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A ANALISE TEMATICA DE TEXTOS: ENTRE 0 INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO E A SEMANTICA TEXTUAL CARLA TEIXEIRA (Centro de Linguistica da Universidade Nova de Lisboa) MaTILDE GoNcALVES (Fundagdo para a Ciéncia e @ Tecnologia! Centro de Linguistica da Universidade Nova de Lisboa) ABSTRACT: This paper's intention is to present Frangois Raster textual semantics ‘and Jean-Paul Bronckert interaciontsm sociodiscursive perspectives: on theme as a linguistic subject. With this mn mind we will show some common epistemological ‘points of view and discuss come inherent notions in both perspectives, reflecting on their applicability. This reflection will be enhanced with an analysis of an adver- tisement text on wine that presents these perspectives proposals. KEYWORDS: Theme; interacionism sociodiscursive; text semantics; advertisement text 1. Introdugao Este estudo baseia-se nos trabalhos sobre a tematica de Jean-Paul Bronckart € de Frangois Rastier. Pertencendo os dois autores a campos distintos - Bronckart situa-se no quadro do interacionismo sociodiscursivo (ISD) e Ras- tier desenvotve 0 seu trabalho no ambito da seméntica textual — pode-se es- tabelecer afinidades entre os diferentes quadros tedricos ‘Num texto de homenagem de Bronckart (2008) a Rastier, que retoma- remos adiante, 0 primeiro descreve a abordagem do homenageado como sendo fundamentalmente histérico-cultural, valorizando a Historia das gera- ges passadas e as suas formas de culturas construidas pelos varios grupos sociais como os fatores predominantes da /munantcayéio. Estes autores parti- Tham, ainda, os seguintes pressupostos a teoria da linguagem humana deve basear-se na observaggo ¢ na des- crigo cuidada das manifestacdes concretas dos seres humanos, Esnudas Linguiscas/Linguistic Studies, 9, Bdigées Colbr/CLUNL, Lisboa, 2014 pp. 186-175 156 Catia Teixeira & Matide Gongalves — a linguagem humana possui uma dimenséo dindmica e historica, uma vez que as linguas, os textos os signos sio transmitidos entre os seres hu- manos ¢ a diversidade dessas mesmas linguas, desses mesmos textos € sig- nos so evidéncias de um pracesso de transmisséo sécio-historica; — a emergéncia ¢ o desenvolvimento da ordem representacional (semid- tica, nas palavras de Bronckart) é essencial para explicar as mudangas que se do na conduta humana ¢ que so produto dos individuos que se organizam em fungo de interesses comuns, desta forma, a ordem representacional é construida pelos produtos dos sujeitos que organizam os valores representa- dos e com significado (“de mons et d envres organisant des valeurs signt- fiantes” Bronckart, 2008: 1); — a componente interpretativa das ciéncias sociais ¢ humanas baseia-se no debate de ideias Subscrevendo os pressupostos enunciados por Bronckart, partilhados também por Rastier, e, motivadas pela dindmica interpretativa das ciéncias sociais ¢ humanas, propomo-nos revisitar alguns dos textos destes autores, atendendo particulammente a questéo da tematica Deste mado, comegaremos por apresentar 0 ISD e aos modelos de and- lise que o distinguem no panorama das ciéncias sociais e humanas, passando, depois, a exposiggo do trabalho desenvolvido por Rastier no Ambito da se- mintica textual ¢ as nodes que consideramos mais relevantes para esta in- vestigacdo, em seguida, refletiremos sobre a aplicabilidade das propostas referidas do ponto de vista do estudo da tematica ¢ da sua transposigao para textos além daqueles inicialmente observadas, tendo por base a andlise de uum texto publiciténio sobre o vinho 2. 0 Interacionismo sociodiscursivo © ISD é um quadra tedrico que congrega varias contribuigdes disciplinares primordialmente da Linguistica, da Sociologia e da Psicologia. De igual modo, também as Ciéncias da Educago tém contribuida com reflexées di- daticas e formativas relevantes para um melhor entendimento sobre os com- portamentos do ser humano em sociedade. Tendo em conta a amplitude do enquadramento, nas proximas linhas, sintetizaremos alguns dos seus pressu- postos teéricos coma intengo de situar 0 enquadramento em termos episte- malogicos e metodologicos O proposito do ISD é estudar as diferentes formas do processo dinamico do agir inunano, dando conta dos varios fenémenos sociais e historicos (te., mentais € comportamentais) patentes nos textos. Neste sentido, o texto é considerada um objeto empirico com uma finalidade, possuindo uma dimen- sdo praxeologica e uma dimenséo linguistica ‘A metodologia utilizada é uma abordagem descendente, a partir da qual se sustenta 0 caréter primordial da nogio de atividace que regula as condutas owas praticas do ser humano, entendidas como ares ou formas construidas A andlce temitica de textos 1ST Estas mesmas ages sSo realizadas com base na capacidade reflexiva do ser hnumano, considerada absolutamente singular e diferenciadora das outras espécies Na linha de Bronckart, que distingue claramente as dimensdes pra- xeoldgica € linguistica (Bronckart, 2008: 43-45), assumiremos que o texto, como materializacdo da apo de linguagem, é também uma forma construida e representa uma ago. E de considerar ainda a existéncia do género, como elemento mediador entre as praticas € 0 texto, que possui uma orientaggo reguladora e prescritora da produgo dos textos. No campo do ISD, o estudo dos textos ¢ conseguido através de dois dispositivos de analise textual construidos dentro deste quadro tedrico € que apresentamos de seguida: a arquitetura textual e os tipos de discurso No que diz respeito @ arquitetura textual, este é um modelo que promo- ve uma abordagem da estrutura intema dos textos e que se divide na infraes- trutura geral do texto propriamente dita, nos mecanismos de textualizagio € nos mecanismos de responsabilizagdo enunciativa, como se padera compro var abaixo (quadro 1) Mecanismos de responsabilizarao enunciativa Vores e/ou pontos de vista com responsabilidade enunclativa Modalizacoes Mecanismos de textualizagio CCoerénciatemética — processos isot6plcos Conexi0 oesia textual Infraestrutura do texto Organizagao temética Onganizacao discursiva (entendida como aartcula;ao des tipos de dscurso que compreende ‘estruturapdo temporal) Organizacio sintitica dostipos de discurso Quadro 1: Os niveis da anqutetura infema dos textos ‘Adaptado a partir de Bronekart (2008: 76-85) Neste texto, pretendemos centrarmo-nos sobre a componente da organi zagdo tematica inserida na inffaestrutura geral do texto, pelo que, apesar de convocados na andlise (4.1), os mecanismos de responsabilizagdo enunciati- vva e os mecanismos de textualizagio ndo sero desenvatvidos 158 Catia Teixeira & Matide Gongalves No que conceme aos tipos de discurso, estes intervém diretamente ao nivel da infiaestrutura geral, sio considerados segmentos infia-ordenados relativamente aos géneros ¢ aos textos, atendendo a conjugagdo da organiza- cdo temporal com a organizagdo atorial (que se refere ao posicionamento enunciativo do syjeito, ou seja, de implicagio ou de autonomia, face ao mo- mento de produgéo textual). A organizagdo temporal ¢ preponderante para definir se 0 sujeito se encontra em disjungo ou em conjungdo com a situa- cdo da enunciacdo, contribuindo para definigo de quatro “mundos discursi- vos": se 0 sujeito se encontrar em conjungéo com o presente, os tipos de discurso que pertencem a ordem do expor sfo 0 discurso interativo eo dis- curso teérico, enquanto se 0 sujeito se encontrar em disjunpdo relativamente ao presente, a ordem do narrar seleciona os mundos discursivos relato intera- tivo e narragdo (quadro 2) Orpmiago ‘tort Quad 2: Os tpos de discurso Adaptado por Coutinho (2005) de Bronckaxt (2008: 71) Na verdade, ainda que se possa entender a arquitetura intema dos textos € os tipos de discurso como dois dispositivos de andlise, dado que os tipos de discurso se encontram integrados na arquitetura intema dos textos, ao nivel da infiaestrutura do texto, a mesma arquitetura textual devera ser reconheci- da como um tinico instrumento, em que os tipos de discurso apresentam um desenvolvimento desdobrado relativamente & arquitetura intema. A componente temtica Em 2008, Bronckart revé alguns aspetos de Atividade de linguagem, textos e discursos, a obra fundadora do ISD, Genres de Textes, Types de Discours et (Degrés» de la Langue — Hommage a Francois Rastier, visto que A andlce temitica de textos 159 os dois autores se debrucam sobre algumas questdes comuns, nomeadamente de ordem epistemologica No que diz respeito a abordagem tematica, Bronckart afirma que esta era quase inexistente no seu modelo inicial, 0 que foi justificado pela procura de tipos de planificapdo ou de regularidades de organizagéo textual que ul- trapassassem as variaveis dependentes do contetido tematico chamadas tipos de discurso, De acordo com 0 mesmo autor, esta reflexio da-se também pelo facto dea concetvalizagio da infiaestrutura se poder apoiar na abordagem da seméntica textual proposta por Rastier, atendendo particulammente a tematica € planificacdo (plano tatico, segundo Rastier), bem como ao plano agonis- tico (inserido no dial tic). Antes de exploranmos as relagdes que Bronckart estabelece com o traba- tho de Rastier, gostariamos de assinalar a incluso da organizagdo temAtica na infiaestrutura geral do texto (e que outrora se localizava somente nos mecanismos de textualizagdo, Bronckart, 2003: 259-317), Esta alteragdo € fundamentada, por Bronckart, numa mudanga do plano tedrico para o plano metodologico, assumindo que o conteido temético pode influenciar a mani- festagdo de diferentes tipos de discurso ou a ocorréncia de distintos meca- nismos de textualizago e de responsabilizagio emunciativa No entanto, tal coma sublinha Bronckart (2008: 77), “il conviendrait des lors d'entreprendre de nouvelles recherches empinques, contrélant les variables de contenu et visent 4 mesurer leurs effets sur les régularités d’organisation attestées”, sendo necessario empreender mais trabalhos para atestar a relagéo entre 0 contetido tematico e as regularidades discursivas (tipos de discurso) ¢ enun- iativas (mecanismos de responsabilizacdo enunciativa), E no sentido de existirem varios elementos articulados na produgéo de um texto ¢ retomando as (possiveis) relagdes entre a seméntica textual € 0 ISD, que Bronckart estabelece uma correspondéncia, dentro da componente de organizagéo tematica proposta por este autor, entre a tematica e o plano definido como tematico (passe a redundéncia), segundo Rastier, e a planifi- cago e o plano tatica J4 no entendimenta da seméntica textual, a andlise temitica baseia-se nos wniversos seménticos ou temas presentes num texto, sendo conseguida a partir da identificagdo de semas A temitica assim definida coloca algumas questées a Bronckart, na me- dida em que se postula um estatuto puramente semAntico: primeiro, porque se privilegia o estudo do sema como componente da rede de associagdes teméticas, em detrimento do lexema; em segundo lugar, ha uma questéo metodologica que advém da indissociabilidade dos planos do significante do significado e que ndo é totalmente solucionada por Rastier com os parale- lismos «plano do significadofsotopias sémicasy ¢ «plano do significan- telressondncias textuais». Alias, estes paralelismos tém origem exatamente na percep do do problema por parte deste ultimo autor. 10 Catia Teixeira & Matide Gongalves Bronckart prefere associar o estudo tematico especificamente ao plano apresentado por Rastier como agonistico, a partir da exsténcia de uma com- ponente tematica designada «arquitematican, o que corresponde a temas genéricos dependentes de congregagées semnticas, cujas designacdes néo sdo necessartamente de origem Linguistica, Esta preferéncia tem naturalmen- te outra motivago, tendo presente o estudo do agir empreendido pelo ISD: 0 facto de 0s agonistas serem atores definidos pelo tipo molecular (estrutura sémica) € por um papel (estrutura interacional), classificados, igualmente, pelas avaliagdes que realizam da arquitematica Deste modo, o plano agonis- tico detém o poder de organizar o dito plano sémico. No entanto, Bronckart sublinha cautelosamente que o plano agonistico é somente identificavel em relatos ¢ narragdes e que devera ser considerado uma carateristica genérica dos géneros que selecionam como tipo de discurso predominante a narrag&o, ainda que possam ser identificados segmentos de outros tipos de discursa que contemplem tragos ou efeitos deste plano agonistico, principalmente do relato interativo A j@ referida subcomponente da organizagdo tematica, a planificagio, comresponde ao plano tatica, designando a disposigio linear dos textos. En- tendida como uma carateristica dos géneros e feta ao principio de indissoci- abilidade do signo, ndo ¢ desenvotvida por falta de dados. Tomando em conta o mencionado, gostariamos de sublinhar o desdo- bramento da questio tematica nos mecanismos de textualizagio ¢ infraestru- tura geral do texto, conforme se pode venificar no quadra 1. No que se refere ao estudo da tematica, adotaremos esta proposta de Bronckart, optando por, a um nivel microlinguistico, implementar uma andlise influenciada pela se- ‘méntica textual 3. Aperspetiva de F. Rastier: alguns aspetos A semintica desenvolvida por Frangois Rastier corresponde a uma sintese de “segunda geragéo” da semAntica estrutural europeia desenvolvida a partir dos trabalhos de Greimas ¢ de Pottier. Rastier desenvolven uma seméntica componencial, diferencial, dinémica e unificada que vai da palavra ao texto até ao corpus (Trudel, 2009). Para o presente artigo, baseamo-nos nos se- guuntes trabalhos do linguista: Sens et textualité (1989), Sémantique pour Fanalyse. De ia linguistique @ I'mformatique (1994), «La sémantique des themes — ou le voyage sentimental» (1996), Arts et Sctences du texte (2001), A vertente componencial desta perspetiva semgntica advém da andlise sémica, ou seja, da decomposicdo de toda unidade seméntica ou de toda pro- dugdo semidtica em elementos distintos (nomeadamente em componentes seménticos, os semas) Além disso, a teona deste linguista é considerada dindmica, porque toda a descrigéo e/ou andlise de contetidos ou de textos baseia-se num percurso interpretative definido como “suite d’opérations permettant d’assigner un ou plusieurs sens a un passage ou a un texte” (Ras- A andlce temitica de textos Isl tier, 2001: 301), Esta definigao confere 0 carater ativo da interpretagéo, uma vez que 0 sentido ndo é dado, mas sim construido através de estratégias in- tempretativas de diversas ordens (Rastier, 1989, 2001). Finalmente, a dimen- sdo unificada da abordagem de F. Rastier prende-se com o facto dea meto- dologia ser a mesma para todos os niveis de complexidade textual, ou seja, do morfema até ao corpus Seguidamente, serdo apresentadas, de forma sucinta, algumas nogées desenvolvidas por este linguista, witeis para a andlise do tema, e que retoma- remos no ponto 4 do presente trabalho. 3.1. Os semas genérices e especificos ‘Um dos instrumentos chave da teoria de Rastier € 0 sema a pattir do qual se efetua a andlise sémica ¢ se determina 0 sentido do texto. O sem ou trago de contetido que compée o significado pode ser genérico’ e/ou pode ser especifico’, Um sema tanto pode ser genérico ou especifico consoante o texto onde ocorre. A recomréncia de um sema genérico gera uma isotopia e um conjunto de temas especificos constitui uma isotopia especifica ‘A natureza dos semas também se pode definir conscante séo inerentes fora de um contexto e inerente & lingua) ou aferentes (dentro de um contex- to ou de uma situagéo textual concreta), atualizados ou virtualizados (CE Rastier, 1987, 1989), 3.2. As componentes semanticas A teoria desenvolvida por Rastier distingue quatro componentes semnti- cas: a dialetica,a dialogica, a ttica ea tematica Estas desempenham um papel fundamental na construgio e na interpretagio textual e sio definidas como instance systématique qui, en interaction avec d'autres instances de méme sorte, régle le production et interpretation des suites linguistiques Rastier (2001: 298) A dialética articula a sucesso dos intervalos no tempo textual, como os estados ¢ os processos que se desenvolvem no texto. A dialdgica une as rela- ges modais entre universos e mundos ea sua descrigio da conta da emunci- ago. A tatica evidencia a disposiggo sequencial do significado, segundo a qual as unidades seménticas sio produzidas e interpretadas. Esta componen- te corresponde a planificaggo no modelo do ISD. Finalmente, a tennitica Umsema gendrico agnipa os sememas que contém o: mesma: tages; por exemplo, ‘cadei- 1a e ‘sofa’ pertencem classe dos ‘assets’ ? Um sema especifico distingue um significado dos outzos membros da mesma classe; por ‘exemplo ‘gafo" e fica’ pertencem ao taxema do: Malbere:), “gafo" confem o sema ipara ‘espetan! e ‘faa’ Jpara coxa! 12 Catia Teixeira & Matide Gongalves patenteia os contetidos investidos no texto, re , 0 universo seméntico. E des- nta através de unidades — semas, moléculas sémicas, isotopias, Das quatro componentes, Rastier destaca duas delas — a tematica ea ta- tica — porque s4o imprescindiveis na organizagdo textual, ao contrario da dialética ¢ dialdgica, que nem sempre so convocadas. O autor da como exemplo para explicitar este ponto de vista, um texto com uma estrutura seméntica minima (enumeragéo ou repetigo de uma palavra) que resulta da interagdo entre a componente tematica e tatica (Rastier, 1989- 103), As com- ponentes funcionam no seio dos textos ¢ cada uma delas entra simultanea- mente em interagio com as outras. Como explica Tridel (2009), pode-se isolar uma unidade seméntica numa ou noutra das componentes apresenta- das. De acordo com o objetivo deste trabalho, focaremos sobretudo a com- ponente tematica 33.A temitica Segundo Rastier, 0 tema pode ser descrito seguindo duas vias, depen- dendo do foco: 0 signo no caso da via lexicografica ou o texto no caso da via seméntica La voie lexicographique définit le theme comme un mot vedette, générale- ‘ment un substentif, augquel sont repportés divers parasynonymes ou équive- lents pattiels, Un dictiomnrire de thémes sera donc un sous-ensemble d'un. dictionneise, Cette voie est lige @ une lingnistique du signe La voie sémantique, en revanche, reléve de Ja linguistique du texte et ne confére pas de prééminence a un mot vedette identifié per son signifiant: elle spécifie le theme au sein de réseaux et récwrences et de transfor: mations. Rastier (2001: 196) De facto, para Rastier os lexemas no so suficientes para dar conta do tema. Estes correspondem aos signos ¢ sio construidos dentro de uma pers- pectiva morfoldgica, ao passo que os temas dependem de normas sociais, diferentes das normas da lingua. O linguista explora a segunda via que se situa no paradigma retérico-hermenéutico. Assim, o tema é o resultado de uum percurso de constituigaa ou de reconstituigo (Rastier, 1994° 41), isto é, o tema ndo é um produto dado pelo texto, mas sim algo construido, uma vez que a tematica depende das condigdes hermenéuticas (ou de interpretacdo), De acordo com Rastier, o tema é visto, numa acepao global, como 0 as- sunto do texto € corresponde a um agrupamento estruturado de semas, que conforme a sua natureza se organizam em semas genéricos ou semas especi- ficos. Além disso, os semas também se padem agrupar em temas genéricos € temas especificos A recorréncia de um sema genérico induz a uma isotopia genérica Esta distingue-se pelo sema que. estabelece e também pelo tipo de Aandlise temitica de textos 163 sema, que pode ser micro, meso ou macrogenérico’. Os semas especificos organizam-se em isotopias especificas (ou recorréncia de semas especificos) ‘A molécula sémica, enquanto “estrutura e pequena rede semantica comple- za” (Rastier, 2006: 101), ¢ formada por um agrupamenta de, no minimo, dois semas especificos coocorrentes (Rastier, 1980, Hébert, 2012. 123) pode ser representada por um grafico seméntico (Rastier, 1989: 61-63) ‘No quatro 3, apresentamos o esquema que sintetiza a proposta de Rastier. ‘Tema genético | Tema especifico Iotopia genérica | Lotopia especifica ‘Molécula zémica Semagenizico | Sema especifico (Quadro 3.0: temas e as formas semsinticas Outro ponto a equacionar é a relago entre as isotopias (ou temas genéri- cos) ¢ isotopias especificas ou as moléculas sémicas (ou temas especificos) De facto, Rastier sublinha que as moléculas sémicas so formas seménticas simples, enquanto as isotopias so findos seménticos sobre os quais as molé- culas se apresentam a nossa perceco. A ligagdo entre formas e fidos munca é estatica, dependenda da atividade na qual se insere o texto, ¢ pode ser univoca ou no. Por exemplo, 0 caso da atividade literaria manifesta variagées nessa relapo, nomeadamente, certas formas semelhantes se apresentam sobre fin- dos diferentes e mantém relagées de hierarquia ¢ de dominagdo (cf Rastier, 1995). Quanto as atividades publicitaria e enologica, as quais pertence o texto a ser analisado para este trabalho, a relagio entre forma e fundo é tendencial- mente univoca, como se vera adiante através da andlise textual 4, A aplicabilidade das propostas apresentadas No espirito da discussio aberta das ciéncias sociais humanas, apontaremos algumas questdes que julgamos pertinentes sobre os trabalhos de Rastier e de Bronckart. Em primeiro lugar, os estudos de Rastier debrugam-se exclusi- vamente sobre textos literénios, mais recentemente em corpora de grandes dimensées ¢ tratados informaticamente. Quanto aos escritos de Bronckart, > ko microgenénio estéassociada a denominago taxema e comesponie is “classes minimais Ge intedefinigdo des signes”, 20 mesogenivico a denominaro dominio relacionado com as praticar sociats (classe de ondem termunologica), ao maciogenérico a denominagio dimen Sao (clase de gencraidade superior que divide o universo semintico em grande oposipSes fais como flanimadol! ve Iinanimadoll, Mnimazoll vs Il anivall) (Raster, 1987 49-52; ‘Traded, 2009) 1st Catia Teixeira & Matide Gongalves estes sugerem-nos dois tipos de observacdes: comentarios sobre as associa- ges que estabelece com Rastier ¢ comentarios relativamente ao ISD. Comegando pelas possiveis afinidades com Rastier, reiteramos 0 que jé fomos apontando ao longo do nosso trabalho —as coincidéncias entre autores situam-se mais no campo epistemologi- co que metodologico; —a correspondéncia entre a organizagio temtica e os niveis especifi- camente tematico ¢ tatico é interessante, contudo a sua transposigéo para 0 ISD é linmatada, pois 0 nivel agonistico so pode ser aplicado em textos em que o tipo de discurso predominante seja a narrago. No que conceme as observagdes que Bronckart faz sobre o ISD, este afirma que a componente tematica no foi de todo desenvolvida em Ativida- de de linguagem textos e discursos. No entanto, evidenciamos o carater orientador da arquitetura geral dos textos (onde a infraestrutura dos textos € organizagdo tematica esto inseridas), no sentido que se pode desenvolver uum ou varios aspetos de andlise e no necessariamente todos, o que permite uma larguissima margem de manobra para quem se posiciona dentro do ISD. O nosso contnibuto visa exatamente extemplificar percursos metodoldgicos a partir dos principios orientadores da arquitetura geral dos textos num exem- plar do género amincio publicitario sobre o vinho, como veremos adiante A primeira consideragéo é que Rastier e Bronckart pensaram os seus mo- delos em fungio de textos exclusivamente verbais (literarios, dialogos, discur- 50, manuais), no tendo sido considerada a multiplicidade de elementos de naturezas diversas, sobretudo aspetos ndo verbais (como imagens, iustragies, figuras..), pelo quea multimodalidade nao integra os seus modelos. A outra observagao é que, em Bronckart (2008: 77-78), ao nivel da or- ganizagdo tematica, 0 género s0 é mencionado por associagio a planificagdo esta podera ser uma referéncia a aspetos composicionais (por exemplo, um titulo de um texto jomalistico), ndo se verificando nenhuma sugestio da possibilidade da atividade e, consequentemente, do género restringir as esco- Ihas lexematicas num texto No modelo da arquitetura intema dos textos, julgamos que o estudo da questéo tematica necessita efetivamente de maior desenvolvimento, ainda que neste seja sugendo 0 levantamento das isotopias. O nosso trabalho é um modesto contributo assente na possibilidade de conjugagdo de dois quadros epistemalogicos compativeis no estudo da questi tematica. 4.1, Andlise(s) temstica do texte publicitirie de Luis Pato* Neste amtincio publicitario sobre o vinho, identificamos na origem da sua produgdo a presenca das atividades publicitaria e de produgdo e comerci- alizagio do vinho. A influéncia das atividades ira materializar-se, no primei- ‘Texto publicado em “O Ezeangio”, n° 102, Maio / Junho 2008, p. 7 A andlce temitica de textos 16s +0 caso, nos aspetos composicionais, ¢ no segundo caso, no desenvolvimento do tratamento tematico. Do ponto de vista composicional, distinguimos duas caixas de texto (a primeira caiza com um tamanho de corpo de letra superior ao da segunda) na metade direita do amincio publicitario, sendo a metade esquerda do anincio reservada para imagens das garrafas do vinho Luis Pato ~ Vinhas Velhas nas variantes tinto e branco. Para melhor compreensio da nossa andlise, transcrevemos as duas caixas de texto, que ocomrem mum fundo azul celeste com nuvens brancas como pano de fundo da disposigo dos elementos ver- bais endo verbais: ~ primeira caixa de texto: “S6 um &s poderia Levar o seu paladar em vo- 0s tio altos” — segunda caixa de texto: “So um espitito arrojado e experiente como Luis Pato podria chegar to longe e colocar a Bairrada no modemo mapa vinicola intemacional. Seguido atentamente por criticos de nivel mundial coma Jancis Robinson ¢ Robert Parker, a sua dedicago as castas locais Baga Bical esta bem patente nestes Vinhas Velhas. Duas escolhas de cortar a respiragéo. Com peixe ou com cag.” ‘Assim, para determinar como se manifesta a tematica no texto em ques- to, faremos uma descrigéo em trés tempos. Num primeiro, observaremos os semas (genéricos ¢ especificos) e as relagdes que se tecem entre eles e que penmitem identificar qual o tema do texto. Num segunda momento, passa- remos a analise dos tipos de discurso, e, por fim, daremos conta de uma pos- sivel relagéo existente entre os elementos verbais e no verbais, cruzando a anzlise dos semas e dos tipos de discurso. A dificuldade sentida foi precisamente encontrar uma metodologia que pemnitisse determinar quais os semas genéricos ¢ especificos presentes no texto. De facto, de um ponto de vista tedrico, a proposta de Rastier, parece susceptivel de ser operacionalizada, mas de um ponto de vista pratico, depa- ramo-nos com 0 constante recurso aos mesmos exemplos para determinar a natureza dos semas ea auséncia de contra-exemplos, tanto pelo proprio Ras- tier, como por alguns dos seus seguidores’. Assim, optamos por seguir a proposta de Hébert (2006) e Ballabriga (2005) que se debrugam sobre textos contemporaneos e propdem exemplos diversificados Hebert (2006) propde uma metodologia que se pode dividir em duas fa- ses. Uma primeira, fiindamentalmente heuristica, na qual se procura fazer ‘uma pesquisa exploratéria. Procede-se entéo a um levantamento sumério dos diversos semas ¢ tenta-se formular algumas hip6teses relativamente & exis- téncia de isotopias e/ou moléculas sémicas em fungéo da época na qual 0 texto foi produzido e do genero a que pertence. "A tito de exemplo, vejaze o recuso a um mesmo techo da obra de Emile Zola ‘T-Ausomoir (1870, dado por Rastier (1996), Dutei-Mongel (2004) e Tmadel 2005) 166 Catia Teixeira & Matide Gongalves Assim, no que diz respeito ao texto em andlise sabendo que se enqua- dra nas atividades publicitarias ¢ de produgo e comercializagio do vinho, ha desde logo a expetativa de encontrar uma ou varias isotopias relacionadas com 0 /vinho/. Em temos metodoldgicos, a partir da primeira fase efetua-se uma segunda fase mais analitica, na qual se recolhe os semas pertinentes que merecem destaque Por forma a perceber como se constrdi a temtica no texto, faremos al- guns comentarios relativos as isotopias e as suas relagdes e apresentaremos, a seguir, uma tabela que recapitula os semas genéricos € especificos e as principais indexagées de significados Convém salientar que foram somente escolhidos para esta andlise os significados dos substantivos, dos verbos dos adjetivos, com vista a agilizar a analise A analise dos semas permitiu distinguir uma isotopia (sema genérico Winho/) € uma molécula sémica constituida por dois semas especificos Ideslocago/ e /superioridade/. O sema mesogenérico ligado ao dominio vi- nnho constréi a isotopia /vinho/. Vejamos algumas indexagdes de significados sobre essa isotopia O quadra 4 retoma os diferentes signos que constituem 0 sema /vinho/ Sema TuePeto ene imerente Paumanol seme aferente Minho! Baarada seme inexente Nocal/ seme aferente /vinhol Vinieala seme inerente Aaahor Dedicasio seme aferente Manhol A semelhanga de oulses ovautncias deae sema noutros textos, este sema da ideia de entrega e de integr dade por peste do produter Castes seme efexente Minho! Bage seme inerente Aunhol. Recoahece-se ede seme eaociedo 20 seme generico Mvinho/, como caste, pelo uso da meiiscule, que o distingue do significado comum baga. Bical seme inexente Minho! ‘Vasher Velher | seme inerente /vnhol ¢ fnuperionidede”. Reconhece-se ene seme associado 20 seme genésico Ainho/ também pelo uso da mais. cule, Quaro 4: Sema gendzicoIvinkol Como se pode constatar, metade dos signos contém o sema inerente Winho/ ¢ a outra metade contém o sema aferente /vinho/. Assim, pode-se afinmar que o tema do texto ¢ construido tanto por elementos de contetido inerentes a lingua como por elementos de contetido dados no seio de um contexto particular, o texto, ou seja, ha uma relapdo equilibrada entre os semas inerentes e aferentes A andlce temitica de textos 1sT A molécula sémica ¢ constituida por dois semas especificos /deslo- cagio/ e /superionidade/. Por uma questéo de exemplificagdio apresentamos duas tabelas: uma com o sema /deslocago/ (quadro 5) ¢ outra com 0 sema Isuperionidade/ (quadro 6). Seana ‘Sema inerente [desloceytal Subentende um movimento ou deslocagio de uma pessoa au de um objeto, ‘Semainerente [deslocepia/ Supbe uma desocegio oumow rmento acentuado pela presenga do adverbio tia” e do adjetivo ne chegu Chega | Sema inerente [deslocaytal Supoe uma dedovagio cumow to longe) mento acentuado pela presenga do advérbio tia” e do adjetivo onge”. mapa Tema aferente [deslocajtal Comesponde a representayho de ‘um tersitério. Talemacional | Seme afezente /dedlocagtol. Diz reapeito a0 que @ comum & dois ou vazios paises, Quadso 5: Sema especifico Meslocagio! No caso do sema /deslocagéo/, observa-se que este é findamentalmente construido por semas inerentes, 0 que significa que os elementos de contei- do pertencem ao significado de um signo isolado endo em contexto Signe Sema = Sema inerente /auperiaridade/. Corresponds a wna pessoa note vel de grande valor capo Sema aferente /euperionidade) Nee confexto, relemor 08 Wagor de inteligincia e de eptidio como pertinentes pera este sgno axqedo Sema inerente /superionidade/. Inovador, ousado, subentende distanciamento selativemente «uma pessoa coberde, tinida. cxpaiente Sema inerente /euperioridade/. Entendida, conhecedar, suber tende superioridade relativamente @ um aprendiz, principiante caitcor Sema anerente /eupenondade/. Quem analise, entice, usufius de ume posigio de superioridade ava mundial Sema inerente /aupesioridade/. Supbe preeninéadie Teneis Robinson | Seme inerente /superioridade/. Sema inesente Mnamanol Calico enologico reconhecido mundialmente Robert Parker | Sema inerente /superioridade/. Sema inerente Fmumanol Calico enologico reconhecido mundialmente (Quadso 6: Sema especifico nuperionidade! Através da listagem dos semas ¢ da sua natureza — inerente ou aferente — pode-se observar que, tal como no caso anterior, 0 sema /superioridade/ constrdi-se com base em semmas inerentes, 18s Catia Teixeira & Matide Gongalves quadro a seguir apresenta os trés semas ¢ os temas subjacentes, cria- dos no texto. Recon tmias Sma Tena “toesPac, “Busco “iico. | fiat senemiee | ra gence ciclo, "easte, "Ba | _gentico ‘Semas aferentes vanho Udedecsiel sme | eae emciico ‘Semas inerentes destocagio a emp, pete "esticor' vlan | PHAM! | Tog epciica dial”, “Jancis Robinson”, Robert sspectico superioridade “Rati Snes ieee Quairo 7: Semas¢ tema do texto do Luis Pato Numa primeira fase desta andlise, observamos os trés semas isolada- mente. Propomos, agora atentar no conjunto com o infuito de discemir as relagdes que se tecem textualmente entre eles ‘A primeira observacio diz respeito as relagées que se estabelecem entre aiisotopia principal, que da o mote ao texto ea molécula sémica, Como ja foi referido anterionmente as isotopias comespondem a fmndos semAnticos e as moléculas sémicas equivalem a formas seménticas. Assim, a isotopia /vinho/ €0 fndo do texto sobre o qual se manifesta a molécula sémica constituida pelos semas /deslocacio/ e /superioridadel. No seguimento de Trudel (2009), apropriamo-nos do conceito de molé- cula sémica e adaptamo-lo, com 0 infuito de observar as relacées entre fundo e forma no texto em andlise. A molécula sémica é consiitulda pelos semas especificos /deslocagdo/ e /superioridade! 0 que, a nosso ver, em conjugago com a tema genérico®, permitem analisar o tema do texto de forma mais aprofundada ¢ encarar’o texto como um todo apesar de ser constituido por diversos elementos (verbais e ndo verbais) Optace aqui por tema genénico em vez de isotopia genética, vito a sotopia mio ser uma ‘ertrutra tal como a molactla sémica (Ravter, 2001: 197) A andlce temitica de textos 169 esacasio! am renho! RES) (ary | mpenantaces |] (Quaiso 8: Molécula sémica mo texto publictéio de Luis Peto que sobressai desta molécula séo as relagdes que se organizam entre o tema genérico /vinho/ e os temas especificos /deslocagao/ e /superioridade! ‘Na verdade, o sema /deslocagdo/ ¢ uma carateristica ou um atributivo (ATR)" do tema do texto, o vinho Luis Pato: “so um as poderia levar o seu paladar em voos téo altos”, sendo 0 sema /superioridade/ também um atributive do tema vinho. Tanto 2 /deslocago/ como o /superioridade/ causam (resultati- vo, RES) a /evaséo!. Aliés, a presenga da unidade no verbal imagem do céu, enquanto pano de fundo do texto, realga esse resultado ‘A segunda observacdo que sobressai da primeira fase da anzlise € 0 fac- to dea molécula sémica constituida pela semas /deslocagéo/ e /superioni- dade/ ser composta por semas inerentes enquanto a isotopia genérica vino € formada tanto por semas aferentes ¢ inerentes. Como jé foi referido, os se- ‘mas inerentes tém origem no sistema da lingua, correspondem ao tipo Lexical tal como é fixado pela doxa. Os semas aferentes séo atualizados por uma instrugo exterior ~ e no nosso caso pelo texto publicitario. A diferenga entre a isotopia genérica ea molécula sémica deve-se ao tema ser construido tex- tualmente ou dentro do te:tto e néo pelo sistema da Lingua. Repare-se que 0 tema genérico do texto (ou isotopia genérica) néo ¢ dado por um signo topi- calizante (que poderia ser “vinho”). O signo “vino” so aparece na wltima parte da publicidade, na parte inférior do texto, e esta relacionado com a Vinalda (empresa de comercializagao ¢ distribuiggo de grandes marcas de vinlos e bebidas) e néo com o vinho Vinhas Velhas, de Luis Pato. No pri- meiro bloco textual, ou seja o primeiro contacto verbal com o leitor, néo aparece um tinico sema relacionado com o tema desta publicidad — 0 vinho Como se veré posteriomente,a introducio do tema deste texto, o vinho, dé-se pela imagem e pela combinagao entre unidades verbais e nfo verbais. O elemento néo verbal garrafa participa ma criago de um horizonte de leitu- ra. Assim, a leitura da primeira caizca de texto, “So um as poderia levar 0 seu paladar em voos tio altos”, permite ao leitor fazer uma assaciagao entre 0 conjunto dos elementos e identificar 0 vinho como a tematica do antincio. 7 Para asignificagdo dos casos ver Rastir (1989: 282) 10 Catia Teixeira & Matide Gongalves No que diz respeito a andlise dos tipos de discurso, consideramos que este estudo se afigura complexo. Ha questées de ambito interpretativo refe- rentes aos géneros amincios publicitanios, como é 0 caso da existéncia de um destinatario para cada amiincio, o que ¢ independente da ocorréncia formal de elementos verbais que sustentem essa Leitura. E 0 caso de considerarmos que ha uma situago de interlocugdo encena- da, um syjeito que fala para um destinatario no identificado, valorizando 0 produto cuja imagem ocorre a esquerda. Este efeito é conseguido pela pre- senga de determinante possessivo de 3* pessoa do singular. “seu paladar”, um referéncia ao interlocutor da situago verbal encenada, o leitor do amtin- cio; a outra forma pronominal presente, “a sua dedicagio”, é uma referéncia ao carater empenhado de Luis Pato na arte da produgo do vinho que é as- sunto do antincio endo assume nenhum papel interlocutivo De resto, ndo se verificam formas verbais ¢ pronominais de I* pessoa que indicariam a figura de um produtor textual linguisticamente marcado que apresente categoricamente a sua opinido Assumiremos que a forma verbal “poderia” conjugada no condicional ocorre com um valor epistémico, reforgado pelo operador argumentativo “so” na estrutura frasica “sd” + grupo nominal (que também se faz presente no inicio da segunda caixa de texto). Ainda que a forma verbal nos remeta para uma situago de disungio temporal relativamente ao momento presen- te, este segmento deve ser relacionado com uma situagéo de interapdo real, em que 0 sujeito se revela implicado em termos de organizacio atorial, emi- tinda juizos sobre a qualidade do vinho. Logo, este segmento ¢ considerado um exemplo de discurso misto composto por discurso interativo com marcas de relato interativo, este ultimo tendo em conta a forma verbal do verbo “po- der”. Efetivamente, é de sublinhar que ha um sujeito enunciativo ancorado ‘uma situaggo interlocutiva interativa, que, no entanto, convoca uma figura exterior a essa cena interlocutiva, assim como os seus feitos, 0 que corres- ponde a uma cena emunciativa disjunta do presente No que diz respeito segunda caixa de texto, somos da opinizio que se 4 a manutenggo deste tipo de discurso misto; no primeiro segmento (“So uum espinito arrojado e experiente como Luis Pato poderia chegar téo longe colocar a Bairrada no modemo mapa vinicola intemnacional.”) é retomado o uso do condicional ¢ reforgadas as superlativas capacidades de Luis Pato, bem como o seu reconhecimento nacional e estrangeiro No segundo segmento da segunda caiza, identificamos marcas linguisti- cas relacionadas com a demarcagéo de outro tipa de discurso, 0 discurso tedrico, pertencente a ordem do expor um uso da forma verbal no presente do indicativo que remete para um momento presente através de forma verbal com um valor aspetual habitual (“a sua dedicaggo as castas locais Baga Bical esta bem patente nestes Vinhas Velhas.”), a presenga da passiva ¢ de grupo nominal com valor argumentative (“Seguida atentamente por criticos A andlise temitioa de textos im de nivel mundial”). Este segmento pretende refletir uma objetividade do ponto de vista atorial a ser continuamente reproduzida. Fazendo 0 ponto da situagio relativamente a presenga dos tipos de dis- curso nas caixas de texto: —a primeira caiza de texto configura marcas dos tipos de discurso inte- rativo e relato interativo, introduzindo a superionidade do produto, sendo este, inclusivamente, capaz de evocar tematicamente a evaséo, como se pade verificar pela analise dos semas, —a segunda caiza de texto, num primeiro segmento, tem também mar- cas dos discursos interativa e relato interativo, focando novamente a impor- tancia da historia do produtor de vinhos Luis Pato no panorama vinicola. 0 segundo segmento, que apresenta marcas de discurso teGrico, especifica a relevancia do desempenho de Pato ao mencionar o reconhecimento deste por criticos mundiais os seus conhecimentos de especialista com as castas lo- cais matenializados nestes dois vinhos, mais apreciados comas sugestées de harmonizagdo gastronémica referidas. No entanto, ha a referir uma particularidade decorrente da combinacgo entre elementos verbais ¢ elementos ndo verbais: a introducdo da tematica do vinho é dada através das imagens das garrafas de vinho, as Vinhas Velhas Tinto e Branco, cujo nome da marca ocorre em destaque, a esquerda da pa- gina e seguindo uma orientago de organizagéo textual da esquerda para a direita, Esta forte relagdo de coeréncia, na medida em que ha associagées promovidas por movimentos de correferéncia textual, esta igualmente bem documentada entre a ocorréncias de “as”, “voos téo altos” (1* caiza) cyjo referente, Luis Pato (2 caiza), s0 ¢ introduzido linguisticamente a postertort Finalmente, neste vltimo segmento, gostariamos de destacar a forma do verbo estar em’“a sua dedicagao [de Luis Pato] as castas locais Baga e Bical esta bem patente nestes Vinhas Velhas” que se afigura extremamente rele- vante para a abordagem da relago entre elementos verbais ¢ elementos ndo verbais Na passagem em observacdo, a dedicagéo de Pato é conseguida, mais uma vez, através da relagio entre os elementos verbais e ndo verbais: a as- sergdo positiva (“esta bem patente”) acompanhada da forma contraida da preposigio com determinante ¢ que possui valor deitico (“nestes Vinhas Velhas"®) remete intratextualmente para as garrafas no antincio. Esta possibi- lidade de uso da lingua é uma marca dos géneros publicitarios cuja interpre- tagdo 50 ¢ possivel tomando o texto na sua totalidade, ou seja, atendenda aos elementos verbais ndo verbais * Notamo: que a popra devignagio “vinhas velhas” é uma forma coretmida de um alto gran de qualidade do vinko, visto que para um vinko ostenfar este nome feve de ser produzido ‘comartas de cerca de 60 anc. Anfigamente, era nomnal a planfario de muita: castes, em ‘invultineo, no mesmo terreno, oque, em algumas stuapGes, dificulta hoje em dia a ident ‘Beagio de todac ar cata, alem dco, todas ac “vinha velhas” partilham de wma baiea pro- ugfo por hectare e de uma maior concentragdo do: componentes dauva, in Carla Teixeira & Matide Gongahves Sabendo que o estudo dos semmas ¢ fundamentalmente seméntico, parece- -nos insuficiente para dar conta da tematica, tal como foi sublinhado por Bronclart (2008: 78). Nesse sentido ¢ numa tentativa de encontrar pistas para aprofundar o estudo do tema, propomo-nos de seguida cruzar as duas andlises, dos semmas, instrumentos chave da semntica textual, e dos tipos de discurso, instrumentos de destaque desenvolvidos no seio do ISD, no quadro 9. an “Temalivotop Tipor Recorrencas simicas | Temaliotop/ de dicurse “Luis Pato”, “Bairada”, “vanicoln,“dedicacéo", | tema gendrco vinko | so teonico “castes”, “Bagas”, “Bi. isotopia cal”, “Vinhas Velhas” discurs0 misto “teva "08 te expan deo. “cheger longe’, cio intent com prvinteneion!” | moléclesémice | Tarctsd Seas a co" expe’, ent discs miro cos”, nivel mundial”, tema especifico supertio- | icterativo com “Taneis Robinson’, Ro- | ne saree de lao bert Parker”, “Vinhas veula semice interativo Vela Quai 9: Temas ¢ tipos de diseuso quadro 9 evidencia a coincidéncia da presenga dos semas ¢ dos tipos de discurso, sublinhamos que os tipos de discurso no so um instrumento de andlise tematica e que, em termos do ISD, séo instrumentos vocacionados para o estudo combinado da atorialidade e da organizaco temporal Os semas especificos /deslocagdo/ e /supenoridade/ aparecem em fun- go do discurso misto interativo com marcas de relato interativo que repro- duz uma situagio de interagdo, este tipo de discurso mobiliza um tratamento temtico original que nos parece original. A isotopia /vinho/ manifesta-se em fungdo do discurso tedrico, o que parece revelar uma certa estabilizagdo do tratamento temético inerente a uma atividade, visivel no recurso a um léxico predominantemente mais técnico. Considerando os mecanismos de responsabilizago enunciativa, é de as- sinalar que 0 uso do discurso misto interativo com marcas de relato interati- vo corresponde a manifestagdo de uma voz social, coincidente com a marca Esta voz constroi uma representagéo extremamente positiva de Luis Pato coma dedicado produtor vinicola e especialista de vinhos, o que é exemplifi- cado pelas duas moléculas sémicas “deslocagéo” e “superioridade” e respeti- vas recorréncias semicas como foram elencadas (cf quadro 9) e que se asso- A andlce temitica de textos 13 ciam a isotopia ou ao tema genérico vinho, qualificando, por equivaléncia, favoravelmente 0 produto publicitado, o vinho de Luis Pato. Os segmentos de discurso tedrico desenvolvem, igualmente, a mesma representaggo de Luis Pato, contudo, nestes acorrem reconréncias sémicas tipicas da atividade do vinho, evidenciando técnica ¢ especificidade ¢ sugerindo uma autonomia enunciativa face aos segmentos antentores que no é real. Constatamos, entéo, que esta andlise de ambito tematico retomou os trés niveis da arquitetura dos textos, os mecanismas de responsabilizacgo enun- ciativa, os mecanismos de textualizaggo ¢ a infraestrutura do texto, tendo sido, particularmente, conjugados os mecanismos de textualizagéo com es- tratégias da seméntica textual para uma analise microlinguistica Salientamos que este cruzamento situa-se num plano puramente heuris- tico, que necessitaria de ser testado num corpus mais vasto constituido por textos do mesmo género e por textos de diferentes géneros, a fim de averi- guar se ha regulanidades de ocorréncia de um determinado tipo de discurso em relagdo aos semas genéricos e especificos 5. Notas conelusivas [Neste trabalho, propusemo-nos refletir sobre o tratamento da tematica reali- zado em dois quadros tedricos, o ISD ea seméntica textual. Tendo sido indi- cadas as possiveis relardes de ordem epistemologica a partir dos dois enqua- dramentos, de seguida fot realizada a andlise contrastiva de um texto perten- cente ao género amtincio publicitério da area do vinho. A partir dessa andlise, concluimos que a anzilise sémica proporciona uma base fundamentada da tematica no texto observado, na medida em que identifica as recorréncias sémicas inerentes ao tema genérico e aos temas especificos textualizados. No entanto, a seméntica textual ¢ insuficiente para perspetivar a construgéo textual do tema, uma vez que separa os planos do significado e do significante, e, porque, de acordo com a proposta de Bronc- kart (2008) sobre a arquitetura dos textos, é também de ter em conta a orga- nizago discursiva e restantes mecanismos de textualizagio e de responsabi- lizagdo enunciativa Por outra lado, considerando trés niveis da arquitetura intema dos tex- tos, 0 ISD estabelece varias possibilidades de trabalho, Devido a condicio- namentos de espago, optamos por realizar a andlise a partir dos tipos de dis- curso combinadas com a analise sémica, recuperando outros niveis da arqui- tetura dos textos, quando se revelassem pertinentes. No texto analisado, con- cluimos que os tipos de discurso interativo ¢ relato interativa sio utilizados para dar conta da construgdo tematica, ao nivel do texto, ¢ que o discurso tedrico ¢ empregue no dominio especifico da atividade de linguagem do vinho. A andlise conjugada da tematica é desenvolvida em tomo de uma construgdo figurativa de Luis Pato altamente qualificada como produtor € especialista de vinhos 1m Catia Teixeira & Matide Gongalves Salientamos que esta concluséo decorre da andlise textual de um antin- cio publicitario ao qual atribuimos o estatuto de exemplar do respetivo géne- ro, pelo que esta ilapdo necessitaria de ser testado num corpus mais vasto de textos de diferentes generos, a fim de averiguar se ha regularidades nas ocor- réncias de um determinado tipo de discurso em relagio aos semas genénicos € especificos. Embora a tematica possa depender diretamente da atividade de linguagem, a textualizagio da tematica parece ser uma questio construida localmente em fungdo de cada texto e resultante das interades dos elemen- tos efetivos. Nesse sentido, o nosso trabalho procurou ser um contribute para o tratamento da relagdo da componente temnatica e da componente da organi- zagdo discursiva. 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