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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2019.0000727691

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1061715-30.2017.8.26.0002, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes NAVESA
COMERCIAL DE VEÍCULOS LTDA, FORD MOTOR COMPANY BRASIL LTDA e
PAULINVEL VEICULOS LTDA, são apelados HANNA YOSHIDA e MARIO CARLOS
GUTHMANN FILHO.

ACORDAM, em 30ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São


Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de
conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ANDRADE


NETO (Presidente sem voto), LINO MACHADO E CARLOS RUSSO.

São Paulo, 4 de setembro de 2019.

MARIA LÚCIA PIZZOTTI


RELATOR
Assinatura Eletrônica
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 1061715-30.2017.8.26.0002


VOTO 26193
APELANTE: FORD MOTOR COMPANY BRASIL LTDA.; NAVESA COMERCIAL DE
VEÍCULOS LTDA.; PAULINVEL VEÍCULOS LTDA.
APELADO: HANNA YOSHIDA E OUTRO
COMARCA: CAPITAL FORO REGIONAL DE SANTO AMARO
ASSUNTO: EVICÇÃO OU VÍCIO REDIBITÓRIO
MAGISTRADO PROLATOR DA DECISÃO: EURICO LEONEL PEIXOTO FILHO

EMENTA
APELAÇÃO AÇÃO INDENIZATÓRIA VÍCIO DO
PRODUTO RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA CARRO
NOVO VÍCIOS DE FÁBRICA - SUBSTITUIÇÃO DO BEM
LUCROS CESSANTES - DANOS MORAIS
- Legitimidade constatada na relação de direito material
responsabilidades das corrés obrigação solidária artigos 7º,
parágrafo único, 18 e 34, do Código de Defesa do Consumidor;
- Substituição do bem violação dos prazos de conserto do vício
do art. 18 CDC;
- Os fatos narrados são suficientes para configurar reflexo em
elemento integrante da moral humana, constituindo dano
(modalidades própria e imprópria) indenizável inteligência dos
artigos 186, 188 e 927 do Código Civil. A frustração na aquisição
de veículo com vício denota o dano moral. 'Quantum' arbitrado de
acordo com a extensão do dano e com os paradigmas
jurisprudenciais (art. 944, do CC);
- Lucros cessantes comprovados.
RECURSOS IMPROVIDOS

Vistos.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a r. sentença de fls.


463/467, cujo relatório se adota, que julgou PROCEDENTE o pedido inicial para condenar as
rés, solidariamente, a substituírem o veículo dos autores por outro, zero quilômetro, da
mesma espécie, em perfeitas condições de uso, no prazo de 30 dias, sob pena de multa
diária de R$2.000,00, válida por 60 dias, a indenizarem os autores pelos danos materiais
sofridos na quantia de R$1.770,40, corrigida monetariamente desde o ajuizamento da ação e
com juros moratórios de 1% a partir da citação, e danos morais, no montante de
R$10.000,00, corrigido desde o arbitramento.

Diante da sucumbência, condenou as rés ao pagamento das custas e


despesas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da
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causa.

Entendeu o MM. Magistrado a quo, que o vício existente no sistema de


câmbio do veículo não foi solucionado pelas rés, fato confirmado pela perícia técnica
realizada em juízo.

Irresignadas, as corrés apelaram.

Aduziu a corré Navesa que não lhe foi oportunizado o direito de reparo,
previsto no art. 18 do Código de Defesa do Consumidor, de modo que não tem
responsabilidade pela substituição do veículo ou qualquer indenização. Sustentou, ainda,
que não há nexo causal entre sua conduta e o prejuízo sofrido pelos autores, já que não foi a
pessoa jurídica incumbida a realizar os reparos questionados no veículo. Concluiu pela
ausência de dano moral indenizável.

A corré Ford Motor Company Brasil Ltda. interpôs recurso de apelação


aduzindo sua total ausência de responsabilidade, na medida em que o veículo não fora
encaminhado para o distribuidor para reparo. Disse que não há motivos para substituição do
veículo, visto que não se tornou impróprio ao uso. Sustentou que a substituição é impossível
já que o veículo já está em uso há quase 3 anos, sendo desnecessária e contraditória a
rescisão contratual de compra e venda do veículo e a consequente substituição por um zero
quilômetro, somente se mostrando possível, nessa hipótese, a devolução do valor de
mercado. Pugna também pela reforma do valor da multa e do curto prazo para entrega.

A corré Paulinvel Veículo Ltda. interpôs recurso de apelação sustentando sua


ilegitimidade passiva. Disse que não houve ato ilícito a ensejar a substituição do veículo por
um zero quilometro, caracterizando enriquecimento ilícito, já que o veículo foi devidamente
reparado em suas dependências, dentro do prazo legal de 30 dias, e que ainda é possível de
reparo. Concluiu que não há nos autos elementos comprobatórios dos lucros cessantes.

Processados os apelos com o recolhimento dos preparos respectivos, vieram


contrarrazões, tendo os autos vindo a este Tribunal.

É o relatório.
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Infere-se dos autos que o autor adquiriu veículo zero quilometro na
concessionária Navesa Comercial de Veículos Ltda., em 14 de julho de 2016, pelo valor de
R$44.800,00. Após dois meses da compra, o veículo passou a apresentar barulhos
anormais. Na revisão de 10.000km foi necessário trocar o kit de embreagem, em razão da
permanência dos barulhos ao engatar a ré. Em 01 de fevereiro de 2017, na revisão de
20.000km, foi efetuada nova troca do kit embreagem e das pastilhas de freio. Novamente em
18 de setembro de 2017, foi necessária nova troca do kit de embreagem, a quarta em menos
de um ano de uso.

Pois bem.

Os recursos não comportam provimento.

Foi produzido laudo pericial nos autos, que concluiu o seguinte:

“Dificuldade para engate de marchas: durante os testes de campo ficou


evidenciada a existência de dificuldade para engate de todas as marchas (1ª
a 5ª e “marcha ré”), em situações normais de condução do veículo e trânsito,
nos diversos pontos do percurso adotado (campo de provas). Considerando
as diversas trocas do kit embreagem do veículo realizadas pela correquerida
Paulinvel, o problema em questão não tem como origem a falha ou defeito no
referido kit, mas sim, provavelmente, no câmbio manual do veículo. Por se
tratar de problema que persiste (já reclamado anteriormente pelos
requerentes, conforme ordens de serviços arroladas nos autos e anexas a
este laudo pericial) as requeridas devem diagnosticar a causa e apresentar
soluções para sanar a referida anomalia.”

Barulho/ruído no porta malas: durante os testes de campo observou-se um


barulho/ruído intermitente oriundo do porta malas (lado esquerdo) do veículo.
Apesar de não ser uma reclamação contemplada na inicial destes autos, pelo
fato do automóvel se encontrar em garantia até o momento da vistoria/perícia,
cabe por parte das requeridas a devida investigação e solução desta questão;

Outros problemas relatados na inicial (barulho nos freios e suspensão,


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problemas com a bateria e injeção eletrônica) foram analisados pelo perito
Judicial durante os testes de campo e inspeção do veículo na oficina da
concessionária Paulinvel, no entanto, os mesmos não se reproduziram
durante a referida diligência.” (fls. 406).

Logo, evidencia-se que o veículo apresentou uma série de problemas que


apesar de resolvidos em um primeiro momento, não foram integralmente solucionados e
causaram mais transtornos ao adquirente, indicando que são decorrentes de fábrica.

Portanto, tal fato independe da quantidade de quilômetros rodados pelo


veículo (atualmente com quase 70.000km), já que desde os primeiros dois meses de uso, e
na primeira revisão com 5.000km, os defeitos já haviam sido notados. A alta quilometragem
é explicada pelo fato de que o autor é motorista do aplicativo Uber, com aproximadamente
2.500km por mês.

Uma das teses das recorrentes é a de que a r. decisão proferida pelo i.


Magistrado de origem geraria situação de “injustiça”, já que entregaria um automóvel usado
e antigo em troca de um novo e sem uso. Sem razão.

Como bem observado pelo i. Magistrado sentenciante, é o caso de aplicar o


art. 18 do Código de Defesa do Consumidor, especificamente o §1º, inc. I:

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis


respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os
tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes
diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com
as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou
mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua
natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o
consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas
condições de uso;

Não se trata, assim, de “enriquecimento sem causa”, como sustentaram as


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recorrentes, mas de mero cumprimento de previsão legal, que autoriza ao consumidor que
exija a substituição do produto por outro da mesma espécie, exatamente como o caso dos
autos.

Os autores dispensaram considerável quantia (cerca de R$45.000,00) para


aquisição de um veículo novo, “zero quilômetro”, esperando se utilizar do automóvel sem se
preocupar com quaisquer problemas mecânicos, elétricos ou outros nesse sentido por um
bom período. Contudo, poucos meses depois da aquisição já foram obrigados a se dirigir
para a oficina autorizada, uma vez que o carro apresentou problemas, sendo ainda foram
necessários outros retornos e o ajuizamento desta ação, uma vez que o problema
prosseguiu.

As corrés Ford Motor e Navesa Comercial são fornecedoras e pertencem a


uma cadeia de consumo, sendo responsáveis pelos danos causados, mesmo que não
tenham sido a responsável pela colocação do kit de embreagem. A corré Ford, como
fabricante, responde pelos vícios decorrentes de fábrica como denota ser o caso dos
autos.

Ainda, a concessionária é fornecedora aparente, já que a Ford não realiza


negociação direta com o consumidor. Aliás, toda a documentação da requerida evidencia a
representação, não tolerável o argumento da responsabilidade de terceiro. Logo, inconteste
a legitimidade nos exatos termos do artigo 34, da Lei n. 8.078, de 1990. Sobre o tema,
iterativa jurisprudência deste E. Tribunal exemplifico:

“Ação de obrigação de fazer c.c. danos morais e materiais.


Aquisição de veículo Ford Fiesta, ano 13, zero km. R. sentença de parcial
procedência, com recursos das partes. Plena aplicação do CDC, com
inversão do ônus probatório. Solidariedade entre ambas (Montadora e
Concessionária). Inocorrência de cerceamento de defesa. Substituição do
automotor que se impõe, nos termos do art. 18, § 3º, do CDC. Dano moral
configurado, e parte dos danos materiais. Nega-se provimento aos recursos
das duas rés, provendo-se parcialmente o adesivo do autor” (TJSP, Ap. n.
3001753-15.2013.8.26.0218; Rel. Des. Campos Petroni; 27ª Câmara de
Direito Privado; Data do julgamento: 25/08/2015).
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Desta forma, irretocável a r. Sentença quando determina a substituição do


veículo, portanto.

Ademais, o prazo de trinta dias, por outro lado, é suficiente para o cumprimento
da obrigação, não sendo o caso de aumentá-lo ou de reduzir a multa já fixada para o caso
de descumprimento. Mesmo porque o objetivo das astreintes não é obrigar o réu a pagar o
valor da multa, mas obrigá-lo a cumprir a obrigação na forma específica.

No que tange a indenização, os lucros cessantes foram comprovados nos


autos. O autor acostou a fls. 56/62 que trabalha como motorista do aplicativo Uber,
necessitando, por óbvio, do veículo para exercer sua profissão. As notas fiscais emitidas a
fls. 41/51 também indicam que o autor ficou com o carro parado, em razão das diversas
tentativas de conserto nas corrés, por cerca de 20 dias.

Com relação aos danos morais, tenho que o dever de indenizar é inafastável.
Estando as partes perfeitamente incluídas nos artigos 2º e 3º da Lei 8.078, de 1990, não é
demais lembrar que cumpre aos fornecedores a “efetiva prevenção e reparação de danos
patrimoniais e morais” direito que integra o rol do artigo 6º, do Código de Defesa do
Consumidor.

Yussef Said Cahali rememora que a jurisprudência se inclina para punir atos
ilícitos, que se mostram “hábeis para macular o prestígio moral da pessoa, sua imagem, sua
honradez e dignidade”, que excedem o âmbito patrimonial e comercial, constituindo condição
para o exercício de outras atividades (Dano Moral 4a Ed. São Paulo: RT, 2011, p. 318).

No caso dos autos, o autor se viu privado de gozar livremente do bem que
acabara de adquirir. Veículo novo, com que tinha a real expectativa de que não apresentaria
problemas de uso. Logo, não é razoável supor indene a alienação de objeto com evidentes
vícios de fábrica, o que, além do prejuízo material, fomenta o abalo da credibilidade, além do
périplo na tentativa de comprovar a regularidade de seu bem.

Destarte, a sentença da R. Primeira Instância deve ser prestigiada, por seus


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próprios e bem lançados fundamentos. Para tanto, valho-me do artigo 252 do Regimento
Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça. Referido dispositivo estabelece que “Nos recursos
em geral, o relator poderá limitar-se a ratificar os fundamentos da decisão recorrida, quando,
suficientemente motivada, houver de mantê-la”.

O COLENDO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA tem prestigiado este


entendimento quando predominantemente reconhece "a viabilidade de o órgão julgador
adotar ou ratificar o juízo de valor firmado na sentença, inclusive transcrevendo-a no
acórdão, sem que tal medida encerre omissão ou ausência de fundamentação no decisum"
(REsp n° 662.272-RS, 2ª Turma, Rel.Min. João Otávio de Noronha, j. de 4.9.2007; REsp n°
641.963-ES, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, j. de 21.11.2005; REsp n° 592.092-AL, 2ª
Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 17.12.2004 e REsp n° 265.534- DF, 4ª Turma, Rel. Min.
Fernando Gonçalves, j de 1.12.2003).

Destarte, NEGO PROVIMENTO aos recursos.

Em atenção ao art. 85, §11 do NCPC, majoro os honorários advocatícios para


15% sobre o valor da condenação.

Maria Lúcia Pizzotti

Relatora

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