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Disponibilização: Soryu
Tradução: Susana
Revisão Inicial: Gi Vagliengo
Revisão Final: Thaise Amorim
Leitura e Formatação Final: Marcia Campos
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Kathryn Smith
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:
Para Lynda
Por levar sua irmãzinha quando saía para nadar com seus
amigos, por deixar que me pusesse no meio quando você e David se
sentavam no sofá, por permitir que eu me esparramasse no sofá, e porque
sempre me fez sentir como alguém especial. Mesmo não sendo tão especial
quanto você.
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O Visconde Blaine Underwood procura seu velho
amigo o Conde Gabriel Warren em busca de ajuda. Blaine
assegura que seu filho fora enganado em um clube de
cavalheiros dirigido por uma mulher, pois é de conhecimento
de todos que o Conde está tentando acabar com as casas de
jogos em toda a Inglaterra. O que ele jamais suspeitou foi
que a proprietária do clube não era outra que sua ex-noiva
Lilith Mallory, que fugiu dele há dez anos atrás e sumiu
como por passe de magia.
Gabriel e Lilith se enfrentam depois de todos esses
anos no clube dela. Lilith deseja odiar o homem que a
destruiu diante da sociedade, obrigando-a a fugir do
escândalo. Gabriel deseja odiar à mulher que o abandonou e
desprezou seu amor sem olhar para trás. Entretanto, os
sentimentos são profundos, apesar do rancor e desconfiança,
seria possível amar o odiado inimigo?
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Londres, primavera de 1818.
Dez anos.
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ele não era um conde, era simplesmente, o sócio de Garnet: um
negociante de certa importância.
— Patético!
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era o único criado que o tratava mais como seu igual do que como um
superior. Gabriel acreditava que por terem crescido juntos, o homem
tomara tanta liberdade, no entanto, aquilo não o incomodava.
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muito Gabriel já aceitara o fato de que, provavelmente, nunca a
esqueceria. Esvaziou o copo de um só gole, que lhe queimou a garganta
e as vísceras. Há anos descobrira que embriagar-se não o livrava de
pensar nela, mas ao menos levaria o sabor amargo que sua lembrança
lhe deixava na boca.
— Blaine!
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único amigo de seu pai que lhe dera atenção. Ao sentar-se em uma das
poltronas confortáveis em frente à escrivaninha de madeira maciça,
Blaine comentou com carinho:
Gabriel sorriu.
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Blaine fez um gesto negativo.
— Meteu-se em confusões.
— Andou jogando.
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ilegal. Sabia por experiência própria o quão perigoso podia ser o jogo,
em especial quando alguém se tornava viciado, como seu pai. Era
lamentável que Frederick se perdesse desta maneira.
— E Frederick entrou?
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— Não. - Voltou a soltar uma risada amarga. Embora não
teria se metido em encrencas se não tivesse seguido os amigos.
Blaine prosseguiu.
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— Acreditava que ganharia, subiu a aposta, mais do que
podia permitir-se.
— Mas perdeu.
— Sim.
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As bochechas de seu interlocutor se avermelharam um
pouco.
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— É um bom pai, Blaine. - Gabriel comentou sem muita
convicção. Estava a ponto de cair na gargalhada com o absurdo do que
lhe acabara de pedir.
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também... Ou, quando menos, poderia convencê-los de que o jogo era
um risco social e que teriam de acabar com quem o promovia. Embora
também pudessem rir na sua cara e expulsá-lo da Câmara... Mas se
conseguisse provar, se conseguisse apoio suficiente, talvez pudesse
cumprir a promessa feita no leito de morte de seu pai.
— Mallory's?
— Sim. Conhece?
— Não.
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Como assim “escandaloso”? Ao que sabia até nos
verdadeiros baluartes da sociedade, havia clubes como o White's e
Brooke's que se convidava ao jogo. Diabos! O White's tinha inclusive um
famoso livro de apostas. Segundo o que Blaine tinha contado, o
Mallory's não seria nada além de outro clube para cavalheiros. Ou não?
A questão continuou a atormentá-lo durante o resto da visita, não lhe
saía da cabeça enquanto engendravam a investigação, quando se
assegurou de que Frederick não ficaria a par dos planos, quando Blaine
lhe agradecia efusivamente, já não contendo mais a curiosidade
perguntou ao amigo quando este se dispunha a partir.
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Lilith Mallory baixou o jornal até pousá-lo no colo e, rindo,
argumentou divertida:
— E ainda tem gente que paga para ler isto? Não posso
acreditar.
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Com um estalo nas folhas para estirá-las, voltou a endireitar o jornal e
continuou a ler.
— Como assim?
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— Deixe-me ver isso!
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— Aqui está! Encontrei! - Os olhos castanhos aveludados de
Mary se arregalaram de alegria. — Ouça.
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antecedeu Eva. Foi a primeira esposa de Adão, e que a expulsaram do
Paraíso por negar-se a deitar junto de seu marido.
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Sua amiga a olhou boquiaberta.
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sua família e nome, sobretudo, arrancou-lhe o coração, e também o
orgulho.
No piso abaixo, o clube já fervia em atividade quando Lilith
surgiu. Segundo seu costume, parou um instante no corredor que
separava o salão principal da entrada de sua ala particular, mirou-se no
grande espelho dourado, dando uma olhada em sua aparência. Como
sempre, Luisa, sua criada de quarto, fizera maravilhas: os cabelos
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rebeldes estavam recolhidos no alto da cabeça em um penteado
sofisticado e impecável. Um toque de pó, apenas perceptível, realçava o
nariz delicado e os traços faciais, enquanto que um sutil toque de
carmim dava um brilho natural as maçãs do rosto e lábios. Usava
brincos de topázio que lhe roçavam o rosto ao mover a cabeça, e no
pescoço um colar combinando.
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Afinal, ninguém lhe tinha estendido a mão há dez anos
atrás.
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— Acha?
— De fato.
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rir e agora chorar em silencio. A comparação não parecia favorável para
o senhor Dunlop, mas era.
— Só se me chamar de Stephen.
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Imediatamente, Lilith arqueou uma sobrancelha.
— Um cavalheiro? É bonito?
— Lilith?
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— Sim, tudo bem, Stephen, obrigada pelo aviso. - Sorriu
embora temesse que o rosto se rachasse ao fazê-lo. — Acaso sabe onde
se encontra esse cavalheiro?
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vestia com trajes semelhantes, o que dificultava identificar um em
particular, entretanto, procurou por um com estatura avantajada,
ombros largos e de cabelos negros. Não encontrou nenhum. Onde
estaria?
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certo era alguém muito maior que o moço que ela recordava, sem
dúvida se tratava do homem que a estava procurando.
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da balaustrada. Ali só havia escuridão. Franziu o cenho, deu a volta e
olhou para trás, Somerville e Braxton continuavam a conversar, e não
viu ninguém mais. Onde estava o sujeito? Não podia ter virado fumaça.
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Gabriel estava preparado para a
bofetada. E a agradeceu. O ardor na pele e o zumbido nos ouvidos o
fizeram se recuperar quase instantaneamente o ar que prendera nos
pulmões ao ver Lilith.
— Olá, Lil.
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deixara muito claro que, embora a tivesse desonrado, um homem, ou
melhor, um moleque como ele, com pais que eram uma vergonha e que
tinham dilapidado a própria fortuna, nunca seria um bom partido para
sua filha.
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Com os anos sua voz se tornara mais profunda, mas seguia
tão seca e cortante como a vara de um professor de escola. E também
fez Gabriel desejar beijá-la e acariciá-la até que se tornasse em um
grave sussurro.
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— Está tomando liberdades, Sua Senhoria.
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Agora foi a vez dela rir: uma gargalhada que lhe oprimiu o
coração e o encheu de um pesar agridoce, porque embora fosse um
prazer ouvi-la, mostrava que não acreditava nele. Claro que não fora de
todo sincero, mas que Lilith duvidasse de sua palavra provava que o
tinha em muito pouca estima.
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Ah, como era talentosa! Não se esquecera de como podia
manipulá-lo: a postura lânguida, o tornozelo a mostra, a suavidade na
voz ao pronunciar-lhe o nome... Tudo planejado para tirar-lhe o que
desejava saber. E ele quase confessou. Quase se jogara a seus pés para
declarar o quão triste fora sua vida sem ela, quase quis lhe falar sobre a
promessa que fizera a Blaine, e implorar que lhe dissesse que não era
verdade, que continuava a ser a sua Lil, e que todo aqueles anos
passados não a mudaram tanto... Mas houvera mudanças, mesmo não
querendo admitir. Lilith era dona de um clube de jogos e usava
maquiagem, se tornara fria e cínica, e parecia muito mais amargurada
que a garota que ele tinha conhecido. Deixou de ser sua Lil na noite em
que o abandonou, e Gabriel não confiaria nela uma segunda vez.
— E para se felicitar?
— Não creio que nenhum de nós tenha feito algo que mereça
isso. E você?
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— Sua Senhoria nunca deixou de ser.
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Não foi o riso alegre e autêntico de antes, mas sim um
sorriso que expressava incredulidade, como uma mãe que ouvia seu
filho anunciar seu plano de ser rei... Que logo se desvaneceu ao ver a
expressão de seu interlocutor.
— E o que me diz dos dez por cento que veem suas fortunas
em risco ou arruinadas em estabelecimentos como o seu? E das
famílias que perdem seus entes queridos, aqueles que tiram a própria
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vida por causa das dívidas de jogo? - Sua voz se elevou, levada pela
emoção. — E os que se arruínam no jogo?
— Ah, não?
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— É mesmo? Eu não creio. - Gabriel baixou a cabeça, tanto
que suas respirações se misturaram. — Eu creio que isso pode
acontecer muito em breve, principalmente se a pessoa for tenaz e
jamais deixará de fazê-los se recordar do fato. E quando procurarem em
quem jogar a culpa, se voltarão contra você, uma mulher de
procedência duvidosa, e a farão carregar a responsabilidade de tê-los
levado a ruína.
Lilith lhe lançou um olhar de puro ódio, sua cólera era tão
evidente que quase o fez recuar.
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estivera por dez anos tão zangado com ela que lhe dava um enorme
prazer saber que ainda podia mexer com suas emoções tão facilmente.
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porque temia que ela se afastasse ou que pedisse para parar. Desta vez
ela emitiu um som muito parecido a um soluço, tão doce que o coração
de Gabe se fez em pedaços. Tampouco ela o esquecera... E ao prolongar
a paixão de seu beijo sentiu Lilith levantar os braços e se agarrar às
lapelas de sua casaca, como no primeiro beijo.
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— Bem, mas não encontrará nada bisbilhotando em meu
escritório.
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Ela voltou a corar, embora menos. Manchas avermelhadas
brotaram na suavidade aveludada das bochechas. Sempre tivera uma
pele de porcelana, e aqueles pós estúpidos que usava só a empalidecia.
— Eu também perdi, Lily. - Disse ele, com uma voz que era
pouco mais que um sussurro. — O que diz sobre isso?
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Gabriel custou a engolir aquilo, tinha um nó na garganta.
Não podia fazê-lo. Não. Essa noite não.
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que tinha novamente dezessete anos, que ele a amava... Mas logo a
prudência gritou, e agradecia aos Céus por isso. De outro modo, teria
desprezado a si mesma mais tarde por sua fraqueza. Ao passar dez
anos sem muito contato íntimo com os homens, seria horrível saber que
Gabriel era o único capaz de fazê-la perder a razão com um beijo.
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Além disso, embora não acreditasse nos rumores sobre a
morte do conde, tal empreitada contra o jogo parecia uma tarefa
gigantesca para alguém tão jovem, uma quimera... Claro que Gabriel
não veria as coisas desse modo, ele sempre idealizou que se podia
alcançar qualquer objetivo desde que se esforçasse bastante. Acaso não
foi deste modo que conseguiu lhe fazer a corte? Flertou e se mostrou
encantador até conseguir entrar em seu coração e em sua cama... E
depois abandoná-la.
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Ao morrer, tia Imogen a tornara uma mulher rica e
independente. A quem importava ter ou não uma reputação? Não
precisava dar satisfação aos ditames da sociedade e faria o que
quisesse, viver e amar da maneira que quisesse... Que pena que seu
coração só queria amar um determinado homem.
— Entre!
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— Alguma boa notícia esta manhã?
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O olhar que dirigiu a Mary não continha nenhuma censura,
mas quando falou, seu tom era dolorido:
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Lilith não estava segura de como reagiria sua amiga, mas se
sentiu aliviada ao ver que se limitava a fazer um gesto afirmativo. Então
tomou um gole de chá e franziu a testa.
— Ele o fez?
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quando a mãe de Lilith e uma amiga, estranharam sua demora e foram
ver se estava indisposta. Os encontraram diante do espelho, quando
Gabriel ajudava Lilith a arrumar os cabelos. Os dois estavam
completamente vestidos, e a cama arrumada, mas bastou um só olhar
para saber o que tinha acontecido. Um momento depois, e foi bem
desagradável, sua mãe declarou que sentira o cheiro da maldade em
Lilith no mesmo instante em que entrou no quarto, passaram-se muitos
anos até Lilith saber o que a mãe quisera dizer.
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assim que puder. E manda um bilhete também a casa do senhor
Francis.
— E o Conde?
— Isso é chantagem.
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— Que palavra feia, Lorde Somerville. O que estou fazendo é
para o bem de todos nós.
Isto fora um golpe baixo, tanto para ela como para Gabriel,
mas precisava que Lorde Somerville questionasse sua integridade. Lilith
já sabia que para a nobreza, Gabriel era quase perfeito.
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Um rubor revelador em Lorde Somerville sublinhou o
absurdo da situação.
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Somerville fez um gesto ansioso de assentimento, e Lilith
notou o quão jovem ele era, muito para ser infeliz no casamento e para
brincar com outra mulher. Gabriel e ela teriam acabado assim, se
estivessem casados? Teria se cansado dela assim de repente?... Com
um sorriso, tirou da gaveta na mesa várias folhas de papel.
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De onde diabos tinha saído Somerville? E o que era mais
importante ainda: como tinha conseguido? Com a mandíbula tensa,
Gabriel seguiu o jovem quando este saiu do Tribunal de Petições, uma
das antigas Câmaras onde se reuniam os Lordes. Somerville caminhava
ao encontro de alguém, deduziu isso ao observar como olhava ao redor
para assegurar-se de que não o seguiam. Que Somerville não notasse
estar sendo seguido, só comprovava sua pouca inteligência. Era uma
boa pessoa, amável até, mas não tinha inteligência ou astúcia para
escrever o discurso que acabava de pronunciar na Câmara dos Lordes.
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Naquele discurso quase ouvira a voz dela, quase lhe pareceu
ela estar ali, falando. Se alguém mais notou a súbita facilidade oratória
no jovem Lorde, estaria muito embebido em suas palavras para pensar
que outra pessoa colocara palavras em sua boca... Mas Gabriel notou. E
apostava. Ah sim, apostaria sua última libra de que aquele discurso
fora escrito por Lilith.
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Dez minutos mais tarde continuava a esperar. Se Somerville
permanecesse mais tempo com ela... Por Deus, iria arrancá-lo dali pelo
pescoço.
— Entre!
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“Está brincando com fogo, Lil”. “Antes que pense sequer em
gritar, pode ter suas saias levantadas, mulher.” Pensou ressentido. Será
que gritaria para que parasse ou para que continuasse?... Diabos, o
ardor que sentia devia ser a cólera, tinha que ser. Nos últimos três dias,
pensara mais em sexo que nos últimos três anos. Desde que a perdeu
não vinha sendo um monge, mas ao encontrá-la novamente, sentiu-se
como se tivesse sido um.
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— Então é assim que está dominando Somerville? É a puta
dele?
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— Como?
— Para quê?
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— Minha cara Lilith, esteve admirando meu corpo? - Lilith,
maldita seja, nem ao menos corou, nem sequer ao pousar o olhar em
sua virilha, que se esticou ainda mais ao ver-se submetida àquele
exame.
— Lá estarei.
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Gabriel se levantou, abriu a portinhola da carruagem e saiu
à rua. Então voltou a colocar a cabeça dentro.
— Ah! E, Lilith...
— Sim?
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Clifford pigarreou enquanto Gabriel começava a tirar o
fraque azul pela terceira vez.
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Uma vez mais, Gabriel conferiu seu aspecto. Há muito não
ficava tão nervoso, desde que fizera a corte a Lilith... Deus não devia ter
ilusões de que ela lhe prepararia algo tão pessoal. Talvez quisesse
seduzi-lo, amor não entraria na equação. E, graças às escapadas
incontáveis de sua própria mãe, Gabriel não queria algo assim. Não
sabia se realmente Lilith ainda sentia algo por ele, fisicamente nenhum
dos dois era indiferente ao outro. E, se não perdesse a cabeça, Gabriel
poderia tirar proveito.
— Comprou as flores?
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Gabriel sorriu.
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e reputações daqueles que lhe deram as costas? Se estivessem casados,
teria lhe dado uma vida melhor, mais realizada e feliz? Provavelmente
não, mas a dele seria plena.
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A porta se abriu e deixou ver um salão espaçoso e
acolhedor, decorado em creme, bege e dourado. Lilith, se apresentava
em um belo vestido de cetim dourado. Seu único adorno era um par de
brincos de brilhantes pendurados em seus lóbulos. À luz das arandelas
a gás se refletiam em seus cabelos vermelhos, presos sobre a cabeça,
deixando escapar uma mecha longa e espessa balançando sobre um
dos ombros. Mas não foi a visão dos cabelos que o excitou, assim como
tampouco seu decote expondo uma generosa porção de ombros e seios
opulentos, embora isso, sem dúvida, fizesse despertar seus genitais.
Mas foi seu rosto, limpo e sem nenhum artifício além do que a própria
natureza lhe dera: olhos límpidos, pele rosada e lábios, de um rosa
incrivelmente voluptuoso.
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Ele lhe estendeu um buquê de flores e respondeu:
Lilith não deixou seu elogio afetá-la, mas não pôde evitar que
um calafrio lhe subisse pela coluna ao sentir-se envolver pelo timbre
profundo e melodioso de sua voz. Nem sequer o olhou nos olhos quando
aceitou as flores, temia mostrar o quanto a tinha emocionado.
— Obrigada.
— Lírios...
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A mesa já estava preparada. Em meio as louças de Bruxelas
se elevava um lindo vaso cheio de rosas, rodeado de peças de porcelana
e de prata. Lilith tirou as rosas e as atirou sem muita cerimônia à
chaminé, em uma oferenda que avivou o fogo. Enquanto punha os lírios
no vaso, o ar se encheu com o cheiro de rosas queimadas.
"Ah... Gabe, você não tem direitos. Não tem nenhum direito
sobre mim."
— Se alguém a insultou...
— Ninguém o fez. Acha que vivi estes dez anos por pura
casualidade? Sei cuidar de mim e lidarei com qualquer coisa que
apareça, Gabriel. Não duvide.
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Ele assentiu com uma rígida sacudida de cabeça. Estava
zangado e não sabia se era por ela, embora agradasse muito a Lilith que
estivesse ciumento. Depois de passar tanto tempo sem ter alguém que
se importasse com ela, era reconfortante.
Gabriel riu.
“Ah, quanta falta lhe fez sua risada!” Pensou Lilith saudosa.
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enfrentar seus pais, e ainda mais sem o apoio de Gabriel, ele não
estivera presente quando seus pais a chamaram de rameira e a jogaram
no navio rumo a Itália.
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Com dezessete anos, ela não conhecera ninguém mais bonito e atraente
do que Gabriel Warren. E ainda hoje não encontrara.
Por alguma razão, aquelas palavras lhe fizeram mal. Não foi
importante que ele dissesse que ninguém o faria mudar de opinião, o
importante era ter afirmado que ela não poderia. Então Lilith deixou a
taça na mesinha ao lado e se levantou.
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Gabriel se levantou também e a fitou surpreso, como se ela
falasse um idioma que não compreendia.
— Mas fez.
— Você me abandonou.
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— Meu pai tinha acabado de morrer!
— Sinto muito.
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Então ele a aproximou de si de um puxão, tão rápido que ela
não teve oportunidade de resistir, e murmurou.
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E baixou a cabeça novamente. Seria tão fácil esquecer seu
sofrimento à força de beijos. Tão fácil. Não aprendera nada sobre os
homens, e, sobretudo, de Gabriel? Talvez não pretendesse desonrá-la,
mas o fez. E nunca expiou essa culpa.
— Não!
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— E com isso devo me sentir melhor? Devo me render e vê-lo
arrancar-me a única coisa que tenho?
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— Não posso.
— E isso importa?
— Não.
— Lily...
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— Esse assunto não termina aqui, Lilith. Ainda nos
encontraremos.
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Ela lhe batera a porta na cara.
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Nem por todo o ouro gostaria de voltar a ter vinte e um anos
se tivesse de passar por aquilo outra vez. Era muito jovem para saber os
meandros e armadilhas que o destino lançava, gostaria que soubesse o
que sabia agora. Por exemplo: Lilith não o abandonou por própria
vontade, como naquele dia o pai dela deu a entender. Hoje Gabriel vira
a verdade em seus olhos, e estava seguro de que esse tipo de dor não
podia se fingir.
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liberdade quanto seu pai, salvo que, no seu caso, era viciada em
rapazes bem jovens.
— Cuidado!
— A... Angelwood.
— Somerville.
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Gabriel passou por cima das coisas de política, mas desejava
amassar a cabeça de Somerville contra os painéis da parede.
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eram casados com outras pessoas, boas pessoas, e estavam
apaixonados. Fora isso que Somerville queria esconder, e foi assim que
Lilith conseguiu a ajuda do conde para sua campanha contra ele. Que
ela não tivesse tomado Somerville como amante o encheu de uma
felicidade que o envergonhou, não, não eram amantes, mas sua relação
tinha conotações muito mais escusas. Lilith estaria chantageando
Somerville ou tentando obter alguma vantagem? Além disso, uma
mulher capaz de chantagear um homem apaixonado, também seria
capaz de surrupiar os rendimentos de um jovem?
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— Malditos sejam meus olhos, que maravilha vê-lo! Acreditei
que nunca voltaria do outro lado do atoleiro. Que diabos andou fazendo
por lá?
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pensamento, Wynnie tirou dois do bolso interior da jaqueta, e Gabriel
abriu um grande sorriso.
— Wynnie...
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— Basta!
— Eu não tenho um caso com Lady Lilith! Não acha que isso
faria de mim um hipócrita, ter qualquer relação com a proprietária de
um clube de jogo, quando estou tentando erradicar esse tipo de
negócio?
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Este comentário fez Wynnie rir ainda mais, e então, como
um menino carrancudo, Gabriel lhe deu um chute por debaixo da mesa.
O Visconde franziu o cenho e lançou uma exclamação de dor, ao mesmo
tempo que esfregava a tíbia.
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— Que tipo de problema? Alguma briga esporádica. Mas o
sujeito chamado Latimer, acaba muito rápido com elas.
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Uma indignação aguda e ardente explodiu no peito de
Gabriel.
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seu marido, mas com outro. Certamente, podia demorar o quanto
quisesse.
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— Poderia me trazer água quente e ataduras sim, por favor,
Mary. E também um pouco de uísque.
Mary assentiu.
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morte de tia Imogen a deixou só no mundo e sem amigos. Sua única
companheira fora Luisa, sua criada de quarto, e as duas decidiram
deixar Veneza, onde havia muitas lembranças. Mudaram-se para a
Inglaterra e uma vez ali, não de joelhos e sim, com a cabeça bem
erguida, Lilith enfrentou à sociedade que a tinha repudiado. Decidiu
colocá-los a seus pés, fazê-los ir até ela, e conseguiu seu intento. Então,
por que aquilo já não lhe bastava?
— Não exatamente.
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— Não vai jantar.
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Com expressão cautelosa, e observando-a com um olhar de
delicadeza, Mary disse.
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— Então você concorda comigo, ele deve ter um motivo.
— Como?
— Está mais do que claro que ele não lhe contou o motivo
por temer sua reação!
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Envergonhado? Gabriel? Do que se envergonharia ele? Por
Deus, se ela pegara a mãe de Gabriel com a mão na parte dianteira das
calças de Lorde Byron! Claro que Lady Angelwood não percebera que ela
estivera olhando. À mãe de Gabriel gostava de brincar, mas não era
promiscua.
— Mas...
Com efeito: por quê? E por que agiu de forma tão sedutora e
possessiva? Se considerasse ser o amante rejeitado que afirmava ser,
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não deveria estar zangado? Ela estava... Algo que dava mais crédito a
teoria de Mary.
— Mary, eu...
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Muitas pessoas padeciam angústias piores que a sua, e em alguns
casos, mais de uma ocasião. Sua única desculpa fora que a sociedade
restringia muito as jovens. Enquanto os rapazes tinham outras
atividades: cavalos, jogos e encontros com o sexo oposto de modo
inconsequente... As jovens, estavam limitadas as festas e a companhia
das demais garotas. As atividades reservadas aos homens facilitavam
um cenário onde todo jovem atraente era comparado com um bon
vivant, as das damas, pouco mais que uma série contínua de conversas
sem sentido, que frequentemente acabavam em chorosos debates sobre
amor não correspondido.
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expressão cautelosa, sem dúvida vira o semblante irritado de Mary e
temia que o humor da patroa estivesse também sombrio.
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Lilith tinha aprendido que era melhor não mostrar-se muito
impaciente com ele.
— Prossiga.
— O que descobriu?
Lilith assentiu.
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Aquele boca grande que Gabriel e seus amigos chamavam de
Wynnie... Lilith se lembrava dele: um asno que não parava de zurrar e
que bebia em excesso, sempre muito amável quando sua esposa não
estava presente. Lilith não censurava Lady Wyndham por preferir Lorde
Somerville, ao menos este tinha o bom senso de saber quando devia
fechar a boca.
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no Mallory’s. Mas que sujeitinho hipócrita se tornara! Falando em
fechar seu clube e depois se refugiando no White's! Será que também
pretendia acabar com o jogo em seu precioso refúgio exclusivamente
masculino? Conhecendo-o, deduziu que era exatamente o que
planejava. Estúpido e idiota...
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O velho Conde... quanto mais pensava nisso, mais
acreditava que a chave estava no pai de Gabriel. Quando jovens, ele
nunca pareceu se incomodar que o pai jogasse, mas talvez tenha havido
algo que o fez mudar de ideia. Acaso achara que a morte dos pais fora
causada por seu gosto aos jogos de azar e outros ligeiros passatempos
da sociedade, bem, sabia que nenhum dos dois morreu em um acidente
ou de velhice... Talvez sua mãe tivesse um caso com um jogador? Teria
sido a última gota para o velho Conde? Talvez este tenha desafiado o
amante em um duelo, teria morrido assim o pai de Gabriel? Na verdade
não se lembrava de ter ouvido qual fora a causa da morte. Quem sabe
ali estivesse a resposta.
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Lilith confiava no senhor Francis. Um carregamento de
brandy ou de charutos perdido de vez em quando não seria muito
oneroso, mas se os furtos prosseguissem, logo as perdas seriam
intoleráveis. Levantou-se e disse ao visitante:
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— Está procurando alguém?
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simplesmente, por ser jovem, ninguém acreditasse que queria casar-se
com Lilith. Todos pensaram que a desonrou por ele ser lascivo e ela
inconsequente... Mas isso fora só parte da história.
Permaneceram em silêncio um momento, e finalmente Blaine
perguntou:
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Como resposta, o Visconde o olhou com um rosto tão
inexpressivo como uma folha de pergaminho, mas Gabriel não teve
coragem para repreendê-lo. Sentia-se muito culpado.
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Não lhe agradava pensar em Frederick mentindo,
principalmente se a mentira envolvia Lilith, mas ao relatar a estória ao
pai talvez tivesse alterado a verdade uma ou duas vezes. Provavelmente
Frederick preferisse mentir antes de dizer a seu pai que tinha esbanjado
o dinheiro da família.
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Gabriel se voltou. Uma repentina onda de ira dilatou as
aletas do nariz e lhe trincou a mandíbula. Perguntou extremamente
irritado:
— E a você?
Blaine não lhe disse nada que ele não tivesse dito a si
mesmo, mas isso não tornava mais fácil escutá-lo.
— Ah, não?
— Não.
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Já passara da conta. Não discutiria com ninguém sua
relação com Lilith, não importando quem fosse. Quando tentou afastar-
se, Blaine o segurou pelo braço, Gabriel sibilou:
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Blaine nunca tinha empregado um tom tão altivo com ele.
Fez-lhe sentir remorsos, e também irritação.
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que fosse absolutamente necessário. E, para ser sincero, não tinha
certeza de que o faria.
— Ah...?
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Somerville nem piscou.
— Assim como devo ainda lhe dizer que não gosto de falar de
meus amigos. E muito menos dizer algo que ela não queira que você
saiba.
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A mandíbula de Somerville travou, zangado não parecia tão
jovem, e Gabriel esboçou um sorriso. Não queria gostar do homem que
se deitava com a esposa de seu amigo, mas não podia evitar de admirá-
lo. Embora Gabriel fosse mais corpulento, era mais velho e seu título
vinha respaldado por mais riquezas e poder, e nada daquilo parecia
intimidar Somerville.
126
Com uma careta de amargura, Gabriel inclinou a cabeça de
lado.
— Ao menos a ama?
127
Como a conversa virara em outra direção?... Gabriel não se
lembrava.
128
Houve um instante de entendimento, a intuição de que,
mesmo em posições opostas, entre eles seria possível o respeito e até
amizade.
— Meu Deus!
129
Como diabos tinha passado pelos lacaios?
130
— Não, apenas supliquei-lhe para falar com você um
momento.
— E ela acreditou?
131
Outra volta. Os dedos dele se apertaram aos seus, uma
sensação quente de segurança.
Não lhe faria as coisas mais fáceis, e ela esperava que agisse
assim. Entre eles havia tantas coisas a dizer, tantas complicações...
Desejo e medo de confiar ou não. Raiva. Desejo. Necessidade de
vencer... Como se sua vida precisasse de mais complicações. Mary não
queria falar com ela. Bronson queria acabar com ela por ter
competência nos negócios e Gabriel se julgava baluarte de uma moral
superior.
132
— E o que a faz pensar que sou indicado para aconselhá-la
sobre negócios?
Lilith riu. Foi um riso forçado e soou como tal, mas também
soou alto o bastante para atrair alguns olhares de curiosidade.
133
— Você deve ter mais segredos, Gabriel. Coisas que não quer
que eles... - E com um brusco movimento de cabeça apontou os que
dançavam ao redor. — Saibam. Coisas que não quer que eu descubra.
— O que quer?
134
— Realmente...
Lilith sorriu.
135
— Creio já ter conseguido isso há dez anos.
— O que é, Gabe?
— Não.
136
— Então, vai dizer a verdade ou terei que me pôr a escavar?
137
— Aguardarei seu próximo lance, senhora.
— Não.
138
— Sim disse, mas foi há muito tempo atrás. - E com um
súbito sorriso, frio e sedutor, Lilith acrescentou. — E ainda você é um
homem muito atraente, Gabriel.
139
Aquilo seria uma batalha de vontades, e nenhum dos dois
estava disposto a recuar. Então a voz de Lady Wyndham rompeu aquele
instante:
140
porque fizeram semelhante oferecimento. Certamente Lady Wyndham e
Lorde Somerville encontrariam outro lugar para se encontrarem se
acaso o Mallory's fosse obrigado a fechar as portas. Provavelmente
considerassem o clube como um lugar especial, há tempos atrás ela e
Gabriel também tiveram um lugar assim... E agora Lilith estava certa de
que Lady Wyndham e Lorde Somerville não tinham uma mera aventura.
Estavam realmente apaixonados e não podiam ficar juntos. A jovem
romântica que um dia fora, lamentou o destino dos dois.
141
Lilith sorriu com doçura.
142
Mas havia tantas coisas que queria saber, coisas que o
senhor Francis não descobrira ainda... Por exemplo: por que se metera
no comércio? Ouvira rumores de que o velho conde deixou dívidas, mas
nada comprovava o fato. Isso explicaria o porquê de significar tanto
para ele acabar com o jogo. Até onde iria para alcançar o seu objetivo?
E mais importante ainda: o que faria ela se ele conseguisse? O Mallory's
não era só um meio de obter rendimentos: era seu único laço com a
sociedade que a baniu e da qual, tolamente, às vezes desejava tomar
parte. Também um substituto, embora absurdamente, de um marido e
dos filhos que não tivera.
143
— Sua segurança nesta casa devia ser mais eficiente. -
Comentou enquanto se endireitava. — Qualquer um pode subir até
aqui.
— Esteve bebendo?
— Acha que teria vindo até aqui e subido por uma árvore se
estivesse sóbrio?
144
— Por que está aqui, Gabe? Aposto que não quer representar
a cena do balcão entre Romeo e Julieta.
O que tinha a ver seu pai com aquela situação? Mas antes
que pudesse perguntar, Gabriel mudou de assunto.
— O que...?
145
Reclamou seus lábios com os dele. Com o coração
martelando e o sangue fervendo, Lilith deixou que a beijasse. Inclusive o
segurou pela cabeça com as próprias mãos para que não se afastasse. A
ferida na mão esquerda ardia, mas a ignorou. Abriu sua boca para ele, e
saboreou o gosto morno e persistente de brandy e charuto.
146
podia distinguir suas feições na escuridão. Gabriel chegou ao chão, e só
viu o branco de sua camisa ao longe.
147
Não era certo gostar daquilo.
148
ainda despertava paixão nela, embora isso os afastasse tanto quanto os
aproximava.
149
Inclusive se dignara a usar menos cosméticos que de costume, sua pele
tinha um tom mais autêntico, só as bochechas e lábios eram
iluminados por uma cor falsa.
150
— Mas o faz realmente. E devo dizer que sua técnica
melhorou muito nos últimos anos.
151
Lilith riu, um pouco nervosa, conforme pareceu a ele e
recuou um passo.
152
— Não se atreva a brincar comigo. Escrevi mais cartas do
que pude contar, até finalmente perceber que não significava nada para
você. Não permitirei que me faça de tola.
153
Sua tia Imogen... Um súbito sabor amargo invadiu a boca de
Gabriel. Imogen: a que lhe disse para cuidar de sua vida, que não sabia
onde estava Lilith... E durante todo aquele tempo a velha bruxa a
escondeu dele. Por quê?
154
Lilith continuava de cenho franzido, enquanto mordia o lábio
inferior. Então, usando um tom de falsa animação, propôs:
155
Queria que ela pensasse em outras coisas, não que seus
pensamentos dessem voltas. Então Lilith sacudiu a cabeça e, aceitando
seu braço, respondeu:
— Muito.
156
O garçom veio com uma garrafa de vinho, não o surpreendeu
que fosse um branco alemão. Lilith nunca gostara do tinto porque lhe
dava dor de cabeça. Conversaram amenidades até chegar o primeiro
prato, e ao cabo de duas taças de vinho e um prato de ostras, a
conversa começou a desviar-se a um território que poderia ter sido
perigoso, mas não fora, provavelmente, pensou Gabriel, porque os dois
queriam chegar lá. Enquanto esvaziava a garrafa de vinho nas taças,
disse a Lilith:
157
— Sinto não lhe ter dito pessoalmente.
— Sim.
158
A outra sobrancelha subiu.
159
Em frente a ele, Lilith riu. O som, profundo e gutural, soou
como música aos seus ouvidos.
Sua mão flutuou sobre os pratos vazios que havia entre eles,
e Gabriel agarrou-lhe os dedos. Temeu que fosse puxar a mão antes que
pudesse tocá-la e, com a pressa, quase colocou a manga do fraque no
creme que tinham comido com os morangos. Seus olhares se fixaram
um no outro, não se importou de que outros vissem.
160
mesas de jogos. Eram muitos, e então Gabriel notou que Lilith não o
convidava ao piso de cima para que falassem em particular: queria que
todos no vestíbulo vissem como a seguia pelo corredor que levava aos
seus aposentos. Na manhã seguinte a notícia correria por toda a cidade.
E estranhamente aquilo não o preocupou. Talvez fosse o vinho, ou
quem sabe estava farto de ser um maldito "anjo". Seja lá o que fosse,
concederia a Lilith aquele momento de satisfação, ele não demoraria a
ter o seu.
— Gabriel!
161
E também o som de suas saias enquanto corria atrás dele.
Ele já estava em seu dormitório quando o alcançou. As amarras de seu
autocontrole se desmanchavam em alarmante velocidade, e teve que
lançar mão de toda sua força de vontade, e orgulho, para não se atirar
naquela cama de carvalho e implorar a Lilith que fizesse com ele o que
quisesse.
162
— Eu não sei em que acreditar. - Gabriel respondeu com
sinceridade. — Sei apenas em quem eu gostaria de acreditar.
"Touché."
163
soubesse que não a acreditava capaz de uma ação como aquela. Então
acrescentou:
— Eu confio neles.
— Mas eu não.
Gabriel assentiu:
Isso não teria de dizer. Ela sabia, viu em seus olhos. Ao fim
de uma eternidade, Lilith respirou fundo.
164
— Creio que vai querer a lista dos crupiers.
— Qual?
— Concordo.
— Concedido.
165
Lilith engoliu em seco, e ele viu como lhe apertava a
garganta.
— Obrigado.
166
Ela hesitou, e por um instante o coração de Gabriel deixou
de bater.
167
— Sinto-me nua.
1
"Você é linda"
2
“Como a senhora que é por nascimento.”
168
Quanto às joias, colocou pérolas nas orelhas e uma singela gargantilha.
Fiel ao pedido de Gabriel, tinha o rosto sem pintura. A cor das
bochechas se devia a um beliscão dos fortes dedos de Luisa, que lhe
tinha ficado bem, porque sem ele estaria pálida como uma morta.
169
Gabriel conseguira fazê-la duvidar de seu pessoal. Com
quanta facilidade queria acreditar em tudo o que dizia... Era
vergonhoso. Ele estava errado. E provaria.
170
As palavras ditas há tanto tempo atrás, vieram
acompanhadas por carícias em seus cabelos, enquanto Lilith soluçava
dolorosamente em sua cama. Soluçava por Gabriel e por sua ausência.
E se...?
171
ato declarado de agressão, mas bastaria para ele entender que não se
deixaria intimidar.
172
Lilith corou violentamente diante do sorriso zombeteiro da
amiga, desviou o olhar um instante e a olhou de novo.
173
— Talvez por ser isso o que você planeja fazer a ele.
— Não sabe? O que diz seu coração? O que você mais deseja
nesse momento? O Mallory's ou o homem que ama até hoje?
174
— Mas eu não amo Gabriel! Isso seria loucura!
175
Dirigiu um breve sorriso ao escocês, e Gabriel se aproximou
bastante sério.
176
Ou começava a falar, ou se lançaria sobre ele ali mesmo! Por
ser um cavalheiro respeitável, certamente o quereria à altura de sua
reputação de desencaminhada, mesmo sendo ele a colocá-la ali.
Ele pigarreou.
O sorriso aumentou.
177
— O melhor, sem dúvida.
— Diga?
178
— Obrigada. - Retrucou Lilith.
179
— Não.
180
A carruagem parou, e antes que Lilith pudesse pronunciar
outra palavra, Gabriel já tinha aberto a porta e saía à rua.
— Bronson.
181
Seu tom frio e cortante teria funcionado com qualquer outra
pessoa, mas não com Bronson. A raiva em Lilith o divertiu e seus olhos
pálidos brilharam maliciosos. Seria um homem bonito se não fosse tão
infame.
182
— Talvez ele consiga fazer isso, mas ao menos não recorreria
ao roubo e vandalismo tentando fechar meu clube.
183
Gabriel, querido, doce e forte Gabriel. Estava de cenho
franzido, como um menino que alguém acabou de lhe arrancar seu
brinquedo favorito.
— Ninguém.
184
— Diga-me quem era.
— Shhh.
185
Por outro lado, Lilith parecia encantada. Em sua poltrona,
com as mãos sobre o corrimão do camarote, contemplava os atores com
o arroubo de uma criança se refestelando em uma caixa de bombons.
Gabriel não sabia o por que de tal fascinação, mas o entusiasmo com
que ria, aplaudia e conversava aos sussurros com Rachel, Lady Braven
o encantaram.
186
como eles em algum sentido e envergonhar-se deles em outros. Não
jogava porque não queria ser comparado ao seu pai; não levava para a
cama todas as mulheres que o olhavam de esguelha porque não queria
que dissessem que tinha herdado os apetites desenfreados de sua
mãe... Entretanto lá estava ele com Lilith, uma mulher independente de
reputação duvidosa e uma jogadora, e Gabriel a queria mais que tudo.
Valeria a pena arriscar-se e abandonar toda prudência?
187
— Creio que o verei amanhã também, meu amigo. -
Murmurou Brave aproximando-se do seu lado.
188
— E isso a surpreende?
— Tem a mim.
189
— Você não é meu amigo, Gabriel.
— Lily...
— Sim.
190
Em seu olhar sombrio ela sentiu, mais que viu, todo o efeito
de sua cólera.
Gabriel suspirou.
191
Tinha a expressão tão tensa que a mandíbula lhe doía.
Lançou um olhar zangado:
— E não é assim?
192
— É mais um a querer o Mallory's fechado. E ele é um
problema meu, Gabriel, não seu.
O que ela queria dizer com aquilo? Que não tinha nenhum
direito sobre ela, nenhum, por mais que ele acreditasse ter. Não podia
obrigá-la a confiar nele, principalmente por não lhe contar todos os
seus segredos. Mas investigaria quem era Bronson e por que a
assustava. Desenterraria até o último dos segredos de Lilith, nem que
fosse a última coisa que fizesse. Só esperava descobri-los antes que ela
descobrisse os dele.
193
O vestíbulo estava deserto exceto por dois cavalheiros, imersos
em um debate acirrado sobre se as classes baixas da Inglaterra se
rebelariam como o tinham feito as da França. Gabriel não teve muita
dificuldade para entrar no corredor que levava aos aposentos de Lilith.
Ela desaparecera no clube com o homem chamado Latimer, e esperava
que se passasse vários minutos resolvendo outros assuntos. Com
presteza e silêncio, subiu as escadas que lhe tinha mostrado na outra
noite. Um exame rápido lhe confirmou que estava sozinho, atravessou o
corredor abriu e fechou a porta atrás de si, cruzou o tapete até chegar a
escrivaninha.
194
relatório, este detalhando as pessoas que frequentavam o clube: quem
ganhava e quem perdia, e datas. Vários indivíduos tinham sofrido
grandes perdas, algumas foram quitadas outras não, mas algumas
destas foram deixadas em aberto, e as iniciais de Lilith apareciam na
coluna ao lado, junto à data. Por que quitou as dívidas?... A menos, é
claro, que a pessoa pagasse com algo que não fosse dinheiro.
Informação, talvez?
195
apertar e lhe fechar a garganta. A possibilidade de que ela
desaparecesse para sempre, ou não ter nenhuma esperança de
encontrá-la no futuro, doía mais do que estava disposto a admitir.
196
Certamente, havia várias mulheres as mesas, mas nenhuma tinha o
intelecto de Lilith, nem seu vibrante cabelo vermelho, embora estivesse
claro que uma ou duas tentaram conseguir um tom parecido ao dela.
197
levavam aos reservados na parte de trás do clube. Gabriel lhes deu
bastante vantagem para que não o notassem atrás deles, e logo os
seguiu pelo corredor deserto. A última coisa precisava agora, era que
alguém o chamasse e alertasse Frederick.
198
Onde ele estaria?
199
— Lorde Angelwood! Que vergonha, o que pensa estar
fazendo?
200
— Feche essa boca. - Grunhiu ele, e seus dedos se cravaram
nos ombros dela.
— A quem observava?
201
— Talvez uma ou duas vezes por semana. - Respondeu.
202
Lilith negou com a cabeça, disposta a fugir se diminuísse o
espaço entre os dois. Não lhe perguntou como sabia da dívida de
Frederick, sem dúvida o pai do rapaz tinha contado. Eram amigos.
203
perversa sedução, ameaçar ou castigar? Ou acaso, castigaria a si
mesmo?
204
escandaloso como os outros que tinha, mas o toque acima do tecido fez
parecer mais indecente.
— Sim, só isso.
Ele pegou seu rosto entre as mãos. Seu olhar era tão quente e
o tato tão leve que Lilith sentiu um nó na garganta.
205
— Lilith. Lily. - Pronunciou seu nome como um suspiro e
apoiou sua testa a dela. — Se só se tratasse de nós, crê que teria tanto
interesse em tentar erradicar a jogatina? Não teria mais sentido
considerar você como objetivo único?
206
tocar o chão. Separou a boca da dele e encontrou seu olhar enevoado de
desejo. Gabriel a sustentava para que seus olhos se encontrassem de
frente, com os seios dela esmagados contra a sólida muralha de seu
peito, o quadril contra o dela, e os pés dela pendurados.
207
Agora mesmo lhe percorria o queixo com os lábios, baixando
até a carne ardente que se estendia entre o pescoço e o ombro. Sua
respiração quente a excitando mais ainda. Lilith estremeceu, e
respondeu deslizando as mãos pelas costas até os quadris dele. Seus
mamilos se endureceram. Com um movimento rápido, passou a língua
no lóbulo aveludado da orelha de Gabriel, e soltou uma risadinha de
satisfação ao notar como seu quadril investia contra ela.
Não era o único que sabia onde tocar. Ele levantou a cabeça,
e isso aumentou a pressão na metade inferior de seus corpos. Lilith
ofegou. Toda delirante.
208
se importou que ele visse o poder que tinha sobre ela. Seu único
interesse agora era explodir em pedaços... E que Gabriel destruísse os
muros que ela mesma tinha erguido ao seu redor.
209
primeiro. Envergonhada e alucinada, Lilith se entregou ao prazer que
ele provocava, e levantou os quadris para ajustar-se a seu ritmo.
— O quê?
3
O preservativo, que surgiu por volta do século XVII, era feito inicialmente de uma tira
do intestino de um animal. Ele não era popular, nem tão eficaz quanto os preservativos
modernos, mas foi empregado como meio de contracepção e na esperança de evitar a sífilis,
que era extremamente temida e devastadora antes da descoberta dos antibióticos.
210
Acariciou-lhe as costas.
Ele piscou.
— Contra a gravidez.
211
Ela levantou a mão.
212
— Então, talvez eu devesse perguntar com quantas mulheres
fode... -Lilith engoliu a obscenidade e respirou fundo. — Com quantas
mulheres se deitou também, e se tomou ou não precauções com elas.
213
Gabriel deu um passo a frente.
— Lilith...
Era a segunda vez que lhe pedia para sair do clube, mas
desta vez ele não tentaria se explicar. Tampouco parou a porta para
dizer que aquilo não tinha acabado. E se parou no corredor, depois da
porta bater com força em seu batente, Lilith não soube, porque assim
que fechou a porta, jogou-se na maldita poltrona e soluçou até não
restar um pingo de força no corpo.
214
Não havia dúvida: era o maior burro
da Inglaterra.
215
apesar disso, na noite anterior Gabriel fora para casa e bebeu até
perder os sentidos e adormecer não só com a frustração de não possuí-
la, mas também com a horrível sensação de tê-la tratado como a uma
prostituta vulgar. Ela era a sua Lily, pelo amor de Deus!
Mas algo lhe dizia que aquilo não seria possível. Já lhe faria
mal quando fechasse o clube, assim como tinha feito na noite anterior...
Quanto mais suportaria fazê-la sofrer por sua hostilidade pessoal
contra o jogo, ou por seu orgulho o impulsionar a fazê-lo?
216
acontecido, possivelmente na mesma noite em que voltou a revê-la
outra vez, só tinha certeza de duas coisas, eram mais que antigos
amantes e adversários atuais.
217
— Parece que está preso na porta.
— Bom argumento.
218
Aquele armário enorme ficou rígido.
— Sim.
— Lorde Angelwood.
219
— Sim?
— Chantagem.
220
Latimer não gostaria que alguém soubesse que tinha
desafiado as ordens de Lilith por uma questão de romantismo. A
mulher entreabriu o olhos amendoados.
— O que me aconselha?
221
— Creio que já sabe muito bem o que fazer, Lorde
Angelwood, pois não teria se incomodado em vir aqui. As flores são um
mero detalhe, só a humildade e sinceridade devolverão a Lilith o pouco
de confiança que o senhor conseguiu ganhar antes de jogá-la pela
amurada.
— Não lhe faça mal, Lorde Angelwood. Ela não é tão forte
quanto faz parecer.
222
Não deveria estar ali. Não devia fazer isso com ela, nem
tampouco consigo mesmo, mas não conseguia parar de desejá-la, assim
como também não podia lhe contar a verdade sobre o que se passou há
dez anos atrás. Ela merecia saber, mas, como dizer. Ela saberia que o
homem a quem admirava não era quem pensava... E conheceria a
verdade escandalosa. Não podia confiar de que manteria silêncio sobre
isso, e ainda menos, estando em jogo o clube que ela apreciava tanto.
— Entre.
223
— Algum problema?
— Eu os ameacei.
224
Bronson, talvez? Anotou mentalmente para levantar informações sobre
Bronson e seu clube, mas não sairia dali nem que o Inferno desabasse.
— Lilith...
225
— É um... Um burro arrogante! - Gritou descontrolada. —
Como se atreve a afirmar tal coisa, depois de todo este tempo? Vá
embora, quero você bem longe de mim!
226
Toda a ferocidade dela pareceu sumir.
227
— Por isso adotou essa postura tão formal e rígida. Não
queria parecer com seus pais.
— Sim.
— Por isso odeia tanto o jogo, pelo que fez a seu pai.
228
— Eu sei.
— Pode me perdoar?
— Não.
Merda, o que mais ela queria dele? Que mais podia fazer ou
dizer para que percebesse que o problema estava nele e não nela?
— Preciso de tempo.
— Verdade?
229
— Obrigado por vir aqui me dizer isso.
230
— Também fico contente de voltar a vê-la, Rachel.
231
— Você joga, Lilith?
232
talento que ele tinha. A coisa ficou tão ruim que Lilith começou a lhe
dar instruções quando ele insistiu em que jogassem outra partida.
— Assim?
233
dar saltos e o agarrou pelo pescoço em um breve, e nada feminino,
abraço.
— Outra partida?
234
Então Lilith pousou o olhar no semblante satisfeito de Gabriel e
entreabriu os olhos. Mas que cachorro! Não precisava de nenhuma
instrutora! Só a usara como desculpa para rir a custa deles. Mas nem o
Conde ou a Condessa pareceram ofendidos, de modo que Lilith decidiu
não ofender-se tampouco. Enquanto dava o taco a Braven para que o
colocasse em seu lugar, disse com desdém:
235
Lilith corou. Era assim que a via? Então Rachel, rindo se
aproximou e agarrou o braço do marido.
236
Ele riu e, devia ser a enésima vez naquele dia, aquilo a fez
sentir um calafrio na coluna.
— Algum problema?
— Não, nenhum.
237
Gabriel não insistiu no assunto, pelo que ela agradeceu. Não
lhe ofereceu o braço nem a tocou novamente, mas Lilith sentia sua
força e seu apoio com tanta certeza como se estivesse apoiada a ele. Era
reconfortante e, ao mesmo tempo, aterrador.
238
— É um belo rapaz.
— É mesmo, não é!
O olhar entre o casal foi tão íntimo que Lilith teve que
desviar o olhar. Sua atenção se dirigiu novamente a Gabriel e o bebê.
"Meu Deus, não o leve para tão longe que não possa encontrá-
lo outra vez..." Céus, teria sido seu aquele pensamento?
239
Tinha de ter imaginado que ele viria atrás. E tinha que saber que levaria
consigo o bebê.
Maldito.
— Quer segurá-lo?
240
— Pegue-o. - Disse com voz áspera. — Por Deus, pegue-o
logo.
241
— Porque uma criança merece uma
mãe melhor do que jamais serei.
242
entanto... Estranhamente o assunto não o irritava. Não que tivesse
mudado de opinião sobre o jogo, simplesmente Lilith dominava seus
pensamentos. Por isso há duas semanas não aparecia no Parlamento
ou em outros lugares que frequentava, não conseguia sentir a mesma
paixão por sua causa. Estava preocupado por ela, não por suas
prioridades terem mudado.
243
De pé no tapete de Abusson vermelho com detalhes em
marom e dourado, com a mão sobre o entalhe de carvalho de um sofá
de veludo, Blaine parecia recém saído de uma pintura. Suas feições
austeras mostravam a expressão típica de dono de uma mansão rural,
que muitos pintores tanto apreciavam nesta época. Só lhe faltava o traje
campestre e um par de fiéis cães de caça. Ele franziu o cenho e olhou
intensamente seu anfitrião.
— Sim.
244
— Esperava que já tivesse descoberto quem enganou meu
filho, mas creio que mais do que o sentido do dever, o que o leva a esse
antro de perdição seja a proprietária dele.
Não, mas Blaine não devia levar o assunto para aquele lado.
Gabriel não se incomodou em dizer-lhe.
Blaine o interrompeu:
245
verdade! É meu assunto porque me prometeu provar que aquele antro
roubou meu filho, e até agora somente causou intrigas que difamam
sua reputação em jornalecos e provocam risos dos seus iguais as suas
costas por cortejar essa... Essa rameira como se fosse uma dama!
246
— Já ouvi suficiente. - Gabriel segurou Blaine pelo
antebraço e o levou em direção à porta. — Saia de minha casa Blaine.
— Sim.
247
Não era próprio de Gabriel sequer insinuar uma resposta
afirmativa.
248
para fazer mal a Lilith ou ao seu negócio. Se você e Frederick quiserem
fazer algo mais, podem tentar, mas me deixe fora desse assunto.
Gabriel riu.
249
— Uma disputa? O que aconteceu? Alguma pisou na barra
do vestido da outra?
250
— Como achar melhor, Sua Senhoria.
— Não, obrigado.
251
mesmo modo, lhe permitindo descobrir seus segredinhos vergonhosos
que queriam manter escondidos. Não era a toa que encontrava tanto
prazer em ser a proprietária do clube, já que este punha em suas mãos
os que a rejeitavam publicamente. Era uma vingança pequena e sutil
contra uma sociedade cheia de intrigas e falsidades.
252
assegurando de permanecer fora de seu campo de visão, Gabriel se
aproximou mais.
253
Gabriel sorriu. Era evidente que essa voz não era a de
alguém habituado a depenar jovens tolos.
— Mas Lilith...
— Não!
"Ah, não quer, hein? Não quer que Lilith procure seu pai, seu
moleque descarado?"
— Tudo bem.
— Boa noite.
254
Não soube quem levou o maior susto, se Lilith ou Frederick,
mas com certeza nenhum dos dois acreditou que os tivesse encontrado
por acaso. A prova foi o terror que surgiu no rosto do jovem. Sem dizer
um "olá" sequer, o rapaz girou sobre os calcanhares e se afastou
abrindo caminho aos empurrões pelo clube, como se o edifício estivesse
em chamas. Não olhou para trás um única vez, nem sequer ao chegar à
porta.
255
Lilith negou com a cabeça, e os músculos do pescoço e
ombros doíam de tensão. Logo estaria com dor de cabeça também se
não resolvessem suas diferenças.
O rosto dele revelou tal alarme que ela não pôde evitar de
sorrir.
— A esperarei então.
256
Nenhum homem decente se casaria com uma mulher com
sua reputação, e ela tinha muito orgulho para conformar-se em ser
somente a outra. Poderia ter um filho e criá-lo sozinha, mas não
suportaria que o filho carregasse o estigma de bastardo. E não gostaria
de educá-lo como ela, ou Gabriel foram educados. Ela, que tinha
desonrado a memória dos pais comportando-se de forma contrária a
deles. Sua moral, tão restrita, pressionou a filha no sentido oposto. E
Gabriel, nascido de pais que eram carinhosos mas de moral
escandalosa, que se rebelara contra eles, e acabara se tornando alguém
que, se não tomasse cuidado, algum dia acabaria se parecendo com o
pai de Lilith.
Por que ver ou estar com Gabriel a fazia sentir que tudo
dava errado? Quando jovem, fazer amor lhe parecera perfeito, mas
terminou sendo sua ruína. Ele a abandonou, seus pais a rejeitaram,
seus amigos e a sociedade a execrara... Levara anos para recuperar a
confiança em si mesma, e ao menos sentir-se um pouco bem consigo
mesma, e agora... Agora voltara a ser a moça frágil e tola, isso a
aborrecia profundamente.
257
estivesse em Londres, ele não a deixaria tranquila, e só era uma mera
questão de tempo para que a consumisse em sua luz ou que ela o
matasse com sua escuridão. Era inevitável. Sabia. Seu coração gritava.
Poderia enfrentá-lo agora, mas algum dia um deles acabaria ferindo
mortalmente o outro. E então...
258
— Não se passaram os dez minutos.
259
Os lábios dele se curvaram em um sorriso de fingida
inocência, um sorriso muito charmoso e descarado, que arrebatou de
Lilith toda vontade de brigar.
Desgraçado.
Por seu aspecto, ele não parecia pensar que lhe fazia um
favor.
260
Mas aquela coxa... A única coisa difícil em Gabriel era seu
coração e, às vezes, sua cabeça.
Mas ele não fez nada. Não, não é verdade. Disse a única
coisa que ela não queria ouvir:
— Pensei que havia dito que isto não seria uma inquisição.
Quer uma bebida? Eu preciso.
261
fazia. Era uma das poucas pessoas que tinham esse poder sobre ela.
Dava-lhe mais medo do que Bronson e suas ameaças.
— Disse que uma criança merecia ter uma mãe melhor que
você. Por que?
— Lembranças...
262
Bebeu um grande gole e agradeceu as ondas de fogo que a
bebida lhe dava.
— Não quero que meu filho cresça pensando que ele ou ela
tenham que ser melhores que eu, que precisem compensar meus erros,
ou, pior ainda: que queiram ser como eu.
263
acalmaram, enxugou os olhos com o dorso da mão e levantou o olhar. O
sorria abertamente.
— Chega.
264
— Já se perguntou como seria se nos tivéssemos casado?
— Sim.
— Como imagina?
— Cinco!
— Sim.
265
— Sempre que penso em nós, vejo-nos felizes. Imagino
sempre que é Natal, e que as crianças nos ajudam a decorar a casa.
Mas não temos cinco filhos.
— Há uma trilha?
— Sim.
Com um olhar cheio de algo que fez que seu peito doer e
prender o fôlego, ele disse:
— É um lugar encantador...
266
Deveria se recusar, mas a oferta era muito boa, deliciosa,
impossível de dispensar. Em questão de segundos, Lilith esvaziou o
copo e se levantou o bastante para que suas pernas vacilantes a
aproximassem alguns passos e se deixou cair no ninho morno de seu
corpo, com as costas apoiadas na sólida parede de seu peito.
— Relaxe o corpo.
267
presente especial para ela e não queria esperar
até amanhã para dar-lhe
— Também estou.
268
— Adorei a ideia de virmos aqui. - Ela disse dando outro
gole no ponche de rum e flor de laranjeira. — Há anos não venho ao
Vauxhall.
269
no assunto do jogo. Entre eles se formava uma frágil confiança, e o fato
de que não devessem confiar um no outro fazia a situação ainda mais
difícil.
270
E Gabriel também. Seu pai, por exemplo.
— E as dívidas?
— Como assim?
271
— Sabe como são os rapazes, gostam de se gabar com os
amigos...
272
Algo quente e turvo se desdobrou nas profundezas do olhar
de Lilith.
Ela corou vivamente, ele não soube se era pela bebida ou foi
a lembrança da noite em que se entregaram um ao outro pela primeira
vez. Lilith tomou outro gole.
273
Como podia perguntar-lhe isso? Ah... Ela suspeitava de que
não tivesse revelado toda a história, o que o impedira de se casar com
ela quando estourou o escândalo. Envergonhava-o dizer. Permitira que
os fofoqueiros a arrastassem pelo lodo enquanto ele tentava limpar a
conduta de seu pai para que não respingasse na família. Sacrificara o
bom nome de Lilith para proteger o seu... E o fato de ter sido jovem e se
envergonhasse do pai não justificava o que fizera Lilith sofrer.
274
Ele e Lilith só foram ao Vauxhall uma vez, com a criada dela
como guardiã de sua virtude. Gabriel fez o impossível para afastar a
mulher, mas foi em vão. Lilith soltou uma risadinha.
275
A carruagem os aguardava. Um dos criados de Gabriel
segurou a portinhola enquanto ele ajudava Lilith a subir.
— Eu...
— Precisava de dinheiro.
Essa não era uma das respostas ensaiadas! Lilith ficou tão
surpresa ao ouvi-la quanto ele ao pronunciá-la. Olhou-o atônita e abriu
a boca, uma vez, duas vezes, sem emitir som algum. Logo franziu o
276
cenho e inclinou a cabeça para o outro lado. Empalideceu. Abriu mais
os olhos... E então compreendeu.
277
Lilith inclinou a cabeça, com um pouco de remorso. Parte
de suas feições ficaram ocultas nas sombras, mas Gabriel viu tristeza
no rictos de sua boca.
278
braço dele e se segurou na braçadeira da carruagem quando esta deu
uma inclinação brusca.
— Está machucada?
279
tombassem, ele seria tudo o que haveria entre Lilith e a rua, e preferia
arrebentar todos os ossos antes que vê-la sofrer um arranhão.
— Não sei.
280
lateral da carruagem, perguntando se estavam bem, e a voz de Lilith
pedindo um médico.
— Pode se levantar?
281
— Lorde Angelwood, o senhor está bem, vamos tirá-los daí
em um minuto.
— O que aconteceu?
Lilith sorriu.
282
Gabriel acariciou os cabelos de Lilith, o volume soltara quase
todas as presilhas e agora lhe rodeava a cabeça meio emaranhado.
Estava um pouco pálida, mas nunca vira nada mais encantador.
283
Enquanto esperavam, Gabriel esfregou o antebraço de Lilith.
Face ao ocorrido da noite, sentia-a tremer. Quando viu que se mantinha
calada, comentou com animação forçada:
— Que aventura!
Ele a abraçou.
284
Amava-o.
285
Reconhecer parecia-lhe mais uma decepção que uma
surpresa. Já o amara tanto que era lógico que uma parte dela ainda
conservasse sentimentos por ele. Talvez o mesmo sentisse ele, embora
nem estivesse segura de que se importaria.
Um dos dois teria que ceder, não podiam ter tudo. Doeria
perdê-lo outra vez, provavelmente mais que antes, mas mesmo assim o
desejava. E que Deus a ajudasse, o incidente dessa noite fazia com que
o desejasse mais.
— Entra comigo.
— Lady Lilith!
286
Quando entraram em seus aposentos, na saleta, Lilith jogou
o xale sobre uma cadeira, logo foi ao pequeno bar e serviu dois copos de
um bom uísque escocês. Deu um a Gabriel e esvaziou o seu em dois
goles rápidos. Ele fez o mesmo. Quando seu estômago deixou de arder,
Lilith o olhou. Jogou para trás os ombros e reuniu coragem.
Ele piscou.
287
O olhar dele se suavizou, como se percebesse o quão
vulnerável ela estava naquele momento. No dia seguinte possivelmente
o orgulho sofreria por isso, mas esta noite não. Então lhe dirigiu um
sorriso doce que provocou uma pontada no coração de Lilith.
— Venha comigo.
288
— Por que usa estas coisas? - Perguntou ele olhando-a,
enquanto começava a soltar os cordões do espartilho.
289
Com a ponta dos dedos roçou a pele pálida de seu ventre e
depois subiu de novo para os seios. A carícia de sua voz a fazia
estremecer tanto quanto o toque quente de suas mãos.
290
— Terei que propor uma lei para obrigar todos os homens a
dedicarem-se ao comércio.
291
— Você gostaria de parar?
"Deus, não..."
292
tensos e pesados que doiam, mas ela queria mais. Ofegante e se
retorcendo, Lilith subiu os quadris e empurrou quando a boca dele se
fechou novamente em torno da ponta de um dos mamilos. Desejava-o
dentro. Queria se sentir inteira novamente, como fora a tanto tempo
atrás. Não queria pensar se era certo ou errado, nem nas consequências
ou no futuro. Só queria Gabriel.
— Gabe. - Implorou.
293
cima até que o prazer se tornara quase impossível suportar. Então lhe
ordenou:
— Oh...!
294
Gabriel levantou a mão, enganchou-lhe a perna e a levantou
ainda mais, até que a coxa lhe tocou o seio. Com o corpo tremendo por
sustentar-se em um braço só, moveu então os quadris contra os dela
com um desespero que fez Lilith esquecer de qualquer ideia que não
fosse unir-se a ele naquele movimento. Gabriel empurrava e empurrava,
dentro e fora. Quente e úmida, Lilith se apertava em volta dele. Cada
investida a aproximava mais e mais do clímax e a fazia tremer e gemer.
295
Lilith se apertou contra ele e franziu o cenho. Gabriel estava
tremendo.
— Não.
Ele sorriu.
296
— Está assoviando.
297
tempo perdido. De forma consciente, evitaram falar tanto do presente
como do futuro. Na verdade pouco falaram, e só sobre outras questões:
sobre pessoas que conheciam ou de coisas que estavam acostumados a
fazer.
298
As palavras do amigo calaram fundo, Gabriel franziu o cenho
e lhe ofereceu a taça.
— Bem...
299
— Contou a ela que ainda tem intenção de fechar o clube se
Frederick estiver dizendo a verdade? Se não agiu desta maneira, não foi
sincero nem consigo mesmo.
300
— É o que você planeja fazer?
301
— Ah, fique tranquilo, meu amigo, ela realmente não vai
compreender. Pelo menos, a princípio. Não sem antes de você engolir
parte de seu orgulho e lhe suplicar perdão.
— Ah, meu amigo, vai fazê-lo. Pela mulher que ama fará
coisas que nunca sonhou fazer.
Ah, não! Não era tão tolo para percorrer aquele caminho
outra vez, e menos ainda quando o futuro era tão incerto... E enquanto
a própria Lilith era uma incógnita. Brave levantou a sobrancelha e
gargalhou:
302
— Ah, não? Sei que está com medo de entregar o coração a
Lilith outra vez, teme o que ela vá fazer com ele.
303
sórdido se tornaria. Só poderia ser contido para não se tornar
destrutivo. Talvez estivesse percorrendo o caminho errado... Não. Não
podia ser. Se mudasse sua postura em relação ao jogo, seria
considerado como um tolo. Todos saberiam por que o fizera, e o
acusariam de ser um urso amestrado que conduziam pelo nariz. E a
promessa feita a seu pai? Ainda estava disposto a cumpri-la... No fundo
da cabeça, uma voz lhe dizia que isso não quebraria sua promessa, só a
cumpriria de outra maneira.
304
O gerente truculento do clube só levantou uma sobrancelha.
— Ah, não?
305
— Importaria se eu observasse um pouco? Gosto de ficar no
lugar por algum tempo antes de jogar.
— Sim, agora.
306
Mais tarde, no White's, Gabriel encontrou Frederick, que
bebia com vários amigos. Compôs suas feições e se dirigiu a eles. Ainda
corria por suas veias a adrenalina da partida de faraó, quando
abandonou a mesa estava cinquenta libras mais rico, e estava
absolutamente certo de que Jack Maçom era honrado. Tinha falado com
ele enquanto embaralhava as cartas, e soube que era o que aparentava.
Aquilo, unido à contínua presença de Frederick no Mallory's, fora
suficiente para decifrar a verdade. Jogar faraó também o fizera
consciente de outra coisa: diferentemente do pai, embora soubesse que
a sorte estava de seu lado, levantou-se e saiu. E se ele fora capaz disso,
outros também seriam livres para fazê-lo.
307
Gabriel manteve os olhos fixos no rosto jovem.
308
O rapaz se calou, mas a vermelhidão que subiu ao rosto foi
resposta suficiente.
— Meu pai...
309
— Mas ficou muito preocupado porque tinham depenado o
filho dele naquele antro de perdição, e isso não era verdade, não é
Frederick?
— Não.
310
— Você dirá a ele?
— Não creio que tomará uma atitude tão exagerada, mas vai
contar a verdade de qualquer maneira.
311
Frederick fez uma careta e franziu o cenho.
Por Deus. Ele não era tão estúpido de dizer aquilo. Ah, não!
Fervendo de indignação, Gabriel enganchou a perna em um dos pés da
poltrona de Frederick e a arrastou cruzando a distância que os
separava, enquanto este pulou de surpresa ao sentir o puxão. Gabriel
visivelmente zangado inclinou para frente, encarou o rosto assustado do
jovem.
Gabriel se levantou.
312
Ébrio e mal-humorado, Frederick se permitiu um último
desafio.
— Aonde vai?
313
nela. Além disso colocara um vestido azul claro, que geralmente
reservava para ir à igreja ou para as ocasiões especiais.
— Com quem?
— O clérigo...!
314
— E agora ele parece que é...
O problema era que, das duas, Lilith não tinha marido. Esta
respondeu:
315
— Não contar a ele sobre Bronson não vai ferir seus
sentimentos.
316
— Olhe. Eu contarei a Gabriel sobre Bronson se você contar
ao bom reverendo que é casada.
— Se ele for tão digno quanto lhe parece, sim, creio que
entenderá. Além disso, nunca mais vimos aquele crápula. Sem
mencionar que a mulher que você era já não existe mais.
— Tem razão. Direi que fui casada, e se reagir mau, direi que
meu marido morreu.
— Quem é Latimer?
317
— A Condessa Braven, Lady Lilith.
— Em que salão?
— O verde.
318
— Lilith! Espero que não se incomode por eu e Alexander
virmos sem avisar.
— Uma mulher triste por saber que não pode ter uma. -
Respondeu Rachel com franqueza.
319
Seu olhar era sagaz, e atento. Lilith se esforçou para
recuperar a serenidade e sorriu com acanhamento enquanto se
afundava no sofá próximo.
320
— Oh, não! Não tenho jeito com crian...
— Estenda os braços.
Lilith o fez.
— Aí vai. E não precisa abraçá-lo tão forte, sei que não vai
derrubá-lo, embale-o assim e relaxe. Viu?
Por que achara que segurá-lo seria difícil? Agora que não
estava tão nervosa, ter a criança nos braços lhe parecia algo
absolutamente natural. A Condessa riu.
321
— Nem sempre minha querida. Temo que herdou minha
loquacidade. Às vezes ele e o pai têm longos debates.
322
— Você será uma mãe maravilhosa.
323
mãos. Certamente, a própria mãe nunca a abraçara assim. Tia Imogen
talvez lhe desse um tapinha na cabeça de vez em quando, como um
sinal de que, se o quisesse lhe daria um abraço, mas Lilith sempre
tivera receio de aceitar. Agora isso...
— Obrigado.
324
Ao ouvir a palavra, "amigas", Lilith achou que voltaria a
chorar outra vez, mas conseguiu controlar-se.
— Não creio que seja uma boa ideia serem vistas com
alguém como eu...
325
— Serei vista com quem eu decidir e ninguém mais.
— Lady Lilith.
326
Em silêncio, o jovem subiu os degraus
até ela. Nunca o vira tão nervoso desde que o
rapaz encontrara Gabriel no salão. Quando ficara
a um palmo de distância, Frederick afirmou com
energia:
327
— No salão dos cavalheiros, Sua Senhoria. - Respondeu
Latimer com um suspiro.
— Obrigado.
328
Ao aproximar-se do centro, os lobos largaram sua presa e
abriram caminho. Com expressão indiferente, Gabriel avançou. Deve ter
sido assim com o pobre profeta Daniel quando entrou no covil dos leões,
entretanto, nenhum leão o afetaria mais do que havia a sua frente.
Certamente, tratava-se de Lilith, em pé e de perfil. Parte dos cabelos
maravilhosos estavam reunidos na parte superior da cabeça, presos por
presilhas de brilhantes. O resto lhe caía pelas costas quase até os
quadris, em ondas densas e acetinadas. Usava um vestido de veludo
decotado, e as curvas nacaradas dos seios perigosamente próximos a
pular do decote atrevido. Luvas negras cobriam os braços, e nas orelhas
e pescoço fulguravam mais brilhantes.
329
Então entreviu o brilho de uma tempestade em seu olhar:
não era tão dura quanto tentava aparentar. Mas aquela atitude não só
era uma oportunidade de acabar com sua reputação, Gabriel pouco se
importava que soubessem que já haviam se deitado. Diabos, a maior
parte dos homens ali presentes lhe dariam um tapinha nas costas e o
felicitariam! Não. Lilith estava zangada e magoada, e ele era a causa
disto... Senhor, o que fizera desta vez? Tentou ignorar as risadinhas
desdenhosas que soavam a suas costas, disse:
330
Ela o olhou. Por um instante acreditou que o faria sofrer um
pouco mais, mas logo fraquejou um pouco, como se parte de sua
agressividade a abandonasse.
331
— E se meu clube realmente tivesse trapaceado e roubado o
filho de um nobre, isso facilitaria sua cruzada ridícula, certo?
— Isso é inacreditável.
— E mudou?
332
— Pensei que haveria algo a mais do que houve no passado.
333
Ela ficou em pé de um salto.
— Uma promessa...!
334
— Contou que teve de arcar com as dívidas de seu pai. Mas e
depois...? Falou que me procurou e que nunca recebeu minhas cartas,
mas acho muito difícil acreditar que minha tia tenha feito algo assim.
335
Com o rosto tenso, ela continuou negando.
— Lilith você foi tudo para mim. - Respondeu ele com voz
franca. — Tudo.
336
Ela voltou a rir.
Doía saber que ele também não confiava nela, e não fora ela
quem agira errado. Nunca o traiu, e ele... Além disso, ele exigia ser
entendido. Um homem que só a magoara. Mas em algum lugar
escondido em seu interior havia uma ferida aberta e vulnerável, que
337
sempre sangrava quando pensava nele. Nas últimas semanas tudo fora
uma mentira... Um ardil para provar que ela e o clube eram
desonestos. Mesmo tendo lhe confessado que havia acusações contra
ela. Fez perguntas sobre Frederick sem revelar seu verdadeiro objetivo,
deixou que acreditasse que confiava nela, que talvez mudaria sua
postura em relação ao jogo. Enganou-a, pois planejava lhe dar um
castigo exemplar. Bem, pois tinha conseguido. Alguém deveria lhe
pendurar um cartaz com letras garrafais no pescoço com:
338
mas, como se descontrolara desta maneira?... Sem perceber, outros
temores e dúvidas subiram à superfície, e a fizeram tirar conclusões
precipitadas, fazendo da discussão, algo muito mais importante do que
planejara. Embora pequeno, esse tipo de desconfiança em Gabriel fez
sua própria desconfiança se transformar em rancor. E pensar que
quase lhe contou suas suspeitas sobre Bronson! Que pediu ao senhor
Francis que investigasse a implicação de Bronson no atentado contra
sua carruagem!... Que munição teria dado a Gabriel, que a usaria em
benefício próprio: proprietários de clubes de jogo não passavam de
delinquentes perigosos, capazes de empregar os atos mais vis com o
propósito de conseguir o que queriam.
339
carruagem tinha piorado as coisas mais ainda. Era um homem
inescrupuloso e indecente.
340
Lilith arqueou uma sobrancelha e o contemplou com
cautela.
— Vai se recuperar.
341
— Não lhe dei intimidade para que se dirija a mim nesses
termos, senhor Bronson.
— Lilith.
Reunindo todo o desdém que sentia por ele, Lilith negou com
a cabeça.
342
Bronson franziu os lábios.
343
Bronson nunca seria um cavalheiro. Em tom suave, sem deixar de lhe
acariciar o cabelo, Bronson perguntou:
344
A expressão de Bronson se fechou à luz das tochas.
Bronson sorriu.
— Unir-me a você!
345
não terei nenhum escrúpulo em usá-las. Juntos conseguiremos destruí-
lo.
346
— Não entendo.
— Justamente.
347
Lilith quase chorou de alívio. O querido e gentil Latimer fora
resgatá-la!... Mas Bronson não a soltou. Em vez disso, lançou um olhar
desafiador ao recém-chegado.
348
— Eu sei. - Latimer respondeu com
franqueza, olhando-a nos olhos. Lilith não gostou
da resignação que viu nos olhos dele. — E não
me agradeça ainda, Lady Lilith. Bronson vai
querer ajustar as contas conosco.
349
Geralmente, dirigia seus negócios através de seu advogado
ou do gerente dos escritórios de Londres, mas agora sentia a
necessidade de fazer algo mais que sentar-se no White's a dar voltas
nos polegares. Precisava tirar Lilith da cabeça, e, até então, a tarefa
estava mais difícil. As várias atividades diárias conseguiam aliviar sua
tortura momentaneamente, mas logo os pensamentos voltavam a carga.
350
— Senhor, bem... Há uma senhora a sua espera no
escritório.
351
— Pediu-me para avisá-lo que traz notícias de sua patroa,
senhor. Também disse, e cito literalmente: "Não porque seu patrão
mereça essa gentileza."
352
Ela corou, mas não se desculpou.
— Temo por Lilith. Não sei se isso lhe importa, mas acho que
é a única pessoa capaz de ajudá-la de algum modo.
353
— Acha que sou o inimigo malvado que deseja acabar com
sua amiga?
354
Gabriel afastou o olhar.
— Continue.
355
— Mas a senhora não veio até aqui só para me contar suas
esperanças, senhora Smith.
— O dono do Hazards?
356
— O clube de Bronson está um pouco fora de moda. E o
Mallory's deve lhe parecer uma ameaça por isso está atento a tudo o
que acontece no clube e também a Lilith.
— Como assim?
357
sobre Frederick, Lilith teria falado de Bronson. Mas, se ela tivesse
falado de Bronson, ele teria contado de Frederick.
358
— E me preocupa o que possa fazer agora. Se veio ao clube...
359
— Realmente estava certa a seu respeito Lorde Angelwood.
Você é o homem perfeito para ela.
— Sua Senhoria...
— Sim?
Começava a temer por sua própria prudência.
360
em como a abraçava e afagava enquanto fizeram amor, e em como
tremera entre seus braços.
361
Algo em sua voz acendeu um fogo lento no abdômen de
Lilith. Sinos de alarme soaram em sua cabeça, mas se manteve firme
enquanto ele se aproximava mais. Ao ver o ardor que havia em seus
olhos, o coração se acelerou.
362
— Pois você me faz mal quando insiste nisto, Gabriel.
— Sinto muito.
— Por quê?
363
Como se ela não soubesse a resposta... Bem, pensava saber
a resposta, mas queria que ele a dissesse.
— Deu certo?
364
Seu protesto soou pueril e pouco convincente aos próprios
ouvidos. Ele se pôs a rir.
365
— Muito bem! - Gritou ela. Concordar com ele era-lhe mais
fácil que discutir.
366
— Usá-la?
367
Claro, como se assim conseguisse humilhá-lo de verdade.
Não importava. Nem que lhe tirasse o clube... Mas então Gabriel
avançou para ela, com uma expressão tão zangada que a fez encolher-
se.
368
Dizer essas palavras era como abrir a si mesma com uma
faca, mas tinha que fazê-lo, pois era a verdade. Se não fosse o passado,
só teriam em comum a rivalidade e desconfiança, e, certamente, não
sentiriam aquela atração mutua. Lilith não acalentaria a ideia de
abandonar seu clube, e tudo o mais, pela simples possibilidade de ter a
vida que deveria ter tido como esposa de Gabriel.
— Isso é mentira!
369
juntos? Simplesmente porque um dos dois teria que ceder algo que lhe
era importante, e nenhum deles queria perder. Ah, se realmente ela
pensasse que teriam uma oportunidade para serem felizes, fecharia o
clube, pois sabia o quanto a ilegalidade do jogo significava para ele, mas
e depois? Mais tarde jogaria a culpa em Gabe quando todos
acreditassem que tivera o castigo merecido? Que sua decisão seria uma
vitória arrasadora em sua guerra contra o jogo?
— Como?
370
casaria com alguém coberto de dívidas e de sangue tão manchado de
vícios como eu.
Embora a voz de seu pai fosse pouco mais que uma vaga
lembrança, Lilith quase o ouviu dizendo essas palavras tão duras.
Gabriel prosseguiu:
371
diante dela... O significado disso para Lilith era mais do que nunca
poderia expressar.
Lilith foi até ele. Não importava se era o certo ou não. Era o
que desejava. Ao admitir seus medos e o que aconteceu, demonstrava
mais confiança do que ela merecia. Então lhe rodeou o pescoço com os
braços e lhe disse:
Nas pontas dos pés, uniu seus lábios aos dele e se fundiu a
Gabriel enquanto ele a abraçava. Não sabia o que aquilo significava
para os dois, ou se mudaria algo, mas naquele momento nada, nem
sequer o Mallory's, tinha mais valor do que Gabe. Ele se inclinou e a
levantou nos braços sem interromper o beijo. E quando voltou a soltá-la
foi sobre a cama. O colchão macio cedeu sob o peso de seus corpos.
372
camisola de dormir, deslizavam agora pela parte superior da coxa com
uma suavidade e lentidão que a fez retorcer-se de impaciência. Não
queria suavidade ou lentidão. Queria as mãos dele sobre ela, dentro
dela. Agora.
373
de Gabriel desceu, enquanto seus dedos a levavam a um estado de
excitação que eliminava todo o pensamento e seus lábios roçaram a
curva de seu ventre.
374
Lilith gritou quando ele a penetrou. Sua pele, ainda sensível,
comprimiu-se sobre a invasão e se fechou em torno dele, o levando cada
vez mais fundo, até que os quadris dele se chocaram com o vértice de
suas coxas.
Ficaram assim por muito tempo, ele ainda dentro dela, com o
rosto enterrado na curva de seu pescoço e ombro. Quando por fim
levantou a cabeça, a expressão de seu rosto mostrava ternura... E
incredulidade. Mas Lilith não queria sua ternura: pois a fazia chorar.
375
As palavras a atingiram como se fossem lâminas afiadas.
Acabara a trégua.
— Como?
376
Gabriel negou com a cabeça, e a mandíbula se tencionou.
— Não é tão simples assim. Não posso isso, sem mais nem
menos.
377
Gabriel também se levantou. Só a cama se interpunha entre
os dois, embora a distância parecesse imensa.
378
— Bem, pois esta não vou perder. - Gabriel pegou as roupas
e começou a se vestir, lançando-lhe um olhar furioso, com uma raiva
contida que parecia mais dirigida a si mesmo que a ela. — Há dez anos
sustentei nos braços o corpo sem vida de meu pai e fiz uma promessa
de fazer todo o possível para que aquilo não acontecesse a ninguém
mais. Se pensa que vou deixar de cumprir a promessa só por estar
obcecado por você, engana-se.
— Então saia.
— Como é?
379
O clube ainda não estava fechado. Muitos o veriam sair.
Seria estupidez, e daria assunto para os fofoqueiros de plantão soltarem
risadinhas cheias de malícia, mas ao menos não teria que se preocupar
se mancharia ou não, a reputação dela... E, ao menos, assim não se
sentiria mais envergonhado do que já estava.
— Lilith...
380
Em que diabos estivera pensando? Ou, melhor ainda: em
que diabos estava pensando?
Fazer amor com Lilith sem usar uma capa, quando poderia
engravidar tão facilmente... Era um erro que jamais cometeria com
outra, mas já se tornara costume cometer erros com Lilith. Estivera tão
ansioso para estar dentro dela, para ser parte dela, que todo seu senso
comum sumiu... E agora talvez estivesse grávida. Ele sempre fora tão
cuidadoso, que nunca deixou algo assim acontecer... Que loucura tinha
feito! Na noite anterior fora ao clube conversar com ela, fazê-la confiar
nele, e só conseguira mais desconfiança: pedir para que fechasse o
clube, fora uma tremenda estupidez.
381
Ela era tão teimosa... Acaso não via que era para o próprio
bem? Melhor alguns dias fechado e deixar Bronson dar um passo em
falso, acreditando que tinha vencido. Mas Lilith não viu assim. Pensou
que ele tentava lhe dizer o que fazer. E quando ele se negou a fazer o
que ela queria, como se o pedido fosse razoável, deduziu que não podia
confiar nele. Ah, sim, parecia muito digna, ameaçou e tentou parecer
razoável e distante, mas não enganou Gabriel. Lilith sempre escondia
sua vulnerabilidade atrás de uma máscara de despeito.
Uma voz lhe gritou em seu interior, seu sobressalto fez Clive
se assustar. Mas como faria aquilo? Se de repente mudasse sua posição
sobre o jogo, cairia no mais completo ridículo. Além disso, seria uma
mentira: continuava acreditando que podia fazer algo. E por maior que
fosse seu desejo por Lilith, não podia mentir. Nem sequer por ela.
— Angelwood!
— Julian!
382
chegou a eles. Julian Rexley, conde de Wolfram, não mudara quase
nada desde que Gabriel partiu para a Nova Escócia. Estava um pouco
mais bronzeado, e os cabelos, castanho-avermelhados, pareciam um
pouco mais longos, além disso, era o mesmo Julian, e o coração de
Gabriel se alegrou ao vê-lo. Os dois se deram as mãos, entusiasmados.
383
Julian negou com a cabeça.
384
— O que andou falando?
385
— Sobre meu pai.
386
— Refere-se ao modo como me fala quando algo o preocupa?
387
Sua esposa lhe dirigiu um olhar muito sério antes de voltar
sua atenção a Gabriel.
— O que me sugere?
— O que sugere?
388
Gabriel esteve a ponto de gargalhar. As mulheres não
sabiam o que era ter honra? Dignidade ou a importância de manter
uma promessa? Como se entendesse suas dúvidas, ela se mostrou
compreensiva.
389
— Brave, Julian. - Disse. — Me fariam um favor?
390
Lilith já se desprezava pelo que estava a ponto de fazer.
391
diante do outro, devagar, foi subindo a escada até o patamar e
finalmente a porta, então a abriu. A suas costas ouviu uma exclamação
de Mary.
392
Com os olhos baixos, Mary se dirigiu ao centro do sótão.
— Sinto muito.
393
— Por lá. - Respondeu. — Os baús de minha tia estão junto
à parede.
394
— Em coisas que não me farão bem pensar. Replicou. —
Bem, e esses baús? Neste ritmo, levaremos uma semana.
Mary sorriu.
395
— Suponho que sim. Embora eu não goste de colocar meus
pensamentos íntimos em um diário para que alguém os leia muito
depois de minha morte.
“Meu querido Bertram morreu, embora saiba que por fim está
em paz, no Céu, acompanhado de outros anjos. Mesmo assim, isto me dá
muito pouco consolo se tiver de passar o resto de meus dias sem olhar
seu doce semblante. Rezo pelo dia em que estejamos juntos novamente.”
396
Com um nó na garganta, Lilith fechou o diário. Sua tia
esperou quase quatorze anos para reencontrar o homem que amava.
Cada vez que o nome do tio era mencionado, a tia dizia: "Está em meu
coração. Com todo meu coração ainda o amo como no dia em que nos
casamos." Voltou os olhos em direção a Mary para certificar-se de que a
amiga não a olhava, colocou a mão sobre o coração e sentiu seu ritmo
regular. Gostaria que tivesse tanta fé em seu próprio coração, em seus
próprios sentimentos... Em Gabriel.
— O que é?
— Leia.
397
"Querida irmã, está é minha Lilith. É uma boa menina mas
um tanto amalucada para que eu e seu pai possamos conduzir. Ela
precisa de sua paciência e doce persuasão, peço a você para mantê-la
longe desse jovem, que a conduz a falta de decoro com assombrosa
facilidade.”
398
inocência. Tia Imogen rezava para que sua sobrinha se recuperasse logo
do desengano. Ao ler cada parágrafo seu amor pela tia crescia mais
ainda, e de modo parecido, tia Imogen falava também em cada página
de como crescia seu amor por Lilith. Sua tia foi tão boa, tão amorosa...
Então, um relato datado de vinte de junho fez o coração de Lilith de
repente, acelerar. Nesse mesmo instante, com um tom de mau agouro,
Mary a chamou:
— Lilith.
399
— Lilith!
Bem, não sabia o que tinha que fazer. Não é que as coisas
tivessem mudado entre eles, mas ao menos se desculparia por não ter
acreditado nele quando devia.
400
Meio atordoada pela própria resolução, Lilith caminhou
devagar até a porta. Já descia as escadas quando logo abaixo, ouviu o
forte tamborilar de botas, e depois, um grito assustado de homem.
— O que houve?
Lilith repetiu.
— Latimer!...
401
Juntas e de mãos atadas para darem-se ânimo, Lilith e Mary
recolheram as saias e correram pelos salões atrás do jovem criado, que
entrou na saleta aonde colocaram Latimer deitado. Vários criados
esperavam à porta, no corredor, consolando-se mutuamente,
retorcendo-as mãos e enxugando os olhos. Até parecia que com a
chegada dela as coisas se resolveriam, como se ela fosse capaz de
ajeitar tudo. Lilith sentiu no peito o peso da responsabilidade, tão
grande quanto o medo de que a culpa do acontecido ao seu guarda-
costas, e amigo, fosse dela.
402
Aquilo fora coisa de Bronson, era o castigo por Latimer tê-la
defendido. Latimer a avisara de que Bronson se vingaria, mas o
asqueroso covarde tinha ido atrás dele em vez de enfrentá-la. Latimer
tinha apanhado tanto daqueles animais só porque sabia que Lilith não
podia lutar sozinha contra Bronson, e deliberadamente se colocara em
perigo. Que diabos ela fizera para merecer lealdade semelhante?
403
Tendo enviado a mensagem a Gabriel, Lilith voltou para o
lado de Latimer, que se encontrava consciente e com um bom humor
nada normal, dado a dor que devia sentir. Lilith pediu aos outros que
trouxessem uma cama e roupas de cama limpas. Neste momento o
médico chegou. Já com Latimer confortavelmente instalado, examinado
e medicado, pediu aos demais criados que voltassem a seus afazeres.
Da cadeira, junto à cama, olhava o amigo e fiel empregado, tinha os
olhos roxos e inchados, e o rosto esfolado com machucados que
prometiam ficar ainda piores no dia seguinte. Ele sorriu e, por mais
desastroso que fosse seu estado, foi uma bela visão.
404
O grandalhão negou com a cabeça e fez um gesto de dor.
405
— Notei isso depois, quando a senhora me disse que ele
acreditava que alguém do clube havia enganado um dos clientes. Lorde
Angelwood veio ao clube numa noite destas, pensei que era para vê-la,
mas veio por outro motivo, e ainda pediu-me para que não a informasse
da visita.
406
Sim, pensou Lilith aturdida. Deve estimar. E saber disso não
lhe deu tanta alegria quanto pensava, de fato, teve o efeito contrário.
Não gostou, não gostou definitivamente. Todo o acontecido lhe revolveu
o estômago. Na verdade era irônico. Ambos, traídos por seus corações:
ele, comprometendo-se por ajudá-la, e ela, disposta a comprometer seus
interesses pessoais para manter o que Latimer lhe revelara em
segredo... Amava-o, e jamais o trairia dessa maneira.
407
sobre Gabriel, e sobre o que faria e diria quando o visse. A única coisa
que não faria, embora o desejasse muitíssimo, seria lhe contar o que
Latimer lhe confidenciara. Gabriel era muito orgulhoso, e não gostaria
que ela soubesse, mesmo que jurasse não revelar o acontecido.
408
Ao cair da noite, correriam boatos sobre o Conde de
Angelwood ter galopado pelas ruas da cidade como um louco. Alguém
contaria que o vira entrar às pressas no Mallory's bem antes de o clube
abrir suas portas, e os fofoqueiros fariam especulações sobre o que
estaria havendo para que um nobre se comportasse de forma tão
imprudente. Sem dúvida, alguns cavalheiros fariam algumas sugestões.
E no fim daquela noite, antes que os clubes fechassem suas portas, em
todos os livros de apostas estariam os nomes dele e de Lilith em quase
todas as novas apostas.
409
Com um gesto rápido de assentimento, Gabriel cruzou
correndo o vestíbulo e virou à esquerda, para a sala de bilhar. Diante da
porta hesitou. E agora? Entrava como um louco ou deveria bater? O
criado lhe havia dito: "Lady Lilith precisa do senhor." E Lilith só lhe
mandaria uma súplica tão evidente se necessitasse realmente. Agarrou
a maçaneta e a girou. A porta se abriu... Mas Gabriel não encontrou
olhares inquisitivos. Nada, apenas uma figura solitária, curvada sobre a
mesa de bilhar, fazendo rolar preguisosamente uma bola vermelha na
superfície da mesa.
— Chamou-me.
410
Ao cessar os soluços, Gabriel puxou do bolso um lenço e o
ofereceu. Ela se assoou com a elegância de um ganso grasnando.
Gabriel sorriu e perguntou:
— O que houve?
411
Gabriel não soube se ria ou a sacudia. Só ela mesmo para se
culpar pelos atos dos outros.
— Tem razão.
Então Gabriel lhe pôs as mãos nos ombros. Estava grato por
Bronson decidir desforrar sua raiva em Latimer e não em Lilith, mas
Bronson não era idiota. Sabia que um ataque a Lilith poria um Gabriel
furioso atrás dele, e o porteiro de um clube daria bem menos
represálias do que enfrentar um nobre.
412
— O que vocês disseram a polícia?
413
Os ouvidos de Gabriel zumbiram. Sabia? Onde estavam as
acusações e as recriminações?
414
mudava muito as coisas, até, pelo menos, Gabriel colocar em marcha
seu novo plano. Ele temia a ameaça de Bronson. Agora a primeira e
única prioridade dele era a segurança de Lilith.
415
— Na primeira vez em que fomos roubados e depois
descobrimos que todo o carregamento de brandy daquela semana foi
encontrado destruído. - Respondeu. — Isso foi há seis ou sete meses
atrás. Depois disso outros carregamentos também sumiram, e
finalmente arrombaram o escritório do clube. Na noite em que o
encontrei bisbilhotando, pensei que os ladrões de Bronson tinham
voltado.
416
— Então, vai fechar o clube.
— E o que você acha que ele fará se deixar as coisas por isso
mesmo e ainda mantiver o clube aberto?
417
Ele se aproximou e apoiou as mãos em seus ombros. Sabia
que era uma pequena vitória, mas, mesmo assim, tirava-lhe um peso
enorme de cima.
418
inevitavelmente lhe jogaria na cara. Tanto quanto sabia que ele, mais
cedo ou mais tarde, acabaria descarregando nela o fato de ter sido
forçado a comprometer seus princípios. Como se não os tivesse
comprometido já o bastante...
419
— Se fosse possível, ficaria duro para você o tempo todo.
420
ficar sobre ele, com os seios a centímetros de sua boca. Ouviu-se o som
do tecido rasgar, Gabriel rasgou o corpete, expondo o seio direito. Ele
abocanhou o mamilo erguido e nu. Lilith gritou ao sentir os lábios
sequiosos, o desespero e fome dele em sua pele sensível, lento e
cuidadoso. Enquanto sincronizava os movimentos das pélvis, a língua
dele seguindo o mesmo ritmo dos quadris.
421
Manteve-o dentro de si até que ficou quieto e as respirações
dos dois se acalmassem.
— Avise à polícia.
422
Lilith só impôs uma condição para Gabriel notificar à polícia:
que a reunião fosse na delegacia, em vez de um agente vir ao Mallory's.
Teoricamente seria uma precaução se acaso Bronson estivesse vigiando
o clube. Gabriel quase lhe disse que se Bronson tinha gente vigiando,
também mandaria que os seguissem, mas não quis assustá-la ainda
mais.
423
um bar que servia também de lugar de detenção quando havia
necessidade de mais espaço. Na verdade, o aspecto da Bow Street não
tinha nada extraordinário. Mas, claro, a Bow Street não era só um
conjunto de edifícios. Sua importância estava nos homens de jaquetas
vermelhas, nos agentes e detetives treinados pelo entusiasta e
meticuloso Duncan Reed, aquele departamento público tinha uma
sólida reputação de agentes comprometidos em manter a lei.
424
acabou com o ataque a Latimer no dia anterior. Então Reed levantou o
olhar das anotações que tinha rabiscado.
425
— Então, se quer mantê-la a salvo, sugiro que fique perto
dela o máximo que puder. Não é provável que Bronson faça algo se
houver um conde no meio.
426
Com um suspiro de frustração, ele se inclinou sobre seu
ombro e, para que o criado não pudesse ouvi-lo, disse em um sussurro:
— De maneira alguma!
427
Ficava adorável quando se zangava. Gabriel cruzou os
braços.
— Está louco. Sabe muito bem que não podemos viver sob o
mesmo teto. Pense no que dirão seus amigos e aliados políticos.
428
— Então, mude seu parecer sobre isto. Não vai viver em
minha casa.
429
430
Em casamento, por exemplo, mas isso não era assunto dele.
O anel de compromisso da mãe de Gabriel estava na mala, preparado
para acompanhá-lo a casa de Lilith, e pronto para deslizar no dedo dela
no instante em que ela aceitasse sua proposta de casamento. Não se
exporia a zombaria da sociedade se ela pensasse em não aceitar. Ela
confessara que o amava e ele se declarara também, isso sem mencionar
que estava mudando sua opinião sobre o jogo. Os dois se amavam. Ele
nunca deixara de amá-la.
431
— Nos últimos dez anos conseguimos algo além de pilherias
e risos? Não. Nunca faremos com que as pessoas deixem de jogar,
Blaine.
432
Ou que haja um fiscal imparcial que observe as mesas e se assegure de
que o crupier e os jogadores se comportem de forma honrada. Até
mesmo, retirar um cavalheiro da partida se estiver muito embriagado
para jogar com sensatez.
— Já o tem.
— Obrigado.
433
"Parece que desta vez farei a coisa certa, papai. Não só pelo
senhor, mas por Lilith e para mim."
434
Fechou a porta atrás de si e olhou de um lado a outro no
corredor antes de Mary perguntar em um sussurro:
435
dolorida. O que ela queria e o que ela sabia que não poderia ter, eram
duas coisas bem distintas, e não sempre era fácil mantê-las separadas.
— Quase sempre tenho que concordar com ele. Mas isso não
quer dizer que eu goste.
— Pois eu gostei de que ele a mantenha longe de Bronson. -
Mary comentou. — Pessoalmente, estou encantada pelo Conde tê-la
obrigado a deixá-lo agir a sua maneira.
Outro suspiro.
436
— Terei.
— Não falo com ele desde que lhe disse a verdade sobre meu
casamento. Eu o vi no Abrigo de Madalena, na semana passada,
quando levei as mantas que você doou a entidade. Parecia não estar
bem, mas ignorou minha presença explicitamente.
437
— Ele me usou, depois me jogou como se eu fosse lixo, e
parece que não posso me libertar dele.
438
— Preciso avisar a George para que o mande ao meu
escritório quando chegar... - Então se interrompeu, a preocupação pela
amiga, eclipsando todo o resto. — Você está bem?
439
Enquanto fazia as contas, descobriu que, apesar de sua falta
de atenção, o clube tinha obtido lucros consideráveis na noite passada.
E notou que havia poucas notas promissórias, algo que a agradou
muito. Infelizmente, dois clientes excederam o limite da casa. Lilith
tentava fazê-los respeitar o limite de cinco mil libras a serem jogados na
noite, entretanto, pouco mais podia fazer. Não podia estar em todos os
lugares do clube ao mesmo tempo, e a maioria de seus empregados
vinham das classes inferiores. Se um aristocrata arrogante ou uma
dama orgulhosa armavam um alvoroço ou exigiam que lhe permitissem
apostar tanto quanto quisessem, o pessoal de Lilith quase sempre
cedia, por demais intimidado para cumprir as regras do clube.
440
— Obrigado por me receber, Lady Lilith. Sei que esteve com
alguns problemas ultimamente, e lhe agradeço por me dar seu tempo.
— Lady Lilith, soube que tinha muito afeto pelo pai do atual
Conde. Estou certo?
441
O senhor Francis deslizou uma das mãos para o interior da
jaqueta, tirou um grosso maço de papéis, entre os papéis várias cartas
lacradas, e os entregou a ela.
442
— Não me agradeça ainda, senhora. Certos segredos é
melhor deixá-los enterrados e esquecidos, Lady Lilith. Não me sinto
orgulhoso de ser quem os desenterra.
443
nunca conte a ninguém o que vi naquele dia. Não cheguei a lhe dizer que
jamais repetiria uma história semelhante. Não é precisamente algo que se
possa usar em uma conversa social, a menos que seja o pior dos
fofoqueiros. Embora tivesse feito à promessa no momento em que aceitei
o dinheiro, não posso deixar de desejar, que naquele dia o jovem tivesse
chamado a outro...”
444
Os dedos de Lilith deixaram cair os papéis, que pousaram na
mesa enquanto ela, horrorizada, continuava a olhar. O pai de Gabriel se
matou por dívidas de jogo. Senhor bendito, não era de se surpreender a
opinião que Gabriel tinha sobre o jogo, e quisesse erradicá-lo. O que
pensaria dela, que dirigia um estabelecimento como o Mallory's? Como
podia fazer amor com ela, se ela pertencia ao mesmo tipo de gente que
incitou seu pai a se suicidar? Não era de surpreender que tivesse
embarcado em uma missão para proteger a Inglaterra dela e dos que
eram como ela. E por Deus, ainda queria viver ali com ela, para protegê-
la de alguém que era ainda pior. Já se comprometera demais ao jogar
no Mallory's, e agora estava ali para protegê-la! Oh, ia vomitar. Saber
que o velho Conde morrera em um duelo era uma coisa, mas saber que
tirou a própria vida, era insuportável. Claro que Gabriel não saíra a sua
procura, estivera tentando proteger a ela e a própria família do
escândalo. Deus bendito, como deve ter sofrido! Tão jovem, e ver...
Gabriel lhe dissera que segurava seu pai nos braços quando este
morreu. Devia ter tido a infelicidade de encontrá-lo naquele preciso
momento. Seu estômago voltou a embrulhar. Ah, gostaria que tivesse
estado ali para consolá-lo! Em vez disso, dedicou a vida a sentir pena de
si mesma e se perguntar o por que de não tê-la procurado, quando ele
tinha que enfrentar à morte do pai. Nem sequer lhe permitiram chorá-lo
como devia, pois precisou dedicar toda sua energia a manter a verdade
escondida e refazer a fortuna familiar. Não era de se surpreender que se
tornara um modelo de virtude, lutara para evitar um escândalo a todo
custo. Em comparação, o escândalo de sua relação com ela parecia
relativamente sem importância. E enquanto isso, ela só pensara em si
mesma. Que egoísta fora!
445
costas e que o julgassem mal por causa dela. E,
certamente, não merecia uma mulher que
apoiava o que matara seu pai.
446
Não devia sentir-se tão feliz, principalmente quando Latimer
estava ferido e a segurança de Lilith em perigo, mas não podia evitar.
Sua vida política estava a ponto de dar uma guinada, e isso o
emocionava por encontrar uma forma de alcançar certo êxito. Além
disso, em sua mala um anel a esperava, se Lilith consentisse em se
casar com ele, além do mais, estaria perto dela e fariam amor como
loucos. A vida não podia ser melhor. Ah, não, um momento, sim podia
melhorar. Algum dia Lilith lhe daria um filho, ou vários. Então sua vida
seria completa.
— Não.
447
oferecer seu corpo saboroso a renegar seu mero contato? Seguiu-a com
o olhar enquanto ela impunha distância entre eles.
— Sei.
Ela sorriu tão levemente que o sorriso não chegou aos olhos.
448
— Mas a fiz passar por um escândalo, a abandonei para me
salvar. E lhe escondi a verdade sobre o meu pai.
449
— Expectativas que desejaria satisfazer.
Ela avançou um passo para ele, mas parou. Foi como se não
confiasse em si mesma para se aproximar.
450
isso? A fúria dele eclipsou qualquer outra emoção. Não a deixaria se
afastar dele. Ah, desta vez, não.
— Não me importa.
— Sim.
451
pais. Queria perder-se em todas as paixões da vida. Queria arriscar. E
principalmente queria fazer isso com Lilith. Ela piscou, como se sua
resposta a assustasse. Talvez, realmente a assustara. Ele se assustou.
— É mentira.
— Você sabe muito bem disso. Mas isso não significa que
um de nós não lamentará mais tarde.
452
— Eu gosto de meu clube, Gabe. Eu gosto da independência
que me dá, e eu gosto da animação e do burburinho.
453
— Sim é! Não suportaria ter seu amor, acreditar no futuro e
logo em seguida perdê-lo outra vez! Prefiro acabar com tudo agora.
— Por que fazer isto? Pode ter seu clube, seu divertimento.
Deixe-me apenas ter você!
— Você não?
454
Ela levantou os olhos até os dele, e em seu olhar Gabriel viu
amor. O que a fazia se castigar daquela maneira? Lilith tomou sua mão
e a afastou do rosto, mas não a soltou como ele pensou que faria. Em
vez disso, agarrou-se a ela, apertando tão forte que ameaçou lhe cortar
o fluxo sanguíneo.
— Não posso. Por mais que o queira, não posso permitir que
faça isso por mim.
— Não.
455
mas lhe rodeou o pescoço com a outra e, sem mais pressão que uma
suave carícia, impediu que escapasse. Gabriel viu convicção em seus
olhos. E isso lhe deu vontade de sacudi-la.
— Como é?
456
— Quero o nome do navio.
— Não.
457
— Não pode me amar e falar que vai me abandonar, Lilith.
Ou fica comigo ou dizemos adeus, não vou passar o resto da vida
desejando a mulher que não posso ter.
— E se não...?
458
lágrimas que com tanto esforço tentara sufocar enquanto Gabriel
estivera ali, negaram-se a sair. Sentia-se aturdida, completamente
vazia. Daquela vez conseguira resistir, mas como encontraria forças
para enfrentá-lo novamente quando ele retornasse? Não queria brigar
mais com ele.
459
Lilith se aprumou com esforço até sentar-se, e logo se
afastou da cama, obrigando as pernas cansadas a levá-la até a mala.
Era de couro macio e flexível, e suas mãos tiraram sem dificuldade a
correia da pesada fivela de ouro. Abriu-a e colocou a mão. Utensílios de
barbear, duas camisas, um par de calças, meias, gravatas, roupa de
baixo. Estava claro que Gabriel pensava em ficar mais que um dia ou
dois.
460
Ah, Deus. Gabriel queria casar-se com ela.
461
Lilith irrompeu no quarto. Sentado a beira da cama, Latimer
se levantava com ar confuso. Ao vê-la, murmurou:
462
avançavam para o veludo das cortinas. Mesmo se apagassem o fogo
antes que se alastrasse mais, seus aposentos estavam perdidos.
— Estou aqui!
463
— Estive na ala das damas para me assegurar que não havia
ninguém mais lá.
464
de tijolos, o exterior não arderia facilmente, mas um dos edifícios ao
lado era de madeira e queimaria como o inferno.
465
Na parte de cima a fumaça se adensava rapidamente e a
temperatura era mais alta. O fogo se propagara depressa. Seu quarto
ardia quase por inteiro, mas por sorte as chamas se limitavam as
paredes da janela, onde havia mais objetos inflamáveis. Entretanto,
quando entrou, com os olhos ardendo pela fumaça, o fogo avançou para
ela. Uma faísca saltou em sua manga esquerda, e imediatamente
consumiu o tecido e lhe queimou o braço. Lilith deu um grito e apagou
a chama a tapas.
A visão já estava turva. Por isso não viu o homem que subia
a escada até quase estar em cima dela. Então o ar fugiu de seus
pulmões, e o coração lhe gelou no peito. Era Bronson que, sorrindo e
apesar do fragor do incêndio, gritou:
466
Lilith caiu pelos degraus, um choque atroz a fez gritar em
meio ao negrume ardente e acre.
Depois, o nada.
467
Gabriel não tinha chegado além do
White's, na St. James's Street. Dois copos de bourbon, bebidos
lentamente, ajudaram-no a acalmar os nervos e a ver as coisas com
perspectiva.
468
por ar, e o coração lhe pulsava na garganta. Não devia tê-la deixado
sozinha. Nem sequer cogitou que o incêndio fosse um acidente. Seria
muita coincidência que, dois dias depois de Latimer ser atacado, o
clube fosse incendiado, principalmente depois de irem à polícia. Estava
claro que Bronson ordenara que os seguissem, e essa fora sua forma de
vingar-se. Se Lilith estivesse ferida, Bronson acabaria na forca. Gabriel
se ocuparia pessoalmente para que assim fosse.
469
Mary negou com a cabeça. Estava tão nervosa que não
pensava com clareza.
— Foi ao quarto?
470
aos tropeços o corredor. Ao chegar à escada se ajoelhou. Ali havia
menos fumaça, o que facilitava a visibilidade e a respiração.
471
— Sim, Sua Senhoria.
472
O médico encontrara Gabriel sentado junto à cama onde
repousava Lilith, acariciava-lhe a testa com um pano molhado e
segurava a mão dela como se fosse, de uma hora para outra,
desaparecer. Gabriel mandara chamar seu próprio médico, Randall
Croft, um dos melhores da cidade. Após se cumprimentarem, este
perguntou:
— O que houve?
— Espero que tenha tido um bom motivo para fazer algo tão
estúpido.
— Onde a encontrou?
473
Croft pousou o olhar no rosto machucado de Lilith.
— Como assim?
474
— Lady Lilith. - Gabriel o corrigiu sem pensar. — É uma
dama da nobreza. Por que pergunta?
Croft foi até uma mesinha, perto da porta, onde havia uma
bacia, lavou as mãos e as secou em uma pequena toalha que deixou
pendurada na parte de cima do móvel.
Gabriel abriu a boca, mas não saiu nenhum som. Foi como
se estivesse perdido. Olhou o ventre de Lilith.
Não. Não podia e não iria fazê-lo. A última vez que a deixara,
ela quase morreu. Não a deixaria outra vez.
— Sei que não quer, meu senhor. Mas creio que se a senhora
souber disso, não achará apropriado. Entendo como se sente, mas não
há opção. Meu trabalho é realizar uma avaliação completa da saúde de
Lady Lilith. O seu, é esperar lá fora, no corredor, e dar voltas.
475
Gabriel olhou o médico, procurando algum indício de
falsidade em seu aspecto ou gestos. Não o encontrou, assim, a contra
gosto, assentiu com a cabeça.
A culpa era dele por Lilith estar ferida, e o clube ter sido
destruído. Pelos bombeiros soubera que o incêndio, já controlado,
destruíra a maior parte do interior no piso superior e a ala dos
cavalheiros do clube estavam completamente perdidos. Bens materiais
não importavam, comparado ao que podia ter perdido. Não devia tê-la
obrigado a ir a Bow Street. Ou, ao menos, deveria ter tomado mais
cuidado. Sabia que Bronson talvez os mantivesse sob vigilância e os
mandaria seguir, mas subestimou o homem, esse fora seu primeiro
grande engano. O segundo foi deixá-la sozinha. Independente do quanto
estivesse ofendido e zangado, sabia que ela estava em perigo. Mas não
raciocinou. Só pensou em si mesmo.
476
soubesse o quão fraco seu pai era na realidade. Em seguida tentou usá-
la como exemplo em sua insensata empreitada de acabar com o jogo. E
por último, deixou-a sozinha para que um louco atentasse contra sua
vida e destruísse seu meio de vida. E Lilith ainda acreditava que não o
merecia. Engasgou-se com uma risada amarga. Meu Deus! Era ele
quem não a merecia. Ali mesmo, naquele momento, Gabriel fez uma
promessa: assim que ela despertasse, se viesse a suportar sua
presença, passaria o resto da vida compensando-a. Se ela o permitisse.
— Gabe.
477
— Como se fôssemos deixá-lo passar por um momento como
este sozinho. - Murmurou Brave.
— Graças a Deus.
478
— Obrigado, Rachel. Estou bem. Não sei bem se vou
precisar. Depende se ela me achar digno de falar comigo.
— Que tolice.
Ele abriu a boca para lhe explicar por que se sentia assim,
mas naquele instante a porta do quarto se abriu e saiu Croft. Gabriel se
adiantou, seguido dos amigos, e perguntou:
Croft sorriu.
479
— Não há nada para se preocupar.
480
carvalho e as pesadas cortinas de veludo azul escuro. O cômodo
transmitia uma estranha calma misturada a uma tranquila presença
masculina. Tão próprio de Gabriel. Voltou a cabeça para a direita.
Sentado junto à cama, em uma poltrona, havia um anjo olhando-a.
— Olá. - Grasnou.
— Por quê?
481
— Por sair daquele jeito, Deus, eu a deixei a mercê do
desgraçado. Se estivesse com você, isto jamais teria acontecido.
— Não, mas se não tivesse saído, você não teria motivo para
voltar a entrar no clube por esse estúpido anel. Teria ido eu mesmo.
482
— Sabe, devo confessar. Você tinha razão. - Declarou ela,
mudando de assunto.
— Sobre o quê?
483
o fazia sofrer. Ela também sofria, mas o amava demais para arrastá-lo
ao inferno com ela. E não permitiria que ele se tornasse um alvo para
Bronson. Estava claro que o último ataque fora uma represália pela
visita que fizera a Bow Street. Ao atentar contra a carruagem de Gabriel
e atear fogo no clube de Lilith, o homem se arriscara a sofrer uma
provável vingança de um par do reino. Devia ter várias precauções para
apagar o rastro que relacionasse aquelas ações com ele. Não, já era
hora de se render, que Bronson ficasse com a vitória. Era mais seguro
assim.
484
Se o surpreendeu o pedido, não demonstrou. De fato,
pareceu estranhamente encantado. Pegou um livro que estava no criado
mudo e a avisou:
— É um de meus preferidos.
— Então...
485
486
— É verdade?
Na verdade, falar com ele era última coisa que queria. Uma
boa surra era o que ele tinha em mente, nada de conversa. Até agora a
polícia não tinha tomado nenhuma medida. Gabriel não sabia o que
esperavam, mas começava a se cansar de esperar.
— Não sei por que Mary lhe contou algo tão insípido. -
Respondeu com calma.
487
Só estava em sua casa há dois dias, e Mary já se colocou a par de seus
assuntos.
— Então é verdade.
488
tombasse sobre a mesa e a fizesse minha agora mesmo, o resultado
seria o mesmo.
— Diga-me você.
— Mas que inferno, eu sei que ele tentará matá-lo, por favor.
489
Ela teria sentido o ardor em seus olhos? O pulsar de sua
veia em sua garganta?
490
errados, não é, Lilith? Se ninguém esperar nada de você, não precisa
mostrar seu valor.
Gabriel se endireitou.
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Ela o chamou, mas ele não olhou para trás. Qualquer coisa
que dissesse, ela sempre teria algo a objetar. Por quê? Por que se
indispor contra ele quando os dois queriam ficar juntos? Por que tinha
tanto medo de ficar ao lado dele? Pensaria que não aguentaria a
maledicência? Considerava-se uma párea na sociedade? E toda aquela
estupidez sobre ele sacrificar seus princípios e crenças. Que tolice! De
uma coisa estava certo: seria necessário mais que palavras para
convencê-la. Rachel tinha razão. Pois bem, se era ação o que a
convenceria, teria ação. Assim que acabasse com Bronson, procuraria
Rachel e lhe pediria ajuda para provar a Lilith até onde estava disposto
a chegar para mantê-la a seu lado.
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Sua carruagem o esperava quando desceu os degraus.
Fez um gesto afirmativo ao lacaio que lhe deu bom dia e lhe
abriu a portinhola, e a seguir subiu na carruagem. Ao ver o que, ou
melhor quem, já estava dentro, lhe escapou uma gargalhada.
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— E não vamos permitir que enfrente sozinho um pugilista
profissional da pior fama. - Acrescentou Julian. — Pense no que quer
homem!
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— Sim.
— Ficou contrariada?
— Claro.
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informado de algumas delas. Com voz grave, com um grunhido, Gabriel
perguntou:
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— O desgraçado está em seu escritório. Na última porta a
esquerda e sigam por lá até o final. A porta da direita.
Gabriel assentiu.
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Gabriel apertou os dentes e manteve o controle. Acidente
terrível? O maldito desgraçado sabia muito bem que não fora um
acidente.
— Eu acredito nela.
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— Sem querer ofender, Angelwood, todos sabem que você se
meteu entre suas saias muitas vezes. Está tão atolado entre suas
pernas que está pensando só com suas bolas, meu amigo. Você acredita
em tudo o que ela diz quando se mete dentro dela.
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mas se juntarão a mim mais cedo ou mais tarde. Acha que poderá nos
enfrentar?
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Pela primeira vez desde que chegaram, Bronson perdeu algo
de sua fanfarronice.
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Londres. Teria que reunir os pertences que se salvaram do incêndio e
decidir para onde ir.
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— Bem. - Comentou a amiga com alegria fingida. — Se
soubesse que encontraria esta recepção, teria ficado lá embaixo mesmo.
Lilith não sabia de outra coisa que fizesse sua amiga ficar
tão alegre, isso ou uma visita do reverendo Geoffrey Sweet. O bom
reverendo “as visitara” muitas vezes após o incêndio, só para ver Mary,
certamente. Mas também lhe tinha enviado lembranças e desejos de
recuperação, além de uma cesta de frutas, maçãs em sua maioria. A
referência bíblica não escapou a Lilith. O clérigo tinha senso de humor.
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O rubor de Mary se intensificou.
— Melhor, ainda.
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Lilith a olhou boquiaberta. Era muito bom para ser verdade.
Um verdadeiro milagre!
— Ilegal?
Mary sorriu.
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— A sociedade nunca me aceitará como uma Condessa,
Mary. Todos me desprezam.
— De quem vieram?
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da marquesa. À medida que abria um convite após o outro, sentiu uma
estranha e crescente mistura de surpresa e desconforto. Por que
recebera os convites dessas mulheres? Lady Pulôver a convidava a uma
festa em seus jardins, pelo amor de Deus! Um dos baluartes da nobreza
a convidava para uma festa em seus jardins!
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nada, não seria aceita realmente por eles. Mas o amou por tentar dar-
lhe um lugar entre eles.
— Claro.
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— Perdão Lady Lilith, mas tem visita.
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— Antes de visitá-la, quis ter certeza de que estava bem para
receber visitas. Como se sente, querida?
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Sua amiga pegou as cartas e as examinou cuidadosamente.
Depois olhou Lilith com uma expressão de divertida confusão.
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O aborrecimento tornou-se tristeza ao ver Rachel continuar
a rir. Claro que achava engraçado. Ela não sabia o que essa gente
murmurava as suas costas. Ela era uma Condessa.
— Que rumores?
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pai, ele não se sentia digno de você e se obrigou a deixá-la livre para
encontrar alguém melhor que ele.
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vida, casar com você. - Levantou os convites. — Isto aqui é só a ponta
do iceberg: todos desejam que isso aconteça.
514
Era mais de meio-dia quando Gabriel
chegou em casa. Tinha passado a manhã toda se certificando de que as
histórias sobre Lilith e ele se espalhavam como o esperado em toda a
cidade, e de vez em quando, respondendo com habilidade algumas
perguntas, às vezes indiscretas, sobre seu pai. No meio da manhã
procurara Duncan Reed e a polícia para confirmar se Bronson
embarcara rumo à Nova Escócia. Era um dos navios do Seraph, e
Gabriel enviara um recado a Garnet para que vigiasse o antigo
proprietário do Hazards com cuidado.
— Obrigado, Robinson.
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mordomo sobre ele, de maneira que se obrigou a subir a escada como
sempre, embora no fundo desejava subir correndo como um louco.
— Entre.
Gabriel sorriu.
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"Ai, Deus."
— Que rumores?
— É mesmo?
— Sim...
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— Sim...
— Sim.
Lilith suspirou.
— Conte-me você.
— Amo tanto você que chego a sentir dor. Amo tanto que vou
precisar de pelo menos os próximos cinquenta anos para provar-lhe o
quão profundo é o amor que sinto por você.
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Lilith não respondeu. Limitou a se inclinar para a frente,
esmagando a maciez de seus seios contra a parede firme do peito dele, e
pousou sua boca, doce e arqueada, sobre a dele. Todos os nervos de seu
corpo deram um salto. Não era mais que uma união de lábios, e
entretanto, para ele era a forma mais profunda e intensa de uma união
que parecia eterna, tanto que a carne dura e palpitante que tinha entre
as pernas desejou afundar-se em Lilith. Só com ela experimentara essa
necessidade tão arrasadora e insaciável. Seria esta a forma de dizer-lhe
que aceitava? Não o dissera ainda, mas o toque de suas mãos e seu
sabor eram mais que qualquer palavra. Sentiu no peito um júbilo e uma
alegria sem limites. Entregava-se a ele. Não só o corpo, mas também o
coração e alma. Maldição se isso não fosse um "sim".
Gabriel deslizou as mãos pela musselina fina que cobria as
costas dela até em cima, onde começava a fileira dos pequenos botões,
até sob a nuca. Um por um, seus dedos foram abrindo-os até que todo o
decote não era mais que um amontoado de tecido seguro por seus
ombros. Interrompeu o beijo e sussurrou:
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a curva de seus seios e lhe estreitava a cintura. Gabriel passou a palma
da mão por cima da peça acetinada até chegar ao coração onde sentiu o
tamborilar acelerado, e fechou os dedos sobre o seio exuberante. Ao lhe
tirar o vestido, ela baixara os braços, e agora levantou a mão e a
colocou no peito dele e acima do coração.
— Toque-me primeiro.
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enquanto seu olhar voltava a Lilith. Esta passou as mãos ansiosa pelos
pêlos escuros de seu peito, foi descendo pelas costelas e deixou para
trás a cintura para agarrar sua ereção através da lã macia de suas
calças. Era uma sensação magnífica, realmente magnífica. Os quadris
de Gabriel se flexionaram e empurraram contra sua palma, mas de
repente, ela deixou cair a mão e levantou os olhos para ele com um
sorriso malicioso.
— Toque-me.
— Levante os braços.
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— Não acho. - Deixou cair as calças no chão. Arrancou as
botas, e de um puxão, a roupa de baixo e as meias.
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Mordiscou-lhe o pescoço e as orelhas, e com a boca lhe
deixou uma trilha ardente por todo o peito à medida que foi se
abaixando. Sua língua úmida e quente chegou-lhe ao umbigo e o fez
ofegar. Em seguida desceu mais ainda, com os lábios aveludados
acariciou a cabeça de seu membro, até ter toda sua longitude a mercê
de sua boca e de sua língua. Acariciou-o, lambeu e o chupou, até quase
explodir de prazer no fundo de sua garganta. Assim que ela percebeu
seu orgasmo próximo, ela o largou e o ar fresco golpeou a carne
ansiosa. Depois Lilith subiu sobre o corpo dele, passando seus mamilos
por sua carne trêmula e lhe pressionando a coxa com o vértice úmido
entre suas pernas.
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tornaram intermináveis gemidos. Então ficou rígida, suas coxas
empurraram forte as mãos de Gabriel, e seus quadris se arquearam
contra sua boca. Gritou enquanto seus músculos tremiam debaixo dele,
e ao fim se deixou cair de novo no colchão, ofegante.
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um vazio onde nada existia, exceto Gabriel e a doce e palpitante fricção
de seus corpos. Esse algo a sacudiu e a percorreu em ondas, e Lilith
deixou que se apropriasse dela enquanto um grito inarticulado lhe
escapava da garganta. Segundos depois ouviu Gabriel gritar, ficando
rígido em cima dela e logo, notou a cama tremer quando ele deixou cair
todo seu peso sobre os antebraços, de cada lado de sua cabeça. Depois
lhe enterrou a rosto no oco de seu pescoço e ficou em silêncio.
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entendia por "ruína". Ele deve ter visto o susto em sua expressão,
porque levantou a outra mão, tomou-lhe o rosto e a olhou intensamente
nos olhos.
— Ah.
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— Quem está tremendo agora, hein? - Gabriel brincou
enquanto tomava sua mão na dele, muito maior. Manteve-a firme e
deslizou o anel no dedo, perfeito, como há dez anos atrás.
— Maravilhoso.
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A sociedade em peso queria que se celebrasse o casamento
em uma grande cerimônia, queriam ver Gabriel Warren, o oitavo Conde
de Angelwood, tomando por legítima esposa a famosa Lady Lilith
Mallory.
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— Fique junto de Brave e Rachel. - Sugeriu. — De lá se vê
melhor a entrada.
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Brave e Rachel até o casamento, Gabriel sentira muita saudade dela e
por isso estava bem afoito.
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— Está tão linda, minha querida esposa. - Murmurou ele
com um sorriso tão descaradamente sensual que lhe fez encolher os
dedos dos pés.
— Onde estamos?
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embora seu estado estivesse sujo de fuligem, a fachada de pedra
rachada em vários lugares, e as janelas, cobertas de imundície.
Entretanto, Lilith não o achou irrecuperável. De fato, com um pouco de
trabalho, aquele lugar voltaria a parecer encantador.
— O Éden?
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Gabriel assentiu.
— Venha aqui.
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imaginara. Entretanto, tinha possibilidades. Ah, como reergueria aquele
desastre! E durante uma fração de segundo, pensou em fazê-lo.
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— Lil, quero que este seja nosso clube. Quero que O Éden
seja a união de nossos sonhos. Faremos dele um exemplo. Será um
clube em que pessoas como meu pai se divertirão sem correr o risco de
perder toda sua fortuna. Quando o Parlamento perceber os benefícios
de regras mais restritivas, não terão escolha além de promulgá-las como
lei.
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Todo seu corpo despertou a mera sugestão.
— Que falem.
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— Não se importa?
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Então seus dedos se enlaçaram com os da esposa. Lilith
tinha razão. Era inveja.
Que falassem.
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