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Já o ensino de instrumento de cordas friccionadas (violino, viola, violoncelo e

contrabaixo), como retrata Queiroz (2006) e Ray (2006), é pouco utilizado devido a
motivos econômicos, pois os instrumentos possuem um alto custo tanto para aquisição
quanto para manutenção, muito embora o ensino coletivo de cordas torne-se uma proposta
viável para a disseminação da prática do ensino de instrumentos de arco no Brasil.
Visto isso, de acordo com Cruvinel (2004), o ECIM começa a conquistar seu
espaço dentro da educação musical no Brasil, dentro dos diversos setores da educação,
sejam universidades, escolas de educação básica, projetos, ONGs, ou até mesmo
conservatórios, sendo utilizados vários métodos de teor coletivo, tais como: o projeto
Guri, o método Jaffé (o qual vou me ater nesse trabalho), o método Suzuki, Oficina de
Cordas - EMAC – UFG - e em vários outros campos experimentais sob a orientação de
grandes estudiosos no tema.

1.1 Aspectos metodológicos do ECIM

Com as mudanças no âmbito da Educação Musical, o Ensino Coletivo de


Instrumento Musical vem sendo cada vez mais difundido, exigindo dos profissionais
novas posturas metodológicas. “A prática pedagógica do Ensino de Instrumento em
Grupo traz, no bojo dos sentidos que a sustenta, orientações que nos levam a investigar e
a buscar compreender tanto a objetividade quanto a subjetividade subentendidas no ato”.
(GONÇALVES, 2006, s.p). No que tange a essa orientação dentro do espaço educacional,
seja ele primeiro, segundo ou terceiro setor, devemos nos preocupar com o conteúdo, com
o modo e com o direcionamento musical que estamos dando nas aulas ministradas. Penna
(2011, p.14) nos coloca uma reflexão baseada em dois tópicos:
1- O que - “dá forma a determinado conteúdo”
2- Como - “diz respeito à didática, ao encaminhamento pedagógico, ao método,
às abordagens metodológicas, à metodologia”.
Sendo assim, a autora ainda cita Shulman, que afirma que “esses dois aspectos das
capacidades do professor requerem a mesma atenção, pois o mero conhecimento do
conteúdo é tão inútil pedagogicamente quanto às habilidades (para ensinar) sem
conteúdo.” (SHULMAN apud PENNA, 2011, p.14)
Visto isso, pode-se perceber a importância do profissional com formação
consistente e com direcionamento na área de atuação, haja vista a necessidade de um
educador musical diferenciado para se trabalhar com o ECIM, cabendo as Instituições
de Ensino Superior - IES - essa formação e capacitação.
[...] as atitudes e diretrizes pedagógicas do professor que atua no ensino
coletivo de instrumentos são diferenciadas, o professor tem que conseguir
a atenção constante dos alunos, portar-se como regente e professor, manter
os alunos estimulados, manter o aspecto lúdico da aula a maior parte do
tempo, entre outras habilidades diferenciadas do professor de ensino
instrumental individual. (GALINDO apud QUEIROZ; RAY, 2006, s.p)

Para corroborar a afirmação de Galindo, podemos citar:

Para ensinar instrumentos em classes de escola regular, o mercado exige


além de uma música professor com competência no instrumento, uma
pessoa com domínio da técnica do ensino coletivo para grandes grupos.
Quais os cursos de formação superior preparam este profissional? As
antigas licenciaturas? Os antigos bacharelados? Nas reformas curriculares
que estão sendo realizadas, por exigência legal, e que atendam para este
aspecto, este perfil ainda levará alguns anos para consolidar-se.
(TOURINHO, 2004, s.p)

Também podemos perceber a importância do educador na feliz colocação do


pedagogo Paulo Freire, citado por Barbosa (2006), que fala: “uma das abordagens de
ensino que fazem com que os integrantes de um grupo não aprendam em grupo,
coletivamente, como uma equipe, um time, é definida por Freire como educação
‘bancária’, em contraposição a sua educação ‘libertadora’”. (FREIRE apud BARBOSA,
2006, s.p)
Para um breve entendimento, a educação “bancária”, colocada por Paulo Freire,
nada mais é do que uma aula expositiva, onde um professor exercita determinado
conhecimento preparando a aula e depois narra sobre esse objeto cognoscente, e os alunos
buscam apenas memorizar sua narração, ou seja, eles não desenvolvem um conhecimento
significativo, já a educação “libertadora” os alunos participam da construção do saber,
questionando, investigando e deduzindo o conhecimento juntamente com o educador,
como retrata Barbosa (2006). Levando-nos então a concluir que a educação “libertadora”
poderia ser considerada também uma metodologia ativa, em contraposição à educação
“bancária”.
[...] a educação libertadora, problematizadora, já não pode ser o ato de
depositar, ou narrar, ou de transferir, ou de transmitir ‘conhecimentos’ e
valores aos educandos, meros pacientes, à maneira da educação ‘bancária’,
mas um ato cognoscente. Como situação gnosiológica, em que o objeto
cognoscível, em lugar de ser o término do ato cognoscente de um sujeito,
é o mediatizador de sujeitos cognoscentes, educador, de um lado,
educandos, de outro, a educação problematizadora coloca, desde logo, a
exigência da superação da contradição educador-educandos. Sem esta, não
é possível a relação dialógica, indispensável à cognoscibilidade dos
sujeitos cognoscentes, em torno do mesmo objeto cognoscível. (FREIRE
apud BARBOSA, 2006, s.p)
Esmiuçando um pouco mais a ideia do “que” e “como” se trabalhar em sala de
aula, acredito que estes dois pontos fundamentais serão questionamentos mutáveis de
acordo com algumas variáveis, tais como público alvo e contexto social, basicamente,
para que tenhamos uma atuação eficaz, como afirma Cruvinel (2004).
Para que aconteça essa flexibilização, deve haver por parte do pedagogo musical
uma bagagem vasta de conhecimento, onde ele consiga de forma madura caminhar por
vários dutos que irão se abrindo à medida que ele for satisfazendo as reais necessidades
daquele determinado organismo onde ele se encontra.
Para se dedicar a qualquer modalidade de ensino, é necessário que o
professor detenha, sobre a matéria, o maior número de conhecimento
teórico possível, São as armas de que dispomos para tirar dúvidas e
satisfazer as necessidades de aprendizagem dos alunos. São os
conhecimentos acumulados que fazem o professor enfrentar desafios e
adaptar, para sua realidade, o contexto metodológico adotado.
(GONÇALVES, 2006, s.p)

Partindo para os aspectos metodológicos, especificamente, vamos observar


através de Cruvinel (2005; 2009) alguns elementos e/ou conceitos os quais corroboram
para que o ensino coletivo de instrumento musical se torne mais eficiente, que valem a
pena serem relembrados neste trabalho.
São eles:
1) Ensino coletivo homogêneo e heterogêneo: onde a homogeneidade seria
trabalhada em um grupo de pessoas que dispusessem da prática musical em
um mesmo instrumento e a heterogeneidade seria trabalhada com pessoas que
tocassem instrumentos diferentes. Nesse caso, seria papel fundamental do
facilitador a análise e a aplicação do estudo técnico e arranjos musicais de
acordo com os pontos convergentes entre esses diversos instrumentos
musicais.
2) Professor-regente e professor-assistente: como podemos perceber o termo
professor-regente é autoexplicativo, devendo este se portar de tal maneira
desde a primeira aula e ocupando também uma posição central. De acordo
com a quantidade de alunos (mais de 15 alunos) torna-se necessário a presença
de um segundo educador, que seria o professor-assistente, onde sua função
seria observar e auxiliar os alunos de maneira mais próxima, utilizando um
recurso metodológico denominado assistência manual.
3) Estudo dirigido: seria o desenvolver da aula, momento em que o professor
colocaria os conhecimentos passo a passo, onde o processo de
ensino/aprendizagem se daria de forma coletiva.
4) Assistência manual: já citado anteriormente, é um recurso metodológico que
busca auxiliar os alunos através do toque ou demonstração, valendo lembrar
que essa denominação era utilizada pelo professor Alberto Jaffé.
5) Linguagem verbal direta: A utilização de uma linguagem coesa e objetiva,
não proporcionando espaço para aprofundamentos teóricos naquele momento.
Os professores devem servir-se de comandos e da imaginação
contextualizada.
6) Repetição constante dos exercícios e trechos musicais: para que o professor
consiga criar no aluno o estímulo, e que consiga tornar a sua aula produtiva;
ele deve focar na prática musical, devendo também ir adicionando elementos
novos a cada aula. Podemos perceber de igual modo a ênfase na prática no
método Suzuki.
O homem é governado pela força da vida. A alma viva, com seu desejo de
sobrevivência, demonstra grande poder de adaptação ao seu ambiente. A
força da vida humana, vendo e sentindo o meio ambiente, forma e
desenvolve novas faculdades. Essas faculdades com novos treinos
constantes vencem as dificuldades e se transformam em relevantes
habilidades. Essa é a relação entre o ser humano e a habilidade. [...] A
habilidade se desdobra com a prática. Uma pessoa inativa não desenvolve
habilidades. (SUZUKI, 2008, p. 30)

E de forma poética e sensível o autor nos ensina com a seguinte afirmativa:


Uma semente enterrada no solo não aparece, mas água, calor, luz e sombra
agem como estímulos diários. Pouco a pouco, acontece uma transformação
invisível até que um broto aparece aos nossos olhos. [...] Quando o broto
alcança a luz do sol, passa a crescer mais rapidamente. [...] O início de
qualquer aprendizado é vagaroso, até que o ‘broto da capacidade’ se
estabeleça. (SUZUKI, 2008, p.13)

7) Utilização de solfejo: utiliza-se o solfejo anteriormente a prática instrumental.


Primeiramente os alunos leem e solfejam o trecho musical e depois eles
transferem para seus respectivos instrumentos.
8) Atenção com a postura: os professores devem explicar e/ou demonstrar qual
a melhor postura para o exercício do fazer musical no instrumento e trabalhar
o despertar da consciência corporal em cada indivíduo.
O sistema Dalcroze parte do ser humano e do movimento corporal estático
ou em deslocamento, para chegar à compreensão, fruição, conscientização
e expressão musicais. A música não é um objeto externo, mas pertence, ao
mesmo tempo, ao fora e ao dentro do corpo. (FONTERRADA, 2008,
p.132)

9) Escolha do repertório: introduzir novas melodias sempre que possível para


que dessa forma possa ampliar o repertório dos alunos. Outra consideração
importante é a respeito do processo pedagógico, tanto no ensino homogêneo
quanto no heterogêneo pode-se implementar músicas a três ou quatro vozes.
“Em sala de aula, o mestre é um artista que cria, improvisa, utiliza as cores em
todas as tonalidades e se desdobra como um malabarista para despertar, no
aluno, o interesse e a motivação indispensáveis ao aprendizado”.
(GONÇALVES, 2006, s.p)

Anteriormente já discutimos a necessidade da capacitação e formação do


professor, neste sentido precisamos também discutir o perfil do profissional atuante na
área do ensino coletivo de instrumento, pois se a formação do educador tem algumas
especificidades, consequentemente surgirá um outro perfil profissional. Como enfatiza
Cruvinel (2009) colocando que os perfis dos professores de ensino individual e de ensino
coletivo são diferentes.
Desta forma, o educador musical deve fazer o uso de alguns elementos em seu
exercício pedagógico. Dar ênfase na prática e manter uma linguagem direta e ter também
algumas qualidades especiais como carisma, habilidade verbal e o timing - que é uma
expressão utilizada no ECIM pelo professor Alberto Jaffé, que significa a administração
correta do tempo para determinadas ações - como observa Cruvinel (2005; 2009). Outra
situação relevante é a figura do professor-regente como mediador e não como detentor
único do saber. “O educando deve formar o conhecimento e não ser informado sobre ele”.
(BARBOSA, 2006, s.p). “O papel do professor como provedor ou fonte única do
conhecimento, a partir do modelo de aula individual, passa para o papel de consultor,
facilitador e líder democrático, nos moldes da aula coletiva”. (CRUVINEL, 2005, s.p)
Com essa descentralização da figura do professor tornando-o um
facilitador/condutor, o aluno vai passar de uma postura passiva para uma postura ativa no
que diz respeito à absorção de conhecimentos, apresentando reflexão, criatividade,
iniciativa e independência do aprendizado, através da descoberta como benefícios no seu
próprio desenvolvimento.
De acordo com Cruvinel (2009), o professor-regente deve não só concentrar sua
atenção em todos os integrantes, como também conseguir a atenção constante dos
mesmos e se portar com todos igualmente, independente do instrumento ou lugar que
esteja sentado. A autora ainda coloca que o facilitador deve buscar valorizar ou adequar
as características de cada participante ao restante da sala, em prol da “personalidade” do
grupo. O facilitador deve “manter o aspecto lúdico presente na maior parte do tempo
possível [...]”. (CRUVINEL, 2005, s.p), todavia deve-se começar a trabalhar conceitos
musicais o mais cedo possível tentando desenvolver a sensibilidade musical de cada ser,
iniciando com alguns exercícios mais simples.
O professor deve agir de forma a proporcionar ao indivíduo a expressão
musical livre, não se preocupando a princípio com técnica e/ou teoria, mas
sim com a adaptação e receptividade do aluno, evitando, desta forma, os
bloqueios inerentes ao ser humano (medo, receio, imperfeição, ansiedade e
outros). (WEIGEL, apud CRUVINEL; LEÃO; ORTINS, 1988; 2004, s.p)

No que tange à estrutura da aula é valioso considerar que a carga horária semanal
ideal seria de no mínimo 3 horas, divididas em duas aulas de 1h e 30 minutos.
(GALINDO, 2000 apud CUVINEL, 2005). Já Oliveira (1998), também citado por
Cruvinel (2005) afirma que a carga horária ideal é a de 3 aulas por semana, sendo cada
aula com duração de 2 horas.
Em relação à duração do ensino coletivo de instrumento, alguns autores defendem
a ideia de que o ECIM é uma metodologia utilizada apenas no estudo inicial do
instrumento, e por conta disso colocam a duração de três a quatro semestres.
Cruvinel (2009) divide a aula basicamente em quatro etapas: a primeira é chamada
pela autora como “momento inicial”, quando é feita a organização do espaço onde haverá
a aula, organização das cadeiras, afinação dos instrumentos e ambientação dos alunos.
Depois passamos para a segunda etapa, a qual é chamada pela autora de “momento
revisão”, nessa etapa é feita toda a revisão do conteúdo trabalhado nas aulas anteriores.
Passamos então para nossa terceira etapa, denominada de “momento de conteúdo novo”,
um momento onde serão introduzidos novos conteúdos, valendo ressaltar que deve ser
implementado um conteúdo técnico ou um elemento teórico de cada vez. A quarta e
última etapa é o “momento finalizador”, como o próprio já o diz é um momento de
encerramento, onde serão antecipados os conteúdos que serão vistos na aula seguinte
como uma forma de estímulo, gerando também uma conscientização acerca da
assiduidade, pontualidade e participação. Com a necessidade de aprofundar e trabalhar
mais os conhecimentos já adquiridos, para que os alunos possam fixar cada vez mais o
conteúdo, é importante dar um novo enfoque, concretizando cada vez mais o
conhecimento de maneiras diferenciadas. Nesse caso a junção do “momento de revisão”
com o “momento de conteúdo novo” dão lugar ao “momento de fixação e
amadurecimento”. A autora ainda cita uma outra parte da aula chamada de “momento de
relaxamento”, onde será trabalhada a consciência corporal a sensibilização e o
autoconhecimento. Tal preocupação existe tanto no ECIM quanto nas metodologias
ativas, onde o corpo e a música juntos formam um só elemento, onde um complementa o
outro, onde um contribui com o outro. Podemos perceber essa importância na
metodologia do pedagogo Émile-Jaques Dalcroze, que defendia veemente a
conscientização corporal.
O corpo expressa a música, mas também transforma-se em ouvido,
transmutando-se na própria música. No momento em que isso ocorre,
música e movimento deixam de ser entidades diversas e separadas,
passando a constituir, em sua integração com o homem, uma unidade. Esse
é o modo pelo qual Dalcroze supera o dualismo em sua busca pelo todo. Se
recordarmos que a música, na concepção romântica, era considerada a mais
espiritual das artes, porque desencarnada, puro espírito, podemos
compreender que a aspiração à unicidade, para Dalcroze, teria que fazer
proceder a sua encarnação, ligando as entidades separadas - corpo e
espírito, ou ‘corpo e música’. (FONTERRADA, 2008, p. 133)

Para concluir a estrutura da aula, Cruvinel coloca uma última possível etapa que
é o “momento ensaio”, quando é realizado os ensaios para os recitais finais, obviamente
com foco no repertório produzido durante o semestre.

1.2 Benefícios do ECIM: vantagens sociais e pedagógicas

É sabido que o ECIM vem proporcionando desde seu surgimento benefícios


sociais, culturais e psicológicos. A democratização musical tem sido uma grande
fundamentação para a implementação do ensino coletivo nos vários espaços da sociedade,
haja vista a importância e a valorização que é dada ao homem no que concerne ao social
e ao cultural, valendo ressaltar também que este aspecto seria o ponto de partida para essa
nova concepção metodológica. De acordo com as autoras Cruvinel, Leão e Ortins (2004)
o ensino coletivo tem ganhado espaço por conta da valorização nas relações interpessoais,
socialização, responsabilidade e solidariedade, ou seja, todo aspecto que está diretamente
ligado à formação do ser, sem mencionar as habilidades em comum com o ensino
individual. Cruvinel (2009) aponta outro fator histórico importante onde podemos
constatar a preocupação com o acesso da sociedade à música, é com o período do Canto
Orfeônico, onde através de Villa Lobos houve essa tentativa de socializar o conhecimento

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