente foram oferecidos pelas obras de Brecht, por meio das quais Benjamin sentia-se ligado teoricamente também “com maior medida as execriveis e toscas anilises de Franz Mchring” do que “As descri- des mais profundas do império das ideias, como as nascidas hoje da escola de Heidegger”. A teoria avanca em direcdo 4 nogio — implicica nos trabalhos, sobre Brecht, mas desenvolvida no grande ensaio “A obra de arte na era de sua reprodurtibilidade técnica” — de que a recepgio da arte, a fim de ser adequada, de produzir consequéncias sociais, deve ser organizada coletivamente, A esse lado, por assim dizer ao aspecto subjerivo da estetica posterior de Benjamin, ‘Walter Benjamin, carta de 7 mar. 1937 2 May Rychner (mannserico). Idem. 120 rresponde outro, que determina o lado de objeto da obra de arte: nenhumn < dois é mera demonstra¢ao da intengao de seu produror, cada um apresenta sedimentagio de processos sociais objetivos, cada um é expresso de um co- voz “As condicées econdmicas, sob as quais a sociedade existe, expressam-se ina superestrucura’®, Entretanto, os textos de Benjamin a respeito de Brecht raramente conseguem registrar suas melhores inervagées de mancira suficiente, Assim, a compreensio da objetividade de obras de arte, de seu nticleo social, € retrovertida a um falso subjetivismo, quando aquelas bem-sucedidas si liga- das a determinados modos de comportamento social dos artistas, devendo, por cxemplo, depender da confirmagio da pergunta: “Ble enxerga os caminhos sso de produ- ao?”’. Da mesma maneira, 0 mero fait social da recepgao em massa em Sh nao para organizar 0s tabalhadores intelectuais no préprio proc deveria ser chamado de progressista; pelo contrdrio, uma relagio racional com. as obras de arte seria possivel antes para o individuo centrado em si do que para os coletivos. Parece que a recepyio em massa, glorificada por Benjamin, se atrevia a pular fora da hisiéria, assim como a tevoluyio bolchevista acreditava ser capaz de nao levar em conta os erros da classe burguesa. De todo modo, modificagdes sociais — pot dependerem das pessoas - acontecem independen- temente de apelos & nevessidade de alteragdes. Possivelmente © programa brechtiano da formacio de téenicos, que Benjamin subscreveu, aconteceria também nas ovisas da arte. Mas nenhum tipo de recepgio coletiva é capaz de educar para a especidlizayao artisticas ela é conquistada unicamente pela pene- tracio contemplativa nas mais diferentes obras ~€ hoje traa-se das auténomas, de Beckett, nio das pecas didéticas de Brecht. Primeiro por meio de uma espe- cializacéo das mais extremas, mais cogas airavés, & que se daria talver, uma co- mogio (Affizierung) do observador em si, visto que estes se modificam; se por essa razao ele ik se harmonizar — refletindo de maneira monadolégica as mo- dificagdes da sociedade — com 0 seal, isso é algo que ao menos Ihe diz respeito. Os excritos de Benjamin sobre Brecht nao se alongam sobre esse tipo de dialé- tia, Fles se apresentam como exegeses escolisticas. Brecht, por sua ver, tam- bém os entendia dessa maneira; para cle, Benjamin nao eta supostamente ape- > dem, ‘Paris, die Hauprstade des XIX. Jahchunderts” (Pasagenarbrit), coletanca K 2, cltado em Rolf Tiedemann, Snudien sur Philosophie Walter Benjamins (Frankfurt am Main, Euro- piache Verlagsanstalt, 1965), p- 106 [ed. bras: “Paris, capital elo séeulo XIX, em Walter ‘lavio R. Kothe, Sé0 Paulo, Atiea, 1985, p. 30-43]. Idem, “O autor como produto: it. Benjamin, rad. € 01g. 121 nas seu melhor critico ~ quer dizen, © mais aeritico. Brecht tinha em Benjamin alguém em quem nio podia confiar. Sua apologética de Brecht néo pode ser romada isoladamente, cada frase de Benjamin exige do leitor pensar também em todas a5 ourras frases do autor, Aqucle que sabia esconder tantas coisas ce dia formulow, na citada carta a Rychner, o que verdadeiramente determin sua afinidade como materialismo dialético. Ele ndo queria ser visto como repre sentante dese muaverialisme “como um dogma, mas como um pesquisador’ « 4 quem 4 postura do materialist, cientifica © humana, em relacio a codas as coisas que consideramos miveis se parece mais fecunda do que a idealista, Se eu siver de resumir: nunca consegui pesquisar ¢ pensar de cutra mancira send num senticlo teoldgico (caso possa me exprestar assim) — ou seja, de acordo com o ensinasrenie talmiidicn dos 49 degraus de sentido da Tord. Mas, seg nda vinha experigneia, 3 imaie gasta placitude comunisea tem mais hierurgniat de sentido do que 0 pensamen to profundo atual da busguesia, que dispde apenas da apologética."" Os textos benjaminianos sobre Brecht sé tinham cabimento aquele que de- cifrasse o lapidar em suas premissas, 2 quem teconvertesse sua palavra simples numa complexa, sua simplicidade na coisa mais estranha, Pelavras simples nie nuscem senapre, como gosiamos de acreditan, de mentes simples [..}; antes, formuam-te historicdmente Pois assire coma apenas o simples tem a probabilidude de dust ‘por sua vee a maior simplicidade é apenas o produto dessa dierarae. Benjamin O interesse de Benjamin por Brecht ¢ da mesma ordem que scu apreco por Joann Peter Hebel e Robert Walser, aparentade também com sua fascinacao de vida inceira por livros infantis, Sua linguagem lacénica pode cer arigado a nostalgia por aquela serenidade sagrada que Hélderlin evocava ¢ que quase anuncia a ideia regiiladora da lingua alema. Fle intiulua “Deis tipos de tradi- G40” o comentiio sobre uma tentativa pessoal de usar palavras simples; em sua opinizo, tais formagées tinham alcangado um tipo de segunda tradigéo, libera da do carérer de aura da falsa primeira, sem congracamento hipécrita com a Jem, carta de 7 mar, 1931 a Max Rychner (manuscrito) classe baixa, € com as quais ele temtava aprender que o simples é o mais dificil de set realizado, Mesmo logrande éxito, quando Benjamin tinge a propria Tinguagem de um laconisma semelhante 20 dos modelos — como nos trabae Thos sobre Brecht -, 0 resultado permanece contraditério. Nesse momento, por sua vex, sua linguagem também esti envolvida pela regressio social que quer defendé-la e, como uma linguagem regredida em si, nao estd livre da is critica que Adorno faz da de Brecht, que se torna “coo de relacoes soci arcaicas, que sao irretornaveis’!!. Mas, se 0 desenvolvimento da sociedade burguesa nfo pode ser simplesmente evitado, os caminhos do campo ¢ da floresta (Feld. und Holzwege) de Heidegger de modo nenhum sio aqueles tri- Ihados por Brecht ¢ Benjamin. Nao por acaso, Benjamin encontra tanto para os textos de Hebel quanto para os de Brecht a metéfora das trilhas furtivas ¢ clandestinas (Basch- und Scheichpfaden); clas levam contrabando as escondidas: aquilo que nao mais arte é disseminado na forma de obras de arte. A segunda tradigao que Benjamin experimentou engloba, na consequéncia, a negacto da arte. Porque a tradicao da realidade nao tem mais forga, porque aquela “nogio bésica da problemética da arte”? que Benjamin descobsira na interpretagio alegésiea (Adlegorese) barroca se rornau certera, por isso € preciso dar ui salto excéntrivo para o interior da prética imediata, encerrar seriaments a interpretacdo do mundo e se voltar a suas transformacées. Nos lugares em que sua inclinacao Benjamin — denunciado co:mo autor dificil ~ realmente segui a0 simples, 20 reduzido, a0 direto, ele abriu mio do papel do tedrico da arce ¢ se contentou com o de politico ou, melhor, de pedagogo. Mas nisso ele se en- contra, recorrendo 3 mediacio precipitada pelo sistema de Hegel, com a-verda- de na construggo das relagées entre teoria ¢ praica em Kant: canto aqui como na filosofia de Benjamin, ambas as 4reas — o pensamento registrando 0 que se comporta de maneiza antagdnica na rcalidade — estao completamente separa- das; moralidade, 2 acdo do homem nao pode ser derivada da teoria, mas de- pende do postulado: trata-se também de uma forma da uropia, aquela que por meio do “ainda” néo se engana a si mesma e as pessvas, mas s¢ fixa na ideia de que poderia ser assim, Entretanto, a obra de arte no sentido tradicional, como posigéo tedrica em relagao & objetividade, perderia, assim, sua relevancia; 11 “Theodor W. Adorno, Noten zur Literatur H1 (Frankfurt ara Main, Subrkamp, 1965), p- 125. Walter Genjamin, Unprang des deutschen Treverpiels (Vrankfurt em Mala, Subrkamp, 1963), p. 195 [eds bras: Origem do drama tngico alemin, trad, Joao Barrento, Belo Hor zone, Auténtica, 2011], como Brecht, Benjamin estava absolutamente consciente de que suas experi- mentagées valiam para formas sem fungées artisticas primdrias, para as quais também seria melhor prescindir do conecito de obra de arre!*, O equilibsio enue a maior simplicidade de expressao ¢ uma cxpressao verdadeiramente labi- rintica da matéria literaria (Gedichtesen) preserva a obra de Kafla de maneira sem igual. O hermético de Kafka ¢ irmanado de forma incestuasa justamente com sua literalidade. Enquanvo Brecht fracassava de maneira lamentivel dian- te de Kafka na tentativa de obcer “sugestées praticéveis”" dele, Benjamin apon- tou constantemente para a parabola como modelo das narrativas kathianas: om Seja, para uma forma que em sua versio mais desenvolvida faz parte da escai dos intelectuais, mas que em neahum lugar nega sua origem na acte popular. Aquilo que Benjamin desconsiderou (udsai/) come um gesco despretensioso em Kafka vale para a obra integral deste Ultimo: ela telaciona “o maior grau de enigma com o maior grau de simplicidade’™’. Ao contririo, a simplicidade de autores como Hebel e Walser, 0 aspecto da simplicidade em Kafka, em Brecht e, por fim, no préprio Benjamin, isso ¢ sempre o que hd de mais eniguxisico. © ayanco alcancade no desvendamento de Kafka pode quasé determinar a categoria de algugm. Ne controvérsia sobre Kafka entre Brecht ¢ Benjamin, registrada nas notas de Svendborg, podemos perceber suas diferencas. Brecht, embora aplique a terminologia religiosa do profético em Kafka, esté interessa- do apenas em tornar a cbra dele fungivel para a lura de classes. Benjamin, por sua vez, leva os conteudes tcoldgicos infinitamente a sério, investiga-os de ma- ncira inquisitéria em Kafka. A andlise das interpretacdes de Kafka feites por Benjamin mostraria como, no final, sua afinidade eletiva com obras que pare- com simplistas afasta para bem longe tudo o que é de interesse prético e para- doxalmente se mantém ligado a um inceresse teolégico-messidnico. Se toda simplicidade maior formou-se historicamente, a histéria chegou a um poate em que ninguém mais pode invocé-la, em que ela se transformou em pobreza de experiéncia: “Pobreza nao somente de experigncias privadas, mas de expe- rigacias humanas no geral”, Visto que a histéria em si esed em vias de se tox- nar achistrica, insistir no mesmo em seu eterno retorno, a palavia simples, © CE idem, Schrifier (Frankfurt am Main, Suhrkarp, 1955} v. 1, p. 3763 Bertolt Brecht, Versuche 1-4 (Betlimn/Franklure am Main, 1959), p. 29 ‘Walcet Beajamis, “Conyersas com Breche”, p. 105 deste volume Wein, Sebvifien, cit, v2, p. 208, Thidem, p. 7. 14 cnunciada hoje, é expressau desse estado estaciondrio, separado daquilo que a hisedria certa vez apontou como seu outta: nao mais saciada com cultura, mas ettegue & barbie real. Benjamin ainda quis encontrar algo salvador a partir da esperanga do perdido, introduzir um conceito novo, positive, do estado de barbitie. Pois para onde a pobreza em experiéncia leva o barbaro? Ela 6 Teva a comegar do inicio; comecar de novo; se virar com menos; construir coisas a partir do pouco €, nisso, nao olbar nem A dircita nem & esquerda.” ‘Trata se do sacrifieium intellectus, mas igualmente reminiscéncia ut6pic queainda deve ser possivel comegar do zero, que deve haver a imingucia de algo nove, que conscrugio ainda hoje deve ser um canceito a coneretizar. Como resultado do desespero objetivo, porém, que néo sabe mais posicionar a dife- renga qualitativa, o fim da pré-hiseéria e 0 inicio da humanidade no decorrer da histéria, © pensamento aceitou que a catdstrofe ¢ igualmente possivel, aré mais provavel. Ao contririo de Brecht, Benjamin nae tina certeza de que 2s futuras geracdes poderiam lembraz-se, com colerincia, da nossa. “A esperanga 18 nos foi dada apenas por causa dos desesperangado Ibidem, p. 7 © sep. ° Tbidem, v. Ls p. 140. 125 Aspectos da representacao brechtiana™ Sérgio de Carvatho A teotia € a pritica do ator brechtiano sfo herdeiras de uma longa tradicdo teatral que, muito antes do modernismo, previa formas de relagio direta com a plateia. Os apartes e os mondlogos da dramaturgia antiga, por exemplo, que comentavam fatos ou exprimiam vivéneias, tornavam a personagem uma ob- servadora momentaneamente apartada da agio. Isso podia se dar tanto na for- ma de “falar consigo” como no “falar com 0 puiblico”. Em ambas, mais naquela ¢ menos nesta, se mantinha a ficcionalidade da comunicacio. Jé na parabasis da comédia grega antiga, ou mesmo nos prologos ¢ epilo- gos clisabetanos, havia um “vir \ frente” ~ do coro ou de um ator — para uma comunicacéo direta, de contetido por vezes extraficcional. Neste caso, a fonte parece ser ances 0 ator real (porta-voz do autor) do que a persoaagem Ficcional. Diante desses precedentes, a escola brechs na é clara: “Se o ator se dirigir diretamente a0 piblico, deve fazé-lo francamente, ¢ n40 num mero aparze, tampouco num mondlogo do estilo do velho teatro™. Que a tradigéo cénica da relagao direra com a plateia tenha achado seu expa- go preferencial no géneto cémico parece set uma decorréncia direta do sentido ao longo da de “critica da vida social” assumido por tantos artistas da coméd| histéria do teatro. Jé se observou, em conurapartida, que, no Ambito do teacro dlissico, as Ginicas personagens na tragédia que trabalham com a plateia pare cem sex os clowns ¢ 05 vil6es, ou seja, aquelas em que a estereotipia (parérica ou satitica) € aceitdvel ¢ verosstmil. E significative, portanto, que Brecht ~ também interessado na crftica social — viessc a se utilizar de processos quase sempre cO- imicos como a fronia € a paridia entre seus recursos literdrios ¢ c&nicos. + Texto originalmente publicado na revista Vinzém, n. 0, jul. 1997, p. 28-31, € reeditado com pequenas alterag6cs, principalmente nas notas referenciais. (N. F.). 1 Bertole Brecht, “A nova técnica na arte de represencar’, em Bsnides sobre teatro (crad. Flama Pais Brando, Rio de Jeneito, Nova Fronccira, 1979), p. 83. 127 Brecht, como encenador, admitia ter copiado (no sentido singularmente brechtiano de “tomar a cépia uma arte”) os arranjos cénicos do ator wmico populat Karl Valentin. Era um admirador confesso das virtudes criticas decor- rentes da “atitude materialista ¢ cha” dos grandes comediantes. Acteditava que isso devia se constinir numa atitude de trabalho. Costumava adotas, como exercicio de ensaio, a visualizacao comica dos papéis: “Convém igualmente que 05 atores vejam suas personagens serem imitadas por outrem, ou que as vejam com outras configuragées. Uma personagem |...) se for representada por um ator cdmico, ganhard novos aspectos, quer trdgicos, quer cémicos”?. © mode critico moderno reelabora, assim, uma tradigéo que, em suas coor denadas basicas de jogo direto com a plateia e distancia narrasiva da personagem, no Ocidente, se observa nos comediantes de rua, herdeiros de uma linhagem que teve na commedia dell'arte sua codificacio maior e que, no Oriente, éencon- crivel em indimeras priticas, todas clas unidas pela despreocupacdo em esconder a artificialidade das agies ¢ pelo interesse cm expor os meios representacionais, Os teatralisras russos Meyerhold, Tairov ¢ Evteinov foram os primei- ros artistas madernos a pereeber nessas ttadicées uma rica possibilidade de afirmacao do “teatral” sobre o “natural”. Foram, portanto, os primeiros a incorporé-las de forma consciente, ainda que com intengdes diversas das de Brecht, sobre quem exerceram grande influéncia. Meyerhold, num texto de 1906 sobre A barraca de feira, de Blok, defendia 0 uso do “prélogo” por seu efeite anti. husionista: [..] © préloge e locucao final a0 publico feita pelos italianos ¢ espanhéis no séaulo XVIL e depois deles os vaudevillistas franceses, rodas estes elementos do teatro antigo obrigam a nio se ver na representagio senfo um espetéculo, No momento em que 0 espectador se deixa absorver pela invengio, 0 arar deve lembré-lo, por uma réplica imprevista ou um longo aparte, de que sc trata de um espeticulo.” Com o passar dos anos, essa vertente da pritica meyetholdiana se desen- volveria a ponto de exigir uma terminologia mais especifica, da qual, provavel- mente, Brecht teve conhecimento “plagiotrépico”. Num dos textos de Outu- bro Teatral de 1922, 0 tearrdlogo russo Slonimski discute 0 espeticulo A morte Idem, “Pequeno Srgation part o cure”, eam Biruelos sobre zeatro, cit p. 123-4. ) Vscvolod Meyerhold, “A barrace de feira’, erm 0 teatro de Meyerhold (org. trad. Aldomar Conrado, Rio de Janeiro, Civilizagia Brasileira, 1969), p. 87. ' A expressao é utilizaca por José Antonio Pasta em Trabalho de Brecht: breve introduce ao tsiude de wma elassietdade consemporinea (Sio Paulo, Editora 34, 2010), 128 de Tareikin, de Meyethold, observando que “os atores distanciam-se, olham 0 piiblico, ditigem-se a ele em apartes ¢ veem-se a representar”’. Na mesina pu- blicacio, Soloviev e Mokoulski afirmam, sobre o tearro meyerholdiano, que a tarefa primeira do novo ator é “revelar a natuteza social da personagem”™. Para este fim, utiliza dois meios, os quais se denominam “antes da representagéo” € “cepresentacio destruida”. O primeiro é uma “pantomima preparatéria’, inspi- rada no teatro oriental, que prenuncia a sequéncia dos acontecimentos Quanto & “representagdo destruida’, trata-se, na verdade, de um aparte: paran- do subitamence de fazer a personager, 0 ator interpela o piiblico diretamence para lembri-lo de que esth representando e que, na realidade, cle ¢ 0 espectador sto camplices de um mesmo jogo.” Brecht, por motivos mais ou menos dbvios — entre os quais seu gosto clas- sico —, preferia associar sua visio do trabalho do ator menos aos encenadores mnssos do que As fontes destes. Reconhecia as raizes do eftito de distanciamento na “comédia, em certos ramos da arte popular na pritica do teatro asiatico”*. De qualquer modo, foi acompanhado de Meyerhold que, em 1935, em sua segunda viagem 2 Unido Soviérica, ele assistiu & apresentacdo do ator chinés Mei Lan Fang, citado no ensaio “Os efeitos de distanciamento na arte dramé- tica chinesa”. Nesse trabalho, descreve a técnica do astista representar como se fosse espectador de si préprio, um espectador que demonstra saber que a Quando, por exemplo, representa uma platcia cambém assiste a0 que ele uvem, “o ator chinés separa, pois, a mimica (representagio do modo de ob- servat) do ‘pesto’ (representacio da nuvem), mas este nada fica perdendo pela separagao; a posicio do corpo provoca uma reacao na fisionomia e confere-lhe toda sua expresso”. © modo eritico se funda, em linhas gerais, no principio da separate. Ele- ge como fundamento aquilo que permitiu ao ator francés Quinault-Duftesne demonstrar, aos olhos de Diderot, sua qualidade de comediante paradoxal: a capacidade de depot ¢ retomar a mascara. No intervalo da deposicao, a plateia 5A, Slonimski, citado em O teatro de Meyerbold, cit, p. 163. ® Vladimir Solovioy S. Mokoulski, “O ator ¢ sua técnica’, em O seatro de Meyertold, cit., p-170. 7 Ibidem, p. 171 * CE Gerd Bornheim, Breaks: a estérca do teatro (Rio de Janeiro, Graal, 1992), p. 218, > Bertolt Brecht, “Efeitos de distanciamento na arte dramética chinesa”, em Evtudos sobre rearro, cit. pe 57. 129 €“inrerpelada’ de modo a tomar consciéncia critica das relagdes sociais subja- centes 3 ficgio da cena. Na compreensia que Walter Benjamin teve do teatro épico, 0 aspecto ges- tual do jogo do ator ¢ sublinhado. Benjamin destaca do programa de Ui ho- mem & um bomem a seguinre frase de Brecht: “Fle [o ator] mostra a coisa na- turalmente A medida que se mostra ¢ se mostra A medida que mostra a coisa’, ki diferenga entre as duas tarefas desaparecer™’. E comenta ainda: “‘Tornar os bora exista coincidéncia nisso, nao ¢ possivel coincidir tanto a ponto dea gestos possiveis de ser citados’, eis o mais importante feito do ator [..] A tarefa primordial de uma direcao épica é expressar a relacéo da agdo representada com a acao da represcntagio em si”? Seo gesto funciona como citagao — sendo “espagado” ou “posto entre aspas” rador, on como um ensaista, = € porque o préprio ator trabalha como um ni Brecht estendia esta nocao fisica (c conceitual) a fala: “O ator nos dard o seu texto néo como uma improvisacao, mas como uma citagav. Mas, ao fazer a citagdo, tera, evidentemente, de dar-nos todos os matizes de sua expresso”, O ator critico € um narrador que se apresenta enquanto tal. Tntencional- mente “mostra que estd mostrande algo”. Seus gestos e palavras sao citacdes com efeitos judicativos. Percorrendo simultaneamente os niveis da realidade ¢ da ilusao, cle apresenta em cena a diferenga — ea identidade ~ que o une a sua porsonagem, separando-se, assim, dela, Seu trabalho assume feig6es racionais, tomando a palavea niaido em sua acepedy mavenviticn de “dividir, fracionat”, € em seu sentido psicolégico de “estabelecer distingées, analisar”. Nao é ocaso, portanto, de uma vivéncia incidentalmente intercompida, de wma deposicgo fortuita da mascara. A separacao € um fato consticuinte do modo critico. E © distanciamento é um pré-requisito 4 compreensio critica, como registrou Brecht em suas varias reflexdes sobre 0 Verfiemdungseffelet [efeito de distan- ciamento ou efeito VJ. Se em outras modos de interpretacio © ator evidencia também sues meios ao rransfigurar a personagem, aqui a ocorréncia € outra, O objevo niio é mais distorcido pelos meios expressives do ator (que pareciam ser configuracées interiores da personagem), mas é considerado cm fungao de um detesminado ponto de vista exterior, mais amplo, dado pelas selagces ° Ver Waltet Benjamin, “O que € teatro épien?”, p. 28 deste volume, "Iden * Berrole Brecht, "A nova técnica na arte de representan”, Gita p. 81-2. 130 rresponde outro, que determina o lado de objeto da obra de arte: nenhumn < dois é mera demonstra¢ao da intengao de seu produror, cada um apresenta sedimentagio de processos sociais objetivos, cada um é expresso de um co- voz “As condicées econdmicas, sob as quais a sociedade existe, expressam-se ina superestrucura’®, Entretanto, os textos de Benjamin a respeito de Brecht raramente conseguem registrar suas melhores inervagées de mancira suficiente, Assim, a compreensio da objetividade de obras de arte, de seu nticleo social, € retrovertida a um falso subjetivismo, quando aquelas bem-sucedidas si liga- das a determinados modos de comportamento social dos artistas, devendo, por cxemplo, depender da confirmagio da pergunta: “Ble enxerga os caminhos sso de produ- ao?”’. Da mesma maneira, 0 mero fait social da recepgao em massa em Sh nao para organizar 0s tabalhadores intelectuais no préprio proc deveria ser chamado de progressista; pelo contrdrio, uma relagio racional com. as obras de arte seria possivel antes para o individuo centrado em si do que para os coletivos. Parece que a recepyio em massa, glorificada por Benjamin, se atrevia a pular fora da hisiéria, assim como a tevoluyio bolchevista acreditava ser capaz de nao levar em conta os erros da classe burguesa. De todo modo, modificagdes sociais — pot dependerem das pessoas - acontecem independen- temente de apelos & nevessidade de alteragdes. Possivelmente © programa brechtiano da formacio de téenicos, que Benjamin subscreveu, aconteceria também nas ovisas da arte. Mas nenhum tipo de recepgio coletiva é capaz de educar para a especidlizayao artisticas ela é conquistada unicamente pela pene- tracio contemplativa nas mais diferentes obras ~€ hoje traa-se das auténomas, de Beckett, nio das pecas didéticas de Brecht. Primeiro por meio de uma espe- cializacéo das mais extremas, mais cogas airavés, & que se daria talver, uma co- mogio (Affizierung) do observador em si, visto que estes se modificam; se por essa razao ele ik se harmonizar — refletindo de maneira monadolégica as mo- dificagdes da sociedade — com 0 seal, isso é algo que ao menos Ihe diz respeito. Os excritos de Benjamin sobre Brecht nao se alongam sobre esse tipo de dialé- tia, Fles se apresentam como exegeses escolisticas. Brecht, por sua ver, tam- bém os entendia dessa maneira; para cle, Benjamin nao eta supostamente ape- > dem, ‘Paris, die Hauprstade des XIX. Jahchunderts” (Pasagenarbrit), coletanca K 2, cltado em Rolf Tiedemann, Snudien sur Philosophie Walter Benjamins (Frankfurt am Main, Euro- piache Verlagsanstalt, 1965), p- 106 [ed. bras: “Paris, capital elo séeulo XIX, em Walter ‘lavio R. Kothe, Sé0 Paulo, Atiea, 1985, p. 30-43]. Idem, “O autor como produto: it. Benjamin, rad. € 01g. 121 nas seu melhor critico ~ quer dizen, © mais aeritico. Brecht tinha em Benjamin alguém em quem nio podia confiar. Sua apologética de Brecht néo pode ser romada isoladamente, cada frase de Benjamin exige do leitor pensar também em todas a5 ourras frases do autor, Aqucle que sabia esconder tantas coisas ce dia formulow, na citada carta a Rychner, o que verdadeiramente determin sua afinidade como materialismo dialético. Ele ndo queria ser visto como repre sentante dese muaverialisme “como um dogma, mas como um pesquisador’ « 4 quem 4 postura do materialist, cientifica © humana, em relacio a codas as coisas que consideramos miveis se parece mais fecunda do que a idealista, Se eu siver de resumir: nunca consegui pesquisar ¢ pensar de cutra mancira send num senticlo teoldgico (caso possa me exprestar assim) — ou seja, de acordo com o ensinasrenie talmiidicn dos 49 degraus de sentido da Tord. Mas, seg nda vinha experigneia, 3 imaie gasta placitude comunisea tem mais hierurgniat de sentido do que 0 pensamen to profundo atual da busguesia, que dispde apenas da apologética."" Os textos benjaminianos sobre Brecht sé tinham cabimento aquele que de- cifrasse o lapidar em suas premissas, 2 quem teconvertesse sua palavra simples numa complexa, sua simplicidade na coisa mais estranha, Pelavras simples nie nuscem senapre, como gosiamos de acreditan, de mentes simples [..}; antes, formuam-te historicdmente Pois assire coma apenas o simples tem a probabilidude de dust ‘por sua vee a maior simplicidade é apenas o produto dessa dierarae. Benjamin O interesse de Benjamin por Brecht ¢ da mesma ordem que scu apreco por Joann Peter Hebel e Robert Walser, aparentade também com sua fascinacao de vida inceira por livros infantis, Sua linguagem lacénica pode cer arigado a nostalgia por aquela serenidade sagrada que Hélderlin evocava ¢ que quase anuncia a ideia regiiladora da lingua alema. Fle intiulua “Deis tipos de tradi- G40” o comentiio sobre uma tentativa pessoal de usar palavras simples; em sua opinizo, tais formagées tinham alcangado um tipo de segunda tradigéo, libera da do carérer de aura da falsa primeira, sem congracamento hipécrita com a Jem, carta de 7 mar, 1931 a Max Rychner (manuscrito) classe baixa, € com as quais ele temtava aprender que o simples é o mais dificil de set realizado, Mesmo logrande éxito, quando Benjamin tinge a propria Tinguagem de um laconisma semelhante 20 dos modelos — como nos trabae Thos sobre Brecht -, 0 resultado permanece contraditério. Nesse momento, por sua vex, sua linguagem também esti envolvida pela regressio social que quer defendé-la e, como uma linguagem regredida em si, nao estd livre da is critica que Adorno faz da de Brecht, que se torna “coo de relacoes soci arcaicas, que sao irretornaveis’!!. Mas, se 0 desenvolvimento da sociedade burguesa nfo pode ser simplesmente evitado, os caminhos do campo ¢ da floresta (Feld. und Holzwege) de Heidegger de modo nenhum sio aqueles tri- Ihados por Brecht ¢ Benjamin. Nao por acaso, Benjamin encontra tanto para os textos de Hebel quanto para os de Brecht a metéfora das trilhas furtivas ¢ clandestinas (Basch- und Scheichpfaden); clas levam contrabando as escondidas: aquilo que nao mais arte é disseminado na forma de obras de arte. A segunda tradigao que Benjamin experimentou engloba, na consequéncia, a negacto da arte. Porque a tradicao da realidade nao tem mais forga, porque aquela “nogio bésica da problemética da arte”? que Benjamin descobsira na interpretagio alegésiea (Adlegorese) barroca se rornau certera, por isso € preciso dar ui salto excéntrivo para o interior da prética imediata, encerrar seriaments a interpretacdo do mundo e se voltar a suas transformacées. Nos lugares em que sua inclinacao Benjamin — denunciado co:mo autor dificil ~ realmente segui a0 simples, 20 reduzido, a0 direto, ele abriu mio do papel do tedrico da arce ¢ se contentou com o de politico ou, melhor, de pedagogo. Mas nisso ele se en- contra, recorrendo 3 mediacio precipitada pelo sistema de Hegel, com a-verda- de na construggo das relagées entre teoria ¢ praica em Kant: canto aqui como na filosofia de Benjamin, ambas as 4reas — o pensamento registrando 0 que se comporta de maneiza antagdnica na rcalidade — estao completamente separa- das; moralidade, 2 acdo do homem nao pode ser derivada da teoria, mas de- pende do postulado: trata-se também de uma forma da uropia, aquela que por meio do “ainda” néo se engana a si mesma e as pessvas, mas s¢ fixa na ideia de que poderia ser assim, Entretanto, a obra de arte no sentido tradicional, como posigéo tedrica em relagao & objetividade, perderia, assim, sua relevancia; 11 “Theodor W. Adorno, Noten zur Literatur H1 (Frankfurt ara Main, Subrkamp, 1965), p- 125. Walter Genjamin, Unprang des deutschen Treverpiels (Vrankfurt em Mala, Subrkamp, 1963), p. 195 [eds bras: Origem do drama tngico alemin, trad, Joao Barrento, Belo Hor zone, Auténtica, 2011], como Brecht, Benjamin estava absolutamente consciente de que suas experi- mentagées valiam para formas sem fungées artisticas primdrias, para as quais também seria melhor prescindir do conecito de obra de arre!*, O equilibsio enue a maior simplicidade de expressao ¢ uma cxpressao verdadeiramente labi- rintica da matéria literaria (Gedichtesen) preserva a obra de Kafla de maneira sem igual. O hermético de Kafka ¢ irmanado de forma incestuasa justamente com sua literalidade. Enquanvo Brecht fracassava de maneira lamentivel dian- te de Kafka na tentativa de obcer “sugestées praticéveis”" dele, Benjamin apon- tou constantemente para a parabola como modelo das narrativas kathianas: om Seja, para uma forma que em sua versio mais desenvolvida faz parte da escai dos intelectuais, mas que em neahum lugar nega sua origem na acte popular. Aquilo que Benjamin desconsiderou (udsai/) come um gesco despretensioso em Kafka vale para a obra integral deste Ultimo: ela telaciona “o maior grau de enigma com o maior grau de simplicidade’™’. Ao contririo, a simplicidade de autores como Hebel e Walser, 0 aspecto da simplicidade em Kafka, em Brecht e, por fim, no préprio Benjamin, isso ¢ sempre o que hd de mais eniguxisico. © ayanco alcancade no desvendamento de Kafka pode quasé determinar a categoria de algugm. Ne controvérsia sobre Kafka entre Brecht ¢ Benjamin, registrada nas notas de Svendborg, podemos perceber suas diferencas. Brecht, embora aplique a terminologia religiosa do profético em Kafka, esté interessa- do apenas em tornar a cbra dele fungivel para a lura de classes. Benjamin, por sua vez, leva os conteudes tcoldgicos infinitamente a sério, investiga-os de ma- ncira inquisitéria em Kafka. A andlise das interpretacdes de Kafka feites por Benjamin mostraria como, no final, sua afinidade eletiva com obras que pare- com simplistas afasta para bem longe tudo o que é de interesse prético e para- doxalmente se mantém ligado a um inceresse teolégico-messidnico. Se toda simplicidade maior formou-se historicamente, a histéria chegou a um poate em que ninguém mais pode invocé-la, em que ela se transformou em pobreza de experiéncia: “Pobreza nao somente de experigncias privadas, mas de expe- rigacias humanas no geral”, Visto que a histéria em si esed em vias de se tox- nar achistrica, insistir no mesmo em seu eterno retorno, a palavia simples, © CE idem, Schrifier (Frankfurt am Main, Suhrkarp, 1955} v. 1, p. 3763 Bertolt Brecht, Versuche 1-4 (Betlimn/Franklure am Main, 1959), p. 29 ‘Walcet Beajamis, “Conyersas com Breche”, p. 105 deste volume Wein, Sebvifien, cit, v2, p. 208, Thidem, p. 7. 14 cnunciada hoje, é expressau desse estado estaciondrio, separado daquilo que a hisedria certa vez apontou como seu outta: nao mais saciada com cultura, mas ettegue & barbie real. Benjamin ainda quis encontrar algo salvador a partir da esperanga do perdido, introduzir um conceito novo, positive, do estado de barbitie. Pois para onde a pobreza em experiéncia leva o barbaro? Ela 6 Teva a comegar do inicio; comecar de novo; se virar com menos; construir coisas a partir do pouco €, nisso, nao olbar nem A dircita nem & esquerda.” ‘Trata se do sacrifieium intellectus, mas igualmente reminiscéncia ut6pic queainda deve ser possivel comegar do zero, que deve haver a imingucia de algo nove, que conscrugio ainda hoje deve ser um canceito a coneretizar. Como resultado do desespero objetivo, porém, que néo sabe mais posicionar a dife- renga qualitativa, o fim da pré-hiseéria e 0 inicio da humanidade no decorrer da histéria, © pensamento aceitou que a catdstrofe ¢ igualmente possivel, aré mais provavel. Ao contririo de Brecht, Benjamin nae tina certeza de que 2s futuras geracdes poderiam lembraz-se, com colerincia, da nossa. “A esperanga 18 nos foi dada apenas por causa dos desesperangado Ibidem, p. 7 © sep. ° Tbidem, v. Ls p. 140. 125 Aspectos da representacao brechtiana™ Sérgio de Carvatho A teotia € a pritica do ator brechtiano sfo herdeiras de uma longa tradicdo teatral que, muito antes do modernismo, previa formas de relagio direta com a plateia. Os apartes e os mondlogos da dramaturgia antiga, por exemplo, que comentavam fatos ou exprimiam vivéneias, tornavam a personagem uma ob- servadora momentaneamente apartada da agio. Isso podia se dar tanto na for- ma de “falar consigo” como no “falar com 0 puiblico”. Em ambas, mais naquela ¢ menos nesta, se mantinha a ficcionalidade da comunicacio. Jé na parabasis da comédia grega antiga, ou mesmo nos prologos ¢ epilo- gos clisabetanos, havia um “vir \ frente” ~ do coro ou de um ator — para uma comunicacéo direta, de contetido por vezes extraficcional. Neste caso, a fonte parece ser ances 0 ator real (porta-voz do autor) do que a persoaagem Ficcional. Diante desses precedentes, a escola brechs na é clara: “Se o ator se dirigir diretamente a0 piblico, deve fazé-lo francamente, ¢ n40 num mero aparze, tampouco num mondlogo do estilo do velho teatro™. Que a tradigéo cénica da relagao direra com a plateia tenha achado seu expa- go preferencial no géneto cémico parece set uma decorréncia direta do sentido ao longo da de “critica da vida social” assumido por tantos artistas da coméd| histéria do teatro. Jé se observou, em conurapartida, que, no Ambito do teacro dlissico, as Ginicas personagens na tragédia que trabalham com a plateia pare cem sex os clowns ¢ 05 vil6es, ou seja, aquelas em que a estereotipia (parérica ou satitica) € aceitdvel ¢ verosstmil. E significative, portanto, que Brecht ~ também interessado na crftica social — viessc a se utilizar de processos quase sempre cO- imicos como a fronia € a paridia entre seus recursos literdrios ¢ c&nicos. + Texto originalmente publicado na revista Vinzém, n. 0, jul. 1997, p. 28-31, € reeditado com pequenas alterag6cs, principalmente nas notas referenciais. (N. F.). 1 Bertole Brecht, “A nova técnica na arte de represencar’, em Bsnides sobre teatro (crad. Flama Pais Brando, Rio de Jeneito, Nova Fronccira, 1979), p. 83. 127 Brecht, como encenador, admitia ter copiado (no sentido singularmente brechtiano de “tomar a cépia uma arte”) os arranjos cénicos do ator wmico populat Karl Valentin. Era um admirador confesso das virtudes criticas decor- rentes da “atitude materialista ¢ cha” dos grandes comediantes. Acteditava que isso devia se constinir numa atitude de trabalho. Costumava adotas, como exercicio de ensaio, a visualizacao comica dos papéis: “Convém igualmente que 05 atores vejam suas personagens serem imitadas por outrem, ou que as vejam com outras configuragées. Uma personagem |...) se for representada por um ator cdmico, ganhard novos aspectos, quer trdgicos, quer cémicos”?. © mode critico moderno reelabora, assim, uma tradigéo que, em suas coor denadas basicas de jogo direto com a plateia e distancia narrasiva da personagem, no Ocidente, se observa nos comediantes de rua, herdeiros de uma linhagem que teve na commedia dell'arte sua codificacio maior e que, no Oriente, éencon- crivel em indimeras priticas, todas clas unidas pela despreocupacdo em esconder a artificialidade das agies ¢ pelo interesse cm expor os meios representacionais, Os teatralisras russos Meyerhold, Tairov ¢ Evteinov foram os primei- ros artistas madernos a pereeber nessas ttadicées uma rica possibilidade de afirmacao do “teatral” sobre o “natural”. Foram, portanto, os primeiros a incorporé-las de forma consciente, ainda que com intengdes diversas das de Brecht, sobre quem exerceram grande influéncia. Meyerhold, num texto de 1906 sobre A barraca de feira, de Blok, defendia 0 uso do “prélogo” por seu efeite anti. husionista: [..] © préloge e locucao final a0 publico feita pelos italianos ¢ espanhéis no séaulo XVIL e depois deles os vaudevillistas franceses, rodas estes elementos do teatro antigo obrigam a nio se ver na representagio senfo um espetéculo, No momento em que 0 espectador se deixa absorver pela invengio, 0 arar deve lembré-lo, por uma réplica imprevista ou um longo aparte, de que sc trata de um espeticulo.” Com o passar dos anos, essa vertente da pritica meyetholdiana se desen- volveria a ponto de exigir uma terminologia mais especifica, da qual, provavel- mente, Brecht teve conhecimento “plagiotrépico”. Num dos textos de Outu- bro Teatral de 1922, 0 tearrdlogo russo Slonimski discute 0 espeticulo A morte Idem, “Pequeno Srgation part o cure”, eam Biruelos sobre zeatro, cit p. 123-4. ) Vscvolod Meyerhold, “A barrace de feira’, erm 0 teatro de Meyerhold (org. trad. Aldomar Conrado, Rio de Janeiro, Civilizagia Brasileira, 1969), p. 87. ' A expressao é utilizaca por José Antonio Pasta em Trabalho de Brecht: breve introduce ao tsiude de wma elassietdade consemporinea (Sio Paulo, Editora 34, 2010), 128 de Tareikin, de Meyethold, observando que “os atores distanciam-se, olham 0 piiblico, ditigem-se a ele em apartes ¢ veem-se a representar”’. Na mesina pu- blicacio, Soloviev e Mokoulski afirmam, sobre o tearro meyerholdiano, que a tarefa primeira do novo ator é “revelar a natuteza social da personagem”™. Para este fim, utiliza dois meios, os quais se denominam “antes da representagéo” € “cepresentacio destruida”. O primeiro é uma “pantomima preparatéria’, inspi- rada no teatro oriental, que prenuncia a sequéncia dos acontecimentos Quanto & “representagdo destruida’, trata-se, na verdade, de um aparte: paran- do subitamence de fazer a personager, 0 ator interpela o piiblico diretamence para lembri-lo de que esth representando e que, na realidade, cle ¢ 0 espectador sto camplices de um mesmo jogo.” Brecht, por motivos mais ou menos dbvios — entre os quais seu gosto clas- sico —, preferia associar sua visio do trabalho do ator menos aos encenadores mnssos do que As fontes destes. Reconhecia as raizes do eftito de distanciamento na “comédia, em certos ramos da arte popular na pritica do teatro asiatico”*. De qualquer modo, foi acompanhado de Meyerhold que, em 1935, em sua segunda viagem 2 Unido Soviérica, ele assistiu & apresentacdo do ator chinés Mei Lan Fang, citado no ensaio “Os efeitos de distanciamento na arte dramé- tica chinesa”. Nesse trabalho, descreve a técnica do astista representar como se fosse espectador de si préprio, um espectador que demonstra saber que a Quando, por exemplo, representa uma platcia cambém assiste a0 que ele uvem, “o ator chinés separa, pois, a mimica (representagio do modo de ob- servat) do ‘pesto’ (representacio da nuvem), mas este nada fica perdendo pela separagao; a posicio do corpo provoca uma reacao na fisionomia e confere-lhe toda sua expresso”. © modo eritico se funda, em linhas gerais, no principio da separate. Ele- ge como fundamento aquilo que permitiu ao ator francés Quinault-Duftesne demonstrar, aos olhos de Diderot, sua qualidade de comediante paradoxal: a capacidade de depot ¢ retomar a mascara. No intervalo da deposicao, a plateia 5A, Slonimski, citado em O teatro de Meyerbold, cit, p. 163. ® Vladimir Solovioy S. Mokoulski, “O ator ¢ sua técnica’, em O seatro de Meyertold, cit., p-170. 7 Ibidem, p. 171 * CE Gerd Bornheim, Breaks: a estérca do teatro (Rio de Janeiro, Graal, 1992), p. 218, > Bertolt Brecht, “Efeitos de distanciamento na arte dramética chinesa”, em Evtudos sobre rearro, cit. pe 57. 129 €“inrerpelada’ de modo a tomar consciéncia critica das relagdes sociais subja- centes 3 ficgio da cena. Na compreensia que Walter Benjamin teve do teatro épico, 0 aspecto ges- tual do jogo do ator ¢ sublinhado. Benjamin destaca do programa de Ui ho- mem & um bomem a seguinre frase de Brecht: “Fle [o ator] mostra a coisa na- turalmente A medida que se mostra ¢ se mostra A medida que mostra a coisa’, ki diferenga entre as duas tarefas desaparecer™’. E comenta ainda: “‘Tornar os bora exista coincidéncia nisso, nao ¢ possivel coincidir tanto a ponto dea gestos possiveis de ser citados’, eis o mais importante feito do ator [..] A tarefa primordial de uma direcao épica é expressar a relacéo da agdo representada com a acao da represcntagio em si”? Seo gesto funciona como citagao — sendo “espagado” ou “posto entre aspas” rador, on como um ensaista, = € porque o préprio ator trabalha como um ni Brecht estendia esta nocao fisica (c conceitual) a fala: “O ator nos dard o seu texto néo como uma improvisacao, mas como uma citagav. Mas, ao fazer a citagdo, tera, evidentemente, de dar-nos todos os matizes de sua expresso”, O ator critico € um narrador que se apresenta enquanto tal. Tntencional- mente “mostra que estd mostrande algo”. Seus gestos e palavras sao citacdes com efeitos judicativos. Percorrendo simultaneamente os niveis da realidade ¢ da ilusao, cle apresenta em cena a diferenga — ea identidade ~ que o une a sua porsonagem, separando-se, assim, dela, Seu trabalho assume feig6es racionais, tomando a palavea niaido em sua acepedy mavenviticn de “dividir, fracionat”, € em seu sentido psicolégico de “estabelecer distingées, analisar”. Nao é ocaso, portanto, de uma vivéncia incidentalmente intercompida, de wma deposicgo fortuita da mascara. A separacao € um fato consticuinte do modo critico. E © distanciamento é um pré-requisito 4 compreensio critica, como registrou Brecht em suas varias reflexdes sobre 0 Verfiemdungseffelet [efeito de distan- ciamento ou efeito VJ. Se em outras modos de interpretacio © ator evidencia também sues meios ao rransfigurar a personagem, aqui a ocorréncia € outra, O objevo niio é mais distorcido pelos meios expressives do ator (que pareciam ser configuracées interiores da personagem), mas é considerado cm fungao de um detesminado ponto de vista exterior, mais amplo, dado pelas selagces ° Ver Waltet Benjamin, “O que € teatro épien?”, p. 28 deste volume, "Iden * Berrole Brecht, "A nova técnica na arte de representan”, Gita p. 81-2. 130 € “interpelada” de modo a tomar consciéncia critica das relacdes sociais subja- centes & ficgéo da cena. Na compreenséo que Walter Benjamin teve do teatro épico, o aspect ges- tual do jogo do ator é sublinhado. Benjamin destaca do programa de Ui ho- mem é um bomem a seguinte frase de Brecht: “Ele {o ator) mostra a coisa na- curalmente 4 medida que se mostra ese mostra a medida que mostra a cois:”, Embora exista coincidéncia nisso, nfo é possivel coincidir tanto a ponto de a nda: ““Tornar os | A carefa primordial de uma diregao épica é expressar a relagio da agdo representada com diferenga cntre as duas tarcfas desaparecer””. E comenta gestos possiveis de set citados,, eis o mais importante feita do ator [ a aco da representagao cm si”, Seo gesto funciona come citacao — sendo “espagado” ou “posto entre aspas” ~, € porque o proprio ator trabalha como um narrador, ou como um ensaista. Brecht estendia esta nocao fisica (¢ conceitual) & fala: “O ator nos dard 0 seu texto ndo como uma improvisacho, mas como uma citacéo. Mas, ao fazer a citagdo, terd, evidentemenre, de dar-nos todos os matizes de sua expressz0”!”. ator ctitico € um narrador que se apresenta enquanto tal. Intencional- mente “mostra que esti mosuando algo”. Seus gestos € palavras so citagées com efeitos judicatives. Percorrendo simultaneamente os niveis da realidade ¢ da ilusio, ele apresenta em cena a diferenca — ea identidade — que 0 une a sua personagem, sepinindo-se, assim, dela, Seu trabalho assume feigoes racionais, tomando a palayra razdo cr sua acepcao maremitica de “dividir, fracionar”, € em seu sentido psicoldgico de “estabclecer distingées, analisar”. Nao ¢ ocaso, portanto, de uma vivénci incidenralmente interrompida, de uma deposigao forcuita da mascara. A separagdo é um fato consticuinte do modo critico. E 0 distanciamento & um pré-requisito 4 compreensio critica, como registrou Brecht em suas varias reflexdes sobre 0 Verfremdungseffekr [efeito de distan- ciamento ou efeiro VJ. Se em outros modes de interpretacae © ator evidencia também sues meios ao transfigurar a personagem, aqui a ocorréncia € outta. O objeto nao mais distorcido pelos meios expressivos do ator (que pareciam ser configutagdes interiores da personagem), mas é considetado em fungao de um determinado ponto de vista exterior, mais amplo, dado pelas relacées ‘Walter Benjamin, “© que ¢ reatto épico?”, p. 28 deste volume. Ww y% " Tdem. © Bertale Brecht, “A nova técnica na aite de representar”, cit., p. 81-2. 130 Brecht/Brasil/1997 (vinte anos depois)! José Antonio Pasta A pergunta da hora quanto a Brecht diz respeito diretamente a sua atualidade, A ideologia do brechtismo, que sempre dew alergia a quem de fato procura- ya trabalhar com Brecht, sucede uma notéria propaganda antibrechtiana, de cunho parafascista. O que antes parecia — indevidamente— uma pura evidéncia (a pertingncia contemporanea de sua obra) agora se questiona de todos es lados com inteng6es muito variadas. Nos casos mais escabrosos, s40 visiveis a olho nu as pegadas do dinheiro americano®. Também em. outro espitito, ¢ com in- tengao também outra, a mesma pergunta se poe, evidentemente, embora nem sempre seja muito facil tragar uma linha divisoria nftida entre as duas vertentes. Insidioso € 0 dinheiro, e conhece muitas tradugoes. Todavia, a questao da arualidade de Brecht é eminentemente brechtiana, como espero expor 8 seguir, € nessc sentido ¢ que foi posta por um de seus 1 Pste texto foi, originalmente, publicado com o titulo “Brecht/Brasil/ 1997” na revista Vintéva, n 0, jul 1997, p. 28-31, € rapatece agora por solic edigio, fiz algunas alteracbes, sea para explicar sucintamente algumas coisas que a brevidade lacbnica do original deixava no ar, soja para dvi-lo de um final, que ele, na verdade, no cho da Boitempo, Para a presente Foram também acrescentadhs algumas notas ce desprovido. Caso algum leitor veja nele mar- ‘cas de atualidade, iso se deve menos 3 intervengio do autor do que 2 zealidade: 0 processo de tinkea — por iso, 0 subticulo “vince anos depoi seferenciais, das quais 0 original era igual degradacio de se falava naqueles anos tueanos, tendo atravessado subrerrancamente 0 racigo politicamente estéril dos anos petistas, ¢ 0 mesmo que agora emerge ¢ s¢ consumna 2 Sina de exemplo o livro de John Fucgi, The Life and Lies of Bertolt Brecht (Nova York, Har- pet Callins, 1994). Tendo viradlo a easaca, o professor trouxe a lume essa obra que @ critica da Londen Review of Books Michael Hofmann assim resenhou, em 20 de ourubro de 1994: “Nunca li uma biogralia como a de John Fuegi sobre Brecht. Revisiouismo sctia pouco para descrevé-la. Trata-se de um alvo de dardos, abuso de eligi, biografia de vodu. Se Fuegi pudes- se entrar no Dorotheenstidrischer Eriedhof [cemitério hist6rico em Berlin, no qual Brecht esti enterrado, 20 lado de Hegel ¢ Fichte, entre outros}, artancar a pedra tumular ponsuda ¢ inregular de Brecht, escavar suis pés de arcin de Brandenburge ¢ um caixdo de zinco, « faner alpo aos restos mortais, envolvendo cabegas de frango, cruzes invessidas ¢ velas negras, nao duvido que dle o fizese[..]”. Agradego a Jonge Teixeira 0s conselhos para a traducéo, 133 melhores leixores entre nds, ao perguntar se Breche continua a dizer algo aos tempos atuais ou se seu espirico se evaporow. Bem consideradas as impli Ses, que sé0 cnormes, talvez nao haja, na rea, pergunta mais exigente que essa. Fla supde uma espécie de exame do estado geral clo mundo, nada menos, ¢ eu efeito paralisante potencial deriva do fato de que pro- vavelmente nao possa ser respondida nesse grau de generalidade, que, no entanto, ela prépria supée, ¢ talvez 6 admita resposta caso a caso, mediada pela agio, isto é, pela pritica. Que ela tenha sido colocada, com frequéncia ~ allaures, mas também no Brasil — de modo indecoroso, evidentemente nao ajuda a respondé-la com a so- briedade necessiria, mas dé testemunho de um estado de coisas tal que faz duvidar da possibilidade mesma de discuri-la devidamente em nosso meio. A esse estado de coisas, por sua pripria naturera, falta nome — porque ele tem parte essencial com © desmantelamento sistemético da consciéncia critica ¢ a vilanizacto programitica dos serores populaies de esquerda. A base de seu horror € a incapacidade de ex- pressao que promove, tio gravemente regressiva que cla propria permanece fora da. percepeao. Hd uma continuidade inexpressa enute a desmotalizacio de liderangas de esquerda, a criminalizacéo de liceres populares, a cooptacio de setores intelec- tuais inteiros, o rebaixamento — externo e interno — da universidade, a promogio de cafajestes a maitre: & penser em todos os setores etc. Um das acordes auxiliares, a0 de Brecht idlia brasileira releva ances da teratologia moral que da critica de arce. Quem the endere- mas ndo 0 menos importante, nessa orquestrago ruidosa, a difama © modo pelo qual a questio du atualidade de Brecht cem sido posta na gaessa questo em termos absolutes, simulando ditigir-lhe uma pergunta inespera- da, que pusess cin crise alge como um (dolo intangivel, s6 pode fazé-lo mediante uum falseamenta do estanto de sua obra. Para vé-lo, bastaria que o leitor conside- rasse por sua conta a queatio que encabeca estas linhas — Brecht tem alguma coisa a dizer aos tempos atuais? ~ ¢ respondewe se ha questi mais brechiiiana que essa A pergunta pela pertinéncia atual da obra de Brecht nao the é dirigida me- ramente desde o exterior. Antes mesmo de que isso se passe, € a propria obra que se adianca ¢ liminarmente nos poe a questao de stia vigéncia critica, Ins- talada no préprio nticleo da obra brechtiana, tal pergunta indissociavel dela, Esse gesto € praticamente exclusive de Brecht; cle o singulariza ¢, sou tentado a dizet, constitui o cerne mesmo de uma nogio materialista da beleza Refiro-me a uma fala de Roberta Schwarz, na Companhia do Letio, em comentério a uma leituca puiblica de A Samra Joana des masadoroos, de Brecht, Esse comentétio deu origem a0 enssio “Alros ¢ baixos di atualidade de Brock brasiletras (Sto Paulo, Companhia das Letras, 1995), p, 113-48, publicado em Sequénet I $6 um entendimento muita redutor do célebre efeito V (0 “distanciamento” ou “estranhamento”), coisa infelizmente comum 2a oulgata brechtiana, impedi- tia de perceb&lo. O efeito V, entre outras coisas, nao distancia apenas objetos internos as pegas — temas, comportamentos, referencias etc. —; ele incide sobre cessas pogas mesmaas e também — ou principalmente ~ a clas cle distancia, As con rradigdes organizadas entre todos os elementos da cena — mtisica, cendrio, jogo do ator, iluminagio, rexto etc. —, como se sabe, sustam ou contradizem o movimento identificatdtio do espectador ¢ tratam de lembré-lo todo © tempo de que ele tom diance de si uma representapdo— um modo de fazer, uma perspectiva, um condi- Gonamento, uma determinasao etc. Nao uma representagio da representagao ou coisa que 0 valha, mas a representagio de algurma coisa rica de determinagées — a sabes, um gestus social. E justamente este alguma coisa que poe o parametro iilrimo da pega no mundo, ¢ nao na propria pega. Brecht gostava de dizer que s6 se julga bem uma obra de arte comparando-a nao apenas a outra obra de arte, mas & vida mesma. Nao é outra coisa a sua determinagio de intervir ¢ de transformar. Cada peca da matutidade de Brecht (¢ mesmo antes) em maior ou menor medida, coloca-se a si mesma nesse confronto radical com 0 tempo e pie a questio de sua prépria arualidade. le mesmo 0 sabia, ¢ o deixa muito evidente, por exemplo, 20 recomendar, desaconselhar ou até interditar suas pecas em determinadas con- juncuras politicas, Todo diretor de teatro que o filistinismo tenha poupado far a mesma operasdo, ao decidir encenar uma pega de Brecht ¢ como fazé-lo. ‘A obra de Brecht € um dos rarissimos exemplos de autorreferencialidade poética que nao se esgota na obra mesma. Quando, mesmo em uma pega po- tencialmente “de sucesso”, como 0 caso de A vide de Galilen, Brecht julgava nao ter obtido suficiente suspensio ou dialetizagao dos efeitos identificatérios, declarava-se diante de uma “grave regressao técnica’. Fm contraposicfo ds con- tinuidades de Galileu, ele almejava a exploragao formal eficaz. do fragmento, ¢ este € um dos limites menos conhecidos de scu trabalho: “aquilo que imagino, do ponto de vista formal, é un fragmento em grandes blocos brutos”s. 4A anoragao sobre Galilet enconcra-se no Didrio de rabalho, de Brecht, na entrada de 25 de Fevereiro de 1939. Fi nesa mesma anotaglo que ele registra 0 célebre comentirin de que, para reescrever 0 Galileu, precisaria estudar previamente os fragmentos de Farzer ¢ de A padariat “esses dois fragmentos sto do mais alto nivel técnico”. A anocacao referen:e ao fragmento como forma encontta-se também no Diidrie de mabatho, entrada de 11 de julho de 1951 * Bertolt Brecht, Arbeinjournaf: 1938-1955 (Prankfurt am Main, Suhrkamp, 1993), 2 v. Em portugués, foram publicados os textos até 1947. Ver Bibliografia recomendada, p. 147 deste volume. (N. E) 135 A radicalidade aucocritica de Brecht € um dos aspectos de sua obra que me nos tém chance de ser reconhecidos e valorizados no Brasil, em particular por dois vicios locais — um, mais novo, outro, nem sanco: a moda da “meralingua- gem” eo vezo de sideragio do receptor (leivor, especrador ere.), que passam. na terra, por signos distintivos da grande atte, Aqui, a mevalinguagem cristalizou se rasamente como pura autorveferencialidade narcisica, ¢ faz 0 estrago que se sabe na literatura das dltimas décadas; complementarmente, talyes em ne- nhuma outra literatura se tenham cultivado téo intensa c inconscientemente as formas do rapto, da seducio, do envultamento ¢ da possessao do leitor quanto na nossa — 0 que dé testemunho de um panico insuperdvel da alteridade, in- capacidade de sustentar a liberdade do outro, base equivoca tanto das suspei- tas doguras quanto do enrranhado fascismo nacional. Q ensimesmamento da obra brasileira ~ cransparenre em sua renitente indecisio formal — rem como corolitio a sideragao do leitor/espectador/receptot, absorvido ele mesmo nesse mung infiuso ¢ esquisitamente metafisico. Um escritor como Brecht, que re- cusa minuviosamente a posessio do receptor e faz da liberdade deste critério de exceléncia, é de certo modo. incompreeasivel parz tal mencalidade. Alguns fatos si0, disso, sintométicos: costuma-se reconhecer que o Brecht que predomina nos palcos brasileiros é 0 Breche “apecaliptico”, das primeiras pecas, € muito raramente se extrai destas © que tém de melhor; as pecas da maturidade, quando encenadas, com frequéncia tém seu cardter racionalista “revisto”, isto é, esvariado, quando nao invertido. Assim, também, transpo- sigdes da teoria brechtiana na dramaturgia nacional no raramente se proces: saram mediante um alegre desarmamento de seus dispositivos criticas, anti- -identificawrios, provedores de descontinuidade. Brecht dizia “nao suportar endo a contradi¢io”*. Esta se transforma, nele, em elemento fundamental do gosiv. Assim, cambém esse movimento, pelo qual sua obra se questiona ¢ se pée radicalmence em causa, no vai sem contradicia No polo oposto, ela deseavolve igualimente dispositivos visando a sua repo sigao, integridade ¢ duragao. Sao varios esses mecanismos, ¢ em outra parte traci de estudé-los: a formacko de repertétio “completo” (isto é que desse conta das diferentes conjunturas que © capital péc ¢ repde); a retomada critica do classicismo alemios a “cransformacao de fungio” de pegas fundamenrais da dramaturgia mundial; a incegracao firme de teoria e prarica; a constituigio de Ver nota aucabiogritica de 1958 em Jaurnane (1920-1922Nates ancobingraphiques (1920- 1954) (Paris, LArche, 1978), p. 188. ‘modelos — reprodutiveis ¢ modificaveis ~; a escrita que programa sua traduzibi- lidade ¢ internacionalizagao etc. Esse movimento amplo ¢ complexo, de pola~ ridade dupla, pode, no entanto, ser visto imediatamente no proprio efeito V, que guarda ambas as virtualidades — 0 autoquestionamento ¢ a perspectiva “dlassica’, voltada para a durago. No exilio da Finlandia, em 1941, Brecht escreveu em seu ditrio de wabalho: Querer conferir as obras uma longa duracao, esforg inicio, rorna-se mais sétio quando © escritor cré fundada a hipduese pessimista de que suas ideias (isto é aquelas que ele defende) poderiam levar muito tempo * ay para se impor. As medidas que se omem nesse sentido, aliés, no devem em nada simplesmente “natural”, de prejudicar o ¢fcito atual de uma obre. As indispensiveis pinturas épicas do que é “evidente” para a época em que se escteve ndo constituem preciosos efcitos V senio para essa propria época. A autarquia conceitual das obras comporta unt momento de critica: o escritor analisa a navureza transitéria dos conceitos ¢ das observagGes de seu proprio tempos Nesse fragmento pode-se ver a concepcao do distanciamento brechtiano em boa parte de sua extensao: tem Fandamento “pessimista” quanto & evolugio do capitalismo; produz os dois impulsos antagénicos — 0 de projetar-se no fu- muro € 0 de exigir efeito imediato; comporta um elemento de perecibilidade ce- conhecida ¢ ponderada ¢ outzo de permanéncia; ¢, fandamentalmente, distan- cia a época ¢ se distancia da epoca. Assim, o distanciamento tanto é, cm Brecht, ctitica do presente imediato quanto vetor “classicizante” de sua obra — trago este, aliés, identificado anres de todos, salve exto, per Walter Benjamin, que nos anos 1930 assim comentava a pritica brechtiana da distancia: “A distancia sempre tinha sido aquela que a posteridade usow para charar um autor de clissico”’. O conjunto mesmo dos extraordinarios ensaios benjaminianos sobre Brecht poderia ser lido, inclusive, como uma andlise do sentido, da extensio edo alcance do distanciamento na obra brechtiana, servindo de antidote ¢ de adverténcia quanto a sua interpretacio redurora. A nota brechtiana anteriormente reproduzida aponta, ainda, para o peculiar estatuto que tem a nocio, tornada sacrossanta, de obra de arte autonoma em seu trabalho. Esse carter “autarquico” da obra nao é suprimide nem ignorado, mas tampouco se absolutiza, Ele nao é, em Brecht, a obra mesma — nao se confunde com ela, nio constitui seu fundamento ou modo de ser, mas uma énstécia da © Ver Didrio de rrabatho, cit., entrada de 24 de abril de 1941. 2 Ver Walter Benjamin, “Romance dos i vintins, de Brecht’ p. 84 deste voluine 137 obra, um momento dela, uma de suas dimensdes ou recursos que nao ha por que sacralizar, nem por que, sem mais, abominar. Pode-se conservé-lo e dinamizé-lo, na medida em que, em cada situacio particular, guarde valor critico diante da alienacio ¢ da hereronomia gencralizada ptioridade ou finalidade tiltima e, antes dek vez, foi Walter Benjamin 0 primeiro a anoré-lo, em 1930, em conferén Nao é porém, principio inamovivel, passam outros designios. Ainda uma no rd- dio, na qual, citando Brecht, declara que o trabalho brechtiano corporificado nos Verwuche, que entéo se iniciava, “ocorre num momenco em que cervos uabalhos ii obra), mas visam antes de mais nada 4 utilizago (transtormacao) de determina- nao mais deverao ser experiéncias tao exclusivamente individuais (cer carater de dos instinutos ¢ instituigGes”. Adiante, acrescentara, referindo-se a um dos proce- dimentos brechtianos de distanciamento (e saber, 0 de tornar cindvel o gestus social transposto nas pecas, que, gesto ou palavra, € preciso interptetar e compreender): “Hm primeiro lugar, vem seu efeito pedagdgico; em segundo, 0 politico; e, por ihimo, o poéticn™. E perfeitamente herético em relacio ao que professava 0 exta- blishment licerario c, inclusive, os ditos frankfurtianos, que naa por acaso tiveram Brecht como desafeto ¢ trouxeram Benjamin na ponta da corda. ‘Todavia, nao escapava a Brecht nem a Benjamin que a referida dialetizagio do estatuto da autonomia (burguesa®) da obra de arte fazia, em parte, a forga dos novos empreendimentes literirios, mas também respondia pelo aumento de sua vulnerabilidade. De faro, néio se questiona da mesma maneira a dita “atualidade” das obras que se poem como “autdnomas” € a dos trabalbios lista dos sob a nibrica (infamante?) do “engagement”. Pretendendo tet em si mesmas 6 seu préprio fundamento, as “obras autonomas” como que se subtracm, ou querem fazé-lo, ao escrucinio de sua vigéncia critica ¢ alcance tansformador. Nao € problema delas, em principio. Olham o tempo com olhar esfingico © fatal. E assim, em geral, que as acolhe a critica — embalada, aliés, no mesmo berco -, a qual, mesmo quando lhes verifica a data, detém-se diante de seu fechamento augusto, intangivel. E apenas aos traballos que, embora manejem no seu Ambito a instancia da autonomia, poem seu paramerro tiltimo no mun- do ¢, mais precisemente, em sua transformagéo que se reserva a severa arguigao Idem, “Bert Brecht”, em Docurmenios de culewatDocumenias de burliirie (ensaios excathidos) (S40 Paulo, Culirix-Edusp, 1986). Formulagio semelhance aparece em “Trecho de ‘Comentario snbre Brecht”, p. 33 deste volume. ( Ibidem [ver também p. 34 deste volume]. 138 de atualidade. Isso muito os honra: empenhados, historicos, mortais, eles co- nhecem desde dentro ea fundo sua prépria vulnerabilidade e, tacita ou aberta- mente, parecem dizer que a transformacao da autonomia da obra artistica em ultima ratio conta a universal alicnacao releva antes de tudo do impedimento objetivo (de classe?) de passar ao outro campo — o dos explorados do capital. Brechr é ainda hoje o auror alemao mais encenado em todo o mundo e, justa~ mente no refluxo do mavimento de esquerda des tiltimos anos, ficou mais visivel em que medida seu legado se tornou um elemento permanente da cultura euro- peia ¢ ocidental, Porém, sua obra mesma, como se procurou dizer aqui, obriga a enxergar que essa permanéncia nfo é neutra, mas condicionada por ela propria a sua eficicia critica, de teor anticapitalista, A prdpria obra de Brecht exige que se verifique, a cada apreensio que dela se faga, o que se encontra apagado ou suspen- soem seu trabalho. No préprio campo brechtiano, como é de rigor, pergunta-se se justamente o efeito V nao perdeu sua eficécia, apropriado que teria sido pelas lin- guagens do mercado, a publicidade em particular, Em alguma medida e sob certos aspectos, € possivel que siz. Porém, o distanciamento, como se procurou indicar, nao se reduz & evidenciacao das fontes de luz do espetaculo nem & méscara que se aponta com o préprio dedo, por exemplo. Tampouco, acredito, o capitalismo se abriu cm flor, revelando, na mais limpida transparéncia, os seus funcionamentos, doravante franqueados & percepcéo de todos, de modo a tornar supérfluo tratar de entender suas manhas realdgicas e sutilezas metafisicas. Ao contririo, salvo enga- ance ¢ sempre igual a si mesmo, ¢ oferece na, ele continnia ao mesmo tempo cambi cada vez mais suas faces opacas a uma inumerdvel maioria, que o vé, estarrecida, Gircular sobre as cabecas de todos como ente reflexionante ¢ fantasmagérico. Elementos de caniter anti-ilusioniste, da ordem dos anteriormente mencionados (que, alids, j4 existiam no teatro antigo ¢ medieval, no teatro oriental, nas cenas populares de rua ¢ de praca piiblica etc.), aparccem integrados, na pritica cénica brechtiana, a todo um conjunto de elementos, que oferece, em sua complexio nada banal, ainda a ser adequadamente descrita, da qual pode fazer parte a propria auto- nomia artistica reconfigurada, um outro regime de produgio de sentido que con- trasta vivamente a alienacio da percepcao ¢ expde a consciéncia 4 experiéncia radical ce miltipla de outra coisa que nao ela. Essa via, que sob certos aspectos arende pelo nome anatematizado de dialérica ¢ desafia a acusagao de rendigio a heteronomia, ¢ a que dé acesso a0 real e, a0 faré-lo, fur também que se desprenda dele ~ utopia sem utopismo, utopia sem imagens utépicas, utopia como produgio — 0 “modelo” de um mundo outro, que a pritica desalienada da significagio coma concreto e sensi vel, presente, ali, onde o ceatro consegue as vezes ser presenga € presente. 139 Loggien “Logaien” (Vogcie),exinica esr ‘Walter Benjarnin sols preucl Detley Holz na sey de encrcta mento do Vasscien Zeitang, em ages de 1933. 1892 1898 1905 1908 1910 i912 1913 1914 Cronologia* Bertolt Brecht Nasce no dia 14 de feverciro cm Augs- burgo, na Bavéria, Alemanha. Inngressa na escola secunndiin (Race) Primcira public no jornal da escola e no suplemento li- teririo de um petiédico local: poemas, artigos e um drama intitulado A Biblia io de seus trabalho, 141 Walter Benjamin Nasce no dia 15 de julho em Berlim, capi cal da Alemanha. Frequenta, até 1906, 0 internato Haubin- da, orientado pelas ideias da Escola Livre. Torna-se pupilo do pedagogo Gustav Wyneken. Primeiras publicagbes, na revista escudan- til Der Anfang. Ingressa no curso de filosofia da Universi- dade Albev-Ludwig, em Friburgo. Inicia amizade com o poeta Christoph Friedrich Heinle. Viaja a Icilia, Primeiro conta to com o sionismo. Continua estudos em Berlim, na Universidade Friedrich Wilhelm. Primeira viagem a Paris. Além das publi- cages na revista Der Anfang, pasticipa no I Congreso da Juventude Livre Ales. Estuda em Berlim até 1915. Logo que a Primeira Guerra Mundial inicia, Heinle se suicida, Benjamin escre- ve os ensaios “Dois poemas de Friedrich Hilderlin” (publicado apenas em 1955) <°A vida dos estudantes”, E eleito presi- dence do Grupo Livte de Estudances de Berlim. Conhece Dora Sophie Kellner {entio Pollak) As obras destacadas em negrico sd abordadas neste volume, 13i5 1916 1917, lois. 1919 1920 1921 1922 192; Bertolt Brecht Ingress: no curso de medicina da Univer- sidade Ludwig: Maximilian, em Munique Presta servige militar como enfermeiro, em um hospital de Augsburgu; escteve sua primeira peca, Baal. Filiase ao Partido Social-Democrata Independente da Alemanha. Nasce seu primciro filho, Frank, com Paula Be- nholzcr, Publica eriticas de teatro no jocnal socialista Vollseillen, Escreve Tiseabores nas noite. Nomeado conselheien-chefe de selesio de pecas no Kammerspiele de Munique. Merre sus mae, Viagem a Beslim. Nova wager a Berlim. Casa-se com a cantora de épera € atria Marianne Zoi Fstreia, em Mnnique, de Tambores na oite, pela qual recede 0 Prémio Kleist. Nasce sua filha Hanne Hioh (que se tor nara atriz). Estrela das pecas Na selva das cidades, cm Betlion, ¢ Baal, em Leipzig. negra lista de pessoas a serem devas claborada por Hitler ¢ 08 denmais organi- adores do fracassadlo Passo dle Ma que. Muda-se para Berlim ¢ torma-se consul- tor do teatro Max Reinhard: Deutches (ace 1926). Nasce seu fillo Stefan, com a atria Helene Weigel. Primeiro enconuo com Walter Benjamin, por intermé de Asja Lacis, sem muiro entusiasmo. 142, ‘Walter Benjamin Rompe com Wyneken. Aproximaese de Gerhard (Gershom) Scholem, Werner Kraft, Felix Noeggerath © Ecich Gutkind, Escada em Munique. Conhece Rainer Maria Rilke. Escreve 0 ensaia “Sobre linguagem em gerale sobre alingw= gem do homens, publicado postumamente. Casa-se com Dora Sophie Kellner. Conti nua seus estudos em Berna, Sulga No dia 11 de abril, nasce sew Gnico filho, Stefan Rafael. Aproxime-se de Ernst Bloch. Conclui doutorado, otientado por Richard Hethertz, com a tese O conceita de evttica de arte no romantismo alemdo, Reroma 2 Berlim. Fscreve "Para uma critica da violéncia” um cratado sobre As afinidades eletinas, de Goethe. Tixbalha em seu periédico Angelus Now, nunca publicado, Aproxima-se de Plorens Christian Rang, Amizadc com Kracauer ¢ Adorno. Sto publicados sua traducia de “Tableaux pa- tisiens” (seco de As flares do mai, de Bau- delaire} e seu ensaio “A tarefa do traducor”. Scholem emigsa para a Palestina. Comega a escrever A origem do drama barroco alemie. Primecira segio de “As ofinidades eletinas de Goethe” é publicada na revista de Hugo yon Hofmannsthal, Newe Deutsche Beitnige fa segunda sai em 1925), Passa meses em Capri, onde recebe Bloch, Encontra Asia Licis, que desperea seu interesse pelo mar- xismos juntos, escrevem o ensaio de viagem “Népoles”. Fle o apresenta a Brecht, 1925 1926 1927 1928 1928 1930 1931 Bertolt Brecht Tiabalha na criacao e montagem da pe- ca Um homem é um home. Amizade com o pintor George Grose. Um homem é um homem estrcia em Darmstads e Diisseldorf. Lé O mapitat, cle Marx. Comega a eserever O declinio do egoista Fatzer, obra nunca condluida Brecht e M: Publica primeiro volume de poesias, Brevidrio doméstico. Termina de escre- ver Guia para 0 habitante das cida- des, Inicia colaboragio com 0 compo- sivor Kurs Weill. ine Zolt se divorciam. A épera dos trés vinténs estseia com su cesso no Theater am Schiffbauerdamm, em Berlin, Lé Ulises, de Joyce. Casa-se com Helene Weigel. O eoo de Lindbergh estrcia, primeiro em versio radiofonica, na Sadwescdeutscher Run dfunk (Frankfurt am Main), ¢ depois no teatro, em Berlim, Happy End esicia em Berlim. Aproxima-se de Benjamin, Nasce sua filha com Weigel, Barbara Tamul:o na estzeia de Ascenso e queda da cidade de Mabagouny ers Leipzig, Esrcia de A deciséo ¢ Ayuele que diz sim, aquele que diz nao, em Berlim; € A Santa Jouna dor matactouros, om Ham- burgo. Publicadas as primeleas 7#ist6- vias da sv, Krenner, em volume da série Vorsuche que também inelui O 100 de Lindberg ¢ um fragmenco de Facer. Férias no. sul da Pranga, Benjamin lhe mostra comvos de Kafka. 143 Walter Benjamin Desiste de obter a Habilisation na Univer- sidade de Frankfurt am Main. Primeisas publicazées no Frankfurter Zeitung ¢ 0 Literarfsche Welt, Viagens a Espanha, Iui- Jia, Lituania ¢ Ruissia (onde permaneee até janeiro de 1926). Registra anotacées na Riéssia, publicadas postumamente como Dédtio de Mascot, Estrcia no radio com conversa sobre poe tas russos. Passa seis meses em Paris ¢ comeca a trabalhar nas Passagens. Primel- ro volume de Proust traduzide por cle « Franz Hessel (A soma das mocas em flor) Experimenta drogas. Dublicagie de Vise le mao nica ¢ A ori ‘gemn do drama barreco alemiv ¢ dos ensaios “Brinquedos velhos” e "Haxixe em Marse- ha? (no Pevakfierter Zeitung) Aproxima-se de Breelu, Por influéneta de- le, trabalha com as vidios Siidwestdents- chet Rundfunk (Erankfurt am Main) e Funkstunde (Berlim), “Surrealismo: 0 tl timo instantdneo da inteligéncia europeia” 6 publicado no Die Literarisebe Wels. Divorcia-se de Dora Sophie Kellner. Via- ja a Norucga. Publicacao de sua segunda tradugio de Proust com Hessel (O cami- ho de Guermantes), do ensaio “Teorias sobre o fascismo aleméo” © de uecho de “Comentirio sobre Brecht” ~ este ilti- mo, baseado em conversa radiofiniea na Siidwestdeuscher Rundfunk inciculada “Bert Brecht”, Com Brecht, planeja criar a sevista Krisis und Kritik Publicagio dos ensaias “A politizagio da inteliggncia’, “A crise do romance”, "Me- lancolia de esquerda’ seleschafi), "Pequena hiscéria da forografic? (em Die Literavisehe Wet) ¢*O cariver des trutivo” (no Franifierter Zeitung), todos em Die He- 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938 Bertolt Brecht Viagem a Moscou, onde estreia o fil: me Kuble Warnpe, por cle roteivieado ‘A obra ¢ banida aa Alemanha. Estreia de A mde em Berlim. De novembro a fevareico de 1933, frequents palestras de Karl Korsch com Flisabeth Heupt- mann, Alfred Dablin ¢ outros, que se retinem com ele para discutir Hegel, Marx e Lénin. Com « ascensao de Hitler, instala-se na Dinamarca. Montagem em inglés de A dpera dos arts vinténs estteia em Nova York, mas tem apenas 12 apresentagées.. Evereve @ Benjamin que seu “Sobre a posigae social atual do escritor frances” é “ccalmente excelente” e 0 convida para ‘uma temposada em Svendborg, Come- ‘pa csctevet os poemas que comporiam Estudos ¢ Poemas de Svendborg. Visia a Londres. Romance dos trés vinréns & publicado na Holanda Perde a cidadania alema. Recebe visita de Karl Korsch. Torna-se enedicor da sevista Das Wors, de Moscou. Escreve a peta Os fiesis daa sra. Carrar, gne estreia em Paris no mesmo ano. Terror e miséria do Terceivo Reich es. treia em Paris, Escteve a primeita versio de A ride de Galilex, Chima visita de Benjamin. is ‘Walter Benjamin Primeisa estadia em Ibiza. ‘Tiabalha em “Créniea de Berlim” ¢ “Uma infineia ber- linense em corne de 1900", “Un dbeama familiar no teatro épico” € publicado em Dis Litevarische Welt, Far suas iltimas conversas radiofnicas pars o Funkestunde. Adorno realiza semindrio om Frankfurt sobre A origers do drama barroce alesnio, Virias publicagaes no Vasische Zeitung, Ulrimas couvetsas tadiofitnicas em Prank fure. Com a ascenséo de Hitler, parte da ‘Alemanha. Segunda estadia em Ibiza, onde contrat malisia. Exila-se em Paris. Toma-se colaborador do Instituto para a Pesquisa Social. Sux primeira publicacto no Zeitschrifi fitr Soztaiforchung & “Sobre a posicéo social an Visita Brecht na Dinamarca, Scu texto “Franz, Kafka” € publieado no judische Ruondichan, Visita a ex-espora Dota em San Remo {volta cm 1935). Escreve “O autor como produtor” do csevitar francés”, ‘Uheima public: 10 00 Fronkfurser Zeitung. Visita Brecht novamente. O ens: “A obra de arte na era da reproduribilidade técnica’ tem tradugéo francesa na Zeit schrift flr Soxtalforschueng. Sob 0 pseudd nimo Detlef Holz, publica a colegio de cartas Deutsche Menschen (Rove alemngo], em Lucerna. A Das Wort publica sua pri- meira “Carta de Pari Bxcreve "Eduard Fuchs, colecionador historiadne”. Torna-se comespondente lite rétio em Paris paca. 0 Zetisch Tileima visite-a Brecht. Recebe dura critica de Adorno, que recusa a publicagao de “A Paris do Segundo Império em Bandelaize”. Publica “O pais em que o proletariado no pode set mencionado”. 1939 1940 1941 1943, 1944 1946 1947 1948 1949 1954 1956 Bertolt Brecht Poemas de Svendborg & publicado, cor textos escritos principalmente entre 1934 © 1938. Vai a Suécia. Planeja exilar-se nos Estados Unidos. Mudase para Santa Monica, nos Estados Unidos. L2 “Sobte 0 conerite de histéria” e considera que pode cer se inspirado em seu Os negicios do senor filo César. Temn- pos depois, escreve os pocmas “Lista de per- des"; “Onde esti Walter Benjamin, o ext “A Walter Benjamin, que se sticidou fugindo de Hitler” e “Sobre 0 suicidio do fugicivo W. B". Em conversa com Adorno, considaa Benjamin “seu melhor critico”, Estreia ce Mice conageme e seus fhas na Sulea, A alma boa de Sctswan e A vida de Galt- dew estteiam em Zurique, Suiga. Invegca 0 Consellio por uma Alemanha Demoeritica. Nasce seu filho com Ruch Berlau, mas.o bebé nao sobrevive Adaptagio de Brecht de A tragédia da Duguesa de Malf estreia em Boston. Em depoimento ao Comité de Ativi- dades Antiamcricanas, afitma no set membro do Partido Comunista. No mesmo dia, deixa os Estados Unides. Retorna a Alemanha. Q senbor Puniila sen eriado Matti e como sua adapracio para Ararigona estreiam na Suica. Publica Pequeno érganon para o teatro. Com Helene Weigel, finda a compa- bia Berliner Ensemble. Recebe o Prémio Stilin da Paz (depois Prémio Lénin da Paz) Marre, 40s 58 anos, no dia 14 de agosto 145 Walter Benjamin Com a eclasio da Segunda Guerra Mundial, 0s alemfes cm Paris sao intemados em um estadio. De 1, Benjamin ¢ enviado a um campo de trabalho perto de Nitwre. Liberto em novembre, volea a Paris, Publicada se- gunda versio de “O que é 0 teatro épica”. Sobre alguns temas em Baudelaire” é pu- blicado na Zeisehrift fir Sozialforschung. Escreve as teses “Sobze 0 conceito de his- tori’, Com a invasio da Franga pela Ale anh, foge para Port Bou, na Espanha, mas é impedido de prosseguir. Toma uma dose letal de morfina em 27 de setembro. | ee IMPREMES, Mss... BSE } poe aaigutnswaiteganes hee Ba Ate Meret tf 00 MET. I Les a rere » G pa Bibliozeca Nacional da Franga, em Paris. 1940. Bibliografia recomendada Obras literdrias ¢ para teatro de Brecht BRECHT, Bertolt. Gesarmmelte Werke, Frankfurt am Main, Subrkamp, 1967. 20 v. . Teatro completo, Otganizagio de Christine Rohrig. Varios tradutores. Rio Paz e Terra, 1987. 12 v. Premas: 1913-1956, radugao ¢ oxganizagao de Paulo César de Souza. Sio Paulo, Edi- ora 34, 2000. Historias do sr. Kewner, Tradugdo de Paulo César de Souza. Sad Paulo, Edivora 34, 2006. Janeiro, Obras tedricas e didrios de Brecht BRECHT, Bertolt, Firizas bre teatro: para uma arte dramética no aristorélica. Lisboa, Por tugilia, 1964, éatro dialético. Organizacao de Luiz Catlos Maciel, Rio de Janeiro, Civiliza sileira, 1967, Schriften zum Theater. Frankfurt am Main, Subrkamp, 1974. _ Arbeitsjournal 1938-1955. 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Sao Paulo, Boitcmpo, 2005, 148 Bertolt Brecht ¢ Helene Weigel participam de comemoricio do 1 de maio na entao ManeEngels- Platz (acual Schlossplace), em frente & sede do Berliner Ensemble em Berlim, 1954 Marxismoe | “eordenacdo LITeTaTULa : Michael Lowy Revolta e melancolta ‘Micuaet Lowy & ROBERT SAYRE A cidade das liras Ancet Rama As artes da palavra Leanpro KoNDER O capitatismo coma religito WALTER Bexjamin Organizagao de Michael Lowy Defexa do matixismme Jost Cantos Manr&rrcut (Organizacto e notas de Yuri Martins Fontes Do sombo as coisas José Cantos Maridrecur Organizagio ¢ noras de Luiz Bernardo Pericis Fm sorno de Marx Leave Konner Os brreduiveis Dante Bensaip Lucien Goldmann Mrowart Lowy & Sas Nai Mare, manual de instrugies Danint Bensato Profagaes Grorcto AGAMBEN Sobre ¢ amor Leanpro Koxore Whlter Benjamin: avise de incéndia Micuant Lowy Préximos lancamentas da Boitempo Bscritos de outubro Bruno Gomips (oxc.) Centethas Dasuex Bensalp e Micuast Lowy O Bundy « 0 revoliagio Vaapinar I. Lenny Outubro (Cunna Mrévinre, lomien: Publicado em julho de 2017, més em que & complesain 125 anos do nascimento de Walter Benjamin,

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